Projeto Vale Memória
Depoimento de Vânia Velloso Pereira Neto
Entrevistada por Rosana Miziara, José Carlos Vilardaga e Ana Paula (Bastos)
Rio de Janeiro, 1° de setembro de 2000
Realização Museu da Pessoa
Entrevista CVRD_HV061
Transcrito por Cristina Eira Velha
Revisado por Bruna Ghirardello
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Projeto Vale Memória
Depoimento de Vânia Velloso Pereira Neto
Entrevistada por Rosana Miziara, José Carlos Vilardaga e Ana Paula (Bastos)
Rio de Janeiro, 1° de setembro de 2000
Realização Museu da Pessoa
Entrevista CVRD_HV061
Transcrito por Cristina Eira Velha
Revisado por Bruna Ghirardello
[...]
R - ... primo de um outro cara que estava namorando a minha tia. E quando ele chegou lá, ele olhou para a minha mãe, minha mãe tinha acabado de voltar de uma ópera no [Teatro] Municipal. Minha mãe trabalhava na PAL, recebendo inclusive os judeus fugidos de guerra, que eram recebidos aqui na Ilha das Flores, ela trabalhou sete anos, ela fala muitas línguas e tudo. E ela estava voltando dessa ópera, com esse pessoal da PAL e da minha avó, que ela tinha ido no Municipal. E ela adorou a ópera, então ela começou a contar e a falar da ópera. E na casa dela, na divisão entre a área de música, porque a família dos meus avós é muito musical, era e é ainda muito musical.
P/1 - É mesmo?
R - Meu avô tocava. Depois eu falo tudo. Um monte de coisa. Era músico e tudo também. E aí ela pegou a cortina que dividia o ambiente, se enrolou na cortina e
meio que fez uma pequena encenação do espírito da ópera. E aí meu pai falou que se apaixonou perdidamente por ela com essa encenação do espírito da ópera enrolada na cortina. (risos) E que é uma memória super legal de você saber que você nasceu de uma coisa boa e bem construída. E eles realmente... meu pai era e minha mãe é pessoas muito interessantes, muito inteligentes e divertidas. Uma característica de ambas as famílias é o bom humor. É, eu tenho, assim, só os ingleses que são meio mal humorados, entendeu? (risos) Mas são engraçadíssimos, porque são triloucos, são muito perturbados, assim, são bem diferentes.
P/1 - E essa ligação com a música, da família?
R - A música foi o seguinte: o meu avô, ele era desembargador, foi juíz. O avô, pai da minha mãe, Moacir. E ele tocava violino, tocava flauta, tocava bandolim, e fez questão que as filhas, as quatro filhas e o filho... o filho não seguiu muito bem não, mas as quatro filhas tocassem piano. E minhas tias também, as primas também. Então, todo mundo foi para conservatório, tinha aula de música em casa. Elas tiveram uma educação muito sofisticada e clássica, por conta dessa questão da advocacia, do meu avô ter sido juiz, desembargador. E meu avô era uma pessoa extremamente preocupada com cultura, com conhecimento. Então, essa coisa já está impressa no DNA, graças a Deus, da família, porque a gente sente que tem uma coisa ligada ao gosto do saber, que é uma coisa que permeia as gerações. E a coisa da música, tinha saraus maravilhosos na casa, todo mundo tocava, cantava, aquela coisa toda. E a casa era sempre uma casa de referência no Leblon, na rua Cupertino Durão, vivia aberta, 127. Casa do Doutor Moacir Velloso: vai ter sarau, vai ter festa. E ia todo mundo. E eles tinham muito contato, porque o Rio de Janeiro era minúsculo naquela época, Ipanema era uma coisa, quase um areal, Leblon idem. Então as pessoas todas se conheciam, as famílias todas tinham uma relação muito intensa. E era comum, se você era de classe média e já mais cosmopolita era comum, quer dizer, todas estudaram no Colégio São Paulo, colégio de freira, não sei quê, tinha uma formação clássica. As pessoas faziam essa coisa de teatro em casa, escreviam peça, representavam para a família. Isso é uma coisa que eu vivi muito, a gente mesma fazia peças, depois pequenininhas, para as tias e a mãe. E tinha toda uma anturragem de tias e parentes ajudando na produção. E fazia apresentação. Então, esse lado da cultura era muito valorizado, sempre foi valorizado. E isso acho que era o viés do meu avô. Meu pai não, que meu pai era um... a gente pode dizer assim... um Krenak com português, ele era uma pessoa terra. Às vezes eu lembro ele igual a Ana Terra, do Érico Veríssimo, aquela coisa, a dimensão do vento, do tempo. Ele era muito terra, muito raíz. E a minha mãe era uma pessoa extremamente fina e sofisticada. E o grande barato é juntar água e óleo e dar certo. Isso é que é o grande barato da vida.
P/1 - E ele trabalhava com que, o seu pai?
R - Meu pai era engenheiro. Ele foi engenheiro de vários lugares, ele construiu estradas, pontes, foi do DNER, ele trabalhou lá na irrigação do São Francisco, trabalhou no Nordeste. Aí ele entrou na Vale, também, em não sei quando, mil novecentos e muitos... (risos) atrás, no comecinho, na época do Demerval Pimenta. E começou a construção da estrada de ferro Vitória-Minas como engenheiro calculista das fontes, viadutos e obras de arte da Vitória-Minas. E toda definição de cálculo estrutural da estrada. E trabalhou lá. E como ele tinha essa transa terra, trabalhar nessa empresa que estava nascendo e que era uma empresa de terra, minério, aquela dificuldade, um ambiente super inóspito, ele tirou isso muito bem, acho que isso tinha tudo a ver com ele. Quando ele conta, para ele, as dificuldades do lombo de burro, que a gente estava até comentando, coisas assim, não eram tão difíceis, porque faziam parte de uma história de vida, de uma pessoa que morava em um lugar incomunicável e que ia estudar não sei quantos quilômetros no lombo de um burro para chegar no tal do grupo. Ou ia no grupo atrás, de carona no carro de leite, com aquele carro de duas rodas, de burro, que levava aquelas latas de leite antigas e os garotos iam atrás de carona para chegar na escola, no carro de leite. Ele mostrou isso para a gente, depois de mais idoso, a gente voltando ao tempo na cidade dele, como é que era a vida daquela época. E a cidade mudou pouco. Então, quer dizer, eu acho que o barato é essa coisa da mistura, minha mãe é uma mulher sofisticadíssima, vocês tiveram a oportunidade de conhecê-la, uma mulher que fala línguas, uma pessoa super culta, e o meu pai é essa pessoa raíz.
P/2 - Você nasceu aqui no Rio de Janeiro?
R - Eu sou carioca.
P/2 - Como é que foi essa mudança?
R - A minha irmã, quando eles casaram, eles foram para Vitória, meu pai saiu acho que DNER, lá, ou dessa coisa do São Francisco. E foi trabalhar na ______ ferrovia, aí eles foram morar em... acho que Vitória primeiro, deixa eu ver, é: Vitória primeiro, depois Governador Valadares. E minha irmã nasceu em Governador Valadares. E minha mãe se orgulha muito de dizer que ela nasceu num caixote que fizeram lá na oficina, de última hora, e que todo mundo forrou o caixote, fizeram aquela coisa com rendinha, não sei o quê, e levaram aquele berço, caixote, preparado para ela, que ela achou super afetuoso da parte das pessoas. E a Claudia nasceu num caixote. E, por exemplo, no dia que a Claudia foi nascer, parece que acabou a luz na cidade, aí o cara do hospital mandou ligar o gerador, não sei o quê, não sei o que lá, porque a filha do Carlos Neto que ia nascer. Eles tinham uma relação muito chegada com os empregados e com a cidade e ela foi morar lá. Você pode imaginar o que que era morar em Governador Valadares em 1952? Então, a gente não tem a dimensão. Era uma cidade de faroeste. É como se você tivesse indo para Marabá, não agora, mas Marabá nos anos 1980. Ou talvez pior, porque já tinha muito mais comunicação em Marabá em 1980 do que tinha em Governador Valadares, se você falar do ponto de vista da tecnologia, em telefone, não sei o quê. Então, era tudo quase código Morse, o nível de comunicação, a dificuldade de ligação, de tudo.
P/1 - Vocês são em quantos irmãos?
R - Só duas. Duas meninas. A Claudia tem 46, eu estou com 44.
P/1 - E como é que era, assim, a casa? ________E na casa de vocês, você lembra, sua casa de infância?
R - Ah, eu lembro. A gente, quando eu nasci... eu nasci na Cupertino Durão também, porque nessa rua Cupertino Durão morava um monte de gente da família Velloso ou (Gosli?). Então, era um monte de tio e primo tudo assim, um do ladinho do outro, aquele monte de casinhas ou então predinhos pequenos. E o predinho que eu moro, que é perto do Álvaro, ali a Cupertino Durão com Ataulfo de Paiva, ali não existia o Álvaro, o Álvaro era no outro lado da rua. Inclusive o Álvaro era muito amigo do meu pai, que virou Manolo depois, foi o primeiro botequim do Álvaro. Aí ali tinha uma padaria famosíssima, desses portugueses que instalam a primeira grande padaria de centro de bairro, como o pessoal chamava. Depois tinha um barbeiro, que até hoje tem, em frente ao Colégio Santo Agostinho, que é o mesmo barbeiro, existe há uns, sei lá, 50 anos lá. E que a velharada da família cortou o cabelo até morrer com o mesmo cara também, aquela coisa de tradição. E depois vem o meu predinho, que é um predinho que tem hoje, até lá, que era branco com a janelinha azul. E eu me lembro muito de eu sentada da janela, porque era primeiro andar, a rês do chão e a gente conversando com as pessoas, eu ou com uma babá, ou com alguém, ou com a minha irmã, chupando sorvete na beira da... A rua tinha essa vivência de rua familiar. E todo mundo na rua se conhecia também, as casas eram abertas. Você entrava e saía de uma casa com a maior facilidade. E a praia do Pinto era no final da rua. E os meninos da praia do Pinto jogavam bola com meus primos, os três, que eram, assim, endiabrados, tinham a maior relação com a turma da praia do Pinto, que era todo mundo fissurado em futebol. E naquela brincadeira do garrafão, que você entra dentro do garrafão você leva pancada, você sai do garrafão. Não sei se vocês já brincaram disso, mas as meninas eram obrigadas a brincar para apanhar dos meninos, inclusive os moleques da favela. (risos)
P/1 - Como é que é o garrafão?
R - Você desenha um garrafão na rua e você tem uma prenda para pagar. Aí se você... é uma brincadeira de pique. Aí você, quando entra no garrafão, tem que saltar com um pé, o tempo todo correndo só num pé e provocando o outro. O que está fora só pode te provocar se entrar dentro do garrafão. Os medrosos ficavam entrando e saindo toda hora do garrafão e os corajosos ficavam... E aí você no garrafão você tem que derrubar alguém, mas num pé só, e tem aquela brincadeira do garrafão. (risos) Eu me lembro muito disso. E a gente entrava no garrafão, a gente apanhava para caramba dos moleques. E tinha que entrar, para poder fazer parte do grupo, não tem jeito, é a vida. Ser mulher no meio de um monte de primo homem é realmente uma vivência. Aí essa casa era uma gracinha, eu me lembro. Essa casa tinha um linóleo verde, com um desenho que parecia uns peixes e para mim aquilo era o mar. E que dava direto na cozinha. E que eu ia buscar alguma coisa na cozinha com uma babá que a gente tinha, a Maria, e que fazia umas coisas... a Maria e a Francisca, elas faziam... uma das coisas mais delicadas da minha infância que eu lembro são as toalhinhas de papel em renda que elas faziam cortando com tesoura. Você abria a toalha... Elas dobravam, dobravam o papel. Igual a gente faz cirandinha. Só que elas faziam aquilo com milhões de desenhos, com milhões de flores, quando você abria você tinha as toalhinhas de renda para brincar de boneca, feitas em papel, em jornal, era uma loucura. Então, essas lembranças são lembranças, assim, interessantes, que ficam. E a gente morava super bem. Aí dali a gente foi para o Bar Vinte, na Visconde de Pirajá, naquele prédio de... é o 666, redondo, de esquina, do Bar Vinte, onde tem aquela coisa horrenda que fizeram agora. Botaram aquele troço, ninguém entendeu. E depois nós fomos, quando eu tinha 12 anos, nós fomos para a General Osório, e morei na General Osório até sair de casa.
P/1 - Sua mãe mora lá até hoje?
R - Minha mãe mora lá até hoje.
P/1 - E dentro de casa, como é que era a relação com seus pais, quem que exercia mais autoridade, seu pai, sua mãe?
R - Eu acho que era bem dividido. Eu acho que os dois foram pessoas muito presentes. Eu tive uma vivência muito legal de um pai super presente e participativo. Meu pai levava a gente para o parque da cidade todo fim de semana, Jardim Botânico, Parque Lage, viajava com a gente sempre que tinha oportunidade, com um monte de gente, às vezes, ele alugava uma Kombi para poder dar todo mundo. Que a gente tinha um Simca, aqueles Simcas bonitões. E aí... tivemos um Aeroilis e um Simca, o Aeroilis branco de couro vermelho. Chiquérrimo (risos) E um Simca Chambord, azul e branco, com o couro bege. (risos) E ele tinha uma Kombi que ele deslocava para levar a molecada toda, os primos todos, para Itaipava, porque nós passamos a nossa infância, de férias, num lugar chamado Santa Mônica, que é na Estrada das Arcas, em Itaipava. E ali, esse Santa Mônica, foi fundado pelo marido da irmã da minha avó, mãe da minha mãe. Então, o tio Jorge fundou praticamente esse local. E com alguns amigos eles construíram o local e levaram duas grandes famílias, todo mundo para o local. Então, virou, igual a Cupertino Durão, um centro de lazer, de cavalo, de charrete, de jogar jogos, depois fundaram um clube, construíram quadra de tênis, essa coisa toda, nessa Santa Mônica, que é uma referência de infância, assim, também muito importante. E na questão da autoridade, eu acho que os dois, eles realmente foram pessoas bem presentes. Óbvio que tinha uma supremacia feminina, por conta que minha mãe parou de trabalhar e ficava mais em casa. Meu pai viajava muito, trabalhava fora. Mas era uma pessoa extremamente carinhosa e presente. Essa coisa de pai ausente eu não sei o que significa. Porque eu acho que é uma vivência da minha geração. Tenho muitas amigas que têm muito mais vivência de mãe do que de pai. Ele não. E ele é uma pessoa extremamente divertida. Ele era uma festa, muito engraçado. Tinha sempre uma piada, tinha sempre uma coisa legal. E ele sempre elogiava as pessoas. Era uma coisa muito interessante.
P/1 - E vocês tiveram algum tipo de educação religiosa?
R - Ah, sim. Tive que estudar em colégio de freira, que é por isso que eu sou assim. Tive que estudar em colégio de freira 16 anos, Notre Dame, em Ipanema, na Barão da Torre. Foi lá que eu fui alfabetizada, educada. Tinha que fazer aquelas coisas todas, comungar toda quinta-feira ou sexta, fazer confissão, aí, uma loucura! Cem Ave Marias, duzentos Padre Nosso, não sei quantas Salve Rainhas, a gente ficava horas. (risos) As meninas dentro da igreja, contando se a gente tinha cumprido tudo, a freira vigiando, era uma loucura. (risos) Aquele monte de menina adolescente. (risos) E os pecados não eram tão complicados assim para os padres mandarem tanta Ave Maria e tanto Padre Nosso. Eu me lembro, tinha umas meninas levadas, que era assim: 500 Ave Marias, 500 Padre Nosso, elas não saíam mais daquele... (risos) Eu não era das mais levadas. (risos) Eu me lembro, coitada, a Dora e Maria Luíza Levier, elas sofriam, porque os pecados delas eram, assim, considerados pelas freiras, horríveis. Então, elas, coitadas, ficavam horas. E cumpriam, Elas eram levadas, mas não eram mentirosas. Então, se mandasse rezar as 500 Ave Marias, elas rezavam. (risos) Era muito louco. Porque criança podia ter burlado. Não eram mentirosas, então tinha essa coisa. Você pode imaginar aquelas, freiras, umas coisas horríveis. Elas diziam, na minha turma, que tinha uma freira que dava Religião, que chamava Irmã Lucinda, óbviamente a gente não esquece dessas figuras quase mitológicas que passam na vida da gente. Ela deve ter descido de algum lugar especial ou veio do inferno, eu não sei, (risos) alguma coisa especial essa mulher, porque ela era uma loucura. Ela dizia para a gente, aos 11, 12 anos de idade, que nós tínhamos um véu preto transparente na cara e que nós éramos impuras. Todas. Nós não sabíamos o que era aquilo, o tal do véu preto transparente. E a gente ficava: "Mas irmã, como é que pode ser preto e transparente?" A gente queria lógica da freira. (risos) E a freira era completamente enlouquecida. Ela era muito doida. Ela tinha uma transa de poder... O exercício do poder nesses colégios de freira era uma coisa muito louca. São pessoas que resolvem casar com Jesus Cristo, deve ter... deve dar um problema, algum... ______ essa opção. Mas é uma escolha, a gente tem que respeitar a escolha. Só que elas ficam um pouco frustradas acho que dentro da clausura. E aí elas descarregam esse exercício do poder, da autoridade em cima das meninas. Um colégio só de mulheres, você imagina! Tudo adolescente, aquele monte de hormônios brotando, aquelas freiras enlouquecidas, (risos) querendo controlar e formatar a gente. Tinha uma coisa louca na escola, essa eu tenho que contar para vocês, que é muito divertida: ela pegava um sino, sinaço, não sei como ela conseguia pegar aquele sino, ela levantava o sino, assim, no que ela levantava o sino a gente tinha que parar como estava. Então, se alguém filmasse isso naquela época, era um teatro de Boal. (risos) Porque ficava todo mundo, assim, parado, na posição que estava. Agora, a gente chegava para ela e discutia: "Mas irmã, se a bola estiver no ar, como é que a gente vai resolver..." Coitada da irmã. (risos) Que ela queria que parasse... Você conhece essa brincadeira, assim, "Stop!", das crianças? Estátua? Era assim, tinha que ficar assim. Então, aquele bando de meninas. Aí a gente fazia umas caras bem tenebrosas e passava umas outras freiras checando se você não estava se mexendo. (risos) Uma loucura! Tem que rir, não é não? Não, era verdade, todo dia depois do recreio. Isso era procedimento operacional (risos) no colégio de freira. Você vê que Vale do Rio Doce dá para gerenciar, depois que você passou por isso, não dá? (risos)
Uma loucura.
P/1 - Sua irmã estudava na mesma escola?
R - Também. Minha irmã, olha, minha irmã aprontava muito, ela e uma amiga. A amiga foi expulsa e ela foi suspensa "n" vezes. Não chegou a ser expulsa. Mas olha, ela e a tal da Vera Patroni, as freiras queriam ver o demônio e não queriam ver a Vera Patroni, que a Vera aprontou naquela capela. Nós fizemos planos de incêndio na clausura, planos de roubar roupas íntimas das freiras. Sabe aqueles planos do Cebolinha e da Mônica, aqueles planos infindáveis. E o legal era a discussão do plano, como é que a gente vai trabalhar.
P/1 - Executar.
R - Era muito saudável, porque muita mulher junta não dá muito certo, tinha que ter a transa do masculino. E não podia, porque elas não permitiam. Então a gente a gente fazia essa coisa para tornar um lugar um pouco mais tranquilo de se viver.
P/1 - Eram elas mesmo que davam aula?
R - Elas davam aula e tinham também professoras mulheres. Só tinha um professor homem, que era um major, que ensinava a gente a marchar para 7 de setembro. E a gente tinha que marchar em pleno _______ e era ______. Você acredita? Marchava de uniforme de gala, com gravata de seda, boina. Todo mundo marchando. Tem que marchar, menina. Era uma loucura. E ele era o único que entrava lá, com a fita, e ele vinha. É uma estrutura militar, elas são super iguais aos militares. E alemãs, freiras alemãs.
[pergunta não transcrita]
R - Olha, da parte, assim, do português, inglês, a parte de humanas, mas não filosofia, porque elas morriam de medo dessas coisas, então elas discutiam pouco. A gente até tinha aula de latim, filosofia. O latim terminou dois anos depois. Minha irmã pegou o francês, o inglês, a gente tinha aula de artes, tinha desenho, bordado, uma porção de coisas. E música. Então, a aula de música era uma zona, a coitada da freira não conseguia coordenar aquele bando. Ela dava os instrumentos para todo mundo e aí ficava aquela coisa dentro do ambiente. E ela tentando fazer a gente ler música, ter um certo ritmo. E aí, quando a gente gostava de cantar, ela chamava a gente para o coral. Aí eu entrei no coral da escola.
P/1 - Cantava no coral?
R - Coral de igreja! Aí cantava aquelas Hosanas todas, porque aí era uma forma de você não fazer parte da aula de Religiões, que eram chatas, e ia para o coral, que era mais divertido.
P/1 - Que músicas que vocês cantavam?
R - Ah, a gente cantava Vitória, cantava Hosana nas alturas, cantava Treze de Maio. Eu não posso ver uma procissão que eu...
P/1 - Começa a cantar.
R - Começo a cantar e vou atrás.
P/1 - Canta um trechinho para a gente!
R - Ai, meu Deus, vou cantar. Deixe eu ver. "Vitória, o reinarás. Ó, Cruz, o salvarás. Andando pelo mundo, Cristo é nosso Senhor. E és o solo fecundo de amor e paz, ó Cruz." Aí tinham quatro vozes. É, bem católico, essa coisa. A Luciana diz que eu não posso ver uma procissão que eu vou atrás. (risos) Festa do Divino eu sei todas as músicas. E vou atrás. E vou mesmo. Acho o maior barato. A hora que está lá dentro, fica no inconsciente coletivo, aí você mexe alguma coisa, vai _________________. (risos) Adoro um filho de Nazaré, adoro festa do Divino em Parati, acho o máximo. Que é essa coisa interiorizada. Mas aí você consegue dimensionar essa coisa de religião e fé dentro de você quando você tem uma educação muito repressora e muito boba do ponto de vista de um conteúdo melhor, do que significa fé para você, do que significa uma espiritualidade. Elas não tinham possibilidade de fazer isso, ainda mais naquela época, 1960, depois anos 1970, era tudo muito medroso.
P/1 - E você fez o colegial aí mesmo?
R - Não, aí eu saí. Graças a Deus saí na quarta série. Fiz jardins todos, aquele troço todo, depois saí no primeiro científico, fui para o Andrews. Aí depois fui fazer Arquitetura, depois eu fiz uma especialização em Antropologia no Museu Nacional, que acho que foi o grande barato da minha vida. Foi descobrir na Antropologia o valor das culturas, das civilizações, das pessoas. E acho que mais que a Arquitetura. A Arquitetura realmente foi uma coisa que eu fui fazendo, mas não levei muito a sério. Mas aí eu estudei muito essa parte da Antropologia, comecei a pegar muitos livros e comecei a ler sobre filosofia. E acho que foi o grande barato meu na Vale do Rio Doce, foi poder ter esse outro lado, que não só técnico, não só ligado ao viés da construção, do projeto. Trabalhar com planejamento com essa perspectiva da diversificação de culturas e de sociedades que se apresentam e que existem na vida. E que você tem que lidar com elas de uma forma ou de outra tentando achar os nichos de conexão, entendeu? Eles podem ser água e óleo, mas nem todas as moléculas dessa água é só água. Tem um pouco de óleo na molécula da água e tem um pouco de água nas do óleo em si. E você tem que achar esses pontos de conexão. Igual às nossas _________. (risos)
P/1 - E Vânia, voltando um pouquinho, como é que foi ser adolescente?
R - Ah, foi legal. Aí eu entrei num colégio misto. (risos) Acho que eu já expliquei. (risos) Aquela coisa, de você ver, pô, cheio de cara. No Andrews tinha... tinha muito judeu no Andrews, mas tinha uns caras muito interessantes. E era um colégio muito legal, muito mais liberal, podia fumar, eu podia ir com qualquer roupa. E professores variados. Eu tinha professores maravilhosos. Eu tinha uma professora de química que ela chamava Maria da Prenha, que ela engravidava todo ano. (risos) Era Maria da Penha, ela era da UFRJ, uma química super famosa e a gente só chamava ela de Maria da Prenha. Ela tinha sete filhos, adotou dois da irmã e ainda adotou mais um fora. Não é uma pessoa maravilhosa? E ela dava aula de química no Andrews, no Santo Inácio, no Santo Agostinho, na UFRJ, em tudo que é... E fazia mil apostilas, mil trabalhos de química, era uma referência em química no Rio de Janeiro. E essa mulher, ela só chamava a gente de assombração. Ela entrava aos berros na sala, tinha um metro e meio, super magra, entrava aos berros: "Assombração! Nós vamos hoje conhecer tudo sobre benzeno." (risos) Era assim, teatral. Era muito legal. Até hoje eu me lembro, a gente tinha um medo dela, que achava a aula dela tão terrível, ninguém passava, ficava todo mundo de segunda época. Ela era horrível. Tinha uns muito engraçados. Tinha uns professores... Tinha um que era alcóolatra, o Sabino, e ele chegava, assim, na maior ressaca, entendeu? (risos) De óculos escuro, tentando dar uma aula, a gente falava: "Pô, o cara está doidão!" Tinha muito doidão na escola. Naquela escola era... Acho que o Rio de Janeiro naquela época era uma loucura. Rolava solto.
P/1 - Como é que era fora da escola, com as tias?
R - Ah, era ótimo. Tive vários namorados, depois comecei a namorar um cara.
P/1 - Qual foi a primeira paixão, seu primeiro namorado?
R - Primeiro namorado? Acho que foi aos 12 anos, chamava Amarelo, era Roberto. Ele era um loirinho, super simpático, depois ficou meu amicíssimo, até ele faleceu, ele morreu quando o Cristiano nasceu. E foi ótimo, foi o primeiro beijo, primeiro namorado. Foi me encontrar em Itaipava para me dar meu primeiro beijo, sabe aquelas coisas? Então, foi ótimo o Amarelo, a gente tinha muita festinha. Eu ia muito a Campestre, Monte Líbano, essas sabadeiras e domingueiras, que tinham para caramba. E caiçaras. Então, tinham umas boatezinhas, tocava um conjunto chamado Analfabeatles, que tocava música dos Beatles. Analfabeatles. Eles tocavam música dos Beatles e era um show, uma banda super legal. Tocava altos rocks. O rockinho daquela época, aquele (_________Revivel ., Bee Gees, essas coisas. Herman’s Hermet, e aí era ótimo. Tinha uma turma enorme, o pessoal da escola. Eu andava muito na Cinco de Julho, porque tinha muita gente do Notre Dame na Cinco de Julho que eu me relacionava. Foi onde eu conheci esse meu segundo namorado, que foi o namorado que... segundo não é verdade, ele foi acho que terceiro ou quarto. (risos) Mas que foi mais namorado. (risos) Isso a gente não precisa falar aqui. (risos) E aí tinha a turma da Gávea, ali onde fica o Guimas, eu andava na rua Goiatins também para caramba. O Roberto, que foi esse meu primeiro namorado e muito amigo, ele era do grupo Senzala. Os irmãos dele fundaram o grupo Senzala de capoeira. Então eu frequentava as rodas de capoeira, os batismos, sabia tudo. Ele me ensinava, negativa, aú, não sei o quê, aquela coisa de capoeira. Eu não fazia não, mas eu tinha o maior conhecimento da técnica. E ele fazia, os irmãos todos faziam, eram professores. Aí conheci
peixinho, borracha, gente toda da capoeira também. De vez em quando eu ia para ver toda essa turma. E aí você começa a namorar firme, aí fica mais nessa coisa de namoradinho, com um único namorado. Aí mudei, saí, fui fazer outras coisas, fui viajar, viajei muito. O meu pai sempre perguntava: "O que que vocês querem?" Eu falava: "Eu quero viajar." Ele sempre optou pela viagem. Nada desse troço de ficar dando festa, anel de brilhante, a minha mãe que fazia mais questão desse lado. Mas ele sempre deu força... Ela gostava muito de viajar. Ela ficava com medo de soltar a gente. Mas ele sempre liberou. E sempre deu muita força. Então a gente viajou muito sozinhas, minha irmã e eu. A segunda vez que eu fui para a Europa eu fui com ela, sozinha, numa excursão, de navio. Foi um show. A gente se divertiu muito com o grupo. Imagina: 16 a 18 anos, dois meses na Europa com um grupo, em excursão. É um show. É uma oportunidade única. Eu acho que eu fui, assim, uma pessoa que tive muitas oportunidades. E eles apresentaram todas as possibilidades da gente ser feliz, todas. Foram pais extremamente generosos, não só com a gente como com todos os amigos, com toda a família. Todo mundo que eles pudessem ajudar eles ajudavam. Estavam presentes, não no sentido só financeiro, mas no sentido, assim, de uma estrutura emocional legal, entendeu? Isso eu sentia muito no meu pai, na minha mãe também. É aquela coisa do abraço. O americano tem um termo melhor, que chama o holding, que é você segurar com, carregar. E eles tinham isso, o colo. Um colo na medida. E acho que isso fica. Isso para mim é básico. Acho que quem tem isso tem grande chance de ser um bom profissional, de casar bem, de ser uma boa mãe, um bom pai, de ser bons amigos, de se relacionar com o mundo e de entender a diferença. Porque eu acho que a maior dificuldade nessa vida é entender e internalizar, quando você precisa, as diferenças.
P/1 - Existia alguma expectativa do seu pai em relação a sua carreira profissional, que você escolhesse alguma coisa?
R - Não, meu pai não. Ele sempre quis ter um filho homem, não teve. Depois no final ele até achou bom, que achou que ele ia massacrar muito o garoto. Porque ele era muito durão, assim, com essa coisa da masculinidade mineira, essa coisa mais de interior. Mas eu não. Eu fiquei na maior dúvida. Eu queria fazer Arqueologia. Eu queria ser Arqueóloga da Geographic Magazine, sabe aquelas coisas? Viajar para o Egito, para a Etiópia. Foi a minha primeira opção, botei no vestibular Arqueologia. Aí depois falei: "Eu não vou ganhar dinheiro nunca, não vou conseguir fazer nada. Eu vou ser o quê?" Arqueóloga, eu adorava essa área da Arqueologia. Aí eu falei: "O que que eu faço? Faço Geografia? Geografia Humana?" Adorava Geografia também. Aí eu optei pela Arquitetura, assim, no último momento, nem estudei nada, não estava a fim. Aí fiz. Aí depois, que eu fui fazer a Antropologia por opção, já mais velha, na Vale, eu pedi licença uma época, fiquei dois anos indo ao Museu três vezes na semana de manhã. Aí fiz um trabalho, uma monografiazinha, interna mesmo. Mas o contato com os professores, o contato com o mundo da Antropologia, os livros e tudo é que foi legal. E o contato com o conhecimento. Agora a Vale é uma oportunidade de conhecimento muito grande. Se você quiser se aprofundar, é uma empresa que te dá oportunidade de conhecer "n" áreas do saber. É só você ter essa coisa gostosa, com a curiosidade, eu acho que tem, tem esse nicho lá. Ela é enorme, ela fala de tudo, fala de tudo.
P/1 - Quantos anos você tinha quando seu pai começou a trabalhar na Vale, desde que você nasceu?
R - É, eu acho que sim, porque ele já trabalhava quando a minha irmã nasceu.
P/ - Quais as suas lembranças de infância, adolescência, da Vale do Rio Doce?
R - Da Vale? Ah, eu me lembro do prédio antigo, antes de ser esse prédio reformado, onde a gente trabalhava. O prédio da Vale era na Presidente Wilson, não era ali na Graça Aranha. É onde ficava a Valinha antiga, ali na Presidente Wilson, acho que do lado do Tribunal Eleitoral, _________, um prédio de fachada preta. Eu me lembro eu indo lá de vez em quando, muito raramente. E vinha, assim, à vezes, para ir ao médico, não sei o quê, porque a gente tinha médicos na cidade. Então às vezes a gente passava no escritório dele. Eu me lembro dos amigos em casa, que minha mãe sempre foi uma pessoa muito receptiva, sempre gostou muito de receber, de dar jantares maravilhosos, não sei o quê. Então, tinha muita festa, tinha muito encontro, eu me lembro muito dos amigos, todos, sem exceção, daquela geração, alguns ainda vivos. E que tinham uma relação muito chegada com a gente, que a gente conhecia todo mundo. E eles criaram um espírito de família muito grande. Porque estavam em cidades diferentes das suas famílias de origem e as pessoas tinham que vencer a diversidade do local, do ambiente, a saudade. Então criava uma ligação muito forte. Então elas se tornaram, as mulheres e os homens muito amigos, muito próximos. Era uma turma. Eu me lembro eu viajando na Estrada Vitória-Minas, pequenininha no trem, eu lembro, que foi a primeira viagem de trem que eu fiz, eu me lembro. Trem foi sempre uma coisa que eu adorei, obviamente, ______cara ferroviário, construtor de ferrovia. Tinha trem para tudo que é lado, trem até no sonho. E aí ele me perguntou, depois que eu me formei, ele perguntou: "Você quer trabalhar no projeto Carajá? Tem uma vaga." Eu fiquei na dúvida, porque eu queria ir para Natal, trabalhar na Prefeitura de Natal, eu tinha recebido um convite para trabalhar na área de saneamento da Prefeitura de Natal, depois de anos de ter cuidado de saneamento dentro da Vale do Rio Doce. Essa parte de implantação de plano diretor, porque eu tinha trabalhado na Fumbren, foi o meu primeiro emprego profissionalmente, na região metropolitana do Rio. Aí eu conheci esse cara de Natal e ele perguntou se eu queria ir. Fiquei na maior dúvida por causa do namorado, família, essa coisa toda. Aí consegui uma entrevista no Carajás com a Lourdinha, na época que estava sendo arquiteta júnior, e para cuidar. Depois veio logo a questão ambiental, assim que começou o projeto Carajás, em 1981, 1980, começou o projeto Carajás. 1981 já entrou a questão ambiental como uma pressão externa em cima do projeto. Aí a gente já continuou tanto na parte do projeto como na parte ambiental. Mas eu me lembro, voltando a sua pergunta, eu me lembro muito dos amigos do meu pai em casa, eu me lembro eu andando de trem.
P/2 - Como aconteceu seu primeiro emprego, quer dizer, como que ele surgiu, como ________?
R - Ah, a Fumbren eu consegui através de um amigo que me apresentou o Maurício, que era o superintendente da Fumbren, um arquiteto, Maurício Batista. E aí eu trabalhei lá num programa de parques e jardins. Trabalhei no finalzinho de um projeto que era a recuperação da Fazenda São Bernardino em São Gonçalo... Não! Fazenda São Bernardino é _______, interior dos Estados Unidos. É a Fazenda Colubandê, em Alcântara, uma fazenda super bonita, que depois virou lugar da polícia militar, estava acabando com a fazenda. Aí foi feito um decreto do governador na época, acho que o Negrão de Lima que era da época, e construiu uma área de centro cultural, uma área histórica, então a gente foi fazer o levantamento. Então, eu trabalhei em três projetos de patrimônio histórico, uma como estagiária, nesses dois, e trabalhei nesse programa de parques e jardins da região metropolitana. Então, tinha que pegar o carro, ia visitar todos os campos de futebol em fundo de Várzea, todas as pracinhas, todas possibilidades de praça. A população, ela cria o espaço público. Mesmo que você não dê a oportunidade, mesmo terreno baldio, daqui a pouco eles cercam, fazem quadra de tênis que seja, botam um banquinho, limpam a área e aquilo vira uma praça daquela comunidade. A gente trabalhou dimensionando isso, o que que era espontâneo e o que que podia ser investido em termos de um programa de parques e jardins na região metropolitana, nesta área de planejamento. Aí depois foi isso, aí depois eu fui para a Vale. Aí fui trabalhar no Carajás, que era um projeto super diferente. Aquela coisa nova.
P/1 - Você tinha esse desejo, pelo fato de seu pai trabalhar lá: "Quero trabalhar na Vale. Vou trabalhar lá."
R - Não, não tinha desejo nenhum. Estava com a maior dificuldade se eu ia para Natal, se eu não ia. Eu queria trabalhar em escritório de arquitetura, eu tinha trabalhado como estagiária, desenhista, em um monte de escritório de arquitetura, desenhando para Brasília, desenhando para Cabo Frio, Búzios, aquelas casas de projetos de arquitetos aqui do Rio. E eu achava que era mais legal entrar nessa área da arquitetura residencial e tudo. Aí ele falou: "Olha, o projeto Carajás é uma coisa super nova." Meu pai já estava saindo da Vale nessa época, ele já tinha saído. E ele falou: "É super nova, acho que vale a pena você experimentar. Fica lá um tempo. Eles estão precisando de uma arquiteta por um tempo. Para você desenhar e experimentar uma outra dinâmica de emprego." Aí eu fui lá com a Lourdinha e entrei. E realmente o projeto Carajás foi uma coisa fascinante. É um super projeto brasileiro. É uma coisa, assim, se você pensar, construir aquilo no meio da Amazônia, em cinco anos. Vocês conheceram lá, vocês viram todo o cuidado e todo o trabalho de pensar tudo que está lá, foi feito consultorias minuciosas de tudo. De conforto térmico, de qualidade de saúde, qualidade de educação, de planejamento regional, de como desenhar cidades. Consultaram os melhores arquitetos, os melhores planejadores. Tudo era discutido, foi um projeto, assim, super detalhado e discutido no âmbito da implantação: como implantar? Depois veio a questão ambiental que ninguém entendia nada dessa área. E você tentar fazer com o mínimo de impacto possível. Como é que era isso? Era uma pressão externa, claro, que o dinheiro era do Banco. Mas já tinha essa notícia na Europa e tudo e a preocupação de fazer. Então é muita vivência. Porque aí a gente conheceu grupos de cientistas super renomados, Ab'Saber, Warwick Kerr, Otávio Velho, Gilberto Velho, você imagina você estar em contato com essa gente toda do saber nacional, dando dicas de como você implantar um projeto tão grande, tão complexo. Numa região enorme, porque estava criando uma nova região. O projeto Carajás criou uma nova região, hoje é a região de Carajás. Não tinha essa noção de região ali. Então é uma coisa muito séria. Hoje a gente tem a dimensão da seriedade. Na hora você está... tanta coisa, você é tão novinha, não tem essa percepção, mas hoje você vê o tamanho que foi e o investimento que foi, de gente, de discussão. Muito legal, um super projeto mesmo. Foi uma oportunidade, porque aí eu pude até gostar um pouco mais de arquitetura, porque eu desenhava, fazia, aí eu entrei na área de fazer as casas de hóspede, as decorações de Carajás, aí eu achei uma delícia.
P/1 - Nesse começo qual era especificamente sua função, o cargo?
R - Eu era arquiteta júnior, entrei como arquiteta júnior do grupo de trabalho do projeto Carajás, acho que foi uma coisa assim, (GTMAC .
P/1 - Você ia para Carajás?
R - Não, ia e vinha. Ia com a Lourdinha, tudo, a gente ia fazer visitas, ia ver as obras, desenhamos o acampamento. O primeiro acampamento, o N5, a gente que desenhou. Então desenhei o hotel, desenhamos a parte... prefeiturinha, a parte de comércio, fiz o primeiro museu de Carajás, no N5. E o projeto era meu, e eu montei o museu inteiro, levantei todos os dados, botei tudo lá dentro, fiz todos os painéis, pintei todas as paredes. O primeiro museu lá, com a primeira pedra que foi achada de ouro de Serra Pelada, estava no museu, a primeira pepita. E contando a história dos pioneiros, porque o museu ficou... acho que tem coisas dele ainda até na Margarida, da Docegeo, tem coisas guardadas. Depois ele foi desativado, foi desmobilizado tudo, porque aí era uma área de lavra, o N5, que é uma área que está sendo aberta agora. E aí depois eu fiz a decoração da casinha de hóspede, a primeira casa de hóspede de Carajás. Fiz a decoração junto com uma arquiteta, a Leda, que trabalhava _______. Aí foi ótimo, fizemos uma decoração super legalzinha, bem tropical, escolhemos tudo juntas. Aí veio a oportunidade de, depois que a casa de hóspede de Carajás estava pronta, estava já nos finalmentes, os detalhamentos todos já tudo pronto, o acabamento tudo pronto, era para contratar uma arquiteta, a Janete Costa, para fazer a decoração. E era a casa para receber cliente, pessoal vip. E aí o João de Deus decidiu: "Não, faz aqui dentro mesmo." E o Luciano que coordenava o projeto de arquitetura, a parte toda de arquitetura do projeto Carajás. Ele disse assim: Ah, eu estou sem tempo." Eu falei: "Ôpa!" Aí eu fiz. Aí estou fazendo até hoje. (risos) Aí foi uma oportunidade bem legal.
P/2 - Quando você chegou em Carajás qual foi a sua impressão?
R - Ah, eu me emocionei tanto no primeiro dia. Eu fui para um... tinha um... a gente estava construindo, primeira vez que eu fui lá, eu cheguei no N5 e estava tudo construindo, e essa casa, a primeira casa, acho que também estava construindo. E a gente pediu para fazer, a gente mandou o _________para fazer um deck de madeira, projetando... pequenininho, que fosse um décimo daquele que tem na casa de hóspede, projetando na floresta. E aí eu vi o deck, não tinha nem parapeito, então o pessoal botou, assim, coisas para a gente não chegar perto, só para ver como estava a construção desse(deckzinho. E eu vi aquela floresta do avião também, eu falei: "Gente, isso é uma loucura." É lindo mesmo, tão diferente, tão... é inabitado, você está construindo tudo aqui. E pouquíssimas pessoas, quer dizer, estava já começando a fervilhar de gente no N5 em termos de construção. Mas Parauapebas não existia. Existia uma invasão. A gente estava construindo Parauapebas e teve a invasão do pessoal sem terra, que criou o Rio Verde, toda aquela problemática de ______, de grupo de terras, de posseiros. E a gente lidando com aquilo tudo. É um impacto muito grande aquela região, acho que tem essa coisa... a floresta mexe com você, pelo menos comigo sempre mexeu muito. Eu me emociono até hoje. Eu vou a Carajás há 18 anos e adoro, me emociono até hoje. Acho um lugar maravilhoso, uma experiência muito legal. Fiz muitos bons amigos lá.
P/1 - E essas pessoas que estavam lá também?
R - Naquele momento? Olha, nesse deck eu estava com o Mozart. O Mozart era superintendente e a gente, os dois juntos, eu olhando, assim, eu falei: "Não existe!" E ele morando lá. Eu me lembro tanto dessa cena, assim, o deck sendo construído. E eu ia fazer a decoração, para medir a casa toda. A casa já estava quase pronta. Faltava, assim, finalizar vidro, não sei o que, não sei o que lá. A gente fez o desenho, o Caio fez o desenho da casa, a gente fez uma finalizada em termos de acabamento, na prancheta. E aí fomos lá para medir a casa inteira para escolher o mobiliário. E a casa ia ter que receber os clientes, os visitantes vip. Então, e eu fiquei, assim, impressionada, estava uma gracinha, uma casa toda bonitinha, toda avarandada em volta, toda cercada de tela. Muito bonitinha a casa. E aí foi uma emoção. E depois, assim, a gente pegou o carro e foi para N1, eu não conhecia N1 ainda. N1 foi o primeiro lugar onde os americanos colocaram a primeira casa de hóspede, o primeiro ponto de exploração lá. Aí chegamos, cruzamos o campo rupestre inteiro, que era uma coisa muito interessante pegar a transição da floresta. E N1 a gente viu aquela casa dos ingleses, que também era linda, que tinha um deck enorme projetado, assim, no abismo. Linda a paisagem. Foi uma coisa, assim, apocalíptica. Você via, assim, céu de um lado, nuvem, depois você via a chuva chegando do outro, aqueles milhares de cadeia de montanha que não terminavam de mata, de floresta, sem fim. Aí à noite, final da tarde, você escuta o canto do Guariba, que é uma emoção a primeira vez. Tem sempre de duas araras voando juntas, porque elas estão sempre em pares. Então, são imagens bem características do lugar. E é a diferença, a diversidade. Em termos de ecossistema, quando você começa a estudar mais isso, ver essa coisa da mata de transição, do campo rupestre. Eu adoro a ______, eu acho aquilo lá fascinante. As pessoas vêem, acham inóspito, duro. Porque o minério brota, ele brota na terra, super forte. E vermelho. E é quando tem as flores da época, que bate o vento. Quando elas vão para um lado, elas ficam todas da cor do minério, quando elas voltam para o outro, elas ficam todas brancas. É um balé aquilo lá, o vento batendo na Serra, uma coisa linda. Eu sentava no chão, com a Manoela, pesquisadora florestal, botânica, eu ela e o Nelson, eu dizia: "Manoela, isso é muito bonito. O vento batendo na Serra, que bárbaro. Olha as flores endêmicas do campo rupestre." São cenas belíssimas. É um balé. E tem coisas que só têm lá. Não tem em lugar nenhum do mundo, incrível. E quem viu, viu. Essa é que a grande oportunidade.
P/1 - E os índios, não estavam lá?
R - Ah, muito. (risos)
P/1 - Lá dentro?
R - Já estavam lá há muito tempo. Perambulavam inclusive pela área da Vale, que eles consideram deles, uma área tradicionalmente Caiapó.
P/1 - E vocês tinham relação com os índios?
R - Não, aí eu comecei, na verdade mais agora, desde 1992, mas em 1982 eu comecei a trabalhar nessa coisa de comunidades indígenas, com alguns grupos do Pará. Aí eu fui visitar o Gavião e o Xikrin, ainda na década de 1980. E depois esse trabalho ficou mais... eu fiquei mais com a parte, assim, de posseiro, da cidade de Paraopeba, trabalho com pequeno agricultor e outros projetos, que a gente chama de Extra Vale. E a Kátia, que trabalhava com a gente, ficou mais com a questão indígena, ela pegou bastante tempo. E eu dava o apoio que era necessário, era muito complicado. Aí depois eu peguei mais firmemente o Xikrin, o programa do Xikrin, desde 1991, 1992. Cheguei a conhecer antes, mas muito interessante. Eles estavam lá, sempre tiveram. E assinamos o primeiro convênio em 1992, com 13 grupos. Índio para burro, uma coisa muito complexa. Não era obrigação legal da Vale, mas como o projeto estava entrando, veio uma cláusula dentro do contrato do Banco Mundial que a gente devia dar suporte e apoio às comunidades indígenas. Então a Vale destinou 12 milhões de dólares, 12,6 milhões de dólares para atendimento dessas 13 áreas. E aí a gente tentou acompanhar esse convênio, com a orientação da Funai. Uma coisa muito complicada, porque é um descaso total com a comunidade indígena. Agora está um pouco melhor, mas naquela época era um descaso total. Não tinha uma política séria. Eles tinham até a política no papel, mas nada era implantado. E a Vale também não tinha a menor noção de como fazer. Aí contratamos antropólogos da ABA, para nos dar assessoria. Nessa época a gente ficou conhecendo o Vidal, a Iara Ferraz, um monte de antropólogos, o Néscio, o Zé Luís, que cuidavam cada um com uma especialidade, com cada grupo. E a Lourdinha era coordenadora do programa de atendimento às comunidades indígenas. E a gente dava suporte necessário. Eu cuidava mais do Pará e a Kátia ficava mais com o Maranhão. Depois ela pegou tudo, porque eu tive que cuidar muito dessa parte de Parauapebas, posseiro, não sei o que, grupo na Apa, grupo no Sidério. Sempre foi muito complexo lidar com o que a gente chama extra muro, toda essa relação, de uma política social, como passar isso para a própria empresa, a empresa também não sabia como lidar com isso, a gente também não sabia. E aí agora que eu estou lidando mais diretamente com os índios. Mas já fiz bastante coisa, já cuidei de Parauapebas, já trabalhei com saneamento, trabalhei com implantação da área de Carajás, a área de Carajás nós desenhamos na nossa prancheta, a Kátia e eu, os 411 mil hectares.
P/1 - E o departamento urbano de desenvolvimento da núcleos urbanos da Amazônia, não tinha?
R - Tinha. Da Amazônia mineração. Esse departamento, ele era o primeiro departamento de núcleos urbanos, (Denuqui?). Depois ele virou grupo de trabalho de apoio aos núcleos urbanos e às comunidades indígenas também, e meio ambiente, para o projeto Carajás. E eu comecei nesse em 1980, e já mudou de nome, incorporou a questão indígena e meio ambiente no trabalho de núcleos, de desenho e implantação dos nove núcleos, ao longo da ferrovia.
P/1 - Como é que ele se formava internamente?
R - Como era? Ah, tinha a Lourdinha que era a gerente. Aí tinha a Kátia que era arquiteta, que como arquiteta, o Léo como arquiteto. Tinha o (Cezírio?) . que era da parte contábil, tinha dona Mônica, que é da área de engenharia, tinha o Luciano, que era da área de arquitetura também. Quem mais? Ah, o Caio, que era arquiteto. Aí tinha duas secretárias: a Leila, que está lá na Vale até hoje, é secretária dos Recursos Humanos, e a Eliana, Lili, que já saiu, que está trabalhando em outras coisas, dentro da Vale. Depois entrou mais arquiteto, entrou o Ricardo Falcão, quem mais entrou? Ah, o Jacob, (Jacob Sanovide?), arquiteto. Era um bando, um nicho de arquitetos, acho que na Vale inteira não tinha mais arquiteto a não ser aquele grupo trabalhando no... E o Marcos Marrocos, esse já até faleceu, muito amigo nosso, que também entrou no projeto. E aí rolou paulera, de tentar botar tudo em ordem, nove núcleos, desenhos e implantação, e construção, equipar, e tudo. Dessas áreas todas, porque eram todos equipamentos, você construía as casas de apoio do grupo que ia trabalhar na ferrovia, ou ligada ao pátio ferroviário, geralmente uma escola. Aí tinha sempre alguma coisa, assim, de apoio à prefeitura, não sei que, fazer uma melhoria, umas coisas ______. E em Parauapebas foi tudo, implantar todo o núcleo urbano, desenhar todo o núcleo urbano para as 4, 5 mil pessoas, com expansão para 10, todo o saneamento básico, a parte de eletrificação e os equipamentos comunitários, como hospital, a cadeia, a polícia, várias outras coisas, a escola, construímos escola em todos eles. Centro de apoio comunitário, essas coisas. Para criar uma mini infraestrutura de suporte ao pessoal da Vale que estava chegando e também para a comunidade. Você intervia e fazia convênio com a prefeitura, aí a escola funcionava tanto para os filhos dos empregados da Vale como para a comunidade. E o núcleo de Carajás, que a gente também desenhou tudo e implantou todo aquele núcleo.
P/2 - Na medida que vai montando esses núcleos, tem uma preocupação de cunho regional, quer dizer, incluindo a Amazônia...?
R - É, tinha, porque foi aquilo que eu te falei: nós contratamos uma consultoria de clima com o Tarifa, para ver o clima todo da região, o José Roberto Tarifa, que é um climatólogo da USP, um cara super legal. Aí ele estudou toda a questão de vento e chuva. E contratamos na parte urbana, a arquitetura, a consultoria do Quitério, que fez todo um estudo de incidência solar, de conforto ambiental dentro das residências. Aí fomos fazendo curso no IAB sobre conforto ambiental, dado por ele, que foi arquiteto pago pela Vale, foram muitos arquitetos fazer o curso, para a gente entender. Aí a gente sabia já fazer, como é que era a incidência do sol, como é que orientava as casas, o sentido de orientação dos lotes, as paredes cegas nas laterais, ventilação cruzada, ático ventilado, tela não sei aonde. Então incorporamos todas essas questões de conforto ambiental, que foi gasta muita grana nesses estudos para melhor qualidade de vida e de implantação do projeto.
P/1 - O que que se pensava como uma essência naquele momento, já que a questão ambiental era uma coisa que não era um dado tão óbvio naquele momento, qual era o conceito, o que que vocês tinham de entendimento de preservação ambiental?
R - É, na verdade o pessoal só falava mesmo de preservar, tinha o conceito de conservar. Ficou naquela coisa de preservação, preservação. Então a gente, sob orientação, claro, de conversas, que se criou um grupo de estudo de apoio à presidência, que era o (GEAMAN?). É um grupo de consultores, super especialista, tipo Ab'Saber e companhia, que dava um apoio direto à presidência. Então eles orientavam para algumas questões fundamentais…
[fim da fita]
R - Então nós fizemos um mapeamento, que eu tenho até hoje, depois eu mostro para vocês, de todo o desenho da região em termos de clima, de geomorfologia, de movimento dos ventos, tudo esses estudos, todos foram feitos, para a gente entender como é que acontecia no plano macro essas questões. Em termos de localização, melhor localização de núcleos e tudo. E até eventuais indústrias na área, se comportaria, se não comportaria, conversão térmica, essas coisas todas. E aí fizemos esse mapa para poder conhecer a região, definir até uma área de influência, como é que era o comportamento dessa região, levantamento de todas as unidades de saúde, unidades educacionais, qual era o perfil dessas unidades, qual era o atendimento que a população tinha. Fazer toda uma definição em cima dos censos, para ver o que que você estava encontrando, que população é que era, como é que era a dinâmica daquela região. E aí na questão ambiental você tinha a idéia seguinte: tem que se criar ilhas, nichos de preservação. Então a primeira coisa foi desenhar o Carajás. Nós fizemos a área dos 411 mil, baseado no ___ de exploração lá nas lavras, nas serras e no desenho que se tinha das explorações futuras. Se criou aquele conceito que veio, isso da época da década de 1960, que chamava o buffer zone, quer dizer, zona de tampão, zona de proteção. Se queria fazer no Carajás era evitar o que se tinha em Cubatão, que era o pior dos mundos. De você ter uma industrialização, uma mina de ferro extremamente agressiva do ponto de vista ambiental e pessoas morando muito próximas e você não sabendo lidar. Então criava uma zona tampão e fazia um nicho de proteção, até como banco de germoplasma para as futuras gerações. E se criou grandes áreas. Quer dizer, tinha o Xikrin, a gente fez todo um trabalho de demarcação, desobstrução, tiramos fazendeiros da área, madeireiros da área, tudo com recurso da Vale, para proteger a área deles, 439 mil hectares. Tinha os 411 mil hectares da CVRD e tinha em cima o que a gente chamava de reserva de recursos, que hoje é o salobo, a rebio, parte da Apa, e depois ainda tinha uma outra área que seria uma área de uma estação ecológica, que foi deletada, porque foi invadida e virou hoje a colônia Jader Barbalho. Acima de Parauapebas. Então esses mapas todos a gente é que produzia, desenhava, discutia como é que ia ser. Para criar essa ilha de preservação, uma vez que você tinha uma visão já de devastação total daquela área. O projeto entrou? É óbvio que acelerou. Mas já estava muito devastada a região. Não foi o projeto Carajás que devastou a região. Ela já era uma região extremamente agredida. Maranhão e ali o sul do Pará, Marabá, já tinha uma... quer dizer, vem desde a época do cálcio, a castanha, aí vem a história de ocupação da região, estudamos essa história da ocupação, isso foi um troço que eu adorei. Estudei toda a questão de terra, a questão fundiária, a história da ocupação da região, o sentido de região. Porque os rios sempre norte-sul. E de repente uma ferrovia cortando leste-oeste. Você ia mudar a dinâmica das pessoas, as pessoas demoravam muito para andar nos rios, até pelas estradas, para chegar do ponto A ao ponto B. E de repente uma ferrovia super eficaz que funcionava todo ano, quer dizer, tem o problema de chuvas, o regime de chuvas da Amazônia, que é o que rege a vida daquelas pessoas. E a ferrovia nunca inunda, projetada para nunca parar. E as pessoas a qualquer tempo, há qualquer momento, podiam sair de São Luís e estar em Marabá. Numa eficácia em termos de transporte e tudo. E essa nova ocupação e compreensão desse espaço. E para o meio ambiente foi criado isso. A gente sabia que no meio ambiente, quer dizer, a devastação não ser total, você tinha que trabalhar através das unidades de conservação e das áreas indígenas, que é o que segura. E hoje as áreas indígenas seguram mais do que as unidades de conservação, porque elas são muito mais invadidas, por conta que são gerenciadas pelo Ibama e ele não tem nem poder de fogo nem financeiro para tomar conta de uma extensão tão grande. E nas áreas indígenas o pessoal não se mete a bobo, porque os índios pegam mesmo, haja visto, vocês tem visto no noticiário, eles seguram a onda. Eles já avisaram, aqueles mais guerreiros, mais velhos. No Xikrin, o pessoal não se mete a besta mesmo. Eles entram e seguram as caras. Vão lá atrás. Então, o pessoal da região já... "Aí é terra de índio." Mas tem muita invasão ainda, tem muita pressão sobre a floresta. Aquilo é grana, é um recurso que está ali, todo mundo quer pegar.
P/2 - E dentro da Vale, como é que esse impacto ambiental, social, era passado para quem estava operando, os moradores do núcleo...?
R - Nós criamos dentro da Vale, aí quando a gente assumiu o meio ambiente, a gente criou as Comissões Internas de Meio Ambiente, as Cimas. Então cada área operacional da Vale tinha um representante da Cima e esse representante da Cima tinha seus suplentes que faziam o trabalho junto às áreas operacionais. E faziam reuniões gerais dos Cimas, dos Comitês de Meio Ambiente, Comitê Interno de Meio Ambiente, Comissão Interna do Meio Ambiente, para discutir os problemas e tentar passar isso a nível operacional, que era uma coisa muito difícil dentro da visão da Vale do Rio Doce, dos mineradores, de tirar só o minério da terra. E não tem essa vivência da reposição, da recuperação da área, não achava isso importante. Ninguém achava que a água ia ser um problema na década de 1980. Hoje está todo mundo falando e sabe que água potável é o grande problema desse século. É o problema realmente sério, em termos de abastecimento, desse século. E isso não era uma preocupação para o cidadão comum, nem para a gente. Para nós foi, assim, um total deslumbramento no início, de você lidar com essas coisas nova que estavam sendo conversadas na Alemanha, Partido Verde, e vem em cima da Amazônia com aquela pressão. E ótimo, porque o que que você vê de 80 para 2000 é... A gente era chamada "as borboletas", Kátia, eu e Lourdinha. Você pode imaginar dentro da Vale: "Lá vem as borboletas!" (risos) ___________as borboletas. Ele vai lembrar disso se ele ver as fitas. E era engraçado, porque eles queriam jogar a gente lá do 20° andar. A gente tinha essa sensação todo dia. (risos) "Essa chatas, essas cri-cris." Mulher na Vale do Rio Doce, arquiteta e cuidando do meio ambiente! Não podia ser mais inóspito para um engenheiro típico do CVRD, que você já deve ter entrevistado alguns, (risos) não muitos. Então, nós éramos a diferença. Eu acho que a gente criou a diferença, sabe? Acho que teve um grupo, assim. Isso é que é legal, entendeu, você poder entrar numa empresa dessa, que você acha que você vai ser massacrada. Claro que tem um jeito CVRD de ser, que é muito difícil de você trabalhar, mas que mudou já com o tempo. Que é o jeito do mineiro, que é um jeito mais desconfiado, que é um jeito daquela coisa de engenheiro de mina. Tem essa coisa da cultura itabirana, que vocês sentiram, que a gente percebe, permeia um pouco o jeito da Vale. Mas mudou, tem a cultura agora de Carajás, tem as pessoas novas, tem TCJ entrando, tem milhares de profissões. Não é mais uma empresa só de engenheiros como era. Agora a gente entrou numa empresa como arquiteta e depois eu fui fazer Antropologia, a outra cuidava de índio, a outra de posseiro, a Lourdinha falando aquelas coisa que eles achavam... criando um grupo especial com o Ab'Saber, o Warwick Kerr e dizendo para aqueles engenheiros: "Olha, você não podem, não podem fazer isso." (risos) Eles olhavam, assim. "Não, isso é um absurdo, vai dar um problemão com o Banco Mundial. Não pode." (risos) E o Banco por trás dando força, porque o que que acontecia? E o (GEAMAN?). também. Todas as orientações do (GEAMAN?). acho que eles deram mais de 200 orientações... a maioria, a gente pode dizer que 80%, foram cumpridas dentro da CVRD. Então isso é uma vitória do grupo de meio ambiente. Parauapebas, uma coisa que eles não queriam: "Tem, não tem. Ah, não. Deixa nascer espontaneamente." Não, você tem que criar uma cidade, porque vai ser atraído gente para o projeto. Só que você não pode deixar aquela bagunça acontecer em termos do ordenamento do espaço. Por que? Porque no futuro você não consegue instalar uma rede de esgoto, de água, eletrificar, ordenar, definir lote. Você tem que minimamente fazer uma tipologia urbana, foi o que a gente fez, para dali, naturalmente a população que vem ocupando, ela acompanha e continua o desenho. Você só dá o início.
P/1 - Essa implantação você tem que _____dessa maneira?
R - Tem que discutir, quer dizer, tem que fazer essa orientação, porque foi assim que é mais fácil implantar água, esgoto, e depois você só faz... puxa as adutoras. Então hoje você tem uma cidade como Parauapebas, que recebeu duas vezes saneamento básico. Primeira vez foi as 5 mil pessoas, depois foi entregue para a prefeitura e a prefeitura abandonou e o sistema se perdeu. E agora, financiado pelo Banco Mundial, o projeto que eu participei durante nove anos, que está funcionando, você pode viabilizar água porque o desenho da cidade foi baseado naquela tipologia inicial, naquela célula inicial, dos 5 mil lotes. E hoje é uma cidade de 60 mil habitantes, com água e esgoto funcionando, 90 % de água e 40% de esgoto, no sul do Pará. Não tem outras cidade igual Parauapebas em termos de oportunidade de desenvolvimento. Então, quer dizer, claro que tem problemas. Tem a miséria, tem o desemprego, tem mil problemas, que são problemas de ordem nacional que a gente tem. Agora tem que ter aquela área protegida, apesar do portão ser ostensivo, aquela coisa ser dura e ter o rio que divide, por que que tem que ter nesse primeiro momento? Até no futuro pode ser que abra um núcleo urbano, não sei, tem uma discussão sobre isso, porque é muito caro manter aquele núcleo. Mas tem que ter, porque se você não criar um mecanismo de proteção dos recursos naturais, vai entrar e vai invadir tudo e você não vai ter banco de nada, você não vai ter nada para as futuras gerações, vão acabar com os mananciais. E ali é o último reduto, é o último nicho, é um milhão de hectares protegidos por uma empresa, é um custo altíssimo e que, poxa, quem que tem cacife e condições de fazer isso? Então, do ponto de vista ambiental, muito interessante a experiência do projeto, porque está lá, a gente pensou: "Vamos criar essa área de proteção assim" E eu vi implantando. Eu participei da Rebia, eu participei do plano da _____, participei do plano... Então interessante.
P/1 - No plano da Rebia?
R - Da Rebia , da Reserva Biológica do Tapirapé ______ , eu participei do plano de manejo, do plano da flona. E agora o plano de Carajás está sendo detalhado dentro da minha gerência, que é a gerência de meio ambiente. Está sendo coordenado pela gerência de meio ambiente e executado por uma empresa consultora.
P/1 - E como é que foi sendo, você entrou como arquiteta júnior...?
R - É, aí você vai melhorando, né?
P/1 - Como que você foi melhorando?
R - É difícil, mulher dentro da Vale é uma coisa meio complicada, mas você vai tentando melhorar um pouco. Agora eu sou assessora especial master em projetos ambientais e sociais, sei lá, um título assim. E coordeno alguns projetos. E tem até hoje a facilidade de desenhar novos projetos que a gente não tinha nem idéia que a Vale ia aceitar, porque eram projetos de índio, de pintura, essa coisa toda. Quer dizer, mudou, a gente não pode negar que mudou, que tem espaço para fazer isso. E eu coordeno o trabalho do Xikrin . basicamente e trabalho também numa área nossa, que é uma reserva natural que chama Linhares ..
P/2 - Eu queria que você contasse um pouquinho do trabalho na Vale também nessa passagem da Arquitetura ao departamento de Antropologia, indo trabalhar com Antropologia...?
R - Acho que eu nunca deixei de ser um pouco arquiteta, porque eu nunca deixei a casa de hóspede. Aí fui chamada também para dar algumas consultorias e dar umas coisas na casa de Itabira. Aí depois tem essa questão de Linhares , que eu estou fazendo toda a reforma, a decoração lá, então o pessoal chama. Mas o grande trabalho, como arquiteta também fiz o trabalho, quer dizer, até na parte social, entrei fundo na área de saneamento básico, por durante nove anos eu cuidei do projeto de saneamento básico financiado pelo Banco Mundial de Parauapebas. Peguei desde o início até a abertura da torneira. E acompanhei, e qual era o meu papel? Era um papel de facilitadora dos atores envolvidos. Porque você tem que botar muita gente diferente conversando. E você tem que promover esse encontro. Então eu fazia um contato prefeitura, pessoal de Carajás, pessoal de Carajás só visando obra e botar cano dentro da terra e é mais do que isso. Tem toda uma administração do projeto, como é que a prefeitura lida com isso, como é que você ensina também uma prefeitura, que é uma coisa complicada. E tem toda a questão política. Como é que você se relaciona com o Banco Mundial que olha e vê, às vezes as coisas não estão andando também e você tem que fazer os ajustes dentro do projeto. Então acho que o meu papel era de ligar esses diversos mundos. E acho que é isso que eu faço com Xikrin, é o que eu sempre fazia com Linhares ., no fundo, no fundo, acho que é a mesma coisa que eu faço em todos os lugares, só que o produto é um pouco diferente. Um é botar abajur de cerâmica e uma pintura rupestre numa parede da casa de Carajás, na cabeça do CVRD e dizer que aquilo é bom. E outro é você fazer um projeto com índio e dizer: "Olha, eles têm que ter o direito à sustentabilidade dele, a gente vai precisar se relacionar, não tem jeito. E a Vale tem que ter liberdade para negociar, para trabalhar de uma forma mais coerente." Então acho que o meu papel hoje é muito de interlocutora. Porque eu adoro trabalhar com a diferença, isso é o meu grande barato. Trabalhar com públicos diferentes, com culturas diferentes.
P/1 - __________ no Carajás, o que significava trabalhar na Companhia Vale do Rio Doce num projeto como este, tanto em termos profissionais como...?
R - Não, o cartão da Vale é um cartão que abre portas, isso a gente não tem a menor dúvida. Eu fui uma vez para Nova York e entrei na área de parques nacionais para conhecer a mulher, pedi uma reunião com ela, para conhecer, para até pegar folders e dados, não sei que, lá dos parques nacionais, e quando eu disse que eu era da Vale do Rio Doce ela conhecia Amazônia, Carajás, Vale do Rio Doce. Incrível. A mulher lá me recebeu, e o cartão da Vale realmente é um cartão da Vale do Rio Doce, ele tem uma expressão. Então acho que isso responde parte da sua pergunta. Agora eu gosto de trabalhar na Vale, mas eu acho que hoje, assim, eu gosto de trabalhar naquilo que eu gosto, naquilo que tem a ver comigo. Então a gente está ______, se pintar uma outra coisa interessante eu também estou aberta. Acho que mudou um pouco da privatização também, as pessoas estão vinculadas, mas mudou um pouco o título de vínculo. Agora eu acho que é melhor, você tem sempre que ter a perspectiva profissional e se envolver na medida. Acho que tem determinadas pessoas que sofrem muito com a mudança, porque fizeram essa transposição do profissional para o pessoal exagerada, então se envolvem muito pessoalmente, quer dizer, sofrem muito. Você tem que saber separar. E eu acho que eu separo bem, porque o meu lado pessoal é muito legal, eu adoro o anonimato, eu adoro os meus amigos fora da Vale. Eu não tenho os melhores amigos todos dentro da Vale. Eu até conheço pessoas que não são da Vale que se tornam meus bons amigos, como vocês, entendeu? Porque tem essa coisa da energia. Mas não necessariamente. E eu conheço gente dentro da Vale que só tem amigo da Vale. Só sabe viver em função da Vale. Só sabe ter aquela vidinha vinculada. E eu, para mim, não. Eu, quando estou fora, estou fora, estou em outra, sou uma pessoa do mundo. Eu não sou da Vale, eu sou minha. E trabalho na Vale, entendeu? Isso eu acho que é querer uma diferença. Acho que fica mais fácil trabalhar.
P/2 - Dentro da Vale que momentos que você acha mais marcantes, mais emocionantes, que você tenha vivido lá dentro?
R - Mais emocionantes? Ah, eu vivi muitos ótimos. A entrega do projeto da casa sempre foi, assim, uma emoção, porque você vê realizado um trabalho. E eles dão muita força, porque eu fiz a primeira vez, gostaram, então não muda o time, sabe, ali é assim. Então eu levo um monte de artista plástico, a gente pinta parede, pintura quadro.
P/1 - De quando em quando é mudado essa decoração da casa?
R - Olha, não tem, assim, um ciclo...
P/1 - __________
R - É, mas tem manutenção todo ano, volta e meia tem uma coisa lá para fazer. Agora eu estou comprando um monte de pequenas coisas que faltam. "Ah, faltou não sei o que do ralo. Tem que trocar não sei o que lá. Vou pôr um vaso de flor. Olha, as latas de lixo mais incrementadas, precisam ser trocadas." Eu faço até o papel de figurinista da gerente da casa, que ela vem aqui, eu saio com ela, escolho as roupas com ela, que ela vai vestir. Ajudo ela a escolher, corto o cabelo com ela, a gente faz luzes. Eu levei ela numa mulher ver como é que se pinta. (risos) E é muito engraçado, você imagina? Eu dentro da Vale, com dinheiro da Vale, vestindo uma gerente da casa. Já fiz isso duas vezes com a Gisele, foi ótimo, divertidíssimo. E eles sabem. Primeiro que, poxa, eles confiam no bom gosto que eu tenho, para eles é considerado bom gosto. O gosto que eu tenho é considerado bom gosto para eles, para ser mais isenta, não ser tão eu, eu, eu. (risos) Mas... Não, a gente tem que ter um ______ mais simples. (risos)
P/1 - ________________
R - Agora, ela estava, assim, o pessoal reclamava: "Ah, não estamos gostando muito do tipo de roupa, mais discreto, mais tropical, mais majorante .." Eu falei: "Olha, libera uma grana. A menina precisa ser vestida com recurso da CVRD. Ela não tem recursos para isso." Ela é uma gerente que mora lá, uma pessoa super competente. Aí eles liberaram. Aí a gente passou dois dias no Rio Sul só fazendo compras na Cristian . e na Chocolate. (risos) Foi o máximo! (risos)
[Pausa]
P/1 - A gente estava falando da casa de hóspede, desse seu trabalho que você desenvolve lá. Queria que você falasse agora um pouco dos uniformes, se você participa do desenho deles.
R - Não, o que eu participo é ajudar a menina da casa a se vestir. Então, ajudei duas vezes, recebi uma verba para isso. Ela vem para o Rio de Janeiro, a gente vai para o Rio Sul, vai para a Cristian, vai para a Chocolate, vai para a Monterrey, vai para um monte de lojas lindas e elas se vestiam, pela primeira vez na vida. Isso foi uma coisa nova para ela. Ela é uma menina de Osasco, uma menina, assim, muito simples, muito batalhadora, tem uma formação super legal, formada em Administração na USP, fez especialização, fala três línguas: alemão, francês e inglês. Quatro, português super bem. É uma administradora hoteleira, assim, padrão Maksoud. Acho que ela pega qualquer hotel hoje, tendo cuidado daquela casa. Tem uma noção clara de tudo, qualidade. E ela mesmo estava insegura, porque sentia. Ela usava as roupas dela, roupas mais simples, aí o pessoal achava que ela precisava de uma roupa às vezes mais sofisticada, roupas mais elegantes ou até mais apropriadas para o dia que está quente, mais uns vestidos compridos, mas mais, assim, verão. Aí a gente montou um padrão de uso dela: "Olha, para de dia, para de tarde, para de noite. Cliente tal, cliente tal, como é que você mistura." E aí misturando um padrão de cores, de forma que ela ficou, assim, sei lá: cinco, seis blazers que ela pode trocar e misturar sempre três peças. Sempre sai blusa, que é muito mais fácil. A blusa manchou, rapidinho troca, está com a mesma saia. Várias cores de sapato. E aí bijuterias mais finas e brincos mais finos. E ela ficou super satisfeita, ela veio, assim, radiante, porque eu falei: "Ah, libera uma grana para vestí-la." E duas vezes nós a vestimos. E ela muito afeita. Aí em cima do que ela foi vestida, que foi um sucesso em Carajás, quando ela chegou absolutamente transformada, cabelo cortado, toda bonitona, toda maquiada, o pessoal pediu para eu fazer umas roupas também para as meninas da comunicação, que recebem na casa para jantarem com os hóspedes e receberem os hóspedes.
P/1 - _________________
R - É a Suzana e a Cristiana. Então, como elas são mais, assim, cheinhas e tudo, aí fiz umas túnicas compridas de duas cores, de crepe, com uns lenços compridos, para dar mais verticalidade, sapato alto, como é que prende o cabelo. Aí em vez daqueles laçarotes enormes, umas coisas mais discretas, porque elas gostam de cabelo preso. Trabalhando, eu gosto. (risos)
P/1 - E essa decoração da casa, esse ________ da casa _______ muito no tipo de hóspede que vai se instalar, de que maneira isso interfere na decoração?
R - É o seguinte: eu sempre quis fazer da casa, desde o começo, assim, apesar... A casa em si já é um projeto tão lindo e tão gostoso de estar e eu falava: "Não, ela é uma casa muito grande, então a gente tem que criar um ambiente que a pessoa se sinta em casa, apesar de ser uma casa muito grande e que pode oprimir o hóspede, o convidado." Então trabalhar sempre com produtos naturais, sempre os algodões, essas coisas mais gostosas, o toque, essa preocupação. E fazer de lá um mostruário do artesanato brasileiro. Então, eu fui... a gente andou da primeira vez nordeste inteiro, principalmente Belém e São Luís, procurando peças importantes do folclore, do artesanato, para colocar lá. Agora eu estou até fazendo um book. Eu tenho um provisório, que está lá com as peças que eu fotografei, dizendo de onde vem, a procedência, o significado, qual é a festa, não sei o que. A gente está fazendo um bacanão agora, impresso, para explicar para o hóspede. Você tem um maracatu, o que que é o maracatu? Se você tem lá a festa do divino, quer dizer, um personagem. E você tem aquele do Piauí que é muito engraçado, ele é até maranhense mas mora no Piauí, o Benedito, que todos... o morto, Jesus Cristo, as coisas até meio fúnebres dele, estão sempre sorrindo. Então é uma característica que ele bota nas peças de madeira. Os oratórios, que são super importantes em toda a cultura brasileira. Você vai do sul ao norte, você vê oratórios super diferentes. Privilegiando sempre as áreas onde a Vale tem atuação. Então eu comprei Bahia, Minas, mais Maranhão e Pará, o artesanato onde a gente tem expressão. E explicando o significado desse artesanato e, como a gente conseguiu comprar alguns direto no artesão, super legal, você conhece o artesão, a peça, como é que foi feita. Então cada peça escolhida, assim, a dedo. E é muito gostoso.
P/1 - E aqui em Itabira, você desenvolveu algum trabalho no sistema sul?
R - Muito pouco. Eu ia fazer o trabalho lá na casa de Conceição, mas agora essa á uma atribuição da área de comunicação. Cheguei a fazer uma proposta, eles estão, a partir de um projeto que a gente coordenou, eles estão desenvolvendo uma revisão de projeto. E faço, no sistema sul, eu estou fazendo agora a implantação de uma unidade de conservação particular chamada RPPN, uma Reserva Particular do Patrimônio Nacional, que é uma reserva natural da CVRD em Linhares, que é o último reduto de mata atlântica de tabuleiro. 21 mil hectares. E a gente criou umas ________ lá desde 1992, a gente ampliou, feitas em eucalipto. E estamos criando uma área de uso público, uma exposição, com hospedagem. Futuramente vai ter uma torre de copada, para as pessoas andarem na copa das árvores. E criar uma área de visitação mesmo, abrir para o público, mas em um primeiro momento a gente vai fazer um centro de treinamento da Vale e de outras empresas, abrir para treinamento, porque é uma área muito gostosa para você fazer esses treinamentos de imersão. E tem hospedagem, tem uma comida deliciosa, tem um monte de frutas. A cozinheira que existe hoje lá, que é maravilhosa, faz mil geléias maravilhosas. Uma loucura. Então, eu estou decorando esses lugares, também participando da estruturação desse lugar, de Linhares. E além disso... na área de decoração é isso que eu faço? Agora, o trabalho pesado mesmo que eu faço é com o Xikrin.
P/1 - Desde de quando você está trabalhando com o Xikrin?
R - Com o Xikrin, assim, direto, desde 1992. 1991, 1992. É 1991. Começou o trabalho do plano de manejo. Só em 1994, 1995 a gente conseguiu estruturar com eles a situação ambiental um contrato. E há dez anos já estamos construindo esse plano de manejo dentro da área Xikrin, um plano super complicado.
P/1 - Como que é, como é que começou esse plano?
R - É o seguinte: começou uma idéia da antropóloga que cuida do Xikrin há muitos anos, a Isabele, para tentar retirar a pressão dos madeireiros invasores da área Xikrin, criando uma alternativa para os Xikrin na questão da venda da madeira. Porque a venda é fácil, eles ganham uma grana, mas é aquilo: acabou, destruiu, eles não querem saber. Madeireiro entra arrasando para tirar um pé de mogno. O resto eles deixam lá porque não querem nem saber. E o nível de impacto nos igarapés, nos mananciais, na própria floresta é altíssimo, tanto que tem muita intervenção nas bordas da área Xikrin. E do ponto de vista de patrimônio deles e cultura daquela área deles, caça acaba, a coleta acaba, a castanha é prejudicada. A castanheira é uma árvore Patrimônio Nacional protegida e proibida de ser derrubada, castanha do Pará. Mas só que ela só vive, no habitat onde ela vive, ela tem que estar integrada com aquele habitat. Se você destrói tudo e deixa a castanheira ela morre seca, em pé. Ela precisa para a polinização, para todo... O sistema da Amazônia de floresta é todo com aquilo que a gente chama de liana de cipós, é tudo amarrado, estruturado. Você tem uma camada de solos muito pequena e árvores muito altas. Então o que estrutura no dossel, são essas lianas e esses vários andares de cipós, que estruturam a floresta. E as raízes bem espraiadas para poder sustentar aquelas árvores enormes, 30 metros. E aí a castanheira tem esse problema. E o pessoal entrada e derrubava a castanheira também, derrubava tudo, principalmente o mogno, que é a coqueluche do mercado. E eles só queriam mogno. Sai destruindo tudo. E arrasa quarteirão. Madeireiro quando faz estrada, quando entra, não quer saber. E prostituindo os índios em termos de grana e até as índias, levando para a cidade, dando bebida, um horror em termos de total degradação da comunidade. Os jovens entrando em bebedeira, não mais lidando com aquela tradição, com a cultura Caiapó. Isso estava preocupando muito, porque a tendência é essa, é a entrada realmente de garimpeiro, madeireiro, nas terras indígenas, acabando com essas culturas. E aí a antropóloga sempre teve vontade de fazer esse trabalho, começou a estruturar esse trabalho, começou a pedir grana de vários lugares, TPG-7, Fundação Ford , Mazon, Banco Mundial, BID, dinheiro de tudo quanto é lugar para poder estruturar esse projeto. O
projeto foi estruturado do ponto de vista legal. Complicadíssimo para conseguir a aprovação, porque a terra é da União, o usufruto dos índios e sobre a guarda do Ibama. Você já viu a confusão. E os índios são tutelados pela Funai. Então os índios não têm.., eles não têm lastro nenhum, eles não têm garantia nenhuma. A terra não é deles. Então como você montar e organizar um projeto, que é um projeto enorme, um projeto de 30 anos, de exploração florestal. E aí a gente contratou uma ONG super respeitada, que é o Instituto Sócio-Ambiental de São Paulo. O projeto foi todo desenhado e detalhado, está sendo coordenado pelo Instituto Sócio-Ambiental. E nós entramos dando esse apoio, de conseguir eventualmente abrir uma porta, um apoio logístico e discussão do projeto. Agora a Vale mesmo contratou uma revisão da viabilidade econômica e financeira do projeto para os próximos 30 anos em vários cenários. Então também estou cuidando disso, dessa parte com um consultor na área econômica. Então é muita coisa, você aprende muito. Eu estou aprendendo até... tanta coisa, dentro da Vale você aprende muito.
P/1 - Como é que era essa relação, fazendo um pouco esse histórico, a relação da Vale com a Funai?
R - É complicado. A Funai, ela passou... acho que uma frase só resume tudo: desde 1982, do primeiro convênio, depois o convênio especial com Xikrin e o convênio com os Patogê , que são ____ Gavião, no Pará também, pertinho de Marabá, acho que a Funai teve uns 16 ou 17 presidentes. E aí a estrutura toda se esfacela. Então como é que você se articula com uma coisa que muda? Teve um ano que teve dois presidentes, como agora, dois presidentes. A gente estava com uma expectativa no Maré e deu essa confusão toda no Brasil 500 anos e a Funai está interinamente com o presidente. Então é muito difícil em termos da relação, porque é um órgão que precisa ser repensado em termos de política indigenista, o que se quer e como se quer. O que a Vale está tentando fazer é, como os Xikrins são nossos vizinhos e eles existem, estão ali, a gente quer o menor conflito possível com essa comunidade e tentar uma relação positiva. Nós estamos tentando criar projetos que revertam em grana e renda para eles, em vez de ficar nessa atitude de ficar dando dinheiro, como era no passado. As empresas ficam dando mesada para índio. Isso está errado, não é assim. Você só cria o vício. E eles cada vez vão pedir mais mesada, igual filho. Daqui a pouco: "Ah, mãe, dá para em vez de 50 ser 100?" Não, você tem que continuar nos 50 e tentar ensinar eles a eles descolar através do trabalho os outros 50. Faça isso para as crianças, também é uma boa coisa. Só que é muito difícil na relação mãe e filho. Só que os índios não são filhos da Vale, mas se comportam como e a empresa também acaba às vezes, no passado tinha uma atitude mais assistencialista. E a gente tentou trabalhar junto com os antropólogos numa mudança de postura, que sempre foi a postura da política oficial. E aí esse projeto é um projeto, assim, muito de risco, essa viabilidade vai verificar se realmente vai ter condições deles tirarem uma renda satisfatória. Mas só a experiência, o laboratório, de você ter conseguido durante 10 anos tirar todos os madeireiros da área, todos os garimpeiros da área, desobstruir a área, se demarcou a área. Os Xikrins hoje estão em condições de vida muito melhores, em termos de vida nas aldeias, nas aldeias onde eles moram. E a gente está fazendo essa experiência de tirar a madeira de uma forma seletiva, adequada, com
menor impacto possível, cumprindo a lei. Na verdade nada mais é do que cumprir o código florestal. Só que ninguém cumpre.
P/3 - Tem uma liderança entre os Xikrins que ________a
Vale?
R - Não, a interlocução é entre o Instituto Sócio-Ambiental, tem antropólogos que trabalham. A Isabelle trabalhava até pouco tempo, agora tem um outro antropólogo substituindo.
P/1 - Esses antropólogos têm ligação pela Vale?
R - Na verdade eles estão ligados ao ISA, às vezes eram contratados direto pela Vale, consultores da Vale. Mas são ligados ao ISA, se não seja financeiramente, porque o dinheiro acaba saindo do recurso da empresa, seja para o ISA, seja para o antropólogo. Mas a orientação do projeto, do programa, de como lidar com essa questão indígena, é da ONG e tem que ser da ONG que é especializada nisso e que faz isso para vários povos. Não cabe à Vale fazer isso, a Vale não tem esse know how e nem tem competência legal para fazer isso, é complicado para ela esse relacionamento. Mas eles estão ali, são os nossos vizinhos, a gente tenta fazer uns projetinhos com eles, vários projetinhos. Projetos de agricultura, estamos renovando as casas, dentro de uma técnica um pouco mais amazônica, _______. É óbvio que eles querem casas iguais às do núcleo, urbano. Essa coisa toda é difícil. E mais complicado ainda são todos os passos dia a dia de construção desse projeto _______, porque vai um passo, volta dez, vai outro, volta. Acho que o Brasil na área social é muito assim.
P/1 - Como que é esse trabalho dentro da Vale? Como é que é a aceitação dentro da área ambiental e dentro da Vale como um todo?
R - O trabalho com os índios?
P/1 - O trabalho com os índios.
R - Bem, a Vale já tem certeza, o conselho, a presidência, já têm certeza que eles não querem problema com índio. Porque é real, eles são nosso vizinhos e efetivamente, por exemplo, não tem interesse nenhum que eles parem a ferrovia, que eles parem a área, vamos tentar trabalhar numa relação mais eficaz, digamos assim, mais profícua. Então isso já é uma questão consagrada. E aí a gente está lidando com isso dessa forma, tentando criar um programa, é muito difícil. Não é fácil, porque nem nas ONGs e muito menos na Funai você tem uma coisa ainda, assim, que você tem certeza de como é, tem tantos caminhos e é tão complexa a relação com os índios. Agora, tentar evitar que a relação seja sempre na pressão e de pedinte. Por aí está errado. Então o que a gente está tentando fazer é viabilizar esses projetos para a comunidade, principalmente a comunidade Xikrin. No Maranhão e no resto do Pará o troço ainda está um pouco desorganizado, mas a gente está montando um trabalho com o governo do Estado. Temos uma expectativa, a gente não sabe o que que vem pela frente, de tentar montar um plano plurianual, um planejamento para atender às outras seis áreas que estão bem vizinhas à ferrovia. Agora, dentro da área do meio ambiente, o pessoal sabe que tem que mudar, é real, está ali, é vizinho. Tem que... "Ah, não estou mais a fim." Não existe isso. Está aí.
P/3 - E a população _____________?
R - Não, eles não fazem cesta. Eles fazem, mas é muito pouco. Eles fazem pintura, o projeto de pintura que a gente está... a gente começou lá no passado e está desenvolvendo, a gente está fazendo com as mulheres um projeto de pintura, para mostrar para o mundo essa pintura e esse grafismo, essa linguagem nova. Eles são ágrafos e a pintura tem todo um significado, a pintura corporal, em cada rito de passagem. A aí a gente está traduzindo essa pintura em produtos variados para venda no mercado, para reverter 100% a rentabilidade. Quer dizer, você faz o cálculo do produto, paga-se a produção, guarda uma reserva para nova produção e o resto, o lucro, vai para a Associação (Betnói?). Tem uma associação que os representa, de defesa do povo Xikrin, e essa associação é que a gente pretende fazer o trabalho, assim, de fortalecer essa associação, a Vale financia junto ao ISA esse trabalho de captação e fortalecimento da Associação (Betnói?) para, daqui uns anos, a gente tem um sonho, de alguns anos você ter dentro da Associação (Betnói?) uma estrutura mínima que eles mesmo possam tocar esses projetos. Se eles não puderem tocar, mas eles têm consciência plena de tudo que acontece no projeto, e em nome da Associação que tudo é feito. Mesmo que, por exemplo, por trás tenha o ISA, que coloque um consultor, alguém assim, mas a Associação é que contrata, a Associação é que se organiza. Então, ela está se organizando administrativamente, juridicamente, financeiramente para poder, como uma figura jurídica no mundo dos Kubei, que é o mundo dos brancos, poder se relacionar. Aí já tem uma marca, vai ser lançado uma marca. A gente quer botar essa marca no mercado e eles passam a vender os seus próprios produtos. Essa é a idéia.
P/2 - E qual a relação do pessoal do núcleo com os índios?
R - Ah, eu acho que agora está melhor, está bem melhor. Eles perambulam lá para caramba. E aí o pessoal já absorveu.
P/1 - ________________?
R - É complicado de entender o jeito deles, eles ficam na praça, eles dormem na praça. E é um outro jeito de vida, eles são muito mais livres. É que constrange as pessoas. E todo mundo tinha o maior grilo, porque não pode se meter com índio, não pode criar um problema, nenhum problema para a Vale, mas as pessoas não gostavam. Mas tem umas regras, por exemplo, em Carajás. Não pode vender bebida alcóolica para eles. Dentro do núcleo, de jeito nenhum, é proibido. Então a gente firmou o contrato com o pessoal da cantina, ali das cantinas, a padaria e do supermercado. Não pode. É condição sine qua non. Quer dizer, pelo menos não sai de dentro do ambiente ______. Se eles vão fazer em Marabá também a gente não tem um controle. A gente faz todo um trabalho dentro da aldeia, de educação e de saúde. E realmente coíbe dentro da área da Vale. E outra coisa também é o seguinte: tem um limite. Eles têm realmente uma verba mensal de alimentação, porque os projetos ainda estão incipientes, estão começando agora a entrar recursos para a Associação (Betnói?) para a complementação de toda essa parte agrícola, porque às vezes nem dá para alimentar tantas bocas. 660 índios. Então eles têm essa verba mensal e aí tem uma cota. E eles só podem comprar aquilo dentro do núcleo. Se extrapolou, aí é responsabilidade deles. Eles sabem disso. Então tudo é negociado em outubro dentro da aldeia, do que vai ser feito no ano seguinte, e quanto será esse trabalho, os projetos, que projeto vai ser. Por exemplo, o projeto do saneamento, o projeto do poço, melhoria da qualidade da água, projeto na escolinha. Então tudo é conversado e negociado com eles e estabelecido, faz-se um projeto, determina o valor desse projeto e se negocia com ele. É óbvio que estão sempre pedindo e querem mais e tudo. Mas a gente tem que mostrar o limite, porque senão não tem limite. Se você _______ depois é complicado. É muito difícil, mas é interessante. Tem um lado, assim, muito rico. Esse lado da pintura é muito legal.
P/2 - E da reserva de Carajás como um todo, quer dizer, hoje ela sofre algum tipo de ameaça política?
R - Os 411 mil?
P/2 - Isso.
R - Ah, tem sempre pressão de posseiro aí na área do Parauapebas, principalmente na área sul da reserva, porque, poxa, ali tem um problema sério de terras e de conflito agrário. E você tem uma área ali, protegida, com madeira, com tudo, tem muita... o pessoal acha que tem até pouco, não sei se tem muito ou pouco, mas já teve muito garimpeiro dentro da área de Carajás tirando ouro de aluvião. E o pessoal quer entrar. É uma oportunidade, tirar madeira, vender madeira. Então tem sempre, tem sempre como complicar. Não é fácil gerenciar o clima de desorganização fundiária da Amazônia, um projeto desse tamanho. E isso a gente tem que... não tem jeito. Está ali, é real. E tem que fazer. Eu acho que está a anos luz do Estado se organizar para resolver essas questões. Então a empresa passa a ter um papel... Então ela chama a Polícia Federal, ela avisa o pessoal da reforma agrária, faz tudo dentro dos conformes, tem orientação de... sabe, não tem nenhum conflito de morte, de pancadaria, nada. É tudo, assim, só para segurar a entrada. E tenta uma ação menos bélica possível, mas é um clima muito complicado. Volta e meia tem todo o movimento do pessoal sem terra para invasão daquela área.
P/2 - E de dentro da Vale, __________?
R - De que?
P/2 - Dentro da Vale, quer dizer, __________ em algum momento ameaçou a reserva?
R - Não, não. Antes de privatizar, aquilo era uma área da União, era direito real de uso da Vale. E era uma área... terra devoluta, área da União. E que foi registrada como direito real de uso. Aí nós entramos no Ibama e criamos uma unidade de conservação, floresta nacional de Carajás. E floresta nacional é o tipo da unidade de conservação que permite atividade econômica dentro. É uma categoria que permite atividade econômica.
P/1 - Você acompanhou o processo da privatização?
R - Acompanhei. Eu estava lá dentro trabalhando, eu vi todo o trabalho de montagem, os cenários. E tinha um clima de muita insegurança, estava todo mundo muito inseguro, todo mundo achando que ia mudar muito, que ia mudar para pior. Mas acho que isso é natural no ser humano, as pessoas ficam com muito medo da mudança. Mas eu acho que foi bom, que para a empresa foi melhor.
P/1 - Um pouco a parte "Caras" agora.
R - "Caras"?
P/1 - Que ano você casou, quando você conheceu seu marido?
R - Eu casei... Eu vivo com ele, né? 1983 nós nos conhecemos, quer dizer, conheci em 1980, no projeto Carajás. Aí a gente se conheceu mesmo em 1983, 1984. Casamos acho que...
P/1 - Como vocês se conheceram?
R - A gente se conheceu viajando na ferrovia em Marabá. Comédia. (risos) Imperatriz em Marabá. E o amor veio a gerar no meio, no cerne do projeto Carajás. (risos) E aí a gente casou, começamos a viver juntos em 1984. Ele morava em Niterói com dois filhos, aí veio para morar comigo em um cubículo que eu morava com a minha filha, no Jardim Botânico. Aí começou tudo. Aí depois a gente teve outro filho juntos. Em 1987 nasceu o Cristiano. E depois mudamos de novo, já moramos em sítio, já moramos em um monte de lugares e agora estamos morando aqui pertinho, na Cosme Velho. E ele trabalhava na área de núcleos urbanos, depois ele foi para a área de desenvolvimento e eu fiquei na área de meio ambiente. Aí depois trabalhamos juntos... Quando a área de meio ambiente foi para a superintendência
de desenvolvimento nós trabalhamos juntos, mas ele em um outro grupo, no grupo de desenvolvimento. E agora ele está na Fundação e eu estou na área de meio ambiente.
P/1 - Pensando um pouco na sua trajetória de vida, se você pudesse mudar alguma coisa, você mudaria?
R - Eu acho que sim, mas... Fatalidades, nós perdemos um filho, acho que mudaria isso só.
P/1 - Quais são seus sonhos?
R - Meus sonhos? Ah, eu tenho muitos sonhos. Eu quero voltar a pintar, já tentei muito. Eu fiz um curso de três anos no Parque Lage. E pintei para caramba, foi ótimo. Fiz exposição, estava pintando para burro e dei uma parada. E outros sonhos? Ah, eu quero! Eu quero aprender a ganhar dinheiro, acho que eu sou muito ideológica. Eu não tenho essa veia comercial. Acho que ainda tem tempo, eu faço 44, aprender a ganhar mais dinheiro, para ter uma vida mais tranquila. A gente tem uma vida boa, mas é no laço, ter três filhos adolescentes, no Rio de Janeiro, não é fácil. Eu tenho vontade de comprar esse apartamento que eu moro para dar uma reformada. E eu acho que a gente tem, assim, uma chance de comprar nesse ano que entra agora. Aí tem que negociar, que o Luciano não gosta muito da Cosme Velho, eu gosto mais, as crianças estudam no São Vicente, essas coisas. Que mais? Eu tenho uma fazenda que está parada há 200 anos, que eu ganhei do meu pai, ela é no Friburgo. E a gente tem um sonho futuro de quando ______ tiver mais velhos, de fazer um hotel fazenda, mas um hotel fazenda com essa questão ambiental, para estudos e pesquisas na área de meio ambiente, de agua, disso, daquilo. Porque é um viés, assim, que tem a ver comigo. E é uma área preservada. Eu comprei por causa da questão ambiental, não tem nada, só tem floresta o lugar. Comprei uma floresta. Em Friburgo e é, assim, chamada Boca do Mato o lugar, quase. É o final de linha de tudo. Tem até uma florestinha de araucária ali, de mata atlântica de altitude, super bonito o lugar. Então a gente tem vontade de ir, assim, curtir o lugar. Um lugar legal para você... onde eu possa encontrar os amigos, meus discos, meus livros e meus quadros. É bem isso. Mas tenho mil sonhos, eu quero ver meus filhos bem, quero conhecer pessoas, quero viajar para burro. Tenho vontade de conhecer Praga. Agora estou com essa mania. Cismei que eu quero conhecer. (risos) Mas Praga é muito longe e está meio caro. Então no momento eu fui para Gramado mesmo e estava muito bom, que foi o que deu para pagar. (risos)
P/1 - E Vânia, o que que você acha do projeto Memória e da experiência de estar dando esse depoimento para a gente?
R - Ah, é super legal, você pensando o projeto desde o começo. E a relação com as pessoas foi muito ótima. Eu tenho um time, assim, muito divertido. O que eu mais gosto do projeto, além da perspectiva de você poder fazer as pessoas falarem das suas vidas e a importância do registro real, o fato, porque as pessoas são perenes e tem que ficar aí para as futuras gerações para aprender com esse registro, é ele estar sendo conduzido com tanto bom humor. Porque para mim bom humor é fundamental. Tem que ter sempre, o viés tem que ser o bom humor. Em tudo que se faz. Senão não tem, não tem a criatividade, não tem beleza. É duas coisas que eu descobri na vida: solidariedade e bom humor. Com isso fica tudo mais fácil. Acho que com esse tempo todo de vida, de sofrimento, de casamento, não sei o que, são dois substantivos, assim, que eu tento... É difícil, às vezes a gente tem uns desvios de percurso, mas trabalhar nesse viés da solidariedade e do bom humor. E que facilita a vida. Se você conjuga na primeira pessoa do plural, se você reconhece a diferença, se você incorpora as ideias das outras pessoas, acho que você fica com uma vida mais fácil. E a gente tem que exercitar isso todo dia. E tem que exercitar o bom humor, igual escovar dente. Tem que exercitar. (risos)
P/1 - Tem alguma coisa que você queira deixar registrado, que a gente tenha escapado?
R - Não, não. Está ótimo. Foi muito divertido. Sempre é bom estar perto de vocês. Vocês são umas gracinhas. (risos)
P/1 - Obrigado.
R - Então está bom.
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