Programa Conte Sua História
Depoimento de Carlos Sereno
Entrevistado por Teresa Ruiz
São Paulo, 27 de fevereiro de 2014
Realização Museu da Pessoa
PCSH_HV447_Carlos Sereno
Transcrito por Karina MediciBarrella
MW Transcrições
P/1 – Então, primeiro Carlos eu vou pedir para você falar para ...Continuar leitura
Programa Conte Sua História
Depoimento de Carlos Sereno
Entrevistado por Teresa Ruiz
São Paulo, 27 de fevereiro de 2014
Realização Museu da Pessoa
PCSH_HV447_Carlos Sereno
Transcrito por Karina MediciBarrella
MW Transcrições
P/1 – Então, primeiro Carlos eu vou pedir para você falar para gente o seu nome completo, data e local de nascimento.
R – Meu nome é Carlos Sereno, eu nasci no dia primeiro de agosto de 1947 em Utinga, Santo André, São Paulo.
P/1 – Agora, o nome completo dos seus pais, sua mãe e seu pai.
R – Meu pai Valentin Serena e minha mãe Maria Teonila Martin.
P/1 – Conta para gente um pouco como é que seus pais eram e o que eles faziam. Como eram, assim, de temperamento e o que é que eles faziam?
R – Minha mãe era prendas domésticas e fazia de tudo realmente em casa, era uma época em que as pessoas tinham várias habilidades. Assim, muito caseira, praticamente não lembro dela sair de casa a não ser em determinados momentos para cuidar de alguma coisa com relação à gente, principalmente, eu e meus irmãos. O meu pai era pedreiro de profissão, ele era mestre de obras, e aí sem preocupações outras, ele era um pedreiro de mão cheia na época dele, ele tinha outras habilidades não era uma coisa específica de pedreiro, parte elétrica, parte hidráulica, vidraceiro, tudo o que você possa imaginar que houvesse necessidade de se consertar numa casa ele tinha habilidade para isso. A minha mãe tinha um temperamento tranquilo, meu pai também, mas eles eram espanhóis e o espanhol, eu não sei se ele paga um boi para não entrar numa briga, mas eu tenho certeza que ele paga uma boiada para não sair. Então, quando começavam algumas discussões entre os dois era uma coisa, assim, de varar a noite praticamente, aquilo me assustava um pouco, não por causa da violência, sabe? Porque era meu pai e minha mãe discutindo, e para criança isso não é bom. Eu gostava embora na época eu não elaborava mentalmente, mas eu gostava era do fim, lá bem do meião para o fim da briga, porque a coisa ficava amistosa, eles começavam a lembrar coisas da época em que eles viviam na Espanha, os dois eram espanhóis, e aí, então, começavam a contar de como era a terra, aí vai um pouco da coisa da saudade, das reminiscências e tal, das plantações, e na terra da gente tudo é melhor sempre, a terra da gente pode ser terrível, mas é linda, maravilhosa. E como eles não tinham a mínima perspectiva de voltar, como nunca voltaram, então ficava aquela coisa de lembrar, desde a infância, principalmente, a infância e coisas com relação à escola, eles tinham uma instrução básica, mas muito bem alicerçada, com muita leitura, coisa própria de europeus, que eu acabei pegando de uma certa forma, e então no final era aquela coisa de relembrar, e aí, tinha as frutas mais doces do mundo. (risos)
P/1 – Queria que você contasse para gente da onde seus pais vieram da Espanha e o que você se lembra que eles contavam, assim, da vinda para o Brasil? Como é que foi essa viagem? Qual que foi o impacto deles quando eles chegaram no Brasil? O que eles estranharam? Como era essa relação deles com a terra natal e com o Brasil?
R – Então, a minha mãe era da, seria o Centro-Oeste a gente imaginando o mapa do Brasil seria assim entre Tocantins e o Pará, por ali, a região dela chama-se Castilla y León e o estado, na verdade eles chamam de província, era Zamora, então ela era zamorana. E o meu pai era da região Sul, que é a Andaluzia, que é uma parte da Espanha em que é muito conhecida pela vida boêmia, de festas, de alegria, vamos dizer assim, o pessoal vive mais, de uma certa forma, se a gente mal comparando com o Brasil seria o nosso Rio de Janeiro com praias, com o pessoal se divertindo mais, então, meu pai era dessa região, e era da província de Córdoba, dos meus avós eu não sei. E assim, a vinda deles para o Brasil foi no começo do século XX, então 1900 e pouco, meu pai era de 1901 e minha mãe de 1911, então imagino que eles tenham vindo por volta da década de 20.
P/1 – Por que eles vieram? Eles disseram?
R – Aí tinha uma situação política e de vida muito difícil na época do Franco, na Espanha, uma ditadura em que você, mais ou menos, guardadas as proporções como no Brasil na ditadura militar, em que você não tem liberdade, não pode falar o que você pensa, o que você acha e tal e tinha guerras, meu pai passou pelas guerras de 14, de 18, a de 45, que acabou em 45. Então, muita gente da Espanha e eu estou falando dos meus pais aí no caso, mas muita gente não da Espanha, da Europa de uma forma geral, era uma coisa horrorosa, violência, ninguém gosta disso, então as pessoas acabam fugindo. E na medida do possível, as pessoas têm as informações para onde elas vão, como é que está e tem muita gente que acaba achando o Brasil, e eu também acho, um país maravilhoso, apesar das suas dificuldades, dos seus problemas, então no começo, lá pelos 1900 e pouco eles vieram. Eu não tenho as informações exatas, mas eu sei que primeiro Porto de Santos, depois desviou-se para Buenos Aires e acabaram vindo para o Brasil, não meu pai e minha mãe juntos, porque minha mãe é de segundo casamento que acabou não sendo casamento, eles se juntaram e ficaram. Aí então, vieram para Argentina como eu disse, depois acabaram vindo para o Brasil e eu não sei se teve gente que precedeu meu pai e minha mãe como parentes, eu não conheci um parente da minha mãe, ninguém, eu só conheci a minha avó paterna. E a minha mãe era uma pessoa muito reservada, teve uma educação, assim, eu não sei se é rígido o termo que a gente usa, mas é alguma coisa de contenção, próprio de muito tempo atrás, em que as crianças praticamente não interagiam, ele ficavam no cantinho delas, quietas, até que alguém dissesse para elas o que elas tinham que fazer. Meu pai também foi dessa forma, a educação deles, e com certeza passaram dificuldades, vieram de navio, passaram as dificuldades iniciais, próprias de quem muda de país, muda de sistema governamental, até o próprio país fisicamente, toda essa coisa, outra cultura, outros costumes, outra forma.
P/1 – E você se lembra de alguma história, assim, que eles contavam dessa chegada ou uma saudade? Você disse que eles viviam comentando coisas que sentiam falta.
R – Da história em si, da vinda, eu devo ter ouvido pouquíssimo. Eu era muito criança, eles não estavam contando para mim, eles conversavam entre eles e a gente ouvia, então eu ouvi pouquíssimo relato dessa parte, mas assim das histórias deles e eu como criança, no caso, ficava imaginando lá na minha cabeça infantil como é que seria isso, que é um país que eu não conheço até hoje, a Espanha. Mas eles contavam a coisa do frio, e de que por causa desse tipo de clima que tem na Espanha, então tinha outras frutas, era outro cultivo, eram outras coisas. Assim, uma vida de pessoas, eu não sei se é pobre, é remediada, ou remediada para pobre, alguma coisa assim, sem muitas regalias, uma vida de sobrevivência mesmo, não era de viver, era uma coisa de sobrevivência. E o que eles contavam muito era por conta da saudade mesmo, essa coisa do país, como é que era o país, o cultivo, a educação, os costumes, os usos, a forma do povo viver de uma forma geral.
P/1 – E na sua casa eles mantiveram alguma coisa que era própria do local de onde eles vieram? Você se lembra de alimentação, comida ou música?
R – Com certeza. O livro de cabeceira da minha mãe era “Os grandes mestres da música clássica”, chique, né? Então, era assim antes de deitar ela dava uma lidinha. A santa de devoção dela era Santa Luzia, protetora dos olhos, e ela tinha aquele livro que ela lia, relia e lia 50 vezes a mesma coisa, não se cansava de ler aquilo que eram os grandes mestres da música clássica mesmo. Com relação à culinária, muita coisa da culinária espanhola, então tinha um tal de ‘enxadró’ que ela chamava, que era um arroz cozido no caldo de feijão, aquilo era uma delícia, estou sentindo o gosto até hoje. (risos)
P/1 – Tinha outras coisas da culinária?
R – Tinha sardinha escabeche, que eles chamavam, que aí era uma coisa que minha mãe não fazia ao pé da letra como era lá, porque ali a sardinha você não tirava nada, você tirava a escama, então, você comia a sardinha com cabeça, com intestino, com o que tivesse, com tudo, e a minha mãe não, ela tinha o hábito essa parte ela tirava, a cabeça ela tirava, mas fazia com os ingredientes e a forma de cozinhar deles lá, esses dois basicamente é o que eu lembro. E de música, o que não existe mais, mas eu tenho os discos ainda hoje em casa, 78 rotações, uma coisa assim pré-histórica, muita música clássica, hoje você baixa na internet tranquilamente em alguns minutos. Na época tinha aquele disco que você tinha que tomar muito cuidado porque caiu, quebrou, adeus, então era um disco de 78 rotações, muitos discos, o meu irmão mais velho adorava Carlos Gardel, então tem a ver com a língua espanhola e também tinha disso. Mas dos meus pais, mais música clássica e alguns mesmo intérpretes brasileiros que eles gostavam, o Luiz Gonzaga, por exemplo, era um dos que a minha mãe gostava de ter em casa, e daqueles cantores antigos, o Francisco Alves, Ivon Curi, eram umas coisas que o pessoal ouvindo hoje não vai entender muito bem do que eu estou falando. Mas era por aí a coisa, e mesmo tendo só, eu acho que eles tinham uma coisa de primeiro a quarto ano, mas muito bem feito, muito bem estruturado, tanto em Exatas como em Humanas, as duas coisas.
P/1 – E dessas músicas o senhor se lembra de alguma que tenha te marcado, que era música que sua mãe escutasse mais?
R – Eu até não lembro muito a minha mãe ouvindo disco, quem ouvia mais disco em casa era eu, mas logicamente eles ouviam. E uma das que marcou muito foi “Conto dos bosques de Viena”, do Strauss, isso eu nunca esqueço, tinha “Conto dos bosques de Viena” então tinha trinado de passarinho, canto de passarinho de fundo em determinados momentos e tal e que agora você ouvindo, você vai imaginando esse bosque e essa vida animal, esse barulho dos vegetais, com o vento, com coisas do tipo, então hoje fica mais por conta do conhecimento de leitura, de você saber da obra e de você ir imaginando conforme os instrumentos vão entrando, mas que na época tinha isso muito claro, era passarinho cantando mesmo e tal, e tinha outras. Ela gostava muito de valsas, então tinha as outras valsas de Strauss, Valsa do imperador, Danúbio azul, então essas músicas tinham e eu ouvia muito, e de vez em quando pegava o livro de cabaceira lá para dar uma olhada. Então, esse acesso à parte escrita acaba alicerçando bastante a gente, embora a gente nem pense nisso na época, a gente vai lendo, porque sabe decodificar o código, vai absorvendo, acaba te estruturando de uma certa forma.
P/1 – Você mencionou seu irmão, Carlos, eu queria que você me dissesse, não sei se é só um irmão, você tem irmãos? E me dissesse o nome dele.
R – Então, tenho um irmão que, inclusive, na época eu não sabia como era esse irmão, porque ele era filho do primeiro casamento do meu pai, chamava-se Pedro e ele era de 1929. O meu irmão Adolfo, que eu conhecia como meu irmão mais velho, porque era da nossa família, meu pai, minha mãe e meus irmãos. Então, o Adolfo ele era de 1931, o Cândido de 1932 e eu tinha uma irmã de 1945, a Maria. Por razão até da idade eu tinha mais ligação, brincava, atuava mais com a minha irmã. Meus dois irmãos eram adultos para mim, quando eu tinha oito anos eu tinha irmão de 23, tinha irmão de 25, a diferença era grande. E o nosso relacionamento era mais ou menos isso, os irmãos mais velhos você tinha meio como autoridades, lógico, a gente conversava, tinha aniversário, mas sem muita coisa, era mais assim, e a minha irmã mais próxima de mim, você perguntou uma outra coisa?
P/1 – Era isso mesmo, o nome deles e quantos irmãos. E queria que você descrevesse um pouco para gente a casa em que você passou a infância, a casa, o bairro, como é que era a casa? Como é que era o bairro?
R – A primeira casa que eu lembro era uma casa que era no mesmo bairro, Vila Metalúrgica, mas eu lembro, assim, muito vagamente uma coisa ou outra. Depois nós mudamos para uma outra casa que é na Rua Japão, e ali ficava entre o Parque das Nações e a Vila Camilópolis, ali eu lembro que uma ocasião eu vi um balão caindo e ele justamente caiu na nossa casa, ele estava caindo, eu estava torcendo para ele cair lá e acabou caindo. E aí nós mudamos, no dia cinco de agosto de 51 para esta casa que foi a primeira que eu tive o meu histórico de infância, ali eu fiquei até casar.
P/1 – Como era essa casa?
R – Essa casa, nós mudamos em um domingo, ficou sem cerca, a caída era para o fundo, o terreno era caído para o fundo, era uma rua sem asfalto, um paraíso. Passava um caminhão por dia para entrega nos estabelecimentos comerciais que eram poucos também, muito mato. Atrás da minha casa não tinha casas, tinha uma ou duas e o resto era mato, e quando chovia passava um aguaceiro por lá, sabe? A casa foi feita da maneira mais simples possível, meu pai, como eu te disse, era pedreiro, mas ele trabalhava para construir a nossa casa de sábado e domingo. Não lembro exatamente como estava aquilo no dia que nós viemos, mas eu imagino que minimamente deveria ter pelo menos um cômodo para se dormir e uma cozinha para se cozinhar. O banheiro era fora, era de madeira, as paredes de madeira e era daquele que a gente chama de aviãozinho, que você precisa segurar na parede de medo de cair lá para dentro, uma coisa muito segura, muito tranquila, verdadeira maravilha, com muita higiene também, sem descarga, era fossa, é o que havia na época. Aí, logicamente, com o passar do tempo isso tudo foi sendo melhor estruturado, melhor feito, mas eu lembro de várias mudanças internas, vai para cá, arruma lá, faz isso aqui, vai para o outro cômodo. Aí, eu fiquei desde o dia cinco de agosto de 51 até um pouco antes de eu casar que foi primeiro de outubro de 77.
P/1 – Viveu muitos anos ali.
R – Ficamos muitos anos ali. A minha infância toda foi lá, foi uma infância de rua, de despreocupação absolutamente, não tinha nada, não tinha dessas coisas lindas que têm hoje em dia, que não se deixa a criança sair de casa, porque é um risco muito grande, nada, nada. Você desaparecia de casa, ia para que lado que você quisesse, eu voltava muito, eu ficava meia hora fora, voltava, aí ‘oi mãe e tchau’, oi e tchau, oi e tchau. Mas em determinados momentos, em que a gente saía para as nossas aventuras, íamos para lá ou íamos para cá, campo de futebol às dezenas numa várzea que tinha lá para baixo, tinha uma vacaria, então tinha aqueles bolos de noiva de vaca pelos campos de futebol e a gente aprendia a driblar não só os adversários, mas os presentes que as vacas deixavam lá para gente. E, às vezes então, a gente saía e ficava horas fora e não havia preocupação de espécie alguma, depois você voltava todo sujo, mas maravilhoso, maravilhoso.
P/1 – Quais eram as brincadeiras? Tinha o futebol, se você quiser descrever um pouco como eram os jogos de futebol e que outras brincadeiras.
R – Eu sempre fui um verdadeiro perna-de-pau com cupim, horrível, no futebol, mas corria muito. Eu acho que eu devia ter sido corredor, não jogador de futebol, mas a gente brincava muito de futebol, você estalava o dedo e apareciam 40 moleques para brincar de jogar bola. Na época da escola, olha, era entrar em casa, tirar a roupa, por a outra e desaparecer. Brincávamos de futebol, empinava pipa, adorava empinar pipa, porque aquela época você deixava a pipa lá no alto e não havia problema nenhum, de risco nenhum com cerol que não existia, e de você brincar com a tua pipa e os outros brincarem com as pipas deles, mas todos juntos.
P/1 – E faziam as próprias pipas?
R – Nunca tive muita habilidade para essas coisas de fazer, tinha amigos que faziam pipa muito bem. Jogávamos fubeca, que é a tal de bolinha de gude, uns jogavam para ganhar e nem tanto, outros para brincar mesmo. A gente tinha todo o tempo para brincar e a gente brincava muito e a gente ocupava muito o tempo. Você ia contar alguma coisinha, uma piadinha daquela época demorava 15 minutos, hoje você começa a contar já tem que acabar, porque tudo tem muita pressa, então a gente tinha o tempo. E aí jogávamos pião, ou para valer, que era você ganhar os peões do adversário, normalmente nós jogávamos para brincar. Colecionávamos figurinhas de vários tipos, nunca enchemos álbum nenhum.
P/1 – Que tipo de figurinha?
R – Tinha de tudo, mas principalmente futebol, que vinha com aquela bala grudenta, de péssima qualidade, mas que era muito bom. (risos) E batíamos bafo, saía pouquíssima briga, pouca discussão. Continuando na brincadeira, brincávamos de mocinho e bandido sem a conotação de bandido que tem hoje, que está muito pesada, então você brincava de mocinho e bandido e os pais não ficavam preocupados de você virar bandido, nem de virar mocinho, nem de virar nada, você brincava. Passeio para Santos, a primeira vez em 1955, eu já estava com oito anos de idade, hoje as crianças com meses já foram 30 vezes.
P/1 – Foi a primeira vez que você viu o mar?
R – Foi a primeira vez que eu vi o mar.
P/1 – Conta para gente como é que você foi até lá? Como se chegava até Santos naquela época? Qual foi a impressão?
R – Foi com meu irmão mais novo, vamos dizer assim, dos irmãos, que ele tinha 15 anos a mais do que eu, ele jogava futebol muito bem, inclusive perdeu uma oportunidade de jogar no São Paulo, poderia ter pego o Pelé pela frente, coitado, ele se livrou. Aí, tinha um time de futebol lá, de várzea, aliás, tinha um monte, e ele jogava num time chamado Onze de Agosto e esse time foi jogar em Santos. Então, o pessoal de manhã foi para praia, nadou, brincou, ficou bêbado e jogou de tarde do jeito que eles estavam, e da minha parte assim me diverti muito, não tinha nenhuma criança, só eu. Você chega, você vê o mar que você nunca tinha visto, aí você quer engolir o mar, então você vai e vai que nem um doido. Brinquei muito, me diverti, os adultos brincavam com a gente e tal, depois eu fui assistir ao jogo que eu não lembro nada do jogo, eu lembro de ter me divertido muito na água.
P/1 – Você foi só com o seu irmão, foi isso?
R – Foi.
P/1 – E como vocês chegaram até Santos? Você lembra da viagem?
R – Era um ônibus da Mercedes, daqueles que era fraquíssimo o motor, foi pela estrada velha de Santos, aquilo lá era uma aventura, não era uma viagem, não é a Via Anchieta, é a estrada velha de Santos, que vinha aquela fileira e se vinha uma caminhão na frente você chegava depois de três dias, não é bem isso, mas você tinha que, era uma pista para subir e uma para descer e acabou, com a segurança mais precária possível, de acostamento nada, essas coisas todas de guard rail, nada. Mas muito tranquilo, porque não se tinha pressa, então foi muito boa a viagem. Não lembro da ida e da volta, eu lembro da estada lá, e brincar na areia com os adultos, ir assistir ao jogo de futebol e entrar na água, essa coisa toda, isso eu lembro.
P/1 – E dessa fase de infância, tem alguma história marcante para você, Carlos? Uma coisa que você sempre se lembra ou tenha contado para os filhos, conte para os netos?
R – Tem uma que não há como esquecer e ela foi trágica, infelizmente. Eu tive, até hoje, uma colega chamada Ingrid, filha de alemães, e eu vou te contar assim baixinho para ninguém escutar, foi a primeira paixão da minha vida. Ela brincava muito com fogo, pegou fogo no vestido dela, nós devíamos estar com sete anos para oito, e aí ela teve queimaduras em 90% do corpo de terceiro grau, os médicos não davam um tostão furado pela vida dela, ela sobreviveu, graças a Deus, está próxima da gente, mora próximo e tal. Ela ficou, para você imaginar, para você calcular, Hospital das Clínicas, principalmente, naquela época, você começou a melhorar eles mandavam embora, ela ficou três anos hospitalizada no Hospital das Clínicas, três anos. A mãe dela teve que tirar a pele das costas e da perna e não sei de onde mais para poder fazer a recomposição, isso eu estou falando de década de 50, não estou falando dos dias atuais que tem toda a tecnologia, todos os avanços e tal, então ela ficou três anos pelo hospital. Como eu estava lá pela Avenida Utinga, andando, brincando e tal, tinha uns 11 anos, quando eu soube que ela tinha voltado, aí fui lá e nós ficamos de companhia muito tempo. Então é uma paixão, assim, de criança, não é homem-mulher, são duas pessoas que se gostam e que têm o prazer de ficar juntos para conversar, para passar o tempo, para fazer companhia mesmo e para ficar feliz, porque você está perto de quem você gosta. Então, foi uma coisa de amor recíproco sem se falar nada, no ano passado, ano retrasado eu fiz a minha declaração de amor para ela e assim, falei tudo, uma sobrinha dela possibilitou, eu me senti à vontade. Eu nunca tinha estado à vontade para falar qualquer coisa do tipo para ela, e nós fomos conversando, sabe? Sem tocar especificamente em nada e quando foi ver já tínhamos falado sobre. E aí eu soube de algumas coisas que na época eu não sabia, a mãe dela adorava que eu fosse lá, porque dava para mãe dela trabalhar, ela era uma criança, tem alguém para distrair e a mãe dela fazia o trabalho de casa. E aí, então nós ficávamos lá conversando, jogando, jogávamos de tudo, de dominó, de ludo, de não sei o que, de trilha e conversando. Então, nesses dois anos atrás eu falei e eu soube que a mãe dela, então, gostava do fato de eu ir lá, mas tinha uma preocupação, porque o adulto sempre vê as coisas de uma outra forma, não estou dizendo que a pessoa é maldosa, ou não sei o que, é natural, as coisas acontecem de atração, não é de homem pela mulher, hoje tem outras atrações mais diversificadas, na minha época era mais homem e mulher, (risos) não tenho nada contra também, as pessoas fazem o que quiserem, mas assim, então a mãe dela tinha essa preocupação, mas nada, não existia nada, nem de dar a mão.
P/1 – Com que idade vocês estavam?
R – Era de 11, quando aconteceu ela tinha oito, nós temos a mesma idade praticamente, eu sou de agosto e ela é de janeiro do ano seguinte, nós temos quatro meses de diferença. Então, de foi 55 a 58 que ficou sem ela aí. Posteriormente, em 62 ela voltou para o hospital, Hospital São Paulo, e essa foi a parte que ela menos gosta de lembrar, porque fizeram algumas coisas tentando, porque na medida em que queima encolhe, e aí fizeram alguns processos meio pré-históricos, uma coisa meio complicada de esticar, então ela sofreu demais e não teve melhora nenhuma, aos 62 ela voltou e acabou. Então vira e mexe, por conta de todas essas queimaduras, dessa violência que foi feita com o corpo da pessoa, ela tem câncer de pele ou de outros tipos e tal. E uma das últimas vezes que ela foi operada, a irmã dela ficou impressionadíssima, porque o pedaço que tiraram dela foi uma coisa extremamente violenta. A irmã dela é que fazia os curativos, perto de parte íntima, coisa assim, então a irmã dela ficou muito movida com isso, mas são coisas que vão se superando, de vez em quando ela tem alguns mal-estares por conta dessas coisas.
P/1 – São sequelas.
R – Você pediu, foi marcante demais. No mais de marcante é a coisa da amizade, era muito bom, inclusive eu fiquei um pouco decepcionado quando eu já estava trabalhando, comecei a trabalhar com 12 para 13 anos. E algumas pessoas, eu sempre tive amizade pelas pessoas, mas muita amizade, eu tenho amigos que eu conheci com quatro anos de idade, e eles não estão sumidos, eu sei onde eles estão, alguns estão muito próximos, então para mim eles eram meus amigos. Aqui não é nenhuma queixa, nenhuma tragédia, mas de lá para cá não era a mesma coisa, sabe? Então eu senti algumas diferenças que me entristeceram de certa forma, eu era conhecido deles, eles eram meus amigos, e fizemos boas companhias e boas brincadeiras na época de infância.
P/1 – E Carlos, que idade você tinha quando você começou a frequentar a escola?
R – Então, aí tem um detalhe, como eu era, era não, sou muito pequeno, (risos) mas naquela época mais acentuado ainda, então, as crianças entravam com sete anos na escola, eu fui entrar no ano que eu fazia oito, e aí, eu me perdi um pouco na tua pergunta, perdão.
P/1 – É isso mesmo, eu queria saber. Quando você entra na escola, então com oito anos, você me respondeu. Eu queria saber como é que era a escola, qual é a sua recordação de chegar na escola, os professores, o espaço físico, uniforme. Como era essa escola?
R – Só retomando, entrei no ano que eu fazia oito anos, e assim, por que eu estou falando isso? Porque eu estava numa expectativa muito grande, porque eu queria aprender a ler e escrever, e aí teve mais um ano, ano seguinte para entrar. Era uma escola que tinha quatro salas de aula, ela pertencia à Laminação Nacional de Metais, que era uma empresa que montou aquela escola.
P/1 – O nome você lembra? Da escola?
R – Grupo Escolar Doutor Júlio Pignatari.
P/1 – E onde ficava?
R – Ficava na esquina da Rua Haia com a Avenida Utinga, a Avenida Utinga é a rua principal lá do bairro. Adorei a escola, adorava ir para escola, sempre, sempre gostei, aprendi a ler e a escrever, você imagina, com a rapidez que eu aprendi, a cartilha foi Cartilha Sodré, que é uma cartilha anterior à Caminho Suave, um negócio assim pré-histórico mesmo.
P/1 – E como é que era a escola? Você estava descrevendo o espaço quando eu te interrompi.
R – Pelo lado que a gente entrava, a gente não entrava pela avenida, entrava pela Rua Haia e até tinha uma pontezinha, porque passava um córrego do lado, hoje já não existe mais isso. Então, nós entrávamos pelo lado onde era o que seria o pátio e era de terra, tinha algumas árvores, tinha duas árvores que o pessoal do ano anterior plantou, então era um graveto e virou uma árvore enorme. O banheiro ele era fora do prédio, de alvenaria, tudo e tinha dois banheiros para quatro classes, e das professoras tinha o banheiro ao lado com chave, então só elas usavam. Quatro salas de aula, era um corredor assim, duas à direita, duas à esquerda, depois terminando o corredor tinha a sala dos professores e à esquerda a diretoria, normalmente eu ia para diretoria, porque eu era uma criança feliz, (risos) eu não era uma criança perversa, nem nada, mas eu estava lá para aprender e para me divertir, então, eu brincava muito, eu ficava muito no corredor de castigo ou ia para diretoria, muito.
P/1 – Você lembra de alguma história assim? Uma dessas vezes que você foi para diretoria? Qual que era?
R – Não lembro necessariamente, mas é que eu era inadequado para uma sala de aula. Eu imagino que por conta até de eu absorver com muita facilidade o que era passado, eu tinha tempo livre de sobra, enquanto os outros estavam pegando, então olha, já pegou, já não sei o que, ela não ia me dar outra coisa, ela me dava a liberdade de sair de lá, (risos) então ela me mandava para fora. E o diretor vira e mexe me via por lá, José Zanini, nossa, uma pessoa fantástica, um pai, então quando eu chegava lá ele conhecia todos os alunos, nome e sobrenome, eu fico impressionado, eu não lembro o meu nome se você me perguntar. Então, quando eu ia para lá tinha uma máquina de datilografar, manual, não tem nada de elétrico nessa época e tal, e eu ficava olhando no teclado para ver onde estavam as letras para fazer o meu nome, (risos) datilografia nada, e aí quando dava um tempinho que ele via que já era suficiente ele falava assim: “Sereno, pode voltar para lá, fala para professora que eu te mandei de volta.” Ele nunca trocou uma palavra para mim, nem de bem, nem de ruim, de conversar, que ele tinha as ocupações dele, e muito menos de ficar me chamando a atenção porque, o que você fez? Nada, eu ficava lá fazendo companhia para ele, aí depois voltava e tal. E na hora do intervalo, que a gente chamava de recreio, era uma farra, aquele terreno de terra, a gente brincava do que a gente pudesse.
P/1 – Do que, por exemplo?
R – Principalmente de pegar, era pega-pega, então corríamos por lá. Hoje tem toda uma série de cuidados, não se pode fazer nada, não pode sujar, não pode isso, não pode aquilo, nós fazíamos tudo o que nós podíamos e o que nós não podíamos para brincar, e brincávamos de tudo, dava o intervalo e assim, era uma outra época, então, eu não levava figurinha para escola.
P/1 – Não levava?
R – Não. A gente brincava fora da escola, muito menos ficar mostrando coisas como se faz agora, durante a aula, na aula a gente assistia à aula e atrapalhava a professora e ela punha para fora, era isto basicamente, então a gente brincava demais, as meninas corriam, era uma farra, a gente se divertia demais, aprendi muito.
P/1 – Teve um professor marcante nessa fase de primário?
R – Ia falar agora.
P/1 – Ah, que bom!
R – Dona Maria Felicita de Freitas. (emocionado)
P/1 – Pode ficar tranquilo, toma seu tempo. Tem um lencinho ali do lado, Carlos, se você quiser, bebe um gole d’água.
R – Eu já tinha pensado em me preparar para me acalmar, mas não teve jeito.
P/1 – É natural, está lembrando, pode ficar tranquilo, a gente te espera.
R – A dona Maria Felicita de Freitas era uma pessoa assim já dos seus 50 e poucos anos e até onde, a gente não tem informações, mas assim, o que a gente podia entender é que ela era uma pessoa solteirona e ela tinha um amante que fazia ela sofrer demais. Nossa, como é duro! (emocionado) Ela não era necessariamente uma beldade, não era feia, mas ela tinha uma perna mais curta que a outra e embora ela usasse não salto, mas uma sola bem grossa, ela ainda mancava de uma das pernas, ela era fanha, (pausa) nossa, não sabia que era tão duro.
P/1 – Mas fica tranquilo, a gente espera.
R – E ela era assim, ela abriu as portas do mundo para mim. Ela me ensinou a ler e a escrever, ela dava reguadas maravilhosas, puxões de cabelo, beliscões, tapas na cabeça e educação, e orientação, e limites, educação, ensino. Tenho até hoje a cartilha com as correções que ela fazia, correções não, ela punha em letra cursiva, porque está em letra de imprensa, ela punha em letra cursiva orientando e tal, está em casa, isso é uma das coisas que vai para o túmulo. E assim, eu ficava muito ofendido, porque eu sempre fui educado e delicado com as pessoas, sempre, isso foi berço meu, e me ofendia demais, me machucava demais, os dias que ela chegava chorando, não por ela chegar chorando, pela fala dos meninos: “Hoje ela brigou com o macho dela,” o macho dela, eu achava muito grosseiro por causa da importância que ela tinha na minha vida, então ela era a minha segunda mãe.
P/1 – Ela foi a sua primeira professora?
R – A primeira. Na verdade, antes dela teve uma professora que veio, ficou dois dias com a gente e nós choramos, porque ela foi embora. Mas o destino, Deus, o nome que a gente quiser dar, é sábio, sabe o que tem que fazer e como é que tem que ajustar as coisas. No lugar de uma pessoa que nós percebemos, nos dois ou três dias, não lembro, pode ser uma semana, dez dias, não sei, assim era da água para o vinho. A outra era toda afagos e carinhos e agrados e essa era, o que a gente fala de linha dura, não é linha dura, ela era rigorosa quando precisava, e aí, eu aprendi bem. Hoje eu fico assustado, eu sou educador, eu fico assustado com crianças no quinto ano que não sabem ler e escrever, está certo que eu já estava propenso, eu queria, mas no primeiro ano as quatro operações e ler e escrever perfeitamente, sem problema nenhum no primeiro ano, e as outras vieram e ajudaram. E a do segundo ano foi um contraponto terrível, ela chamava-se Rosina Pavão. A da dona Maria Felicita, os tapas, as reguadas, eles eram afagos, a da outra doía, a outra era perversa, era grosseira. Uma das falas dela eu lembro até hoje, quando eu falei dos pais ela falou: “Você tem dois pais?” Porque eu usei o termo correto, os pais, tal, falei alguma coisa dos pais, isso foi uma coisa, tem coisas que ficam, né?
P/1 – Claro.
R – Mas vamos deixar a dona Rosina Pavão descansar, né?
P/1 – Dessa sua que foi praticamente a primeira professora, a Maria Felicita, você se lembra de alguma história específica que tenha sido marcante? Ela é muito importante para o senhor, mas às vezes o senhor se lembra de uma história específica, uma lembrança qualquer.
R – De sala de aula, alguma coisa, não, era mais essa coisa da rigidez na educação e do compromisso profissional que ela tinha com o que ela fazia, era assim, nossa, era um exemplo, demais, muito bom. E eu fico triste de eu ter perdido contato, hoje com certeza absoluta ela já se foi, mas fiquei muito chateado, principalmente, quando um sobrinho meu voltou a ter contato com uma professora que ele já tinha saído da escola, morri de inveja dele, puxa vida, né? Mas era essa coisa de criança mesmo que não tem o que agora se tem, você põe a mão no professor, você conversa com ele como se ele fosse seu irmão, nós não tínhamos. Essa distância e esse amor imenso que a gente não podia demonstrar, mas que existia, muito forte.
P/1 – E nessa escola você termina o primário, é isso?
R – Eu termino o primário em 1958, assim raspando, passei muito bem do primeiro para o segundo, lógico, o afetivo estava aí, passei com oito, e ela punha umas coisas lá na coluninha que estava escrito comportamento, que era uma mentira deslavada aquele comportamento, eu acho que pelo cognitivo ela deixava para lá. Então, ela punha um sete lá que aquilo não existia, aquilo era quatro, era três. E o meu pai, que detestava duas coisas, escola e padre, até na Espanha ele deu uma pedrada e se escondeu, deu uma pedrada num padre, camuflou assim e deu uma pedrada no padre. Então, ele não gostava de escola, então o que viesse ele assinava e não discutia, e não me chamava à atenção, nunca me falava nada, as pessoas percebem também, não estou dizendo que eu era santo, acabei de falar como eu era, mas as pessoas percebem as coisas. Então, o boletim vinha, tenho todos os boletins e do quarto ano, voltando para o que você estava falando, no quarto ano eu passei raspando, acho que eu passei com cinco, mas aí já estava uma coisa, teve uma fala do meu irmão mais velho que a gente precisa tomar cuidado com o que a gente fala, mas sem problema nenhum, ele citou que: “Quando eu estava cansado de escola terminou” e talvez ele tenha falado no último ano de escola, aí eu fiquei cansado de escola sem estar cansado de escola, e aí acabou. Eu estava meio assim, sabe, vamos fazer o possível e morrendo de medo que eu ia repetir, não repeti.
P/1 – E aí você continuo estudando, foi fazer ginásio?
R – Aí é que está. Como não tinha essa preocupação do meu pai, principalmente, e a minha mãe também não tomou à dianteira, eu não fiz em seguida. Eu fiquei até 63, eram cinco anos, aí eu já estava trabalhando, já estava começando a trabalhar e tal, em 60 eu comecei, e aí por conta de um emprego em que eu para trabalhar nesse setor eu teria que estar fazendo o colégio, o ginásio, que era chamado. Aí, eu peguei e fui fazer a tal de admissão para o ginásio morrendo de medo, essa coisa de fazer uma prova me punha medo, no primário não tinha prova, a gente ia fazendo os exercícios e fazia, fazia e fazia. Aí, fui para lá e passei. Passei no ano de 63 eu fiz o quinto, que seria o quinto ano repeti e aí era pago, meu pai ficou muito bravo, foi o primeiro palavrão que ele falou na minha frente, eu não vou falar, eu vou usar um termo mais leve, ele falou: “Você vai ter que repetir essa masturbação tudo de novo?” eu falei: “Vixi” eu não tinha ouvido meu pai falar coisas do tipo, aquilo foi muito pesado para mim e nós falamos todos os palavrões na rua, gritávamos, não falávamos, mas aquilo do meu pai eu achei muito pesado. O ano seguinte eu voltei e acho que eu devo ter feito um mês ou dois e parei, porque eu não fui trabalhar naquele setor da firma, fui num outro, então lá não me exigia e eu deixei. E a coisa foi passando, passando, passando e eu comecei a ter consciência que um dia eu ia fazer uma faculdade, eu queria fazer uma faculdade, só que eu não me mexia e aí você não faz nada. Então eu fui fazer aqueles exames de X, põe X aqui, põe X ali, e fui eliminando as matérias até o momento em que falei: “Bom, agora vou fazer o colegial,” mas não vou fazer o colegial, não vou fazer o colegial em três anos, vou fazer o supletivo e fiz em um ano e meio o que eu faria em três, e aí fui para faculdade, nessa época eu já tinha casado.
P/1 – Deixa eu voltar, a gente foi muito rápido. Deixa eu entender, primeiro você fala exame de X, o que você está chamando de exame de X? Você completou o ginásio com uma espécie de supletivo, é isso?
R – Isso. O ginásio, você não necessariamente estudava, eu acho que era coisa do governo que marcava e você era itinerante, eu fui fazer em Aparecida do Norte, por exemplo, foi o primeiro que eu eliminei algumas matérias.
P/1 – Eram provas mesmo?
R – Eram provas. Só que era assim, era de múltipla escolha, esse é o tal de X que eu estou falando, não é uma coisa dissertativa. Então você punha lá é não sei o que, tinha cinco alternativas, você punha lá o que era certa. Em Aparecida do Norte eu fui e fiz, foram várias matérias, no último dia, ou nos dois últimos dias tinha Matemática e Língua Portuguesa, eu falei: “Bom, agora se eu repetir nessas duas não tem importância, nas outras eu já passei,” repeti todas as outras e passei em Português e Matemática e aí fui fazendo em outros lugares, tal e terminei.
P/1 – Valia pelo ginásio cada um desses exames?
R – Valia pelo ginásio. E aí eu falei, é uma coisa de consciência, eu falei como eu não estudei de forma adequada o colegial, pelo menos eu faço supletivo, eu quero seguir, então, daí para frente tudo pago, sempre, eu pagando.
P/1 – Deixa eu voltar um pouco nesse primeiro emprego, é com 12 anos que você começa a trabalhar?
R – Doze para 13 anos.
P/1 – E como é que é? Que emprego que foi, como é que surgiu?
R – Então é assim, meu pai trabalhava numa construtora, chamava-se Companhia Construtora Módulo Engenharia e Arquitetura, é no IAB, Instituto de Arquitetos do Brasil, esquina da Rua Bento Freitas com a Rua General Jardim, está lá até hoje. Aí, o meu pai conversou com um dos proprietários da empresa, eram dois sócios, o doutor Ariosto Mila e o doutor João Cacciola, italiano. João Cacciola é um pedaço de pau, roubei um isqueiro dele e depois devolvi, aí apareceu um dia lá por acaso, coisa besta de criança, eu era criança praticamente. Aí então, entrei nessa empresa para trabalhar de office-boy, na época muito menos perigoso, andava com dinheiro para cima e para baixo para pagar as contas, para pagar isso, não tinha tanto problema, muito inocentão, às vezes chegava no banco e punha aquele lá, achava o máximo, estar com todo aquele dinheiro, punha em cima do balcão, em vez de antes fazer o que eu tinha que fazer, entregar o papel, de não sei o que lá, e também pelo histórico da gente, nós lidamos com dinheiro. Aí, trabalhei nessa empresa levado pelo meu pai, lembro até hoje ele me mostrando o itinerário da estação da Luz até a Rua Bento Freitas, ele fez o mais simples possível, até tinha uma placa, eu nunca esqueço, numa esquina da Praça da República tinha uma seta de tráfego obrigatório para os carros e ele falou: “Naquela seta ali estava escrito Carlinho, para lá,” (risos) me ensinando o caminho para eu não me equivocar, então quando eu chegava lá tinha a seta, isso é sabedoria de pessoas semianalfabetas, não era o caso do meu pai, mas tem muita gente assim. Então, fui levado pelo meu pai para o primeiro emprego, trabalhei um ano e meio sem registrar, meu pai ficou muito bravo que não me registravam, estavam me sacaneando e ele era um dos pedreiros, podia ser dispensado se ele começasse a pressionar demais, mas ele não tinha medo de nada. E aí acabaram me dispensando e acertando tudo, registrando em carteira. Comecei a trabalhar com uma autorização do Juizado de Menores, assinada pelo meu pai, porque na época não se podia começar registrado com menos de 14 anos, aí foi feito isso e depois eu fui para outras empresas por meu intermédio, e na segunda que eu trabalhei não foi, meu pai falava: “Não trabalhe sem registro” e na segunda que eu trabalhei, fiquei sem registro, sem registro, quase no final do ano eu falei com o homem, no dia eu falei com ele no outro dia eu estava na rua. Da outra em diante, que foi a Máquinas Piratininga, na Mooca, aí sempre registrado, e meu pai como ele sofreu muito para aposentadoria dele, porque eram outras épocas, papeladas, registrada, nada, ele pastou muito para fazer a aposentadoria. E daí para frente, inclusive sempre perguntado, minhas folhas de pagamento eu tenho todas guardadas e quando eu fui fazer, graças ao meu pai, o processo de entrar com aposentadoria, tranquilo, entreguei tudo, rapidamente saiu.
P/1 – Estava tudo certo.
R – Isso.
P/1 – E você lembra, Carlos, como é que você usava o seu dinheiro do primeiro emprego? Se você comprava coisas para você? Como você gastava seus primeiros salários?
R – Então, essa é outra época, isso vou te falar 500 vezes, então, ficou uma coisa de para quem eu entrego o meu pagamento, que para mim era uma coisa fabulosa, dois mil 950 cruzeiros, que era metade do salário mínimo. Então, não tinham me dado essa definição em casa, eu sabia que o dinheiro não ia ficar comigo, isso era certo. E aí, fica com este, fica com aquele e meu pai tinha uma bronca dos meus irmãos mais velhos que nunca entregaram o pagamento, ele tinha o sonho de receber o pagamento, uma coisa dele, de um filho inteiro num envelope, e falar:
“Está aqui meu pagamento,” era uma coisa dele. Eu nunca tive o pagamento dos meus filhos e nem quero, (risos) mas era assim, era uma outra época. Aí fica com quem, fica com quem, acabou-se decidindo de entregar para minha mãe, que administrava as coisas da casa, e meu pai quer dinheiro para quê? É como eu hoje, eu quero dinheiro para quê? Não quero dinheiro para nada, eu mantenho a casa. Então, acabou ficando com a minha mãe o primeiro, segundo, o décimo terceiro pagamento, décimo quinto pagamento, assim por diante, sempre foi entregue para minha mãe. E a partir de um determinado momento, aí você já é rapazinho, aí você começa a querer determinadas coisas, então, eu entregava e depois pegava de volta, em parte, ela ficava muito brava e tinha essas discussões.
P/1 – E para que você pegava de volta? Com que você usava?
R – Olha, uma das coisas que eu comprei foi um toca-discos, daqueles de vinil, já era vinil. Era um toca-discos, a marca era Siler, que era aqui do Jabaquara e era modelo Biondina, nunca esqueço, chique, você levantava a tampa assim e o alto-falante ficava fora, escutava as músicas e tal, e eu sempre curti rádio.
P/1 – Que idade você tinha?
R – Aí eu já tinha uns 15 anos, 16. Televisão nós fomos ter em casa depois que eu tinha, da época do Tiro, eu sei que eu tinha televisão, talvez com 18, 17 anos nós tivéssemos televisão, por parte do meu pai nós não teríamos esse avanço tecnológico nunca, essas coisas, enceradeira, geladeira, essas coisas apareceram depois que eu comecei a trabalhar.
P/1 – O toca-discos foi a primeira compra?
R – Era basicamente isso, alguma roupa, alguma coisa, a gente não tinha muito essa coisa de a roupa do momento, calçado não sei o que, celular de última geração, que só falta falar, essas coisas todas, então, a gente era um pouco mais tranquilo nessa parte, até por causa de como a coisa funcionava dentro de casa, como é que era que tinha que se fazer.
P/1 – E nessa fase, você começa a trabalhar com 12 que já é o momento em que você está entrando na adolescência, né?
R – Isso.
P/1 – E o que muda nos seus hábitos nessa época? O que você fazia para se divertir fora do trabalho, quais eram as atividades, os amigos, o que fazia com os amigos?
R – Justamente no ano de 60, que é quando eu comecei a trabalhar, uma esquina próxima de casa, que era mato, foi transformada em três jardins e a quarta esquina num parquinho de diversão da prefeitura. Nessa época também surgiu a Sociedade Amigos do Bairro de Vila Metalúrgica, ali eles faziam uma série de atividades, e a coisa foi meio canalizada para lá. E depois eles acabaram tendo uma sede da Sociedade Amigos, a gente ia lá para sede. Tinha bocha para os velhos e eu era muito jovenzinho, então, tinha dominó, mas a gente tinha que fazer 18 anos para jogar dominó. O meu sonho era fazer 18 anos para poder jogar dominó no bar do bairro, no bar do seu Zé, um japonês, José Tamanaha, que no começo da década de 50 ele plantava tomate, tinha muito terreno por lá e tal, e ele montou o bar dele lá, que tinha de tudo o que você possa imaginar, inclusive tamanco.
P/1 – Tamanco?
R – Tudo, tudo, tamanco de madeira.
P/1 – Era uma merceariazinha?
R – Vendia banana, vendia de tudo que você possa imaginar, pão de manhã, dez tipos de pães, tinha pão de banha, tinha pão de água e sal, tinha pão não sei o que, tinha pão de tudo quanto era tipo, mas tudo muito simples, não é essa coisa desse glamour de padarias atuais, era uma coisa muito simples, então tinha hortifrutigranjeiros, roupa não tinha, mas tinha o tamanco lá, depois achei um barato com o tempo de ter tamanco ali.
P/1 – E nessa associação de bairro tinha festa? Você frequentava festas?
R – Tinha festa junina, organizaram, ali que eu conheci a tal de quadrilha, que eu morria de vergonha, porque eu não tinha muita habilidade para lidar com mulher, nunca tive. Então, para eu dançar a quadrilha tinha que ter mulher dançando comigo e para chegar em mulher era muito complicado para mim, e quadrilha não é dançar agarrado, é quadrilha, mas tinha essa trava. E baile nunca foi meu forte, nem baile, nem futebol, sou um dançarino e um jogador de futebol frustradíssimo, eu adoraria ter sido um craque de futebol, vamos dizer assim, e saber dançar, só que eu não me propunha, você não vai atrás, se você não monta na bicicleta, você não aprende a andar de bicicleta.
P/1 – Mas você ia aos bailes, mesmo não dançando?
R – Não.
P/1 – Não ia.
R – E aí aconteceu, por exemplo, uma coisa interessante que quando eu comprei um fusca, isso já em 1974, já tinha uma boa idade aí, aí apareceram os meus amigos de baile, nunca me chamaram para baile, né? Então como eu já tinha carro, o carro é um acessório importante para você seduzir. Então, aí apareceram meus amigos, mas eu era a condução, eu era o motorista para gente ir e não fui, mesmo assim não ia em baile e não sei o que eles pensavam. O que nós fazíamos era assim, o pessoal que não dançava ia para o cinema, então tinha os colegas que iam para o cinema.
P/1 – E que cinemas vocês frequentavam?
R – Cinema de Santo André, Utinga, que é onde eu nasci, chegou a ter quatro cinemas, que hoje é impraticável ter isso em cidade Santo André, por exemplo, na cidade de Santo André, e chique, Utinga Palace, olha que chique.
P/1 – E como era a sala de cinema?
R – Era o que a gente chamava de pulguinha. O pessoal levava lanche, a gente comia lanche, sanduíche de mortadela, pão com manteiga, sei lá o quê. E o pessoal que dispunha de algum valor levava o dinheiro, comia pipoca, tinha uns chocolates, essas coisas, lá no cinema. Os filmes assim judiadíssimos, remendadíssimos, mas a gente assistia sem problema nenhum, você percebia nitidamente que de vez em quando dava uma trepidação lá, sumia o que estava passando e aparecia a continuação e vai por aí afora.
P/1 – E que filmes, você lembra?
R – Levávamos pilhas de gibi para trocar, de vez em quando o dono falava: “Vamos devagar, vem com meia dúzia, não vem com a banca de jornal.”
P/1 – No cinema?
R – No cinema. Nós levávamos gibi para trocar, aquilo era uma farra, então, você trocava gibis, lia muito gibi e comprava nada, então os que você conseguia ter, eu lembro do meu pai me comprar um gibi, Super Mouse, só, isso foi uma coisa fantástica, porque meu pai ele tinha um escorpião no bolso, enfiava a mão no bolso para nada.
P/1 – E que gibis vocês liam na época?
R – Olha, tinha um gibi chamado Princesinha, eu não era da parte violenta da turma, já te falei disso, do meu perfil de delicadeza, educação e tal, então eu lia Princesinha, (risos) se fosse hoje o pessoal ia falar: “Jesus, mais uma moça.”
P/1 – O que era a Princesinha?
R – Eram histórias de contos de fada, eu sempre gostei. Tinha o Pinduca, o que é Pinduca? Era um menino careca e ele era o herói do gibi, tinha os Sobrinhos do Capitão, tinha Luluzinha, o Bolinha, que aí já tem a turma da Jovem Guarda, tinha um grupo que cantou uma música que falava de Luluzinha e Bolinha, Sobrinhos do Capitão, capitão mesmo de navio e tal, principalmente, Pato Donald, na época não tinha tanta diversidade, Mickey, Margarida, não, era Pato Donald. Adorava Mandrake, Fantasma, que esses eram os mais, aí era de bandido e mocinho, não sei o que lá, o restante era tudo na base da coisa leve, da risada. Roteiros muito bons, tenho um gibi de 57 guardado em casa, do Pato Donald, então os gibis eram esses. E tinha um amigo meu que ele tinha uma caixa onde ele guardava, eram sempre os mesmos gibis, mas eu vira e mexe ia na casa dele para ler os gibis dele pela centésima nona vez e aquilo.
P/1 – E os filmes? Eu tinha te perguntado que filmes que vocês viam, tem algum que tenha sido particularmente marcante assim?
R – Eram os enlatados americanos, aquilo tinha muito, na década de 50 e 60 nós nos alimentávamos do que os americanos mandavam. Então, era assim: era matinê, todo domingo à tarde nós estávamos lá marcando ponto, todo domingo e todo domingo por conta do meu pai ter escorpião no bolso, eu começava a pedir o dinheiro para ele às dez da manhã para as duas da tarde, finalmente, cinco minutos antes de começar o filme ele me dava o dinheiro, aí eu ia para o cinema, correndo para dar tempo de eu entrar. Então, eram filmes americanos e era assim o cardápio, tinha um seriado, que era chamado de seriado, a novela, só que ali continuava todo domingo. A molecada ia, fazia um estardalhaço no cinema, mas numa boa, mocinho correndo atrás de bandido, era uma gritaria, aquilo era um inferno total, todo mundo berrando e batendo palma quando pegava e não sei o que, e dois filmes. Então, passava um seriado e um filme, intervalo, a turma vai lá, vai no banheiro, come uma pipoca, não sei o que, troca o gibi, volta e assiste o segundo filme, acabava. Então, a nossa diversão nessa época, década de 50, cinema. Lembro do meu irmão mais novo me ensinando como é que pedia a entrada: “Me dá meia”, aí você dá o dinheiro e ele vai te dar tanto de troco.
P/1 – Teve algum filme marcante, ou se você quer contar daquela primeira vez que você mencionou que foi no cinema, que foi com seu irmão.
R – A da primeira vez foi o Marcelino Pão e Vinho, não sei se você conhece a história.
P/1 – Conheço.
R – Então, de uma forma geral marcou, porque é um menino que acaba morrendo, está implícito, não está explícito, mas ele acaba morrendo ele conversava com a imagem de Jesus Cristo na cruz e tal, então toda aquela história e depois teve, inclusive, o álbum de figurinhas do Marcelino Pão e Vinho que eu não cheguei a completar, aquilo desapareceu. Agora dessa época que eu estou te falando, já dos filmes mais para pré-adolescência e tal, eram heróis, então tinha um lá que era um tal de, acho que era Escaravelho, era o bandido, ele era meio manco de uma perna, mas ele sempre conseguia escapar, umas coisas meio doidas. E aí, muito mal produzidos os filmes, mesmo sendo americanos, era uma coisa de, agora vai começar você lutar com ele, então, aquilo aparecia e aí você via que ele partia para ação, vai começar agora pronto, está aqui a claquete e começa, então tinha umas coisas assim, mas para nós aquilo era o máximo, a gente adorava. Os filmes do Super Homem, Superman, que eu fui assistir anos depois e eu falei: “Gente, como é que a gente tinha estômago para aguentar isto,” porque aí você já tem outros parâmetros e tal, você fala, gente, não dava para aguentar um treco desses, a gente assistia, era uma maravilha e a gente se divertia.
P/1 – E música, Carlos, você escutava bastante na época? Você escutava o quê?
R – A minha infância é rádio, então tinha, por exemplo, na Rádio Nacional, depois passou a ser TV, Canal 5. A Rádio Nacional, em São Paulo, tinha um programa chamado Programa Manoel de Nóbrega, de rádio, de variedades, principalmente, humorísticos, quadros humorísticos, tinha o Ronald Golias, tinha o Carlos Alberto de Nóbrega, eles faziam lá chamava Fera do Mar, era como se fosse uma novela de rádio de heróis e bandidos e tal e o herói era o Carlos Alberto de Nóbrega, que ele era, gente, me deu um branco, já, já eu lembro, mas o Ronald Golias a gente nem conhecia, nem sabia o nome dele, porque a gente conhecia ele como Caçador, que era o personagem dele, e o outro era o Águia Negra, que era o Carlos Alberto de Nóbrega. E tinha as músicas chamando, as vinhetas para chamar cada um dos quadros, tinha um deles que era uma crônica, chamava “Eu, meu burro e ele” Dona Rinsoleta, que era patrocinada pelo Sabão Rinso, então ela tinha lá uma crônica dela. Tinha uma escolinha que é a pré-histórica, a escolinha do Professor Raimundo e de outros e tal, que eu vejo com tristeza, sabe? Isso vai um pouco por causa do saudosismo também, não é que é tão de má qualidade, não sei o que, mas o Gugu apresentando a escolinha, Deus me perdoe pela minha maldade com o rapaz, mas não dá, eu que vi outras coisas não dá para aguentar. Professor Raimundo, não vamos nem discutir, fantástico, excelente, muito bom, mas começou lá atrás no programa do Manoel de Nóbrega, depois foi para Praça da Alegria com o Carlos Alberto de Nóbrega, filho do Manoel de Nóbrega, e aí a coisa vem vindo. Mas, então, eu estava te falando do rádio, que é o meu histórico, escutar música, novela de rádio, meu irmão mais novo, o que tem 15 anos a mais que eu, chegava do trabalho dele na hora do intervalo lá do almoço e tal, ele lia a Gazeta Esportiva, sempre são-paulino roxo até morrer, lia, almoçava, e ouvia lá uma novela de rádio, que é a Rádio São Paulo, novela da meia-noite a meia-noite, a cada tanto tinha uma, novelas de rádio.
P/1 – E canções?
R – Música nem tanto, eu ficava mais nesses shows de rádio, mas de sábado tinha um tal de ‘A Galera do Nelson’, que alguns atrás, dois anos atrás, rememorando coisas e tal, mas jamais eu pensei que eu ia ouvir aquilo de novo, aí falaram e soltaram no ar um pedaço e aí eu matei a saudade.
P/1 – O que era a Galera do Nelson?
R – A Galera do Nelson era um programa de variedades, então, tinha curiosidades, coisas em geral e tinha música. Então o rádio era isso, basicamente isso, no mais para ouvir música eram os discos, aí eu punha uns discos lá. Meu irmão mais velho achava o máximo eu lidar com aquilo, porque era uma vitrola da década de 50, mas que era automática, então você punha os discos, ficava aquela pilha de disco, quando caía o disco parecia que aquilo ia soterrar tudo, e eu aprendia com muita facilidade essas coisas, ele achava o máximo. Com quatro anos para cinco eu sabia todos os estados brasileiros e as capitais e alguns países da Europa e América do Sul com as capitais, e tinha gente ali em volta que achava, é o gênio do pedaço, mas isso era do meu irmão mais velho. Um deles me ensinou a fazer palavra cruzada, que foi esse mais velho, e o mais novo cartas enigmáticas, essas coisas me estruturaram muito, essa coisa de ligar pontos, de não sei o que, que hoje a gente vai lá na escola só com a professora, isso aí a gente brincava na rua, então eu entrei muito embasado, teoricamente e prático também, não era só ficar olhando e pronto, fazia, então muita coisa foi a minha pré-escola que eu não tive, eu entrei no primeiro ano, não teve prezinho, maternal, nada disso.
P/1 – Foi em casa mesmo.
R – Foi em casa com a minha mãe.
P/1 – E o que você escutava na sua vitrola, Carlos? Que tipo de disco, que tipo de música?
R – Os que tinham em casa, que vinha a ser, Luiz Gonzaga, que não bate umas coisas com as outras, era muito heterogêneo, então tinha Luiz Gonzaga, baião, não sei o que, embora meu pai preconceituosíssimo com nordestinos, detestava nordestinos, ele achava que era um bando de vagabundo, gente eles estão numa parte do país que faz um calor daqueles dias atrás que nós tivemos aqui, que você não quer se mexer, porque você sua parado, mas para ele eram vagabundos, então, a pessoa fazia um pouco, descansava. Então tinha os baiões, os arrasta-pés, enfim, as músicas dos forrós e tinha música clássica e tinha música popular brasileira da época, aqueles que eu citei um pouquinho, Vicente Celestino, meu irmão mais novo era fã do Vicente Celestino, então tem aquelas músicas lá O Ébrio e mais não sei o que, o outro curtia mais Carlos Gardel, então, eu ouvia tudo, essa mistura de preferências que havia em casa, do clássico até o forró, passando para o tudo que tinha por lá. Depois eu comecei, aí teve a minha preferência musical, Brenda Lee, (risos) quando começamos e tal, então tinha a Brenda Lee, Elvis Presley, e eu fui da época do início do rock, desenvolvimento e tal, mas sem ter informação teórica, é de ouvir mesmo as músicas.
P/1 – E uma música mais marcante que você se lembra ou que gostava mais?
R – Jambalaya, que é uma música do folclore americano, com a Brenda Lee e rock do Elvis Presley, embora tenha um contraponto aí, eu detestava o Elvis, porque as meninas adoravam o Elvis, elas tinham que me adorar, só que eu não ia atrás delas, porque eu não tinha condição emocional para lidar com isso e nem técnica. Então, ao mesmo tempo que eu detestava, eu detestava ídolos e adorava ídolos, eu não gostava do Éder Jofre, Éder Jofre apareceu em tudo quanto é meio de comunicação, são os ídolos, e depois quando eu ia ver eu adorava o Éder Jofre, porque ele era um campeão mundial nosso, então vai por aí.
P/1 – Vamos voltar um pouco para coisa da educação. Você então faz o ginásio nessa coisa das provas que vão eliminando as matérias, depois fez um supletivo no colegial. E aí queria saber em que momento você começa a pensar em faculdade? Como você faz a escolha? E como que é essa entrada na faculdade?
R – Foi um momento em que eu percebi que eu estava ficando para escanteio, como? Eu já estava casado, eu fui fazer o supletivo, que eu terminei o colégio naquele X lá que eu te falei e aí eu fui fazer o supletivo, fiz o supletivo por quê? Porque aí eu falei: Agora eu vou fazer a faculdade, por quê? Porque a minha esposa estava fazendo faculdade e quando elas se reuniam para fazer trabalhos, elas me davam lá de presente ou de esmola, alguns segundos para eu falar da novela das oito, que era alguma coisa que dava para eu falar, e aí eu falei: “Gente, eu não estou, não é que onde eu estou, eu não estou,” aí eu fui fazer a faculdade. Quando a minha esposa terminaria a faculdade no meio do ano, em 82, eu entrei na faculdade, então, depois dela.
P/1 – E como você escolheu qual faculdade fazer?
R – Ela estava fazendo Educação Artística e eu achava que eu fazia tapeçaria, eu fazia um meio ponto lá em talagarça, que não sei se você conhece a técnica, é uma tela que vem pintada da loja e você vai cobrindo, eu queria me especializar naquilo, queria fazer alguma coisa acima daquilo e não tinha, então, eu peguei e acabei fazendo faculdade de Educação Artística e quando foi para especialização eu acabei optando por uma das quatro que tinha, que era Música, pouquíssima gente, quase ninguém, Teatro, que foi o que eu fiz, Artes Plásticas e Desenho. Então, na faculdade, para deixar claro para você, foi mesmo por necessidade de estar incluído, senão eu estava fora, e aí não sei se é muito tarde que a gente fala, mas foi tarde, foi o ano que eu ia fazer 35 anos eu entrei na faculdade, em 82, que coincidentemente ou não, foi o ano que nasceu o meu primeiro filho. Então, ali aconteceram algumas coisas muito importantes na minha vida, nasceu meu primeiro filho, eu entrando na faculdade, a minha esposa terminando a faculdade também foi uma coisa muito marcante, porque para mim tem os parâmetros aí, tenho um cunhado que quando casou falou para mulher dele, que é irmã da minha esposa, meu concunhado, ele falou para ela: “Agora você sai do emprego e para de estudar,” eu achei fantástico, achei maravilhoso da parte dele, tanto é que minha esposa estudou o que ela quis, estudou de novo o que ela quis, trabalhou enquanto ela quis, está no processo de aposentadoria, então estudou.
P/1 – Deixa eu voltar então, você estava casado já você disse. Como é que você conheceu sua esposa?
R – A minha esposa foi uma coisa muito interessante nos conhecendo, eu trabalhava na Chrysler, levado por um amigo meu que também me levou para Máquinas Piratininga, Nilton Tomano, já falecido.
P/1 – Com o que você trabalhava, Carlos?
R – Eu trabalhava em folha de pagamento, inicialmente RH, admissão e demissão de funcionários, então, fazia só o trâmite do cara ser dispensado ou admitido, depois a folha de pagamento que eu ia cuidar do pagamento, essas coisas todas e tal, posteriormente trabalhei com apontamento de cartão de ponto, também outra coisa pré-histórica, que agora você coloca o seu cartão lá e está registrado e tal, digitalmente e coisa. Aí, passei por todo o RH, folha de pagamento, apontadoria, dispensa, registro, tudo, foi por esse amigo aí. E num determinado momento, na Chrysler eu trabalhei de 68 a 74, na Máquinas Piratininga, eu estou falando isso por causa da importância desse meu amigo Nilton Tomano, que já faleceu, ele me levou para Máquinas Piratininga e eu fiquei de 63 a 67, depois de 68 a 74, esse meu amigo. Em 73 a minha esposa estava trabalhando com o dentista da Chrysler, aí eu fui fazer um tratamento dentário para chegar perto, fiz o tratamento, inclusive ela morria de dar risada, porque eu morria de medo, segundo ela, eu acho que não, era corajoso, anestesia, porque assim aquilo me dava uma impressão muito ruim, era mais má impressão do que medo. É você tomar uma injeção na boca, que coisa, você toma injeção em tudo quanto é lugar, dependendo da necessidade do que vai ser tratado, mas para mim aquilo era muito, e assim eu fui numa época também em dentista que era à lenha, uma coisa muito sofrida, aquilo me causava um impacto muito ruim, mas olha só, o amor. Aí, fui fazer o meu tratamento dentário, conheci e dei um jeito, lá na minha seção, de mudar o meu horário de almoço para ir no horário que ela ia, aí vai para cá e vai para lá, você vai se aproximando, vai conversando, aí começamos não a namorar, o meu leva tempo, hoje as pessoas vão conversam, não estou falando nem de envolvimento amoroso, estou falando para você começar a conversar do jeito que nós estamos conversando hoje, eu teria que ter pelo menos um mês ter conversado com você antes para estar nesse ponto que nós estamos hoje. Aí, fomos conversando e tal e ela falou: se fosse para namorar precisaria falar com o pai dela, o pai dela era um caboclo tocador de boiada na região de Bauru, quando era mato, semianalfabeto, um sábio. (emocionado)
P/1 – Fala para mim o nome da sua esposa e o nome do pai dela.
R – A minha esposa é Maria Zélia Marques Pereira dos Santos e passou a ser Sereno com o casamento, e o pai dela, Olavo Pereira dos Santos. Nosso contato não foi bom (risos) no primeiro momento sem problemas, ela falou que tinha que ir lá, vamos lá. Aquela coisa bem tradicional, conversei com os dois, a mãe, o pai, eu e ela, conversei, pedi para namorar com ela e ele pegou e pôs as regras, como é que eram? Era lá, aí depois combinamos que seria de quinta e domingo, uma coisa bem antiquada e tal, sábado e domingo, sair isso não existe, sair para passear não existe, o namoro era lá e acabou.
P/1 – Eles moravam em São Paulo também os pais dela?
R – Na Cidade São Jorge, que é onde nós moramos hoje, e aí nessa época eu morava em Utinga, na Rua Haia.
P/1 – Quais eram as regras, então?
R – Era assim, ficou estabelecido quinta, sábado e domingo na casa dela, não existe passeio, existiria passeio se a gente fosse com a família a algum lugar, num casamento, numa visita, não sei o que, aí ia, aquilo que a gente chamava de vela antigamente, ia um castiçal inteiro, todo mundo atrás e junto e não sei o que lá. Como eu não podia nada, esse não podia nada que eu estou te falando é ter a liberdade de estar com a pessoa que você gosta para você conversar de qualquer assunto, à vontade, só, não envolve outras coisas, mesmo, porque tem umas coisas antigas, tem a mulher com quem você casa e tem as mulheres safadas, sem-vergonhas ou para as outras utilidades, isso uma cabeça retrógrada, machista, horrorosa, mas era mais ou menos isso, que você tem que assumir aquilo que é, e a gente foi criado assim, então era assim. Então os passeios foram raríssimos, e como eu sempre tive, apesar da forma da minha família ser, eu sempre tive toda a liberdade, começou a ficar sufocante, mas como o meu ponto era ela e não a família dela, e aí é uma coisa bem terrível, né? Para mim pai e mãe dela não interessa, eu quero ela, o resto não me interessa, isso é meio complicado também, quando você casa você casa com a família. Aí começou a feder, começou a ficar ruim, cada vez pior, e eu não era flor que se cheirasse, a minha esposa me transformou e me melhorou muito, eu posso te dizer isso, não é que ela me modificou e me violentou, ela me transformou em gente. (emocionado) E aí, então, foi complicando, e era assim, a minha sogra, isso passa um pouco pelo feminino, é real, não é criticar ou atacar quem quer que seja, ela atiçava e ele avançava, entendeu? Porque a pessoa precisa pensar, mas como eu passei por esse processo também, o homem lidando com mulher, então eu compreendo meu sogro, só que eu fui compreender meu sogro depois que ele morreu, aí já estava tudo. Bom, mas voltando então, as coisas foram até um determinado ponto tranquilas e depois começou a ficar sufocando, ficar ruim, ficar ruim, ficar ruim e teve assim momentos muito ruins, do meu sogro me dar peitada, meu pai jamais me pôs a mão, isso foi uma coisa pesada, foi um dia que não sei o que eu ia fazer e eu deixei assim, abrindo a porta e pondo com a mão para dentro do quarto dela, gente, isso é um absurdo! Como é que vai no quarto das meninas? Não tinha menina nenhuma lá dentro e a Zélia estava comigo e eu pus, não sei se era o documento, se era o lenço, o que eu ia fazer, eu tive que por lá, nossa senhora, veio dando peitada. Teve um outro momento em que a irmã dela já estava casada e aí nos convidou, eles nos convidaram, para gente ir comer uma pizza em Santo André, aí você tinha que falar, para mim isso era uma violência, eu ter que ficar pedindo autorização para ir, ninguém mais lidava com as coisas dessa forma, eu me sentia um idiota, eu fui falar com ele e ele falou: “Olha, vocês vão na pizzaria, mas você não pode”, gente, eu estou indo com a irmã dela e o marido, “mas você não pode errar,” eu falei: Será que eu expliquei mal o que eu ia comer? Eu ia comer a pizza, eu peguei e falei: “Olha seu Olavo, eu não gosto de deixar ninguém preocupado, para mim está cancelada a pizza, eles vão, eles são casados, eles ficam à vontade, eu não quero que ninguém fique preocupado comigo, eu quero sair, eu ficar despreocupado e que as pessoas fiquem despreocupadas.” Meu sogro era uma pessoa assim que para ele sair dando porrada não custava e ele me aturou muito, aí ficamos, meu concunhado falava: “Mas já escutou bobagem, vai lá e vamos comer a pizza,” mas eu: “Não, vocês vão, divirtam-se, nós ficamos,” meu sogro andava na casa como, você já viu leão no zoológico? Assim, ele anda dentro da jaula para cá e para lá, porque ele falou para mim: “Olha, eu não falei para vocês não irem, mas eu não vou falar para vocês irem, por favor, não vou pedir para você ir” ele não usou o termo por favor, falou: “Eu não vou pedir para você ir, então você vai ficar aí, você vai ficar aí.” Menina, assisti novela, todas, detestando e não podendo conversar porque ficava eu, ela e ficava a mãe, a irmã, o avô dela, e o avô dela, uma pessoa já de idade. Eu agora compreendo um pouco melhor isso, não aceito, mas compreendo um pouco melhor, o cara querendo assistir a novela e eu conversando com a minha namorada, ele falou: “Você não gosta de televisão, não?” Uma certa ocasião, eu só olhei para ele e não falei nada, era o pai do meu sogro. Então teve essa dificuldade, isso foi exatamente de primeiro de outubro de 73 a primeiro de outubro de 77.
P/1 – Durou muito.
R – Quatro anos. Olha, é para cristão nenhum aguentar, nem da parte de lá, nem da parte de cá, eu reconheço. Aí, chegou um determinado momento, e teve coisas de explodir, sabe? Teve uma vez que ela falou: “Quero que pai vá para o inferno, zé mané,” porque eles me tratavam de zé mané, entre eles lá, meu sogro, minha sogra, principalmente meu sogro: “Eu quero que zé mané, pai, vá tudo para o inferno” aí eu falei: “Nossa”, o negócio rodou, ficou ruim, ficou ruim, ficou ruim, conversamos sobre parar, ela falou: “Olha, se parar não tem volta, não volta, acabou, não é para dar um tempo, acabou” eu falei: “Viximaria, acabou. Como é que eu faço? para começar tudo de novo com outra pessoa, o trabalho que vai dar, será que eu tenho condição de fazer?” Baixamos a bola, continuamos, mas resolvemos, chegou um determinado ponto, falamos: “Olha, vamos marcar casamento?” “Vamos”. Aí, eu comecei a construir no fundo da casa da minha mãe, foi outro veneno para minha sogra e para o meu sogro, não porque eu quis dar, é que não havia o que fazer, ou você vai morar de aluguel ou ia morar no que é meu e começava uma vida, Nossa Senhora! A minha mãe, ela tinha o jeito dela, eu já falei que ela era tirana. E a minha irmã, minha sogra e meu sogro falaram: “Bom, ela vai ser a faxineira lá do pedaço, ela não vai passar disso” eu sou pai, hoje eu sou pai. Então, quando nós fomos falar com eles, que já estava construindo no fundo, reformando a parte onde a gente ia morar, e meu sogro e minha sogra enxergando ela lá de funcionária nossa, dos três. Aí, quando nós fomos, vamos marcar, vamos conversar com eles, fomos conversar com eles, menina do céu, dona Maria, seu Olavo, a mesma coisa que há quatro anos, todos os quatro lá, aí a minha sogra queria o capeta e não eu, então ela pegou e ficou lá pela cozinha e falava de lá, aí a Zélia falou: “Olha, vocês pediram para que a gente conversasse com vocês para começar e agora nós estamos chegando numa outra etapa, a senhora quer falar, a senhora fala tudo o que a senhora quer falar, mas aqui, senta aqui, não fica de lá” ela veio, falou, falou, falou, aliás, não falou mais nada, quem falou foi meu sogro, meu sogro escutou, escutou, se colocou contra, falou que ele era contra, que ele não concordava e não sei o que lá. Bom, mas enfim ficou, aí foi uma maravilha, você imagina daí para frente, porque para eles, pronto, agora ferrou, não tem mais jeito. Aí, chegou o dia do casamento, passou-se o tempo, fomos construindo, reformando, só que nesse meio tempo nós tivemos que alugar a casa e acabamos indo morar de aluguel quando nós casamos, então, não deu para morar lá, e eu tentei fazer o inquilino entender, não teve jeito, aí nós fomos morar de aluguel, mas aí tem o casamento. No casamento, olha como é a coisa, chegou o dia do casamento, tudo comprado, o que ela quis nós fizemos do jeito dela, eu não queria que ela tivesse mais contrariedade além da minha pessoa, contrariando a vida da família dela. Aí, tudo o que foi possível, dentro das possibilidades da gente, fizemos e foi marcado o casamento para o dia primeiro de outubro, coincidiu de cair no dia primeiro de outubro, nós combinamos, dia primeiro de outubro, o que você acha? Achamos tudo, chegou o dia do casamento, eu falei para o rapaz que ia levar a noiva para igreja eu falei, estava sentindo no ar, falei para ele, ele era gay e ele tinha um carro da Chevrolet, tinha um modelo Diplomata, não era o dele era um outro, mas era a mesma marca, modelo, mas enfim, eu vou lembrar, era cor de rosa, um barato, eu cheguei e falei para ele, se chamava Gil, falei: “Olha Gil, se a noiva falar que ela vai para igreja com aquele cara que está passando aí na rua, que está pedindo esmola, você leva. Se for um bêbado, você leva ela com o carro, se for o meu sogro, você leva ele” ah, mas não deu outra, ele se negou a ir e lógico a minha sogra acompanhou, aí foi o meu cunhado mais novo, foi decisão da Zélia, que como era o que estava morando lá, ela tinha outros três irmãos fora ele, mas o mais novo é que estava morando ainda, porque os outros estavam casados, eu achei bem ponderado da parte dela, ele foi acompanhando, não sabia o que fazia, foi. Aí foi, foi feito o casamento numa igrejinha pequenininha que tinha lá, já foi demolida, tem outra igreja e tal, e nos primeiros momentos assim, todo final de semana a gente ia para casa da mãe dela, almoçávamos lá na maior paz, conversando com as pessoas, eu fazendo a minha parte, realmente fazendo a minha parte. Aí, teve um dia que eles iam a um casamento não sei aonde, família dela, mãe, pai, irmã mais nova, não sei quem, e aí a irmã mais nova falou: “Vamos passar na casa”, não tinham ido em casa até então, já fazia alguns meses, aí meu sogro falou: “Nós vamos, mas se acontecer,” porque ele desconfiava que agora eu estava na minha casa, ‘você vai escutar o que quiser’ ele falou: “Se eu escutar um a eu saio na hora.” Nós tínhamos feito compra no dia, não para afrontar, muito pelo contrário, para servir, o que eu tinha eu pus na mesa, eu pus a minha educação para o meu sogro, e a minha educação para a minha sogra e para quem estava no carro, recebi, o tempo que eles ficaram eles ficaram. Eles tinham o compromisso lá do casamento, nem lembro se eu e a minha esposa fomos juntos, mas assim, foram tratados como se deve tratar as pessoas, foi isto. Ali parece que baixou, parou, ele viu que da minha parte tinha acabado, mas por conta da forma dele ser ainda tinha complicações, mas isso era muito mais leve, ele não concordava, ele falava e falava do jeito dele. Teve uma concunhada minha que falou uma coisa lá, ele falou: “Você é idiota?” Era assim, entendeu? (risos) Porque tinha um netinho da parte dela, filho dela e aí meu sogro criava porco em casa ainda, aí ele pegou o menino e falou: “Vamos montar no porco,” mas isso era conversa dele, aí ela, e ele: “Você é idiota? Você não tem cérebro? Você acha que eu vou por?” então era nessa base. Foi um tempo ainda, a coisa foi, foi, foi, mas aí ficou muito claro que tinha acabado ali, mas eu tenho que admitir, é uma verdade, eu ainda sou uma pessoa que guarda, isso é muito ruim para mim, eu já ouvi falar que o cara que guarda rancor é como se todo dia ele tomasse veneno para sarar, você não sara, isso é muito ruim para você porque o outro, você fica, detesta a pessoa, o outro está vivendo a vida dele tranquilo e você está envenenado, e essa parte eu aprendi bastante com minha esposa, mas muito, muito. Não estou te dizendo que eu sarei, mas isso aí retrocedeu muito.
P/1 – E o seu primeiro filho, Carlos? Como foi a gravidez da sua esposa? Como foi o nascimento?
R – Ela quer me matar. (risos) O André, como eu te disse, nasceu em 82, ano que a Zélia terminou a faculdade e que eu entrei a faculdade, então foi um ano muito marcante. Ela trabalhava num banco, Banco Bamerindus, e ela viajou para o nordeste, nossa, para o pai dela foi a morte, tudo tinha que pedir a benção, e eu tenho outro temperamento, então ela foi para Paraíba, Paraíba, gente, é a filial do inferno, é onde estão todos os bandidos, é onde a gente morre, na cabeça dele de pai, então ele não concordaria. Ela foi para Paraíba, visitou, foi até quase o Rio Grande do Norte, o padre que fez o nosso casamento estava numa comunidade da Paraíba e ela visitou lá e tal. Quando ela voltou, ela engravidou depois de um tempinho, isso foi no começo do ano, então André nasceu no dia 27 de dezembro. O André foi meu irmão, eu não tive irmão menor, eu não sei o que é ter irmão menor, então, ele foi meu filho e meu irmão menor, isso foi enorme, é muito, não é pouco. E aí eu ia ter alguém sob os meus cuidados, mais novo do que eu, então foi uma experiência fantástica. Ele nasceu de cesariana e aí nós fomos para o hospital, a gravidez foi tranquila, primeiros três meses aquele problema de sempre, enjoo, teve um dia que ela falou: “Ah meu Deus do céu” eu falei: “O que é que foi?” “Tá ruim, mas tá muito ruim” eu falei: “Deixa eu entender como é que é”, ela falou: “Não dá, só se você engravidar e se você tiver enjoo.” ela falou: “Deus me perdoe, mas está muito ruim.” (emocionado) Passou os três meses nós nem lembrávamos mais que tinha tido esse problema, foi, foi, foi e nasceu dia 27, ele deixou ela ter o Natal dela, (risos) foi cesariana, no ano novo ela estava em casa. E aí foi assim, o médico falou que tinha um cordão umbilical em volta do pescoço, ele ia nascer de cesariana, então nós fomos para o hospital sabendo, peguei uma palavra cruzada e fui. Primeiro filho, nessa situação toda anterior que eu te falei, imagina como você estaria, eu estava tranquilíssimo. Chegamos lá, subiu, aí dali a pouco apareceu uma enfermeira, ela pegou e falou assim: “Essa aqui é a mala da dona Maria Zélia?” Eu falei: “É” ela pegou e levou. Conforme ela foi entrar no elevador saiu um médico que fez o pré-natal dela e tal, aí ele pegou e falou para mim: “Nasceu, é um menino” ele olhou para mim e falou: “Nasceu” “Tá bom, eu já escutei”, continuei fazendo minha palavra cruzada, (risos) estava tranquilíssimo, aí ele falou: “Só que é melhor não visitar hoje, porque ela está com anestesia, acabou de nascer, é melhor você ver amanhã. Tudo bem?” Eu falei: “Não tem problema.” Aí, para casa da minha sogra eu precisava tomar um ônibus, tomei três, eu estava tranquilíssimo. De onde nós estávamos tinha a avenida principal, você descia lá, você ia até a casa do meu sogro, ia ter que andar um pouco para descer até a avenida e depois para ir até a casa do meu sogro onde eu descia, eu descia até a avenida de ônibus, na avenida eu tomei um ônibus e desci na avenida perto do bairro do meu sogro, e era só subir, não, eu desci em Santo André e tomei um ônibus para o bairro da minha sogra, tomei três ônibus, isso é porque eu estava tranquilo. Aí, quando eu cheguei a minha cunhada mais nova abriu a porta: “Nasceu?” (risos) “Nasceu.” (emocionado) Aí beleza, foi tudo bem, foi fantástico, maravilhoso, é assim para quem tem uma relação sexual e acaba nascendo filho é uma coisa, para quem é pai, para quem é mãe é outra, e eu sou pai. (emocionado) Aí, tem um monte de tensões que elas amenizam, essas coisas acontecem, já tinha passado um bom tempo, porque nós casamos em 77 e o André nasceu em 82, que eu queria que ela terminasse a faculdade, porque eu tinha o histórico do meu cunhado: “Para de trabalhar e para de estudar, você vai lavar cueca,” eu acho isso horrível. Até por uma questão de inteligência, eu faltando ela supre, meus filhos não vão ficar desamparados, ela tem condição de, aliás, tinha melhor condição que eu na época, hoje nós temos igual. Aí, foi tudo bem, trabalhamos o tempo todo, tivemos que pagar uma pessoa para ficar com meu filho, a Cida está até hoje com a gente lá, uma negra fantástica, ela é mãe dos meus filhos, ela não era uma empregada doméstica que trocava a fralda do meu filho e fazia almoço, não, era mãe, aí a Cida cuidou.
P/1 – Você foi fazer faculdade depois do nascimento do André.
R – Na verdade, durante a gestação. Eu entrei no começo do ano que a Zélia ficou grávida, e a Zélia terminou no meio do ano e eu fiz mais um ano e meio e tal. Aí, eram dois anos básicos e um ano e meio de especialização, que eu fiz em teatro.
P/1 – E quando você começou a trabalhar, Carlos, como educador? Como é que foi assim?
R – Então é uma coisa muito louca. Nessa época, nesse meio tempo, em 79, dois anos depois de casado e três anos antes do André nascer, eu entrei numa empresa que eu fazia entregas de Kombi na rua, entrega daquelas etiquetas que em supermercado você colocava na época desse golpe de estado e daquela inflação, que de manhã estava um preço a mercadoria, não sei se é do seu tempo, acho que não, de manhã estava um preço, de tarde estava outro e de noite estava outro e no dia seguinte de manhã já estava outro, então, aquilo ia embora, então a firma vendia que era uma beleza e eu entregava para tudo quanto era lado.
P/1 – Qual era a firma?
R – Primark. Ela fazia etiquetas e montava o aparelho, eles tinham empresas que fabricavam as peças e lá era montado o aparelho, eu entregava das duas coisas. Até teve umas épocas complicadíssimas de falta de coisas e o que me marcou foi a falta de leite, então eu saía muito cedo de casa para chegar lá e poder comprar o leite. Os ovos, não se colocava mais como eles colocaram aqui de tal preço, aqui tal preço, de manhã chegava lá um pouco, quem chegava já pegava, era oito horas da manhã você ia na feira e não tinha mais barraca de ovo, não tinha mais barraca de não sei o que, estava uma Venezuela de hoje.
P/1 – Que ano que era isso, mais ou menos?
R – Isso era na época que o André estava novinho, com dois anos, 84, 85, alguma coisa assim, o dinheiro mudou de nome três, quatro vezes, tinha carimbo disso, tinha não sei o que lá. Mas o que me marcou foi um dia que eu peguei fui buscar, ali não tinha leite, ali não tinha, ali não tinha, eram aqueles sacos plásticos, o de caixa estava muito caro. Aí não tinha, não tinha, saí muito cedo, fui nessa padaria, fui não sei onde, não encontrei, aí fui para firma, voltando para entregar a mercadoria fui passando em padarias, aí achei em uma lá em São Caetano lá para cima, na Rua Amazonas, cheguei em casa, abri a porta, o saquinho escapou, caiu e estourou, gente, eu queria morrer, o leite do meu filho, a entrega que vá para o quinto dos infernos, saí de novo, voltei lá já tinha acabado, passei em outro, passei em outro, arrumei, pronto. Foi um período duro, difícil, mas superamos. Escolhi um colega de infância que foi meu padrinho de casamento, eu combinei com a Zélia que eu poderia chamá-lo para padrinho e ele foi o padrinho do meu filho também, foi meu padrinho de casamento no civil e foi o padrinho do meu filho de batismo. E aí tocamos o barco, terminei a faculdade, em 86 nasceu meu outro filho, que aí nós queríamos uma companhia por causa dessa coisa, a preocupação de pai de que o filho não se torne uma pessoa gananciosa, que quer só para ele, essas coisas de sonhos da gente, mas de uma certa forma também coerente, ele tem uma companhia, ele tem com quem dividir, ele tem referencial, ele tem com quem brincar, enfim, e aí veio o Marcos Davi que um é o dia e o outro é à noite, e é uma coisa muito doida, Marcos Davi, grosseiro, boca suja, para perder a paciência não custa nada, o André é uma paciência de Jó, é colaborador. Não conte com o Marcos Davi para fazer as coisas, conte com o André, ele faz que nem mulher, ele vai chorando, gemendo, resmungando e faz, mas assim, não é tanto quanto eu coloquei agora, ele, de repente é uma coisa que você poderia fazer, mas ele já me entendeu, eu não tenho habilidade para algumas coisas, então fica para ele. Só que o outro também não faz, então sobra para ele, aí tem não sei o que, sobra para ele. Aí, a pessoa se sente, não é explorada, mas: “Os outros poderiam também se mexer” e tudo aquilo que meu pai tinha de capacidade para uma casa eu sou um zero à esquerda. Eu fui trocar algumas coisas em casa, a não ser lâmpada, gente, o resto foi uma tragédia, trocar um sifão foi uma tragédia, eu fui trocar um courinho do registro do chuveiro, uma tragédia, ao invés de eu fechar o registro, porque eu me molhei tudo, que eu fui tirar sem fechar o registro, me molhei todo, em vez de fechar o registro para de novo tirar e trocar, eu peguei e fiquei de sunga e o registro aberto, então, horroroso, péssimo. E ele se vira, ele faz, ele lembra o meu pai, um pouco. Isso, aí eu ia pegar esse gancho e acabei esquecendo. Enquanto eu fazia as entregas durante o dia eu acabei terminando a faculdade, acabei começando nessa vida de educador. Então, era uma coisa muito louca, de dia eu estava entregando com perua, de noite eu fazia faculdade, mas eu estava há muito tempo na firma então continuei, não pedi demissão. Depois eu comecei a dar aula à noite, que tinha terminado a faculdade, entregando com a perua de dia, aí num determinado momento, em 93 eu saí dessa firma e eu já estava dando aula, entregando etiqueta de dia e dando aula na faculdade à noite, você imagina, né?
P/1 – Onde você dava aula, Carlos?
R – Na própria faculdade que eu me formei. A diretora me admitiu e tal e eu comecei a dar aula lá, mas antes eu já dava aula no Estado, mas não concursado, então era uma luta para você pegar as aulas, para você não sei o que, para poder ajeitar e dar as aulas e aí a coisa foi.
P/1 – E na faculdade você dava aula do quê?
R – Eu dava aula de Artes, parte de teatro, história do teatro desde pré-história até gregos e romanos, daí para frente era outro professor que dava. Então, a importância da Zélia é vital nessa transformação toda, nessa caminhada toda. Ela me ensinou a ser gente, ela me mostrou um monte de coisa, uma pessoa muito humilde, não humildezinha, ela não é idiota não, ela sabe se defender, se deixar ela sozinha deixa com ela que ela resolve, ela faz. Mas assim, muita humildade, muita compreensão, muito perdão, (emocionado) foi um crescimento muito grande. A ponto de depois, meu sogro já tinha falecido e aí nós fomos ao enterro de um amigo, aí eu peguei e falei para Zélia: “Zélia, eu vou lá no túmulo do teu pai, mas eu vou sozinho, você não se importa? Vou pedir perdão para ele” eu falei: “Não vou pedir desculpa, vou pedir perdão,” aí nós tivemos uma conversa que só eu falei, graças a Deus, senão ela ia levar um susto, né? Aí, pedi perdão, falei das coisas, não fiquei me justificando, onde eu errei eu errei, assumi o erro, não fiquei: “Mas o senhor também...” não “Onde eu errei foi aqui, assim, assim, assim, assado, então eu queria pedir perdão” depois de um tempo eu conversei com a minha sogra, embora minha sogra é terrível, ela é mais falsa que uma nota de dois reais e 75 centavos, ela sempre foi, não é agora meter o pau. E eu te falo um outro contraponto, você fala: “Que queixa, depois de casado, você tem da sua sogra?” Nenhuma. “Quando ela foi na tua casa para por gosto ruim ou para falar alguma coisa, para dar algum palpite ou para encher o nariz?” Nada, nada. Nós moramos desde 88 a 200 metros, dá para contar nos dedos de uma mão as visitas que a minha sogra me fez, não porque: Deus me livre, visitar, não, é que ela fica na casa dela, e quando ela foi em casa ela foi me visitar, e visitar a filha e os netos dela, só. E aí teve um momento em que ela ainda estava lúcida, hoje ela está assim, ela te pergunta que horas são cinco vezes em três segundos, é de noite ou de dia? Ela está fora do caco, mas quando ela estava completamente lúcida eu peguei e me retratei com ela, aí fiz em vida, porque ela está viva até hoje. Aí, falei para ela os equívocos que eu cometi, que hoje eu não concordava com isto, com isto e com aquilo que foi atitude minha e que eu estava pedindo perdão para ela, fechei, limpei, estou em paz.
P/1 – E essa coisa da contação de história, Carlos? Quando isso aparece na sua vida? Quando você começa a fazer isso?
R – Por conta de tudo o que eu te falei lá atrás, nós conversávamos e contávamos piada. E a partir do momento que eu aprendi a ler, eu comecei a ler muito, lia como eu te disse as histórias infantis e comecei a ler muito conto de fadas. E tinha um irmão dessa menina que se queimou, Osvaldo Keen, eu contei uma vez para ele e ele ficou maravilhado com “A galinha dos ovos de ouro”, aí eu fiquei maravilhado dele ter ficado maravilhado, que eu era maravilhoso. E aí eu ia contando, ia contando, depois teve um hiato grande, sabe, até eu retomar. Eu já estava casado e aquela amiga que eu te mostrei, que agora está na Bélgica, ela me mostrou um prospecto lá que ia ter uma oficina com a Regina Machado. E aí, ela mostrou para mim, porque ela sabia que eu gostava de história e no fim eu falei: “Olha, eu vou fazer a inscrição, você já fez?” “Ah, eu não ia,” foi, e fomos juntos e acabamos formando o conjunto lá, eu, ela e a Sílvia e durante um tempo ainda com a Regina Machado, depois fiz com uma tal de Inno Sorsy, ela é de Gana, na África, mas morava Inglaterra, e a oficina dela foi muito engraçada, porque tinha um monte de gente que não sabia falar inglês e tinha uma japonesinha traduzindo, que tinha algumas dificuldades em determinados momentos, então aquilo ficou meio divertido, mas deu para entender perfeitamente. E depois que você escuta a mesma repetição de certas palavras várias vezes ela estava começando a contar um negócio e tinha gente que já estava rindo, estava entendendo e não entendia nada de inglês. Então eu fiz uma série, mas muitas oficinas.
P/1 – Você estava na faculdade quando você começou a fazer essas oficinas? Não foi depois?
R – Foi depois. Aí eu acabei conhecendo uma moça chamada Mônica e nós acabamos começando a dar oficina de contar história, era uma oficina que não era minha, não era dela e não era da Regina Machado, depois as coisas vão tomando um formato, né? Aí, a Mônica vai embora, a Mônica me ajudou muito também, a Mônica vai embora e eu continuo andando com as minhas pernas e aí fui realmente me alicerçando, aí teve oficinas, muitas, oficinas minhas de contar história, de escrever história, de trabalhar voz, enfim, um monte de coisa.
P/1 – Para que público?
R – O público, normalmente, são educadores, pode ser público em geral, mas 99% delas é para público adulto, principalmente, para educadores, para instrumentalizar o educador. Porque assim, só para você entender, eu dou aula de Educação Artística, então, música, dança, teatro, artes plásticas, pintura, sou especialista em tudo? Não, sou especialista em teatro, isso eu posso falar que eu tenho facilidade. As crianças me ensinaram a dar aula de primeiro ao quinto, então hoje, este ano aqui, não é o ano passado, não, este ano eu te falo, eu sou professor de primeira à quinta, sabe quando de repente dá, deu uma divisória aqui, então esse ano com propriedade, inclusive de saber como lidar, o que falar, de que forma falar, quando falar, quando não falar, para que eles cresçam na minha mão.
P/1 – Você dá aula em escola pública ou não?
R – Eu dou aula em escola pública do Estado, sou professor efetivo desde 2006. Num primeiro momento fomos eu e minha esposa, participamos do mesmo momento lá que eles estavam chamando e fomos, e fomos para mesma escola para trabalhar no mesmo horário. Coitada, ela deve gostar de sofrer, né? Aí nós fomos para o mesmo horário, para mesma escola, ficamos um bom tempo assim. Há dois anos atrás ela passou para parte da manhã, eu passei para parte da tarde e aí, por questões internas da escola e por interesses, eu me acertava melhor com os menores, agora eu me acerto com todos tranquilos.
P/1 – Qual é a escola?
R – Escola Estadual Vereadora Léa Aparecida de Oliveira, fica num bairro chamado Parque das Américas, na periferia de Mauá. E olha, é maravilhoso, é muito bom, você vê a criança desabrochando na tua mão, tinha um menino que você olhava para ele, ele chorava, você virava as costas ele chorava, se falava ele chorava, se calava a boca ele chorava, esse menino saiu assim, nossa, uma transformação tremenda. Ele vem trazer o irmãozinho dele hoje e eu olho para aquele menino e falo: “Ôpa, sou eu, fui eu, tenho certeza absoluta” não só eu, mas fui eu, num monte de coisas e tem outros. Eles vão passando, aí tem as repetições, que aí você já sabe, aqui eu fui, aqui eu me equivoquei, aqui não sei o que, aí você vai, é muito bom, não tem o que pague.
P/1 – E outros espaços, além da sua atuação como professor de escola, de contação de história, em que outros lugares. No final das contas, além de dar as oficinas, vocês formaram um grupo, tem um grupo? Ou não, você atua mais sozinho?
R – Eu atuo sozinho e é “itinerante” você me chama para eu fazer um trabalho aqui eu venho aqui. Aí o outro me chama para ir no museu de não sei o que lá, eu vou lá. Aí o outro me chama na periferia da periferia da periferia, sem ganhar nada, pagando, eu vou lá e faço um trabalho. Então é muito...
P/1 – Heterogêneo.
R – Heterogêneo. E assim, embora você não perguntou, eu vou falar. A minha intenção é assim, concretamente eu estou a três anos da aposentadoria, porque no Estado quando você faz 70 anos hoje, amanhã você já não entra mais na escola, você está compulsoriamente aposentado, então faltam três anos. A minha ideia, o que eu gostaria hoje de fazer era isto, aliás, eu faria já hoje se fosse possível, mas na medida em que eu me aposento, eu quero dar oficinas não muito com preocupação de ganhar, porque isso dá para ganhar um bom dinheiro, dinheiro substancial, já teve coisas que eu fiz de 40 minutos ganhar dois mil reais por uma prefeitura, isso é uma coisa lá e outra aqui, né? A grande maioria é devagar. Quando é escola pública eu já sei que vão me pedir de graça, essa pessoa que ligou é de uma escola pública, é para eu fazer uma intervenção no planejamento depois do carnaval, que elas vão ter e eu vou fazer um frufru lá para as professoras, como é que a gente fala? Entenderem qual é o trabalho delas com as crianças, não é necessariamente ir lá dar oficinas, nem contar histórias, mas colocar algumas coisas que elas se situam e falem: “Puxa vida, olha a minha importância nesse contexto” eu não posso fazer disto um, eu vou ganhar um salário. Lógico, você tem que sobreviver, mas assim, a coisa, o buraco é muito mais embaixo, mas muito mais embaixo. Eu estou lidando com pessoas que eu vou preparar para vida, não é preparar para tirar uma nota azul no final do mês ou do período, ou para passar de ano, estou preparando pessoas num ambiente e num momento da história, aí é uma coisa grande mesmo e eu tenho noção disso, num momento em que nós estamos com a tecnologia fantástica, você tem o Japão agora aqui, não é daqui dez minutos, é agora, você clica um botão, e nós temos uma falta de humanismo, de humanidade, de tolerância, de aceitação, de compreender que o outro ele quis ser gay, ou ele é negro, ou ele é baiano, ou ele é não sei o que e você é você, que você podia ser gay, baiano, negro ou não sei o que, e as pessoas são pessoas. Você pode até não entender que você deve amar as pessoas, como diz na música, como se não houvesse amanhã, você pode até não amar as pessoas, mas você tem que ser minimamente tolerante, você tem que entender que o outro tem o espaço dele, você deve respeitar o espaço do outro e ajudar o outro onde você puder se for o caso de você ter uma interferência ali de alguma forma. E com a dificuldade que as crianças tem vindo de casa, com drogados, bandidos, assassinos, ladrões dentro de casa, o papai, a mamãe fumando crack, matando, roubando. Teve um garotinho com deficiência mental, negro, ele chegou para mim e falou: “Professor, agora não vou ficar mais com saudade do meu pai!” Eu falei: “Que legal, né?” E passou um monte de coisa pela minha cabeça, eu falei, bom, deve ter largado a mulher, agora voltou, ele falou: “Tá solto,” entendeu? Você lida com demente, estou falando demente aqui, porque tudo agora tem que ser politicamente correto, né? Ele tem uma deficiência mental e assim, vivendo essa situação, o pai levando a criança na contramão, na garupa da moto, sem o mínimo de segurança, nem capacete, nem nada, na rua da escola. Então você lida com todo esse universo, com a mãe transando com três homens no quarto e ela brincando de boneca, porque as coisas chegam, as crianças não falam, você enxerga, só de lidar.
P/1 – Carlos, nesse seu tempo como educador, eu imagino que deva ter mais de uma, mas uma história marcante, ou que tenha sido forte, importante para você. Na sua atuação como educador, um momento que você sempre se lembre.
R – A mais recente eu fui Papai Noel na formatura da criançada dentro da escola, Papai Noel é mágico, mas eles sabiam que o Papai Noel era eu, mas eles vinham, todos tiravam fotografia, mãe tirava fotografia, tia tira fotografia, não sei quem tira fotografia, criança, aí sim, crianças que já estiveram lá, são adolescentes, são mulheres, sentar no colo do Papai Noel, não sou o Papai Noel, sou uma pessoa que ajudou ela a se formar e ela sabe, isso é legal, né? Isso é marcante. E coisas alegres eu tenho todo dia e divertidas para você rolar de dar risada tem aos montes. Teve uma menininha que nós estávamos na época do Natal e eu ia dar um trabalho para eles fazerem guirlandas com sucata ou árvore de Natal ou presépio, expliquei tecnicamente o que era um, o que era outro, o que era outro e deixei para eles resolverem, na aula seguinte eles me traziam e aí a guirlanda que é o enfeite de porta, uma das meninas falou assim: “Professor, eu já decidi, eu vou fazer a guilhotina” eu falei: “Gente, que beleza! Mas vamos fazer guirlanda, é melhor” aí expliquei, fizemos e tal. Agora, mais legal do que essa foi uma menininha também, eu estava explicando lá o nascimento de Jesus Cristo, para falar do presépio, para falar das figuras que envolvem, então eu falei que três pessoas muito importantes, três figuras muito importantes atravessaram um espaço muito grande acompanhando uma estrela e chegaram onde Jesus estava lá, que tinha acabado de nascer. Eram os três? Aí a menininha lá atrás: “Porquinhos!” (risos) Então é a cabecinha deles, tem coisa divertida, tem coisa de você falar: “Eu sou importante, tem aos montes” a criança sair da tua mão com a professora tentado alfabetizar e aquilo não entra, aquilo é um parto. E aí ela fazendo teatro com você, ela consegue terminar a alfabetização e fazer o trabalho de cena é muito forte. (emocionado) Eu sou um chorão, você me desculpe, mas tem coisa muito significativa, eu não choro à toa, não tem o que pague, não tem o que pague. A professora falou: “Olha, quem alfabetizou Fulano de tal foi você” nós fizemos um trabalho, foi uma dureza, ela decorou o texto, ela passou a ler. Nossa, foi muito bom.
P/1 – Era uma criança de que idade?
R – Ela deve estar beirando os dez. Eu sou responsável por ela preencher uma ficha numa empresa para ser admitida, pode até não dar certo, mas ela vai preencher e eu não alfabetizo, se eu falar que eu sei alfabetizar, eu não sei nada.
P/1 – Carlos, agora sobre a contação de história eu queria que você dissesse também se tem algum momento que tenha sido...
R – Tem muitos, eu acabei sabendo do ‘Vive e Deixe Viver’ lá atrás, que ela começou em 97, depois ela se estruturou, no começo era na casa do atual presidente, que ele acaba sendo, volta, tem lá um estatuto e ele vai e volta, aí fica você, fica o outro.
P/1 – Contra para gente um pouco, só que é que é em linhas gerais, o que é o ‘Vive e Deixe Viver’.
R – O ‘Viva e Deixe Viver’ é uma associação que ela prepara, ela abre inscrição para pessoas que estejam interessadas em contar história em hospital para criança hospitalizada, internada. As pessoas se inscrevem, passam por um processo, são sete ou nove palestras, não lembro direito agora, que elas são focadas, hoje nós vamos falar sobre nutrição, amanhã não sei o que, tem as palestras e as pessoas são preparadas para contar histórias para crianças internadas em hospitais, só contar história, você não tem outra função lá só contar história. Estou falando isso porque tem gente que, de repente, começa a vender guarda-chuva, lógico que eu estou falando uma bobagem, então o Viva é essa entidade. Atualmente, ela está mais ampla, mas aí eu falo em seguida, então é de contar história para criança internada em hospital.
P/1 – E como você conheceu o Viva?
R – Eu conheci o Viva por intermédio de um rapaz que foi meu aluno na faculdade e hoje nós somos amigos, inclusive, ele está no Viva também. Ele me trouxe lá uma xerox de uma propaganda, alguma coisa que saiu sobre o Viva. Eu peguei e li e como era nos primeiros momentos, onde era a sede do Viva? A sala da casa do Valdir e quem era a secretária que cuidava de tudo? Era a filha da empregada doméstica do Valdir, que na época era um dos gerentes de marketing da Globo em São Paulo. Eu soube por intermédio desse e tentei entrar em contato ‘N’ vezes, foi uma dificuldade tremenda, porque você há de entender, aquilo está se estruturando e ele tem que tocar a vida dele, ele dá aula em faculdade. Então, consegui o contato, consegui passar pelo processo de treinamento que era completamente diferente do de hoje, tem uma série de modificações, mas tinha também as palestras, tinham as coisas presenciais, que agora tem coisas também pela internet, não no nosso caso lá do Viva, mas enfim, era presencial, fiz tudo o que tinha que fazer. Ao final do processo, lá no finalzão, você acaba escolhendo um hospital onde você quer atuar. Logicamente esse hospital é conveniado com o Viva, normalmente é próximo da sua casa, do seu emprego ou do seu estudo e aí fica mais fácil de você atuar lá no dia e horário que você determina, além de escolher qual hospital, você determina dia e horário. Aí você vai uma vez por semana, isso não é fixo, de duas horas. De repente tem muita criança e você tem tempo hábil, você fica lá três, quatro horas, não tem problema nenhum, nada impede. Agora para baixo é ideal que não seja abaixo de uma hora, para você poder atender algumas crianças. Tem uma criança internada, você atende, tem 50, você precisa atender as 50? Não necessariamente. Então, o formato é esse, e em cada hospital tem um cabeça de chave que eles chamam que é o que faz o elo entre o Viva e o hospital, a direção do hospital, pelo menos da parte pediátrica que é os responsáveis e tal, o contador com esse pessoal e o contador com o Viva.
P/1 – É sempre para crianças?
R – Sempre para crianças. E aí, aconteceram algumas coisas no meio que eu falo em seguida. Você então passa por esse processo todo, passou, porque o último momento tem algumas coisas pesadas em termos de imagem, aparecem coisas não muito, aliás, nada agradáveis, em termos físicos e tal, doença é complicado, né?
P/1 – No treinamento você diz.
R – No treinamento. Aí chegou lá no final, você passou, porque é assim, nós estamos aqui, a imagem não sei o que, a dinâmica não sei das quantas e, sem sabermos na época, nós estamos sendo observados por uma meia dúzia de psicólogos. Ali você fica ou você continua, entendeu? Depende das suas reações, da conversa que eles vão ter depois. É marcado o dia da formatura, você recebe um avental, que passou a ser o objeto de desejo do pessoal. Aí, as pessoas perdem o foco, pronto, recebeu o avental acabou, não, recebeu o avental, começou. E aí tem gente que perde o foco, aí vai, faz de outra forma, eu vou lá e conto história para ele, não é criança. Então, passei por esse processo todo, fui aprovado num grupo grande, fiquei felicíssimo de receber o avental, mas fiquei focado. E foi na Brahma Kumaris, lá na Barra Funda, que na época o Viva utilizava o espaço deles, tinha alguma coisa, uma palestra deles lá também e tal, recebemos o avental. Aí você ia para o hospital, o primeiro hospital que eu fui foi o Emílio Ribas que é o infectologista que tem preconceito do pessoal, até de passar na frente, porque você pode pegar uma doença contagiosa. E fui para lá no Hospital Dia, foi uma loucura porque as crianças veem, são observadas, são examinadas, medicadas e vai embora, Hospital Dia, acabou, não fica internado. Aí tinha a televisão ligada, as mães desesperadas, a enfermeira dando injeção, o médico mandando tirar a roupa, examinando, criança chorando, criança babando, criança querendo ir para o banheiro, criança não sei o que, e você indo contar história, muito tranquilo, primeiro dia, lindo, aí me virei, me saí bem. O Paulo Frugis foi o primeiro que me levou para dentro do espaço, que era o meu treinador, vamos dizer assim. Mas foi uma coisa de na época ele vir falar: “Olha, é aqui. Tchau”. E foi para lá fazer o serviço dele no andar que ele ia, eu fiquei no Hospital Dia e ele foi para Pediatria. Aí, trabalhei no Hospital Samaritano, ali foi o hospital que eu escolhi, então vinha de Santo André no Hospital Samaritano, quando eu voltava, era à noite, eu chegava em casa meia-noite, meia-noite e meia. Um dia passou um motoqueiro por mim subindo a rua que eu moro e dando tiro para cima, foi fantástico.
P/1 – E como era essa contação, Carlos? Como vocês escolhem as histórias? Vocês levam objetos? Como é que faz para chamar a atenção das crianças?
R – Então, tem uma caminhada aí, que num primeiro momento você leva uma coisa diversificada, você pode encontrar crianças das várias faixas etárias. E não só isso, criança cega, criança surda, criança que operou a garganta. Com o passar do tempo você, o que eu falo sempre agora para o pessoal, você entra, você tem que ler o quarto, tudo. Da parede ao maquinário, à luz se está funcionando, a avó que está acompanhando, não, a tia que está acompanhando, que pega e fala: “Olha, posso sair e dar uma fumadinha?” Ela ficou a noite inteira e o dia inteiro, nem comeu, ela precisa, então tem de tudo. Aí, você entra e faz o teu trabalho, que é focado na criança, está cheio de gente em volta, tem acompanhante disso, você conta para criança. Tem hospitais que têm apartamento, duas crianças no máximo, ou uma criança, e tem lugares que é tipo enfermaria, tem dez crianças. Aí você vê como você se situa para você ser o mais abrangente possível e quando não dá você conta aqui para dois ou três e depois lá, mais ou menos isso. No começo você vai pela idade, essa coisa, você está começando, você vai pela idade, pelo sexo, o que eu gostaria de ouvir. E depois você vai depurando uma série de coisas e vai percebendo e aí a tua visão fica bem ampla, você vê que, de olhar você já viu que são surdos-mudos, ou operou a garganta agora, ou está traumatizado, ou está apavorado. E eu estou com meu avental branco, já foi mudado isso, eu sou médico, ele tomou uma injeção daquela que morre com o médico, aí eu entro que nem médico. Tem uma porção de coisas aí, mas enfim, aí ele vai entendendo, você vai entendendo as coisas e aí as coisas vão funcionando melhor.
P/1 – E você vai com livro, tem um repertório de histórias?
R – Isso, eu tenho uma série de histórias memorizadas e tem livros. Vai dar a impressão que eu carrego uma biblioteca, não, para esta faixa etária aqui, dá para eu trabalhar esse livro aqui, mas esse ainda alcança mais um pouco aqui, esse outro atende daqui até não sei onde, o outro não sei o que lá. E tem pranchas que eu peguei, descobri por acaso. Estava contando para uma menina surda-muda e eu não sabia, eu estava do lado do berço e eu já tinha produzido o que eu chamo de pranchas, mas que japoneses já usam isso há séculos, é chamado Kamishibai, é teatro de papel, então você vai passando e eu escolhi do Rogério Borges, ele tem 16 títulos que não têm texto, é só ilustração sequencial, caricaturado, colorido, que para criança é ótimo, aí você não precisa contar. Eu estava contando para menina, aí eu estava daqui, a mãe dela estava de lá e falou: “Olha, desculpa interrompê-lo, é que desse lado ela é surda”, aí eu já me ajeitei para vir para cá e ela falou: “Desse lado ela só escuta 5%” era a mesma coisa que eu não falar nada, aí eu descobri que era só virar, não precisava falar nada, ela fez assim e eu, nossa, arrepiei, porque tinha uma árvore, então ela, na linguagem dela. A mãe dela falou: “Olha, ela falou que é perto da árvore de Natal”. Era um menininho, nunca esqueço, a história é ‘O Presentão’ é um menino que está do lado de uma árvore de Natal que não tem presente nenhum e ele está sozinho, ele começa a chorar, aparece um homem, não sei o que, no final fica claro o seguinte, a pessoa traz um pacote, ele nem olha, nem abre, ela traz um pacote maior, você fala: “Bom, agora ele vai abrir, vai gostar, presente grande, tal” chora, aí, a pessoa que trouxe é um homem, ele se ajoelha na frente do menino e pega o menino no colo e aí dá um beijo, aí pronto, o presentão, a criança precisa de atenção, precisa de carinho, precisa de olhar nela. E aí você vai pegando o jeitão, que material eu levo. E aí fica livre, você quer levar o boneco não sei das quantas que enfia na mão, você quer levar um moranguinho que acende uma luz dentro, que faz não sei o que e você dá o nome para aquilo que você quiser. Você deu o nome, e aí não é criança de colo, nem criança pequena, é criança de 120 anos de idade, se você falar que esta caneta é o passageiro misterioso, não é caneta, é o passageiro misterioso daquela história, e aí você começa a enxergar um universo muito amplo de qualquer coisa, o que nós temos aqui dá para contar ‘N’ histórias, qualquer coisa. Eu tiro isso daí da parede e uso, entendeu? Então, você vai ampliando o teu repertório e vai ficando à vontade que nem eu comecei a ficar, que antes eu estava assim, né? Você começa a ficar à vontade e você inventa, você adiciona, você tira, você muda, você faz o que você quiser. E a criança te ama, ela te adora, você foi lá contar história. E ela estava sozinha, ela ficou a manhã e à tarde sozinha, você chegou lá à noite caindo aos pedaços do teu trabalho do dia inteiro, mas você foi para lá com o gás renovado, você pôs o avental, você não é mais aquele cara que estava lá fora durante o dia, você é o contador de história que acordou agora, com todo o gás e vocês faz. Aí, tem coisas fantásticas, tem coisas assim, lá na escola é uma coisa, aqui é uma outra, eu contando história é uma outra. Teve um menininho, tem um livro que chama Escola Mágica, eu não sei se você conhece esse livro.
P/1 – Não.
R – Você folheia ele, ele não tem nada, só tem páginas em branco. E aí você inventa uma história para apresentar esse livro, não sei o que lá, aí você fala para ele: “Mas você, falaram para mim que você é mágico, você vai fazer aparecer desenho aqui” é desenho colorido e preto e branco, 99%, eles falam que é colorido, e aí eu falo: “Que palavra mágica você sabe falar?” “Abracadabra” você cai de costas, você nunca escutou aquela palavra mágica: “Nossa! Nunca escutei. Vamos lá hein? Então você vai falar abracadabra olhando para o livro, vai assoprar, vai fazer assim, os olhos vão fazer assim” aí ele faz, você folheia, só desenho colorido, aí depois: “Vamos fazer desenho preto e branco” é a posição que você segura em cima, em baixo ou no meio o livro e aparecem isso ou aquilo, porque as folhas internas são cortadas de uma determinada folha e onde você segurar aparece aquilo ou aquilo. Aí teve um menininho que era da periferia de Santo André, da periferia da periferia. Então tem gente que “Ah, Óh”, e era um moleque de uns cinco para seis anos, quando apareceu tudo colorido ele falou: “Eita porra!” (risos) Então você tem de tudo, eu falei: “É mesmo. Vamos fazer o preto?”, você tira e vamos fazer o outro, né? E vai e faz e a coisa, e ele sai contando para todo mundo que ele fez a mágica, aí pronto, aí está resolvido.
P/1 – Delícia, né?
R – Aí ele sarou mais do que com três injeções, e você sabe o que você fez. E não é ficar jogando confete na cabeça, é real, é real, você pega o resultado. E aí pai e mãe, nisso potencializadíssimos, você imagina, eu ajudei o teu filho a ficar feliz e a sarar e, comprovadamente, cientificamente, a criança, gente, isso aí não precisa ser científico, não precisa estudar e não precisa ser PhD, qualquer mané parando para pensar um pouco, uma pessoa feliz fica doente, gente? É lógico que eu não vou curar um câncer com uma historinha, mas você está entendendo o que eu estou te falando.
P/1 – Mas ajuda, claro.
R – Nossa Senhora! E é tudo mágico, você vai embaixo do mar e você anda, e você vê a princesa e pode, você não precisa pedir permissão, não precisa falar: “Olha, você vai acreditar, né? É embaixo do mar, mas ele vai andar” não, você conta história, ele viaja. E tem avó que quer, tem tia que quer, e tem acompanhante que é madrinha da vizinha da tia de não sei o que lá que foi para ficar com a criança, e eles querem, o adulto precisa, o adulto precisa da fantasia, do largar esse metrô lotado, desse pessoal que assalta, você precisa de felicidade, né? Então você não está contando para criança só, está contando para tudo, e aí é muito bom. E ele escuta, nossa, como ele escuta, e você sai, nossa senhora, você sai leve, você fala: “Amanhã tenho que vir de novo,” mas você só vai na semana seguinte, porque senão você começa a confundir as coisas, né?
P/1 – Claro, você tem outras coisas para tocar. Muito bacana, Carlos.
R – Ah, é muito bom, é muito bom. Então, é mais ou menos isso.
P/1 – Me conta a história da menina.
R – Então, aí teve o caso de uma mãe de uma criança que ela tinha deficiência mental, a mãe também tinha e a mãe que era a acompanhante. E como eu disse, nós damos histórias só e alegria e fantasia, só que eu digo tem um monte de coisa englobada, mas é isso, é contar história. E a menina queria o livro, e com o tempo você pega jogo de cintura para se esquivar e tal, e a mãe queria o livro e eu, mulher, não mãe da criança, mulher, eu. E aí você tem situações que você tem que saber por onde você vai, o que você faz, e assim não tinha surdez e não era muda, era um pouco de debilidade mental, e aí com a criança é simples. Bom, é simples agora, não sei antes como é que foi, mas assim, você joga para ela o problema, você fala: “Olha, eu não posso te entregar, porque eu vou contar essa historinha aqui para mais umas outras crianças, você já pensou elas ficarem sem historinha?” meio sacana, mas funciona, então você pega e tira isso aí. E a mãe eu não lembro como eu resolvi, eu sei que eu resolvi, eu saí de lá, ela não foi atrás de mim, não aconteceu nada, graças a Deus, então, tem de tudo quanto é tipo. E tem umas coisas assim que você fala: “Meu Deus e agora?” Porque nós chegamos, nós, eu e a Ângela, que é uma outra contadora de histórias, gente, a Ângela vai para o céu sem purgatório, ela vai, sei lá, de jato. Ela ia contar a história, uma colega do grupo, não está mais com a gente em termos do hospital, teve que dar uma saída, ela ia para o hospital com as duas pernas quebradas, uma responsabilidade, uma seriedade, um compromisso enorme. E ela passou por uns momentos alguns anos seguidos, o pai com câncer em estado terminal, uma tia que um dia queria se matar, outro dia também, outro dia não, outro dia não sei o quê. Ela com um problema de coluna seríssimo, tendo que a filha dela dirigir para levar ela para o hospital, porque ela não pedia licença. Cada um de nós sabe como é que está, aí você fala: “Não, ainda dá” e ela ia, se arrastando. Aí o que acontece? A filha dela teve um acidente, machucou o pé, ela tinha que dirigir para filha dela, e continuava indo no hospital. Um dia eu fui lá, como eu era o cabeça de chave eu fui lá pegar os relatórios, que o pessoal faz um relatório. Contei história para ela, tal história funcionou assim, aconteceu tal, faz o relatório e depois vai para sede. Aí, chegamos eu e ela lá e veio uma, eu não sabia se era médica, se era enfermeira, o que era, vinha de lá e nós percebemos que ela estava chorando, se contendo, aí ela falou: “Olha, eu vou precisar muito de vocês” eu falei: “misericórdia” e eu estava assim, eu ia pegar o relatório e ia embora, eu não tinha como ficar, sabe o dia que não dá? Eu fui lá buscar relatório, o dia era da Ângela, mas eu poderia ficar, nada impediria de eu acompanhar. Aí ela pegou e falou assim: “Vocês estão vendo aquela mãe no orelhão? O que acontece é o seguinte, a filha dela estava no quarto normal, deu um piripaque na menina e ela foi para UTI, acabou de falecer, vocês vão ter que conversar, me ajudar”, e chorava, “Ai meu Deus do céu.” Eu olhei para Ângela e falei: “Ângela, você viu que nós estávamos conversando, né? Eu não tenho o que fazer. Eu vou pegar o relatório, tenho que ir embora, Deus te ajude, te acompanhe” (risos) não tinha o que fazer. Aí a Ângela ficou e as coisas foram resolvidas, morte de uma filha, né? Mas enfim, você vê, a médica com toda a estrutura, com toda a formação, pedir ajuda a um contador de história. (risos) E a Ângela se virou, depois nós conversamos, ela falou: “Ó, foi assim, foi assado, aconteceu assim, não sei o que lá, depois não sei o que” resolveu, a mulher lógico ficou daquele jeito, depois foi acalmando, foi acalmando, foi acalmando. E uma outra que foi muito marcante foi de um menininho no Hospital São Caetano, que foi o segundo hospital por onde eu passei, que era assim, tinha um corredor e eu sou meio sistemático, teve uma época que eu achava sistemático, porque era para mim, palavrão uma ofensa, mas eu sempre fui meio metódico, essa coisa toda, então eu ia atendendo daqui para lá. Aí entrei neste quarto, atendi, e quando eu entrei neste quarto eu escutei um choro de lá, mas desesperador, da criança, aí eu peguei, aí atendi sei lá a criança um tempinho, fui para o outro quarto e o choro, quando eu entrei no terceiro quarto e eu saí, continuava o choro, mas era uma coisa desesperadora, porque foi assim, foi rápido a que foi no segundo, no terceiro ainda demorou um pouco, quando eu saí estava o mesmo choro, eu falei: “Estúpido, estão te avisando lá de cima que é lá, não é na sequência, vai lá” aí peguei e fui lá, a criança estava na frente da mãe, mas berrava, chorava que chorava que chorava, a mãe não sabia o que fazer mais, falava, falava e ela nada, peguei o meu famoso, a prancha da história do menininho do presentão ou da tartaruguinha, Skateruga chama a história, peguei e pus a cabeça assim para dentro, e vi aquilo me aproximei um pouco, não demais, e falei assim: “Você quer escutar uma história? Você quer que eu te conte uma história?” Gente, era muita pretensão minha querer que ele escutasse com o berreiro que ele estava fazendo, escutou nada. Eles perceberam que tinha alguém e a mãe continuava, porque a mãe não vai mudar o foco para mim que entrou alguém, é que eu entrei e falei, ela ouviu, falei: “Olha, sou contador de história do Vive e Deixe Viver. Quer escutar uma historinha?” (barulho de choro) Olhando para mãe dele e berrando, eu falei: “Tem a historinha aqui de uma tartaruguinha” e aí virei a primeira, aí a tartaruguinha, não sei o que, não sei o que lá, virei a outra, aí não sei o que, não sei o que lá, eu acho que ele deu uma olhada, ouviu ou sei lá o que aconteceu, voltou a berrar com a mãe, aí eu virei a outra, ele deu uma olhadinha e berrava, aí virei a outra, aí berrou menos, aí virei a outra, aí começou a prestar atenção na história, moral, quando eu saí do quarto ele estava dormindo, aí a mãe foi até a porta comigo. Ele não dormiu a noite inteira, dor e não sei o que, aí dormiu fazia dez minutos. Chegou aquela “enfermeira maldita” com injeção daquela que dói a alma, teve que acordar, o médico fala, é tal horário, não pode passar de tal hora, a vida da criança, a enfermeira não vai brincar, está dormindo bem, deixa. Acordou a criança para dar aquela injeção, aquela, nossa, o moleque berrava, aí a mãe me contou, estava dormindo, eu falei: “Sou o máximo, gente, como eu sou bom.” São coisas que lavam a tua alma. Você quer que eu faço o quê? Eu estou dando aula para crianças de seis anos e meio a dez, que quando ela chega ela não sabe amarrar o sapato. Eu falo cinco vezes que é para pintar de azul para ela entender que é para pintar de azul, falo dez vezes. Eles estão todos conversando juntos, eles não sabem o que é formar uma fila, por isso que eu te falei do ambiente doméstico. Inclusive tem uns que falam para criança mesmo: “Vai lá encher o saco do teu professor” e eles vêm do jeito que eles estão. Então ele não sabe formar uma fila, aquilo fica 30 num bolo, que você fala: “Gente, pelo amor!” Não, você não fala mais pelo amor de Deus, você vai e de repente eles estão na fila. Aí eles estão na fila e dão a vez para você, porque você é mulher, entendeu? Eu falo: “Sabe por que nós damos a vez para as mulheres? Porque nós somos cavalheiros.” Você não vai falar dos interesses que a gente tem com relação à mulher, você não precisa mexer nisso aí, eles são crianças, então você só diz: “Olha, nós somos cavalheiros.” Aí, outro dia um menininho esperou, esperou, um toquinho assim, falou: “Professor, agora nós vamos entrar, porque nós somos cavalheiros” “Isso! É isso mesmo! Nós só vamos entrar agora, porque nós somos cavalheiros. Vocês viram que lindo o desfile que teve? Elas são as flores que enfeitam o nosso mundo.” (risos)
P/1 – Carlos, a gente precisa ir encaminhando para o final.
R – Vamos.
P/1 – Eu tenho duas perguntas finais. A primeira é, qual é o seu sonho hoje? Qualquer sonho, de qualquer tipo.
R – O meu principal é assim, os meus filhos já estão criados, têm juízo e graças a Deus eles foram muito bem encaminhados, eles são adultos que valem a pena, então eu estou tranquilo. Aí eu quero meus netos, (emocionado) não é? E assim, a minha filha, eu não podia escolher filha melhor, e eu não escolhi nada, Deus mandou, ela é enérgica e ela encaminha de forma legal. Então eu sei que eles têm tudo para serem pessoas tão boas quanto meus filhos são, então eu estou muito tranquilo, ela é enérgica e ela é amorosa e quando não é para dar espaço ela não dá espaço e não abre mesmo, não abre mesmo. Pode contar uma coisinha, rápida?
P/1 – Claro.
R – Eu não sei que deu um piripaque nos dois lá, eles são gêmeos, tem três. Tem o Gugu que é o mais velho, está com sete para oito anos e os dois têm seis anos, cinco para seis, alguma coisa assim, eles vão fazer em março agora. E eu não sei, eles já estiveram na escola no ano passado, mas teve um dia que teve, tem até um filme que tem esse nome, é um dia que deu um revertério. Eles não queriam ir para escola, acabou minha filha fazendo com que eles entendessem que era para ir, vão, aí não queriam por o cinto de segurança na van, pôs o cinto de segurança, aí tchau, vai com Deus. Aí, um deles arrancou não sei o que do teto que ficou uns fios à mostra. A moça ficou apavorada, que estava dirigindo, mas tinha gente atrás com eles, lógico, e aí ela pegou, virou para ver o que estava acontecendo, ele viu o celular no bolso dela, tirou o celular e jogou pela janela, o celular bateu lá no chão, não espatifou. Aí para, desce para pegar e a mulher que tinha que tomar conta lá atrás ficou e ela parou o carro, vai buscar, e eles foram barbarizando, eles têm cinco anos, gente! Quando chegou na escola, antes da mulher tomar pé da situação, um deles já estava no meio da rua com movimento, carro para cá e para lá, você imagina como fica a cabeça dessa mulher se ela entrega o meu neto morto para mãe. Voltou de tarde com eles, tiveram a aula, sei lá o que, não lembro como é que foi, aí voltou de tarde com dinheiro na mão, entregou para minha filha e falou: “Olha, eu não venho buscar mais” e minha filha viu que ela estava com o olho inchado de tanto chorar, ela falou: “Eu estou há 20 anos trabalhando, eu nunca vi uma coisa dessas, eu não levo mais seus filhos. Eu não estou falando que talvez não levo, não levo, o dinheiro está aqui. Eu nunca vi isso na minha vida” e soluçava. Aí a minha filha pensou, pegou o dinheiro e entregou para ela e falou: “Olha, isso aqui é do celular, da sua dor de cabeça, é desse dia de cão que você teve. Isso aqui é seu, não é nem mais, nem menos, não precisa devolver. É isto aqui, está aí” entrou para dentro de casa, pegou eles e falou: “Olha, hoje vocês vão jantar, eu comprei sorvete, não tem sorvete. Eu vou comer aquela panela de sorvete inteira, vou dar para alguém, não tem sorvete. Não tem o pipripri, a televisão vocês só vão assistir o desenho não sei o que lá, às dez vocês dormem, vocês vão dormir assim que acabar de jantar. Outra coisa, vocês fizeram não sei o que na perua, está aqui os cofrinhos”, os cofrinhos estavam assim até a boca, ficou com isto. Para o Davi foi à morte: “Meu cofrinho, meu dinheiro”, mexeu onde doía. Tirou do outro, falou: “Olha, tá aqui metade e metade, a mulher está paga já, já dei o dinheiro para ela. Esse dinheiro é meu. Vocês quebraram, vocês fizeram, tal. Dezembro não tem praia”, eles adoram praia, “não tem praia, amanhã não tem perua”, você lembra o sol que estava? “Nós vamos de guarda chuva” a escola fica uns três quilômetros, “a pé e vamos voltar a pé até eu resolver problema de ônibus da prefeitura, se resolver, senão, nós vamos o ano inteiro para escola a pé e voltamos a pé,” foi assim que ela fez, dois dias depois ela tinha resolvido o problema da perua da prefeitura. Então é deste jeito, eu quero meus netos bem, porque meus filhos estão, eu sei. Nada que não preste, nada, se encaminharam, fizeram o que tem que fazer, estão lá cuidando da vida deles, comendo um pouco de grama, porque não somos milionários e estão se virando, o que eu espero é isso. E se der certo de eu ganhar algum dinheiro, não precisa ser sozinho na Mega Sena, porque aí eu deixaria minha família, não estou indo, viu? Eu vou daqui uns 20, 30, 40 anos, não tenho intenção nenhuma, mas pelo menos a minha família ficaria numa situação financeira mais cômoda, mais confortável. Para mim, do jeito que está, está bom, mas se melhorar também para mim é melhor. Mas eu estou pensando sem ficar floreando, pensando em quem está aí depois que tem muito caminho pela frente, né? O que eu quero é isto, eu quero ver eles felizes, só.
P/1 – E por fim, Carlos, como é que foi contar a sua história aqui?
R – Gente do céu! (risos) Olha, primeiro que eu não esperava tanto tempo assim, eu não sei nem se eu abusei.
P/1 – Não abusou.
R – Não esperava todo esse tempo, não. Eu sabia que é extenso, porque contar uma vida você não está contando uma piadinha de cinco minutos. Foi muito bom, você faz um resgate todo, você vai para um monte de lado e volta lá, e faz de novo e mexe nisso, mexe naquilo. E eu fico muito à vontade para contar na frente de pessoas que nunca me viram, não tem importância nenhuma isto, o importante é o que nós estamos fazendo e para que isto se encaminha, para que serve, e serve muito, tenho certeza absoluta. Então assim, foi muito legal, muito bom contar. Teve momentos que foram mais sofridos, (risos) mas faz parte, quem vier aqui só contar coisas que ele se divirta, eu acho que ele não viveu, ele não é desse planeta ou desse universo aqui. Achei muito bom, adorei, já recomendei antes de conhecer pela conversa que eu tive com a menina da recepção, eu fui muito bem tratado aqui sempre, ninguém fez de conta, as pessoas são assim, você percebe claramente, né? Então foi muito bom, já recomendei. Adorei que a Luísa falou, eu acho importantíssimo fazer um resgate do Viva, que é uma coisa que eu acredito, trabalho nela há 13 anos e não pretendo sair, não tenho assim: “Ah, quando for não sei o que eu paro” não. Então, achei muito legal. Eu adoraria que o Valdir viesse fazer um resgate e alguns contadores, não estou falando de mim, da minha pessoa, mas eles têm muita coisa. Eu que contei que algumas tem de dúzias e cada um deles tem outros momentos com outras pessoas, então deve ser muito bom.
P/1 – Tá bom, Carlos, muito obrigada, viu? A gente agradece a sua presença.
R – Eu que agradeço a oportunidade, eu acho o trabalho de vocês maravilhoso, não estou jogando confete de graça, confete de graça a gente não joga. E é uma coisa para um país que o pessoal diz que não tem memória, nós somos muito céticos e muito exigentes e não reconhecemos um monte de coisas, né? Tem muita coisa boa, eu falei de coisas ruins também, mas tem muita coisa boa. E esta não é uma coisa boa, isso aqui é uma coisa excelente, você resgata, isso é história viva, isso é importantíssimo para todos, né? Não para pessoa, uma coisa meio narcisista, não, é para você fazer para sociedade, para as pessoas terem conhecimento.
P/1 – Claro. Obrigada mais uma vez.
R – Eu que agradeço, obrigado vocês.
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