Já completei 27 anos de trabalho nos Correios. Comecei na entrega como carteiro, depois carteiro motorizado e atendente comercial. Atualmente sou OESP aqui em Fortaleza, Ceará, e já passei por muitas situações marcantes. Uma delas eu sempre recordo, com carinho. É que essa lembrança sempre m...Continuar leitura
Já completei 27 anos de trabalho nos Correios. Comecei na entrega como carteiro, depois carteiro motorizado e atendente comercial. Atualmente sou OESP
aqui em Fortaleza, Ceará, e já passei por muitas situações marcantes. Uma delas eu sempre recordo, com carinho. É que essa lembrança sempre me motiva a tentar ser um sujeito melhor.
Um dia cheguei mais cedo ao trabalho como de costume – meu horário de entrada era às 8:30. E cheguei cedo sem motivo algum. Será que era o destino tramando? O monitor do setor telegráfico Lavosier Jales veio esbaforido na minha direção:
- Wellington, estamos com um problema e só você pode nos ajudar. Acabamos de receber um telegrama de falecimento. E a entrega é urgente, pois o enterro é em Aracoiaba, interior do Ceará, hoje de tarde.
Prontamente peguei minha moto e fui entregar aquele telegrama. Já tinha entregue muitos telegramas de condolências, mas esse era o primeiro de falecimento que entregava. Não é uma tarefa agradável, devo dizer.
Cheguei ao destino e era uma casa bem humilde. Assim que chamei, fui recebido por um velhinho, com mais de 70 anos.
- Bom dia! Sou carteiro e tenho um telegrama para o senhor Francisco.
- Diga, meu filho. Sou eu mesmo.
Nesse instante, eu que já estava meio constrangido em entregar aquele telegrama por já saber do que se tratava, fiquei ainda mais quando constatei que o destinatário era uma pessoa tão idosa e que morava sozinho. Mas eu tinha de fazer a entrega:
- Senhor Francisco, daria para assinar aqui.
- Mas eu não sei escrever e nem ler, meu filho.
Agora sim, estava preocupado. O velhinho começou a me perguntar sobre quem tinha mandado o telegrama e o que estava escrito.
- Olha, meu senhor, eu não sei o que está escrito. Só sei que foi enviado de Aracoiaba.
- Oh, meu Deus! Oh, meu Deus! Disse o velinho.
Eu já não sabia mais o que fazer. Deixei o telegrama com o velhinho e já estava de saída, sentindo-me aliviado por ele não ter pedido que eu lesse o conteúdo. Foi então que o velhinho me pegou:
- Filho, o que eu vou fazer? Não sei ler e não tenho quem leia para mim. Você não poderia fazer esse favor?
Por alguns segundos fiquei pensando no pior: e se o velhinho não aguentasse a notícia? Caísse fulminado ali na minha frente. Bem, o melhor era ir com calma.
- Seu Francisco, o senhor tem alguém doente na sua família?
- Oh, meu Deus! Oh, meu Deus! Tenho a minha irmã!
A minha situação se complicava cada vez mais.
- Pois é, seu Francisco, sua irmã estava muito doente e veio a falecer de ontem para hoje.
- Oh, meu Deus! Oh, meu Deus! Minha irmã, única irmã...
E o velhinho desandou a chorar. Ponha-se no meu lugar e imagine como eu estava. Preocupado por ele ser muito velho e não ter ninguém para ajudá-lo. Fiquei por um tempo tentando consolar o seu Francisco, mas já estava na minha hora. Tinha de ir embora. Me despedi, achando que tinha contornado o problema, mas...
- Oh, meu Deus! Oh, meu Deus! Como vou viajar, filho? Não tenho dinheiro.
Esse atingiu definitivamente meu coração. Perguntei a ele quanto era a passagem, ele me disse o valor e fui checar na minha carteira. Por incrível que pareça, o valor que eu tinha coincidia exatamente com o que era necessário – esse destino e suas tramas.
O velhinho me agradeceu. Então fui embora, liso, mas feliz por ter ajudado.
Quando retornei aos Correios e contei a história, muitos riram da situação constrangedora em que tinha me metido e de ter voltado sem um caraminguá no bolso. Outros reconheceram meu gesto nobre. E eu fiquei pensando comigo mesmo: será que um coração, mesmo pequeno, atingido por uma pessoa tão doce, pura e sofrida pode inchar? Bem, o meu ficou grande naquela hora.Recolher