Meu pai era um faz tudo! Pra sustentar a família, era fiscal de Renda do Estado. Mas também cozinhava, tirava fotos. Ele ia pra Feira de Santana, comprava o papel, revelador, estabilizador e no fundo do quintal tinha um quartinho onde ele pôs a luz vermelha e fez toda uma estrutura para revelar a...Continuar leitura
Meu pai era um faz tudo! Pra sustentar a família, era fiscal de Renda do Estado. Mas também cozinhava, tirava fotos. Ele ia pra Feira de Santana, comprava o papel, revelador, estabilizador e no fundo do quintal tinha um quartinho onde ele pôs a luz vermelha e fez toda uma estrutura para revelar as fotos. Era um momento mágico. Lembro de ficar com a minha irmã olhando o revelador e bater palmas quando aparecia a foto. Também, lá na Bahia, era super frequente faltar luz com qualquer chuvinha. Então meu pai pegava o livro de astronomia, acendia a vela, abria na página do mapa celeste e a gente ficava vendo as estrelas e identificando as constelações.
O meu nome é Jairo Sobrinho, nasci em
em São Gonçalo dos Campos, Bahia. Mas fizeram uma grande mentira comigo: sou registrado como nascido em 28 de julho de 1970, dia do aniversário da cidade e da inauguração do hospital da cidade. Só que eu nasci meia-noite e 15, que já seria dia 29! Mas puseram 11 e meia da noite para ter alguém que tivesse nascido naquele dia de comemorações.
Lá em casa, somos em sete irmãos: Raul, Ligia, Fernando, Beraldo, Elisabete, eu e Guadalupe. A gente morava perto da praça, numa ruazinha estreita e sem saída. Na época de festas, a gente sentava na calçada para ficar olhando chegar os caminhões com as barracas e com a grande alegria do mundo: o parque de diversões. Era uma ansiedade só! “Será que o parque vem esse ano?” E era a época do ano que a minha mãe dava roupa nova e meu pai fazia o andor de São Gonçalo. Meu pai era artista plástico também.
Na adolescência, eu desenhava e pintava. Quando eu falei para o meu pai que ia fazer Medicina, ele me chamou no quarto e disse que eu ia sofrer: “Você é muito sensível, meu filho, faça Artes Plásticas”, acho que foi o único pai do mundo que falou isso para um filho!
“Faça Artes Plásticas. Tem mais a ver com você, não tenha medo de ser pobre, tudo vai ser bom pra você, vai acontecer direito, você pode”, e a minha mãe no outro quarto tremendo de medo, rezando: “Eu tenho que ter o meu filho médico”, a redenção de toda mãe nordestina é um filho médico! Assim segui.
Quando prestei o vestibular, meu pai já tinha falecido. Eu não tinha espaço para não passar: sem dinheiro para fazer cursinho e minha mãe viúva ainda cuidando dos filhos. Me senti muito pressionado. Mas acabei passando numa faculdade particular. Fui morar com meu irmão em Salvador e não tinha ideia de como pagaria o curso. Numa sexta a tarde, peguei ônibus com a mochila com as roupas sujas e fui pra casa da minha mãe. Quando eu cheguei, a minha irmã falou: “Aí, Jal – eu sou Jal em casa – você passou na federal”, eu não acreditei: “É verdade, é verdade, saiu no rádio!”. Minha mãe quando ouviu meu nome, desmaiou!
Eu gosto de gente viva porque quanto mais vivo, mais se conversa. Quando a gente tinha contato com o paciente, na faculdade, uma minha amiga dizia: “Eu vou fazer anestesia porque não dou conta de ficar com esse povo todo falando!” Quando o que eu mais gostava era de ouvir as histórias: “Me conta mais. E o marido? E o filho? E a mulher?” Adorava receber aquelas velhinhas carentes que falam muito! Porque eu convivi com adultos e velhos desde criança. Eu gostava de ouvir as histórias de tia Dilina, eu gostava de ouvir as histórias do tio Jairo, e isso era a minha zona de conforto. Eu sabia que com a palavra, conversando, eu me dava bem, então a parte mais legal da Medicina é essa: o bate-papo.Recolher