Projeto Esse Morro tem Memória
Realização Instituto Museu da Pessoa
Entrevista de Fernanda Oliva Pais de Moura
Entrevistada por Emanuel Campos Filho
Rio de Janeiro, 6 de julho de 2002
Código: MP_CB018
Revisado por Denise Aparecida Celestino
P/1- Qual o seu nome completo?
R - Eu me cham...Continuar leitura
Projeto Esse Morro tem Memória
Realização Instituto Museu da Pessoa
Entrevista de Fernanda Oliva Pais de Moura
Entrevistada por Emanuel Campos Filho
Rio de Janeiro, 6 de julho de 2002
Código: MP_CB018
Revisado por Denise Aparecida Celestino
P/1- Qual o seu nome completo?
R - Eu me chamo Fernanda Oliva Pais de Moura.
P/1 - Local e data de nascimento?
R – Nasci no dia 28 de agosto de 1973, em Niterói, Estado do Rio de Janeiro.
P/1- Você poderia falar um pouco de sua experiência de vida profissional?
R - Bem, minha vida basicamente aconteceu em Niterói. Cresci em Niterói, mas sempre visitei muito Santa Teresa.
E sempre achava o bairro muito aconchegante, muito cultural. Sempre encontrei vários amigos nas vezes que eu visitei Santa Teresa e ficou sempre na minha cabeça: “Um dia eu vou morar em Santa Teresa”. Era um projeto de vida. Atualmente eu trabalho como atriz, estou na peça “Lição de Anatomia”, que estava em cartaz no Teatro Glória e
na semana que vem vai para o Teatro Municipal de Niterói. Mas isso é uma pequena partezinha da minha vida, porque além disso eu acabei de me formar tem 10 dias recebi minha colação de grau, me formei em licenciatura em Artes Cênicas. Então, atualmente eu sou professora de Artes Cênicas também, e já abandonei uma outra faculdade que era de Fisioterapia, que não tem nada a ver, assim não digo comigo, mas com as minhas vontades. Eu me dava melhor no estágio de Fisioterapia, na relação que eu tinha com os idosos, do que praticamente com o prazer de estar realizando a profissão. Era mais pessoal a relações do que profissional. Enfim, eu abandonei a Fisioterapia, e me dediquei às Artes Cênicas. Sou formada também pela escola de teatro Martins Pena, como atriz e fiz licenciatura pela UNIRIO [Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro], lá na Urca. E trabalho também com eventos, trabalho como modelo, trabalho em comerciais, a única coisa atualmente que consegue me bancar financeiramente. Eu não moro mais com meus pais, eu já fui casada e atualmente sou divorciada. Eu me sustento. Não dependo de ninguém, graças a Deus. Nunca me faltou nada, mas sempre correndo atrás, sempre com tudo
contadinho e enfim eu cheguei aqui no Morro dos Prazeres - posso falar já? Eu vim morar em Santa Teresa já faz um ano, e assim que eu mudei, no primeiro mês eu falei: “Eu preciso dar aula em Santa Teresa, de teatro. Eu quero trabalhar com crianças carentes”. E aí comecei a procurar espaços. E fui no Centro Cultural Municipal Laurinda Santos Lobo e encontrei um cartaz: “Você tem uma ideia e quer montar um negócio? Nos procure”. Eu falei: “Quero, se eu vim aqui pra dar aula”. Fui procurar o espaço, era o espaço Iniciativa Jovem, se localiza no Largo das Neves, também em Santa Teresa. Me inscrevi na inscrição que falava: “Qual é a sua idéia?”, eu fui curiosamente no dia das palestras, e cada dia que a gente participava
do workshop, eu participava da oficina de ideias, e aí eu ia escrevendo, e as coisas que eu nem planejava e já sentava ali com aquela discussão, aquele bate-papo, eu acabei optando por realmente oferecer oficina de arte pra comunidades carentes. O Iniciativa Jovem é um projeto que ajuda jovens a elaborar um negócio. Então você pode montar um restaurante, uma lavanderia...Enfim, optar por um negócio. Eu optei pelo meu negócio que é dar aula, e como eu tinha uma vontade pessoal de trabalhar com comunidades, eu elaborei o plano em cima dessa minha vontade.
P/1- Continuando essa linha de pensamento sua, eu gostaria de saber como é sua experiência aqui na comunidade do Morro dos Prazeres, aqui no Casarão. Como é isso de trabalhar com crianças de comunidade, como é que se dá esse dia a dia.
R – Então, eu vou contar como eu vim parar no Casarão. No dia em que eu estive no Centro Cultural Municipal Laurinda Santos Lobo e depois que eu havia me inscrito no Iniciativa Jovem, uma pessoa falou pra mim [ela é diretora do Centro Cultural Municipal Laurinda Santos Lobo]: “ Existe um espaço no Morro dos Prazeres que se chama Casarão. Foi reformado. Era um casarão abandonado”. Aí, eu vim parar no Casarão. Quando eu cheguei aqui, eu não esperava a dimensão do Casarão, e no mesmo dia eu fui na Associação de Moradores que é a Samp [Associação de Moradores e Amigos do Morro dos Pazeres], conheci o Flavio, a Cris, a Elisa. Eles foram super receptivos. Aqui no Casarão foi uma recepção de portas abertas mesmo. Eu falei: “Olha, eu preciso de um espaço pra poder realizar o meu projeto. O meu projeto é sem fins lucrativos, e o ideal é que eu tenha um espaço para oferecer as oficinas, podendo ser no Casarão ou em algum espaço da Associação dos Moradores, de acordo com o que queiram oferecer”. E aí eu conversei sobre o
Casarão, teria que ter
uma autorização da Prefeitura, eu consegui, e coloquei no meu plano de negócios no Iniciativa Jovem, que o espaço seria cedido pela Prefeitura. E então economizaria a parte financeira de ter que ter um espaço. Então, a parceria com a Prefeitura foi excelente nesse sentido, e eu espero que continue dando frutos, não só aqui nos Prazeres, mas se possível até em outras comunidades. Mas, enfim, agora a minha semente é aqui nos Prazeres. É a primeira vez que eu estive no Casarão não havia nenhum tipo de oficina. O Casarão é concorridíssimo, e nem tem muito tempo. Isso foi acho que em agosto ou setembro do ano passado e havia poucas oficinas ainda, só duas oficinas da Prefeitura. Aí a diretora que no momento era a (Ilnete?) e a própria Bernardete já trabalhava com a (Ilnete?). A Bernardete hoje é a atual diretora, e elas adoraram a idéia e falaram que estariam prontas a ceder o espaço, que realmente o espaço foi feito pra isso. Aí eu elaborei o plano de negócio, buscando sempre parcerias e assim não esperava, mas recebi o prêmio de primeiro lugar que foi assim uma benção, principalmente pra parte de assessoria de imprensa, porque a parte financeira realmente...
P/1- Que prêmio, Fernanda?
R - Eu recebi o prêmio Iniciativa Jovem.
P/1- Da onde?
R –Da Shell. É o prêmio da Shell que eles oferecem para jovens até 30 anos que queiram montar seu negócio. E pela primeira vez foi implantado no Brasil esse projeto, e em Santa Teresa, e no ano que eu mudei para cá. E no mês seguinte que eu fui e achei o papelzinho que parece que foi colocado no meu caminho. E logo depois eu conheci o Casarão, e logo depois eu conheci a Samp, e de repente eu já no Natal estava trabalhando, recolhendo livros para circulação para a biblioteca, já com incentivo de promover a leitura, de levar conhecimento, ampliar o acervo da biblioteca.Também esse trabalho não parou, eu quero continuar. E a primeira vez que eu vim, que eu tive uma reunião no Iniciativa Jovem, eles me falaram: “Olha, a primeira coisa não é você implantar o seu negócio na comunidade. Você tem que conquistar a comunidade, a comunidade conhecer você, a comunidade tem que acreditar e tem que buscar. Não adianta você dizer: “Ah. Vou montar uma oficina de teatro”. Se a comunidade nunca te viu, ninguém aparece”.
Então, foi um trabalho minucioso. Primeiro eu participei da festa de Natal, do bolo, trouxe umas brincadeiras na quadra, fiz uma arrecadação de livros, fui nas escolas divulgar o curso. Mesmo assim, não é simples. Enfim, aí eu recebi o projeto, e recebi o prêmio e falei: “Bem, agora eu tenho que botar um negócio”. Eu não percebi a dimensão de como esse prêmio me fez… Eu teria que me dedicar mesmo, porque a minha intenção primeira era ter a minha turminha de teatro. Era minha ideia, era ter a minha oficina de teatro, só que quando eu cheguei no Morro dos Prazeres e quando eu entrei dentro da comunidade eu vi os muros grafitados eu disse: “É maravilhoso porque faz parte do que eu quero conhecer, que as pessoas que pintam dessa maneira se expressam de uma maneira... enfim, maravilhosa”.
Depois, se vocês tiverem oportunidade de ir, estão grafitando ao vivo hoje Arte Portas Abertas, ali na quadra e você não acredita que eles fazem naquele minuto desenhos maravilhosos como nos muros da entrada do Morro dos Prazeres também todo grafitado. Então, a intenção de teatro foi ampliando. Foi pra música, foi pra grafite, que hoje em dia é quase um padrinho do projeto - o grafite. Não consigo pensar em Morro dos Prazeres sem grafite. Essa camisa inclusive, eles fizeram hoje para venda no Arte de Portas Abertas; essa tem airbrush, que é também uma ideia do projeto, pra não ficar só no grafite. A gente teve problemas, inclusive com muros que são tombados pelo Patrimônio Histórico, temos muros grafitados. Nós trabalhamos na conscientização para não grafitarem em lugares proibidos, e transformar o grafite em gerador de renda. Então, como a gente conseguiu? Vamos fazer carvão, trabalhar com airbrush, vamos botar essa linguagem nas camisas, vender as camisas e se a gente conseguir que tudo der certo, pelo menos essas camisas sustentem a oficina de grafite, que isso não pode parar. Tem que continuar. Estamos sem patrocinador.
Estamos na fase de captação de recursos, é tudo muito contadinho, batalhado, e agora minha parte pessoal é a minha oficina de teatro que é assim: cheguei numa escola - eu não posso dizer que eu tenha tido o primeiro aluno quando cheguei na escola, o nome dele é Jackson. Eu cheguei na escola, e ele falou: “Eu quero”. Ele foi o primeiro a levantar o dedo: “Eu quero fazer teatro”.Eu falei: “Onde você mora?” e ele disse: “Eu moro em Morro dos Prazeres” e eu respondi:
“Então você vai fazer. Pode se inscrever”. Aí ele se inscreveu e atualmente ele trabalha na própria oficina de teatro e também dá oficina de circo e é algo que...A oficina de circo é também uma oficina que aconteceu depois da oficina de teatro, porque eu encontrei amigos que vieram de Campo Grande, e eu convidei para eles participarem da oficina de teatro dando um workshop de malabarismo, de confecção de malabares. Então, as crianças faziam as bolinhas e levavam para casa os brinquedos. De repente, tomou uma dimensão dentro do Morro dos Prazeres maravilhosa, porque as crianças levavam os brinquedos pra casa e atraiam outras crianças querendo também o brinquedo.
P/1- Fernanda, você sabe o porque do nome Morro dos Prazeres?
R - Olha, eu não sei, mas eu tenho uma história muito particular minha de Prazeres. Quando eu me formei, a minha tese foi a seguinte: O Jogo e o Prazer no Processo de Aprendizagem, porque foi assim, eu sempre acreditei, sempre numa experiência de vida: toda vez que eu aprendia alguma coisa na escola, onde tinha que decorar, memorizar, eu não aprendia. Mas quando eu aprendia brincando, ou quando eu tinha um professor engraçado...Eu lembro que eu tinha um
professor de Biologia que ele interpretava uma ameba, um protozoário – é até engraçado falar isso. Enfim, tudo o que ele me falou eu guardei, e na hora de fazer o vestibular, eu assimilei. Então, quando você assimila com prazer, você não esquece. Então, a minha tese era: O Jogo e o Prazer no Processo de Aprendizagem. E assim que eu mudei, vim pra cá – Morro dos Prazeres. Eu falei: “Não. Vou continuar com esse nome que tem tudo a ver comigo. Aprender através do prazer”. Então, as oficinas de arte tem até uma base educacional que é essa. Teatro, circo e grafite, ou música ou dança sempre subsidiado atrás de uma parte educacional de incentivo à leitura, de relacionamento, de valores humanos. Saber conversar, saber respeitar o próximo. Muito mais do que formar artistas, formar pessoas com horizontes mais amplos. Ai assim Morro dos Prazeres. Eu falei: “Não vou nem mudar o nome do projeto”. Morro dos Prazeres. Eu costumo falar Morro de Prazeres. Se alguém tiver que morrer aqui, vai sentir prazer. Agora, dá pra imaginar pela vista, que é maravilhosa. A vista do Morro dos Prazeres é invejável. Acho que nenhum morador de classe A, que mora em Teresa, tem essa vista invejável do Morro dos Prazeres. Acredito que seja por isso, mas acho que pela pergunta, deve ter outra...Você pode me dizer?
P/1- Depois eu te digo.
R - Então está bom. Depois você me diz [risos].
P/1- Pra finalizar Fernanda, eu gostaria de saber o que você achou de ter participado dessa entrevista e contribuído para o projeto de memória do Morro dos Prazeres?
R – Bem. Essa entrevista foi assim: sempre que a gente conversa e fala, toma consciência de coisas que a gente nem parou pra pensar. Então já é um desabafo e já é uma maneira de estar presente de uma forma, vamos dizer “equipada?” Mas enfim – uma coisa que eu queria muito falar é da importância do Museu da Pessoa. Quando eu conheci o projeto do Museu da Pessoa, eu falei: “Nossa. Maravilhoso. Memória da comunidade. Perfeito”. Aí eu procurei a Renata, procurei a Paula, a gente se comunicou por e-mail e falei a Paula, que queria ter uma ideia de ter uma parceria com o Museu da Pessoa, pra gente encenar essas histórias no teatro. Então pro ano que vem – esse ano a gente está trabalhando o circo, mas pro ano que vem, a gente já tem um projeto que é o _____ da memória, que é uma coisa mais adiantada, e a gente quer pegar isso e fazer uma oficina de roteiro e quem sabe interpretar a memória do Morro dos Prazeres, aqui no Casarão, na comunidade, descer pra Lapa
e pro bonde...Enfim expandir por toda
Santa Teresa. É um sonho e eu espero que com o Museu da Pessoa, com parceria entre a Prefeitura, o Casarão e a Samp, torne realidade.”
P/1- Está ótimo. Muito obrigado Fernanda.
R – Obrigada a vocês.Recolher