Projeto Conte sua História
Depoimento de Nathalia Kozikas da Silva
Entrevistada por Monalisa Santos e Wini Calaça
São Paulo, 27/09/2019
Realização Museu da Pessoa
Entrevista número PCSH_HV840
Transcrito por Gabriela Ramos
Revisado por Ana Calderaro
P/1 - Bom dia, Nathalia.
R - Bom dia.
P/...Continuar leitura
Projeto Conte sua História
Depoimento de Nathalia Kozikas da Silva
Entrevistada por Monalisa Santos e Wini Calaça
São Paulo, 27/09/2019
Realização Museu da Pessoa
Entrevista número PCSH_HV840
Transcrito por Gabriela Ramos
Revisado por Ana Calderaro
P/1 - Bom dia, Nathalia.
R - Bom dia.
P/1 - Em primeiro lugar, a gente queria agradecer. O Museu queria agradecer por você estar aqui nesta manhã cinza em São Paulo. A gente queria começar a entrevista te perguntando o seu nome completo, a sua data de nascimento e o local de nascimento.
R - Meu nome completo é Nathalia Kozikas da Silva, nasci no dia cinco de abril de 1996, em São Paulo mesmo.
P/1 - A gente também gosta de saber um pouco sobre a origem da sua família. Você sabe sobre seus avós, o nome dos seus avós, de onde eles vieram, como eles se conheceram?
R - Bom, eu conheço mais a família da minha mãe, na verdade, porque foi a parte que eu tive mais contato. Meus avós maternos têm origens um pouco diferentes, então meu avô é filho de imigrante italiana e imigrante lituano, que veio para cá, se não me engano, na época da Segunda Guerra. Enfim, tem uma história bem bacana por trás, que eu ainda não fui muito atrás, mas eu pretendo um dia. E a minha avó é descendente de indígenas, ela veio do interior de São Paulo, na verdade. Eles se conheceram aqui, não sei exatamente como, mas eles moravam no mesmo bairro, se conheceram, começaram a namorar... Enfim. Da família do meu pai, eu não tive muito contato com os meus avós. Meus avós paternos não estão mais vivos, mas eu sei que meu avô tem uma origem do nordeste. Minha avó paterna, eu já não tenho tanta certeza.
P/1 - E como que se deu essa mistura de culturas na sua família? Você teve um contato com essas culturas? Você falou do seu avô que tem uma origem mais diferente, como foi?
R - Na verdade, não tive muito contato com essa cultura, por exemplo, italiana, nem nada. Eu não cheguei a conhecer meu bisavô, que era lituano. A minha bisavó eu conheci, mas ela morreu quando eu era criança e não tive tanto contato. Não era uma família tradicionalmente descendente de italiano, sabe? Aquele estereótipo, nem nada do tipo. Então não foi tão forte essa influência da mistura de culturas.
P/1 - E os seus pais, você sabe como eles se encontraram?
R - Eu acho que eles se conheceram em algum rolê, em algum bar por aí. Eu não lembro exatamente da história, mas eu sei que foi assim. Eles se encontraram, tinham amigos em comum... Se encontraram em algum bar, em algum rolê por aí, na noite de São Paulo.
P/1 - E você tem irmãos?
R - Tenho um irmão.
P/1 - Ele é mais velho?
R - Mais novo. Ele tem dez anos.
P/1 - A gente queria saber também um pouquinho sobre o seu pai e a sua mãe, o que eles fazem.
R - Meus pais agora são divorciados. Meu pai trabalha em uma concessionária de motos, ele sempre trabalhou com isso, a vida inteira. Ele tem bastante experiência com a parte mecânica e tudo mais, então ele trabalha mais nessa parte da concessionária, não é na parte de vendas. A minha mãe é securitária, ela também sempre trabalhou a vida inteira em seguradoras, principalmente na área do seguro saúde. Então ela trabalha mais na parte mais administrativa do setor saúde da seguradora.
P/1 - E como foi a sua infância? Você lembra das brincadeiras que você gostava de fazer? E a chegada do seu irmão? Como é que foi tudo isso?
R - Minha infância, eu gostava muito de… Eu tinha dois primos... Tenho, né? (risos) Dois primos mais velhos com quem eu cresci. A gente cresceu junto, ali na casa da minha avó. Eles moravam lá com ela e eu ficava lá enquanto minha mãe e meu pai iam trabalhar. Assim... Era muito legal, mas é porque a gente tinha uma certa diferença de idade. Meu primo mais velho é cinco anos mais velho do que eu, e o irmão dele, três anos, e eram dois meninos. (risos) Então a gente brincava junto, mas chegou um momento em que eles tinham outros tipos de brincadeira. Eles podiam sair na rua, eu não podia, tinha brincadeira que eu não podia participar, mas a gente aproveitou bastante, sim. Tem uma certa idade em que realmente não eram mais compatíveis as brincadeiras, mas a gente sempre foi muito unido e a gente brincava muito. Minha avó sempre criava muitas brincadeiras para a gente. Eu lembro até hoje que a gente tinha uma… Era tipo uma cabaninha, assim, e que a gente sempre brincava de alguma coisa lá, minha avó sempre inventava alguma coisa. As vezes minha avó fazia lanche para a gente e a gente brincava que trabalhava no Mc Donald’s, sabe? (risos) Umas coisas assim, bem simples, mas que era muito divertido e que me marcou muito, ter tido a experiência de crescer junto com primos... E você perguntou da chegada do meu irmão, né?
P/1 - Isso!
R - Quando meu irmão nasceu, eu tinha doze para treze anos, então é uma certa diferença de idade. Desde pequenininha eu sempre quis ter um irmão ou irmã. Porque, assim, tinha meus primos, mas não era a mesma coisa. Eu queria ter um irmão mesmo. E aí, desde pequenininha mesmo, eu sempre pedia para os meus pais. Mas é aquela coisa, né? Eles queriam planejar certinho, então levou um tempo para eles terem o segundo filho, e ele veio planejado, mas eu já estava grande e confesso que nem queria mais tanto. (risos) Mas eu fiquei muito feliz no dia que o meu irmão nasceu. A gente tem até vídeo disso, eu chorando na maternidade. Foi um dia muito feliz mesmo. E a chegada dele foi realmente muito legal para toda a família porque eu tinha sido a última neta, sobrinha, filha desde então. Então, doze anos depois, chegou o meu irmão e toda a família ficou boba com a chegada de um novo bebezinho. Depois dele vieram mais alguns primos também, mas é isso. A chegada dele foi bem determinante e algo que marcou também o finalzinho da minha infância, porque eu também ajudava a cuidar e trocar fralda, e foi algo que fez eu ter uma aproximação muito grande dele.
P/1 - E a sua família é grande? São muitos tios? Parece que tem bastante gente.
R - Ah… Até que sim. De parte de mãe, eu tenho dois tios. Um deles é pai daqueles meus dois primos com quem eu cresci e, depois de muito tempo, tipo, mais de vinte anos depois, ele teve um novo filho com a nova companheira dele, e meu outro tio teve um bebezinho esse ano. Então a família cresceu nos últimos tempos. Mas por parte de mãe não é tão grande assim, eu tenho esses dois tios, um deles tem três filhos e o outro, só um menininho. Por parte de pai, eu tenho muitos tios, minha avó teve dez filhos. (risos) Tenho muitos primos e primas, não vou saber contar agora quantos. Alguns eu não tenho tanto contato, até mesmo porque eles estão morando em outros estados ou por conta da rotina mesmo. A gente não tem como ter contato próximo de todo mundo, né? E de outros eu sou um pouquinho mais próxima.
P/1 - Isso é por parte de pai, né?
R - É.
P/1 - E essa avó que seus primos moravam, era por parte de mãe?
R - Isso.
P/1 - E como era essa convivência com a avó? Estava todo mundo sempre na casa da avó, a família, os almoços? Como era?
R - Sim, sim. Até hoje é assim. Não tanto quanto antes, mas sempre foi assim, porque meus primos foram criados na casa da minha avó e meu tio morava lá, que era o pai deles. A minha avó e o meu avô foram tipo pai e mãe para eles mesmo, porque meu tio, quando eles nasceram, ele era muito novinho e... Enfim, foi uma criação bem com a avó mesmo, e como eu ficava lá porque meus pais trabalhavam e tudo mais, então todo mundo estava sempre lá, porque minha mãe tinha que passar lá todo dia para me pegar. Depois que meu irmão nasceu também, meu irmão também fica na casa da minha avó, então é muito comum. A gente passa lá todo dia. Aí, em datas especiais como Dia das Mães, Dia dos Pais, Natal, era sempre lá que a gente se reunia para fazer os almoços, enfim. Ultimamente eu não tenho ido tanto lá, principalmente depois que eu comecei a trabalhar, porque eu estava trabalhando e estudando, e a rotina estava pesada. Tanto que, recentemente, eu tinha ido à casa da minha avó e ela falou: “Nossa, eu estava com saudade de você, faz tempo que eu não te via!” Aí eu percebi: “Caramba, cara... Eu passei a infância inteira vindo aqui todos os dias, é muito estranho eu ter ficado tanto tempo sem ir lá, sabe?” Mas é isso. A gente era sempre muito unido lá na casa da minha avó.
P/1 - Muito legal. Você lembra de algum momento marcante na casa da avó? Alguma brincadeira, alguma travessura?
R - Ah, não sei…
P/1 - Um episódio engraçado com seus primos, que vocês aprontaram na casa da sua avó.
R - Putz, para lembrar assim… Quando você fala “alguma lembrança na casa da sua avó”, a primeira coisa que me vem em mente são algumas brigas com meus primos, alguma coisa assim. (risos) Um momento engraçado?
P/1 - Ou pode ser alguma coisa marcante da infância nessa casa da avó.
R - Ai, tenho que pensar um pouco. (risos)
P/1 - Não tem problema. Você tem alguma pergunta, Wini?
P/2 - Você contou bastante da casa da sua avó, das brincadeiras que você tinha com os seus primos. Você sabia ou tinha pretensão de ser alguma coisa quando crescesse?
R - Nossa, várias coisas. Já pensei em várias coisas. (risos) E acabei não sendo nenhuma delas, mas tudo bem. Quando eu era criança, teve uma boa parte da vida que eu queria ser veterinária. A gente tinha um cachorrinho, eu era muito apegada a ele e eu queria muito ser veterinária. Teve uma época que eu queria ser professora também. Eu lembro… Ah, eu lembro bastante, é uma coisa marcante também. Que eu tinha uma lousinha, minha avó que me deu, se não me engano. E aí eu sempre brincava que eu estava dando aula com essa lousinha. Minha avó sempre comprava giz para mim quando acabava e sempre me incentivou muito. Falando nisso, eu lembrei de uma coisa marcante para mim que aconteceu na casa da minha avó e foi por influência da minha avó, que foi quando eu aprendi a ler. Eu lembro até hoje da cena, mais ou menos, e minha avó também tem essa lembrança, então eu acho que está certo. Ela sempre comprava... Ela e meus pais sempre compravam gibis da Turma da Mônica para a gente ler e tal, e ela lia para a gente. Meus primos já eram maiores, já sabiam ler, e eu era pequenininha, tinha acho que uns quatro anos, por aí. Ela sempre lia para a gente e incentivava, dava aqueles primeiros passos, ensinava, incentivava a gente a ler... Eu lembro que uma vez eu peguei uma revistinha, estava deitada no sofá. E eu tinha muito costume de ficar olhando só as imagens, sabe? Ficar tentando entender a história... E aí, quando eu dei por mim, eu estava lendo mesmo. E a minha avó olhou e falou: “O que você está fazendo?” Aí eu falei: “Estou lendo.” Aí ela: “Não... Mentira! Então lê para mim o que está escrito.” Aí eu falei e ela ficou muito feliz e muito orgulhosa. E eu tenho essa lembrança muito viva comigo. Foi no sofá, eu lembro até o canto do sofá que estava. Foi muito legal.
P/1 - Que legal essa passagem. Você lembra como era a sua casa? Você convivia muito na casa da sua avó, mas você lembra como era a sua casa? Descreve para a gente como era.
R - Eu lembro porque eu moro lá até hoje. (risos) Mas, assim, antes de morar onde eu moro hoje, no apartamento… A gente mora em São Bernardo. Antes de ir para lá a gente, antes, morava em uma casa que era bem pertinho da casa da minha avó, era, tipo, só subindo a rua mesmo. Isso quando eu era bem pequenininha mesmo. Essa casa, ela era um sobrado, então a parte de baixo tinha sala, um banheiro, a cozinha e, lá no fundo, uma área de serviço. Subindo, tinha os quartos. Eu não lembro muito bem como eram o quarto dos meus pais. No meu quarto eu sei que eu tinha um armário branco nesse canto aqui, uma cama para cá também... Eu lembro bastante dessa casa porque ela era mal assombrada. (risos) Tipo, não sei… Quando eu era bem pequenininha, eu tinha medo de lá. Não sei se era real ou não, mas…
P/1 - Mas aconteceu alguma história?
R - Ah… Não sei se eu era uma criança muito medrosa ou se é porque eu tinha assistido alguma coisa, não sei se eu sonhei, mas eu tenho algumas lembranças de ver espíritos e essas coisas, e nessa época eu desenvolvi muito medo de dormir sozinha, muito mesmo. E eu fui perder isso muito tempo depois, depois que eu já tinha me mudado e tal. Mas, enfim, a gente morou lá por um tempo e depois a gente foi morar na casa da minha outra avó. Minha avó morava em uma casa que, no quintal, tinha vários puxadinhos, e ela alugava alguns deles. Num deles a minha tia morava, e tinha um que estava sobrando, que a gente foi para lá enquanto meus pais esperavam ficar pronto o apartamento que eles tinham comprado. Então, quando a gente morou lá, era bem pequenininho. Era um quarto e cozinha, então você entrava, tinha a cozinha, uma mesa, desse lado o banheiro e um quarto só. E aí eu dormia com os meus pais em uma caminha separada. Depois a gente se mudou e eu moro lá até hoje, faz quase vinte anos.
P/1 - Em São Bernardo?
R - Aham.
P/2 - Qual era o bairro das casas que você morou?
R - Era Jardim da Saúde, aqui em São Paulo, que é onde minha avó mora até hoje.
P/1 - Aí, quando você mudou para esse apartamento, você desenvolveu amizades lá? Como foi?
R - Ah, mais ou menos. O condomínio não tem muita coisa, mas tinha um playground, onde eu sempre descia para brincar, tinha os brinquedos e tal. Então eu acabei fazendo algumas amizades ali, de brincar no play, mas depois que a gente cresceu e parou de ir para o play, meio que se perdeu, sabe? Então não foi nenhuma amizade duradoura ou algo que tenha ficado mesmo.
P/1 - Entendi. Aí a gente queria já entrar para saber como é que foi a escola. Você foi primeiro para o prézinho? Como que foi esse primeiro dia do prézinho, você lembra?
R - Nossa… Não lembro. Antes de ir para o prézinho mesmo, eu estudava em uma escolinha, era como se fosse uma creche, mas não era bem isso. E eu não tenho muitas recordações de como era lá. Depois eu fui para o EMEI [Escola Municipal de Ensino Infantil], o prézinho mesmo, era bem pertinho da casa da minha avó e não tenho tantas lembranças do primeiro dia de aula, nem nada, mas foi tranquilo. Não tenho nenhuma memória ruim, mas também nada marcante. Ah… Eu desenvolvi algumas amizades que eu conheço até hoje, por exemplo. Uma, na verdade... (risos) É uma amiga minha que estudava lá e depois, a gente, quando foi para o ensino fundamental, a gente estava na mesma escola e a gente sempre foi muito apegada. Depois a gente acabou não estudando mais na mesma sala, eu acabei mudando de período, mas a gente manteve o contato, então essa é uma amiga que eu tenho até hoje, a Amanda.
P/1 - Desde a escolinha.
R - Aham.
P/1 - E quando você foi para o ensino fundamental, qual era a matéria que você mais gostava?
R - Sempre gostei muito de ciências. No ensino fundamental, eu gostava muito de matemática. (risos)
P/1 - Nessa época que você queria ser veterinária ou você já queria ser professora?
R - É, nessa época que eu comecei a pensar nisso.
P/1 - E teve algum professor que te marcou?
R - Sim.
P/1 - Que te despertou alguma vontade de ser alguma coisa?
R - Não que tenha me despertado vontade pela profissão dele, mas que me incentivou. No ensino fundamental, quando eu estava na quinta série, por aí, eu tive um professor de matemática. Porque, assim, eu estudei em uma escola pública que não era lá aquelas coisas, muitas situações bem chatas, falta de professores e tudo mais, e é muito difícil você se manter motivado a estudar quando você estuda em uma escola pública. Mas eu tinha esse professor que se empenhava muito, sabe? Ele realmente acreditava na gente, ele ajudava, ele gostava muito de ensinar... Embora tivesse todas as adversidades da escola pública, ele estava sempre disposto a incentivar a gente, então foi bem importante para mim ter esse professor para poder não deixar morrer a motivação. E eu tinha uma professora de português também que era bem legal e que estava sempre do meu lado, em algumas situações que não foram muito legais. Então esses professores me inspiraram quando eu estava no ensino fundamental.
P/1 - E você quer contar alguma situação dessa, alguma coisa que tenha te marcado nessa fase do ensino fundamental?
R - É… (risos)
P/1 - Se você se sentir confortável (risos).
R - As lembranças do ensino fundamental não eram tão legais assim porque é nessa idade que começa a questão de bullying e esse tipo de coisa. Eu tive a minha autoestima bem abalada quando eu estava no ensino fundamental, na verdade. Questões que já estão mais bem resolvidas para mim agora e que, como eu falei, ter o apoio desses professores quando acontecia alguma situação desse tipo foi fundamental para mim. Algo que me fez querer permanecer naquela escola, apesar de tudo.
P/1 - Muito legal, Nathalia. Wini, você tem alguma pergunta?
P/2 - Ainda não.
P/1 - Se você quiser perguntar também, Glauber.
P/3 - Beleza.
P/1 - Legal... Aí a gente passou pelo ensino fundamental, vem o ensino médio... Como foi? Você mudou de escola? O que você fez a partir daí?
R - No ensino médio eu mudei de escola porque eu não estava mais a fim de continuar ali naquela escola. É claro que meus pais não tinham condições de me matricular em uma escola particular, mas eu sabia que eu precisava de algo melhor para mim. Por causa do incentivo de alguns colegas da escola também, que muitos estavam nessa mesma vibe, eu fiz o processo seletivo para entrar em uma escola técnica. Na época, você podia fazer só o ensino médio, sem necessariamente fazer um curso técnico junto. Acho que hoje em dia não dá mais, você já entra e já faz o curso técnico. Então eu prestei para entrar no ensino médio, porque era uma escola pública mas a qualidade era muito melhor do que a escola em que eu estudava, então eu quis. Não foi algo que meus pais falaram para eu fazer nem nada. Isso partiu totalmente de mim, sabe? Então eu prestei o vestibulinho, eu estudei bastante... Eu lembro que, nessa época, esse meu professor de matemática me ajudava muito a estudar, me dava dicas. Foi muito bacana a ajuda dele nesse período. Eu lembro que eu pegava algumas provas antigas no site, fazia e sempre ia tirar alguma dúvida com ele de alguma questão de matemática, então ele me ajudou muito. E aí eu consegui passar, entrei e foi totalmente diferente para mim, porque era um ambiente muito diferente, professores muito diferentes, total. Claro que, como uma escola pública, tinha seus problemas de infraestrutura e tudo mais, mas para mim estava maravilhoso, sabe? Era muito melhor. E aí, no ensino médio, eu gosto bastante. Eu não tenho recordação ruim do ensino médio porque foi ali que eu encontrei... Ali que eu tive a oportunidade de saber o que eu queria, as matérias que eu gostava realmente, porque no ensino fundamental eu gostava de ciências e matemática mas, por exemplo, não era sempre que eu tinha aula de ciências. Eu lembro que, da quinta à oitava série, foram raras as vezes em que tinha professor para dar aula de ciências, então a gente geralmente ficava de aula vaga. Às vezes vinha um professor substituto que passava alguma atividade bem simples, e quando eu estava no ensino médio, eu tive oportunidade de ter essas matérias. Assim, foi difícil, porque como eu não tive a base do ensino fundamental, foi bem difícil eu me nivelar, mas eu contei com a ajuda dos meus colegas de turma na época e deu tudo certo. Então, assim, o ensino médio para mim foi muito bom porque foi ali que eu descobri o que eu realmente gostava, eu fiz amizades que eu carrego comigo até hoje e que são meus melhores amigos e é uma escola muito legal. A gente tinha várias atividades no intervalo, era bem bacana. Para mim foi muito bom que eu tenha ido para essa escola.
P/1 - Aí você fez só o ensino médio, você não fez o técnico.
R - É. Na época, eu até queria fazer o ensino técnico. Só que era assim: a gente entrava no ensino médio e, no final do primeiro ano, a gente fazia o vestibulinho para entrar no ensino técnico a partir do próximo ano, a partir do segundo ano. E aí eu estava meio na dúvida sobre o que eu queria fazer. Eu lembro que, na época, quando eu era criança, eu queria ser veterinária ou professora, mas depois disso mudou para, tipo: quero fazer moda. Nada a ver. Nada a ver mesmo. E aí, na escola que eu estudava, não tinha o curso técnico de moda, mas tinha um curso de design de interiores que, por algum motivo, eu achei que seria bom para eu fazer, porque eu achei que tinha alguma relação só porque era design. Mas nada a ver. Eu não passei no vestibulinho, não passei para o curso, e eu lembro que na época eu fiquei muito triste. Muito triste porque eu não tinha passado. Eu fiquei duvidando da minha capacidade, sabe? Foi muito ruim. Mas hoje eu penso: “Nossa, ainda bem que eu não fiz aquele curso, porque não tem nada a ver comigo.” Logo depois eu já desisti da ideia de fazer moda também, nada ver isso para mim. Foi bom que eu não tenha passado porque eu ia só me estressar à toa.
P/1 - Mas você sabe o que te levou a considerar moda, o que te influenciou?
R - Eu gostava muito de assistir um programa de moda na televisão, que eu não lembro o nome agora, mas era tipo um concurso de estilistas. (risos) Eu pensei: “Nossa, que legal! Deve ser muito legal trabalhar com isso!” E aí eu tinha uma amiga que também gostava e a gente ficava conversando sobre isso. Ela começou a fazer um curso mesmo, eu achava muito bacana e falei: “Nossa, é isso que eu quero fazer.” Mas nada a ver, nada a ver comigo. (risos)
P/1 - E como que foi essa passagem para a pré-adolescência e para adolescência? Que atividades você gostava de fazer? Você saía com os amigos? O que você fazia para se divertir?
R - Olha, quando eu era adolescente eu era muito… Não sei explicar. Eu não era muito de sair, sabe? Eu era mais reservada mesmo. Até por causa também da minha criação. minha mãe era um pouco exagerada no controle e na preocupação, então era difícil eu poder sair, poder voltar tarde, então não fui aquela adolescente festeira, nem nada do tipo. Eu era bem a nerdzinha mesmo, e eu gostava de ler, lia muito. Na adolescência, quando entrei no ensino médio também, eu comecei a namorar um carinha, então eu gostava de sair com ele, a gente ia ao cinema, às vezes a gente saía com os nossos amigos para ir ao shopping fazer nada. Então essas eram as atividades que eu mais fazia. E passava um tempo com a minha família também, na época.
P/1 - Legal. A gente também gosta de saber como são essas relações que a gente começa a construir na adolescência. Então foi que você teve essa amiga do ensino médio que você tem até hoje. Você construiu um grupo de amigos?
R - Aham.
P/1 - Como era esse cotidiano? Vocês estudavam juntos... E depois da escola?
R - A gente construiu um grupo de amigos que a gente tem até hoje. Nem todas as pessoas da formação original estão lá. E eram pessoas… Eu nunca tinha sentido tanta compatibilidade com as pessoas, sabe? Por isso que, para mim, foi muito importante estar ali naquela escola ao mesmo tempo que eles. Então, assim, a gente gostava de se reunir às vezes para só ficar dando risada, sabe? Às vezes no intervalo da aula ou, então, depois da escola, porque a maioria deles fazia um curso técnico depois da aula, e aí era assim: a aula terminava acho que meio-dia e pouco, mas o curso começava só às duas. Então, às vezes, a gente saía da aula e ficava lá na escola, só conversando, às jogando conversa fora, às vezes jogando Magic, ou fazendo alguma coisa assim até dar a hora de eles irem almoçar, irem para o curso. (risos) No intervalo, às vezes, quando a gente não tinha aula, ou quando a gente tinha aula de educação física — e a gente não era muito do grupo que fazia atividade física —, a gente ficava conversando e era muito engraçado, porque a gente era muito nerd e eram umas discussões muito bestas que a gente tinha. Mas era muito bom porque foi a primeira vez que eu me senti realmente parte de alguma coisa, sabe? E foi muito legal, mesmo. Assim... Era raro a gente sair juntos fora da escola, mas a gente se via todos os dias e era sempre muito bom, era a minha motivação, sabe? Chegar na aula, chegar um pouquinho mais cedo, porque eu sei que vai ter pelo menos algum deles ali sentado na escada esperando a aula começar e eu posso dar umas risadas antes da aula começar, sabe? Então era bem divertido, era bem bacana.
P/1 - Bem legal. E aí, nesse momento do ensino médio, você então já começou a decidir o que você queria estudar, né?
R - Aham.
P/1 - Como foi essa tomada de decisão?
R - Bom, no primeiro ano a gente tinha aula de biologia com uma professora que era, para mim, a melhor professora que eu já tinha tido na vida. Ainda mais porque eu tinha vindo do ensino fundamental sem ter tido tanto contato assim com essa matéria, mas eu gostava. Do pouco contato que eu tinha tido, eu sabia que eu gostava e eu queria muito ter mais. E aí, quando a gente tinha aula com essa professora, eu me sentia muito inspirada. Eu percebia que eu estava na aula e não só porque é minha obrigação, mas porque eu gostava daquilo que ela estava falando, sabe? Eu queria muito aprender cada vez mais. E o que me incentivou era que eu tinha amigos que também gostavam. Eu tinha um amigo, tenho até hoje, que também gostava muito dessa área, e ele queria ser químico. Ele realmente se formou em Química. Então ele sempre me ajudou em química, em biologia... Ele gostava muito desses assuntos, então ter alguém com quem compartilhar aquilo sem eu me sentir estranha, nerd, que gosta de ter aula de biologia... Ter uma professora que explicava bem, que tinha uma boa didática, que despertava em mim o interesse, foi muito importante para eu perceber a área em que eu queria me formar. Então, a princípio, eu queria fazer biologia mesmo, mas aí eu pensei: “Pô, biologia é legal, mas não sei se eu gosto muito da parte de bichinhos, de insetos, eu sou uma pessoa que tem fobia de insetos, real.” Então eu falei: “Acho que não vai ser bom para mim. Aí comecei a pesquisar outros cursos relacionados à área da saúde e foi aí que eu descobri que eu queria fazer biomedicina. Isso eu estava, tipo, no segundo ano do ensino médio, e eu já sabia que eu queria fazer isso.
P/1 - Então vamos retomar a entrevista, Nathalia. Você estava falando para a gente que você estava no segundo ano do ensino médio e já estava decidindo ir para a área de biológicas. E aí, como é que foi essa preparação para o vestibular?
R - Bom, já no segundo ano do ensino médio eu decidi o que eu queria fazer e no meu grupo de amigos, o pessoal também estava todo mundo se decidindo o que queria fazer, tinha um amigo que já estava decidido desde criança que ele queria fazer química, meus amigos foram espalhados para todas as áreas... Tem humanas, exatas e biológicas ali espalhado. Então estava todo mundo na mesma vibe, até porque na escola mesmo a gente tinha esse incentivo dos professores, da gente se preparar para o vestibular. E aí, então, eu tinha muita dificuldade em algumas matérias porque eu não tinha tido a base do ensino fundamental. Então naquela época eu me sentia muito mal preparada para isso, e aí eu pensei: “Eu preciso começar a estudar porque eu preciso estar no mesmo nível que as pessoas com quem eu vou competir no vestibular, e eu tenho que começar a fazer isso agora, não adianta no final do terceiro ano eu começar a me preparar, sabe?” E aí eu contei muito com a ajuda desses meus amigos porque, como eu falei, tinha gente de exatas, humanas e biológicas, então todo mundo se ajudava ali na área que gostava mais, que tinha mais conhecimento. E na época, aquele menino que eu namorava, ele me incentivava bastante também. Ele era filho de professora, então ela sempre incentivou ele e até a mim também para a gente estudar e tal, e o apoio dele foi fundamental nesse processo, porque ele me ajudava bastante, ele era da área de exatas. Ele me ajudava bastante com todas as dúvidas que eu tinha de física, a gente estudava juntos mesmo. Era tipo uma das nossas atividades de casal, estudar juntos. (risos) Foi ele que me incentivou a fazer o vestibular ali no segundo ano mesmo, só para eu sentir como era. Então eu fiz o ENEM [Exame Nacional do Ensino Médio], e aí foi bacana, a gente começou a se preparar com isso, com a ajuda dos amigos e esse meu namorado. E aí, no terceiro ano, que era o ano do vestibular, tinha uma maior pressão, mas a pressão maior vinha de mim. Meus pais nunca me pressionaram em relação a isso. Eu sempre quis fazer em universidade pública, até mesmo porque eu comecei a pesquisar e vi que eu gostava da área de biomedicina, mas eu gostava da área acadêmica. Eu não gostava tanto da área de análises clínicas, essa área do mercado de trabalho. Eu queria fazer pesquisa. Eu comecei a desenvolver uma vontade muito grande de ser cientista e eu falei: “Para isso, seria melhor se eu estudasse em uma universidade pública.” Comecei a pesquisar, me interessei pelo curso da UNIFESP [Universidade Federal de São Paulo], que foi o primeiro curso de biomedicina do Brasil, e a UNIFESP é bem renomada nessa área, e eu determinei esse objetivo, sabe? Vou passar na UNIFESP. Na época, tinha que fazer o ENEM e uma prova da UNIFESP para passar no curso. Então eu comecei a me preparar para isso. Eu comecei a ver as provas antigas e tudo mais. Meus pais sempre me incentivaram a estudar, mas eles nunca botaram pressão para que eu estudasse em uma universidade pública. E a minha mãe era muito assim: “Olha, filha, eu posso te ajudar a pagar uma universidade, você pode começar a trabalhar e você paga também, você pode conseguir uma bolsa.” E eu falei: “Não, eu quero passar na UNIFESP, eu vou passar na UNIFESP.” E eu lembro que, por um tempo, a minha mãe não concordava muito com isso, porque eu tinha que estudar muito mais do que as outras pessoas que eu conhecia, porque meus amigos da ETEC [Escola Técnica], a maioria deles tinham vindo de escola particular antes e estavam fazendo o ensino médio lá para poder fazer o curso técnico também. Então eu percebia, eu tive noção do quanto eu estava desnivelada, sabe? E aí eu tinha que estudar muito. Eu comecei a ficar meio bitolada com isso, sim, minha mãe percebeu isso. Minha mãe percebeu o quanto eu estava me estressando, porque era uma pressão que eu colocava sob mim mesma, que é o pior tipo de pressão que existe, na verdade. E aí minha mãe via que isso me fazia mal, que era muito estressante, então ela não concordava muito em eu ter que fazer o vestibular. Mas eu falei: “Não, mas eu quero.” E aí, no terceiro ano eu prestei o ENEM, prestei a prova da UNIFESP, mas eu não cheguei nem perto de passar e eu fiquei muito triste. E nessa época minha mãe falou: “Você se estressou tanto, você estudou tanto, não vai se estressar de novo.” E eu falei: “Não, mas eu vou.” (risos) E aí eu lembro que eu fiz junto com esse meu ex-namorado uma prova para entrar em um cursinho. A gente fez de vários cursinhos para a gente conseguir bolsa, porque é muito caro cursinho e eu simplesmente não ia conseguir chegar na minha mãe e falar: “Mãe, paga para mim um ano de cursinho.” Porque eu queria me dedicar um ano só estudando, sem trabalhar, para que eu pudesse me dedicar integralmente para aquilo para eu conseguir passar na UNIFESP. E aí eu não ia falar para a minha mãe pagar a mensalidade de um cursinho. Aí a gente fez algumas provas de bolsa, e a gente conseguiu uma bolsa muito boa em um cursinho muito bom daqui de São Paulo, e aí ainda teria que pagar, mas era bem menos. E aí eu tive que convencer a minha mãe e ela aceitou pagar. Meu avô ajudou ela a pagar também e eu comecei a fazer o cursinho. E foi um ano que foi tenso, bem estressante, porque eu literalmente só estudava. Eu tinha aula no cursinho à tarde, começava às duas e pouco a minha aula. Mas, tipo, desde às sete da manhã eu estava acordada estudando as matérias do dia anterior, deixava tudo em dia para que eu fosse para a aula, estudasse... Chegando eu já adiantava alguma coisa, então foi bem tenso. Mas eu consegui passar. E aí, no final do ano, eu prestei o vestibular de novo e eu passei em todas as universidades que eu prestei, incluindo a UNIFESP. Foi isso.
P/1 - Como foi esse momento que você viu que você tinha passado? Como foi esse dia?
R - Nossa, foi muito legal. Foi assim, a gente estava esperando já o resultado. No cursinho eu fiz algumas amizades também, e aí tinha uma amiga minha que também queria passar muito na UNIFESP, mas em medicina. E aí eu sabia que o resultado ia sair naquele dia, então desde a meia noite eu já estava dando F5 na página. E aí eu falei: “Ai, tá, não vai sair agora, vou dormir.” Fui dormir, acordei cedo, cedo, tipo umas seis, sete da manhã, e não tinha saído ainda o resultado. Aí eu falei: “Putz... Ah, meu, eles não vão lançar tão cedo assim.” Aí eu fui assistir série. Eu estava lá, fiquei muito distraída assistindo série. E aí, quando eu vi, chegou uma mensagem dessa minha amiga. Eu fui lá e ela falou: “Parabéns!” E eu: “Quê? Não, espera.” (risos) Aí eu já comecei a me tremer toda. Aí eu falei: “Não.” Aí já me deu uma taquicardia, eu fui olhar no site e aí eu vi o meu nome. Aí eu falei: “Meu Deus!” Foi muito surreal, parecia que não era verdade, sabe? Eu fiquei muito feliz. Na hora, eu liguei para a minha mãe. Minha mãe sabia que o resultado ia sair naquele dia, ela já até tinha me ligado para perguntar se tinha saído. Liguei para a minha mãe e só falei assim: “Mãe, saiu o resultado.” E ela: “E aí?” Aí eu comecei a chorar. E ela: “Passou! Passou!” A gente só ficou as duas chorando no telefone, e foi isso. Aí liguei para o meu pai também e foi muito bom. Eu lembro que nesse dia meus pais chegaram em casa com comida para a gente comemorar, foi muito legal mesmo, foi uma sensação muito boa de: “Putz, valeu a pena, não vou precisar me estressar mais.” Precisei, mas tudo bem. (risos)
P/1 - (risos) Legal.
P/2 - Então você passou e teve esse momento de felicidade. (risos) E como foi no curso? Foi o que você estava esperando?
R - Então, né... (risos)
P/1 - Esse primeiro dia, como foi?
R - Nossa, o primeiro… Ai gente, espera. (risos) Primeiro, foi assim: tem o primeiro dia da recepção dos calouros e tem o primeiro dia de aula. Foi muito diferente do que eu estava imaginando. A recepção dos veteranos foi muito boa, o pessoal lá é super legal, não tem nada desses trotes violentos, sabe? A gente fica muito feliz. Ficava, porque hoje eu já sou formada, mas na época a gente ficava muito feliz quando tinha calouro, eles sempre preparavam algo muito bacana. Quando eu fui veterana também, a gente se preparou com meses de antecedência para fazer uma recepção. Então, assim, foi muito legal, me senti muito acolhida mesmo. Eu cheguei para fazer a matrícula e já tinha gente me esperando. Na verdade, no dia que eu passei, já tinha gente me chamando no Facebook, me adicionando no grupo... Porque sai a lista e o pessoal começa a pesquisar. (risos) E aí foi muito legal. Cheguei lá, o pessoal já estava me esperando, já pintou minha cara, eu cheguei com a minha mãe lá e foi muito legal mesmo. Teve trote naquele dia mesmo da matrícula, com tinta e um monte de coisa. E foi muito legal essa recepção. Eu falei: “Nossa gente, não imaginava que era tão legal assim.” Aí teve uma semana de recepção depois e várias atividades durante a semana, foi muito legal mesmo. Aí teve o primeiro dia de aula, que foi o baque, assim... Sério. A primeira aula que eu tive no curso, eu lembro até hoje onde foi na faculdade, onde eu estava sentada, quem era o professor e qual era o assunto. Era uma matéria... Era Química Orgânica, um assunto que eu gostava muito no cursinho. Eu falei: “Nossa, não vejo a hora de ter essa matéria na faculdade.” Nossa... Pior coisa. Pior coisa você ter a primeira aula, porque você está naquela expectativa: “Nossa, agora vou estudar só o que eu gosto, vai ser muito legal” (risos) Nossa! E aí era uma matéria muito surreal. Gente, química orgânica não dá. E aí eu lembro que eu tive essa aula e aí eu olhava assim… Na universidade pública, a maioria dos alunos são pessoas com condições e que vieram de escolas particulares muito boas. Eu entrei pelas cotas de universidade pública. E aí, então, já tinha gente que tinha estudado isso na escola, sabe? Eu nem sabia o que era aquilo que o professor estava falando de orbitais, e eu fiquei: “Quê?” E eu olhei assim para trás, para uma amiga minha, para falar: “Nossa, que absurdo isso, né, amiga?” E ela estava tipo: “Depois eu te explico.” E eu fiquei: “Gente, como assim?” E eu falei: “Meu deus, vai ser…” Porque era assim: de segunda-feira a gente tinha química orgânica o dia inteiro. Então foi o dia inteiro daquilo.
P/1 - Na segunda-feira!
R - Eu cheguei em casa e eu chorei tanto. Eu chorei tanto, porque eu falei: “Gente, vai ser um inferno! Eu não estou preparada para isso, não era isso que eu esperava!” E eu fiquei tipo: “Meu Deus, eu vou reprovar nessa matéria, eu sou muito burra para estar nesse curso!” Chorei, gente, foi um baque. Mas passou, né? E é isso.
P/1 - E como que foi vindo? Depois você foi se encontrando? Foi gostando mais do curso?
R - Ah, sim. Tinha matérias ali no primeiro semestre que eram mais legais, outras que eram muito… A gente se perguntava: “Por que isso existe aqui?” A gente tinha matemática no curso para quê, gente? A gente tinha pré-cálculo. E eu ficava: “Mano, não.” Assim, mais para frente você descobre que é até útil, na verdade. Mas naquele momento, você fica: “Meu Deus, que horrível, por que eu escolhi vir para cá?” Mas teve matérias legais. No primeiro semestre a gente teve anatomia. Eu não gostava tanto assim das aulas práticas, mas era bem bacana, porque a gente aprendeu bastante sobre o corpo humano e era o que estava todo mundo muito ansioso. Então foi compensando. Foi muito estressante. Esse é um curso muito estressante mesmo, ainda mais que a gente estudava em período integral, então, nossa, foi assim… Em vários momentos eu fiquei repensando se era mesmo aquilo que eu queria. Mas quem nunca, né? E é isso. Mas, no geral, o saldo foi positivo, eu não me arrependo de ter feito.
P/1 - E aí você falou que era período integral, né?
R - Aham.
P/1 - Mas como você começou a trabalhar? Você começou a trabalhar na época da faculdade, ou só depois que você se formou?
R - Foi assim: nos três primeiros anos de curso, a gente tem matérias o dia inteiro, então é período integral mesmo; e no último ano, no quarto ano, a gente tinha um ano exclusivamente para o nosso TCC [Trabalho de Conclusão de Curso], e aí era mais flexível. Nosso TCC basicamente era uma iniciação científica, a gente tinha que desenvolver um projeto de pesquisa, porque o objetivo do curso é formar pesquisadores. Então a gente tinha que fazer um projeto de pesquisa, apresentar no final do ano e a gente tinha que... Enfim, só tinha algumas matérias eletivas para a gente fazer, então eu tinha mais tempo livre. O TCC consumiu bastante do meu tempo, mas eu tinha como ser mais flexível, sabe? Eu tinha uma bolsa de iniciação científica, era pouquíssimo dinheiro. Eram quatrocentos reais que a gente ganhava para fazer a pesquisa, mas era o meu início de independência financeira, que é algo que eu almejo muito, há muito tempo. Foi o ano passado isso. Eu tinha essa bolsa de iniciação científica desde o primeiro ano, porque eu já fazia iniciação científica desde então, só que no ano passado teve um… Todo ano a gente tinha que pedir a renovação da bolsa. Então a bolsa ficava vigente por um ano. Quando terminava, você tinha que mandar um relatório, tinha que mandar um novo projeto que seria analisado. Se desse tudo certo, se estivesse tudo ok, sua bolsa era renovada por mais um ano. Estava no meio do ano, faltava só mais um semestre para eu me formar, então eu precisava de só mais seis meses de bolsa. Acabou a vigência da minha bolsa, eu já tinha renovado, desde o primeiro ano eu estava renovando e sempre deu certo, mas ocorreu um corte de bolsas de iniciação científica no ano passado, então eles ficaram muito mais criteriosos. No terceiro ano eu tinha pegado uma DP [Dependência] que eu ia cumprir no quarto ano, no segundo semestre e isso foi para o meu histórico. Isso foi o motivo que eles pegaram para não aceitar a renovação da minha bolsa, porque eles estavam com uma quantidade bem menor de bolsas e não dava para atender todo mundo. Então tinha que ter algum critério de desempate. E foi isso. E eu falei: “Meu Deus, eu vou ficar sem dinheiro.” Está certo que não era tanto dinheiro assim, mas era algo que permitia eu ajudar pelo menos um pouco os meus pais, sabe? Eu estava em uma situação em que meus pais estavam se separando, então estava muito estresse. E aí eu tinha até pensado em trancar o curso, mas falei: “Não, cara, não dá, eu vou ficar sem dinheiro.” Eu estava me estressando muito com o TCC e estava pensando: “Vou fazer isso de graça agora.” Porque eu estava fazendo a iniciação científica de qualquer forma. E aí comecei a mandar uns currículos aleatórios para qualquer coisa mesmo e eu já estava mandando currículo desde o começo do ano. Não que eu tivesse a intenção de trabalhar começar a trabalhar ali, mas eu já estava pensando: “Putz, eu vou me formar e eu preciso arrumar algum emprego.” Então eu já comecei a mandar currículo porque ia ficar no banco de dados da empresa, sabe? Em alguma hora eles iam me chamar. E o timing foi muito bom, porque a minha bolsa foi cortada em julho, o último pagamento da bolsa foi no quinto dia útil de julho. Não... Foi referente a julho, então caiu em agosto. Nesse período de tempo que eu já estava sem a bolsa, eu fui chamada para uma entrevista de emprego. Falei: “Bom, eu vou. Fazer o quê?” Eu fui, era nessa área de call center e eu fui contratada. E, assim, era um trabalho de meio período. Seis horas, né? Das oito às duas e vinte. Eu já estava finalizando meu TCC, faltava só mais um semestre. Eu já tinha feito a maioria dos experimentos, faltavam algumas coisas. Eu falei: “Cara, acho que dá para eu dividir o meu tempo, vai ser muito corrido…” E realmente foi muito corrido. “Mas dá.” Então eu comecei a trabalhar meio período, no outro período eu cumpri a DP que eu precisava, consegui passar e consegui fazer todos os experimentos que eu precisava para finalizar meu TCC. Eu saía do trabalho, ia direto para a faculdade, chegava na faculdade, começava já a trabalhar e tinha dias que eu saía de lá onze horas da noite, sabe? Saía, no outro dia já acordava cedo para ir trabalhar, e fazia a mesma coisa. Cheguei a ir de sábado também para finalizar tudo. Mas deu tudo certo. Então eu comecei a trabalhar nessa época, foi no meio do ano passado, no finalzinho do meu curso.
P/1 - E você se lembra desse primeiro trabalho, como que foi o processo para entrar? O que você fez para entrar?
R - Primeiro, a gente tinha que fazer uma prova de inglês e português, bem simples, eles pediam um inglês básico mesmo. Beleza, a gente fez essa prova, fez uma prova de digitação também, tranquilo. Aí isso foi no primeiro dia. Quem passasse nessa prova ia ser chamado para ir no segundo dia fazer uma dinâmica de grupo. No mesmo dia me mandaram um e-mail falando que eu fui chamada e eu fui no dia seguinte. Nessa dinâmica de grupo, basicamente, eles apresentaram um cenário sobre coisas que iriam acontecer durante o nosso atendimento para aquele determinado produto, e a gente tinha que, em grupo, um fingindo que era o cliente, outro fingindo que era o atendente, tentar passar um posicionamento ou algo do tipo. Enfim, eu achava que eu não ia ser chamada porque eu não tinha experiência com nada. Eu falei: “Nossa, eu estudo uma área completamente diferente, não tenho experiência, eles não vão me chamar.” Mas me chamaram. (risos) Porque, basicamente, é uma área em que você não precisa ter experiência, e dependendo do cliente que você vai atender, às vezes é até bom que você não tenha experiência em atendimento, porque eles te capacitam, tem um treinamento muito específico daquele produto e uma forma de atendimento totalmente diferente do que é convencional. Eu estou falando em relação à empresa que eu trabalhei. Então às vezes é até melhor que você não tenha experiência, porque você não tem vícios de atendimento. Então eu fui chamada, foi tudo na mesma semana. A provinha foi na terça, essa dinâmica na quarta, e na sexta-feira me mandaram um email falando que eu tinha sido aprovada e que era só passar lá tal dia para ser contratada.
P/1 - E você lembra desse primeiro dia de treinamento? Você ficou muito nervosa?
R - Não, foi tranquilo. Assim, eu fiquei um pouco porque, até então, a gente não sabia qual era o produto que a gente ia atender. A gente trabalhava para uma empresa e essa empresa presta serviço de atendimento para outra empresa e a gente não sabia qual era essa outra empresa. E a gente só descobriu no dia. E era um produto… A gente trabalhava com suporte técnico, eu trabalhava com suporte técnico a smartphones e computadores dessa marca e, cara, era um produto que eu não tinha conhecimento. Eu não tenho acesso a esse tipo de produto, não sei como funciona, como que eu vou trabalhar com isso? Então eu fiquei um pouco impactada, nossa... Mas o treinamento deles foi muito bom, então a gente conseguiu, eu consegui me sair bem, eu percebi que não era tão difícil assim, e aí foi bem divertido. O trabalho em si é um pouco estressante, mas dependendo da política da empresa, eles tornam isso um pouco mais tolerável, sabe? Ser divertido e tal. O treinamento não era nada muito, assim... É bem divertido. A pessoa que te treinava era uma pessoa bem da nossa idade, era uma pessoa que sabia se comunicar com a gente, então tornou as coisas bem mais tranquilas.
P/1 - E as pessoas lá tinham mais ou menos a sua faixa de idade?
R - Aham. Mais ou menos. Algumas um pouco mais velhas, outras um pouco mais novas, mas em média, uns 24 anos, por aí.
P/1 - Descreve para a gente como que era o dia-a-dia. Você chegava, ia para o seu local…
R - Depois do treinamento, a rotina de atendimento era assim: a gente chegava, tinha que logar às oito horas da manhã, cada um tinha a sua PA, a sua mesinha com o seu computador, e a gente era dividido em equipes com um líder, um supervisor. Cada um tinha o seu lugar certinho, tinha que chegar, cada um logar com o seu usuário no computador, configurar as máquinas do seu jeito e logar no sistema às oito da manhã em ponto. E aí a gente logava e tinha uma escala que a gente precisava seguir de pausas. Então a gente fazia uma pausa de dez minutos, depois uma pausa de vinte, que era nosso almoço. A gente tinha que almoçar em vinte minutos e a gente voltava, atendia mais um pouco e tinha mais uma pausa de dez minutos. Depois voltava e ficava assim até às duas e vinte, que era quando a gente saía. Nesse meio tempo, de vez em quando, a gente tinha que fazer alguns treinamentos ou a gente tinha que ficar de pausa, orientação, para receber algum feedback do supervisor ou fazer alguma atividade fora do atendimento, mas no geral era isso: você chegava, logava, atendia, quando dava seu horário de pausa dez, você tinha que fazer pausa dez, voltar certinho, não podia estourar a pausa e era isso. (risos)
P/1 - E como você se sentia no ambiente de trabalho? Você colocaria pontos positivos e negativos dessa rotina?
R - Pontos positivos é que a empresa sempre fazia várias atividades para tornar um pouco menos estressante a rotina, um pouco menos monótona, então sempre tinha uma sexta-feira temática, alguma coisa assim, que tinha concurso de… Teve uma vez que teve concurso de drag queen, sabe? Foi muito legal. Sempre tinha alguma atividade ou alguma coisa divertida para a gente se desestressar. O pessoal lá era muito legal também, desenvolvi algumas amizades lá no trabalho e eu nunca tive problema com nenhum supervisor, nem nada do tipo. Pontos negativos... É mais relacionado à função mesmo, né? O fato de você ter pouco tempo para comer era um fato muito negativo, um ponto muito negativo, porque você se acostumar a comer em vinte minutos é algo que não é muito saudável, a gente acaba não comendo, a gente comia muito rápido, então é ruim. Se tem uma coisa que eu gosto é de comer, e você tem que… O momento de comer é para ser tranquilo, sabe? Então isso era um ponto muito negativo para mim, mas eu me acostumei. Mais relacionado à função mesmo, ter que lidar com algumas situações que, às vezes, a gente não tinha como resolver, não tinha muito controle, ter que lidar com clientes frustrados, estressados, era bem chato nessa parte.
P/1 - Então conta para a gente alguma situação de algum cliente que não foi muito legal ou um dia que pesou muito.
R - Ah, tem várias situações parecidas com clientes diferentes, que é quando você está tentando explicar… Uma coisa que me incomodava bastante, que me deixava muito chateada no atendimento era quando o cliente faltava com educação sem necessidade. Porque uma coisa é você estar frustrado porque o seu celular quebrou e o conserto é muito caro, ou alguma outra situação em que te deixe frustrado, eu entendo, porque eu sou consumidora também, mas tem coisas que se você ser mal educado com a atendente, não vai resolver o seu problema. Então é totalmente desnecessária essa falta de respeito com a pessoa que está ali para te ajudar. Porque em muitas situações, por exemplo... O que aconteceu foi um caso recente. Uma moça tinha entrado em contato, já era a segunda vez que ela ligava por causa de um problema que estava acontecendo no celular dela e eu estava tentando explicar: “Olha, a gente vai precisar fazer alguns testes para entender o que está acontecendo com o seu celular, você vai precisar fazer uma atualização de software, alguma coisa…” Enfim, eu não lembro exatamente qual era o problema dela. E aí a moça me interrompia, falava: “Eu quero que resolva meu problema, não quero que você faça teste.” E eu falei: “Moça, vamos lá...” (risos) Toda vez que eu tentava explicar para ela o procedimento: “Olha, a gente vai ter que fazer isso porque funciona dessa forma.” Ela falava: “Eu não quero saber, quero que vocês resolvam, já é a segunda vez que eu ligo.” E começou a ser muito sem educação comigo, começou a ser grossa mesmo, e aí eu tive que falar: “Fulana, é o seguinte…” (risos) “Eu estou tentando te ajudar, você não está aceitando, eu vou ter que te passar para um supervisor porque realmente você não está me dando outra opção.” Aí ela ficou um pouco exaltada porque eu ia ter que passar para um supervisor, ela falou: “Não, eu quero que você resolva agora.” Eu falei: “Olha, o seu problema exige que eu passe para um supervisor, então você vai ter que esperar um pouquinho.” Nossa, super sem educação. Eu conversei com o meu supervisor, não foi necessário passar para ele, mas ele me explicou o que eu tinha que fazer, eu voltei com ela, expliquei e aí ela: “Ai, tá bom.” E no final ela: “Ai, me desculpa por qualquer coisa.” E eu: “Está tudo bem.” (risos) Mas situações, por exemplo, em que a pessoa desliga na sua cara do nada, é muito chato. É muito chato, eu ficava muito chateada, porque você está lá tentando explicar… A menina estava frustrada porque tinha perdido acesso a uma conta de email e eu estava explicando: “Olha, você vai precisar dessas informações aqui para poder recuperar, senão qualquer um poderia ter acesso à sua conta.” Eu explicando tudo isso para ela e aí, quando ela me disse: “Mas eu não tenho essas informações.” Eu falei: “Então não vai dar por causa disso, disso e disso.” Ela falou algumas palavras e desligou. E a gente é obrigado a retornar pelo procedimento, porque a ligação caiu. E aí ela não atendia... Enfim. Aí tudo bem. Mas são situações em que você acaba pegando para o lado pessoal, sabe? “Nossa, a mulher desligou na minha cara. Nossa, que falta de respeito.” E você começa a se sentir… “Nossa, o que será que eu poderia ter feito de diferente?” E às vezes você até recebe algumas broncas do supervisor por causa disso, sabe? Porque eles sempre vão achar uma brecha para dizer: “Você não passou o posicionamento certo, você não explicou para ela direito, você falou em um tom que não deveria…” Então é algo que, quando acontece, a pessoa não pensa que tem uma pessoa ali que está trabalhando e que está sendo monitorada. O supervisor vai ver isso e, às vezes, a pessoa acaba recebendo uma bronca, um feedback, porque você não teve paciência para escutar, porque você não teve educação para falar direito com a pessoa, então são situações que eram muito rotineiras, era bem chato.
P/1 - Acontecia bastante.
R - Aham.
P/1 - E a empresa sempre deixava bem claro qual era o protocolo, como você deveria agir?
R - Ah, sim. Sim, porque a gente não seguia um script. A gente sabia o que a gente tinha que fazer, tinha os protocolos para a gente se basear, tinha uma base de conhecimento e a gente tinha que explicar aquilo do nosso jeito. Na verdade, a ideia era personalizar o atendimento para o cliente, para o tipo de comunicação do cliente, e adaptar o nosso estilo de comunicação. A questão que eu falei é que, de qualquer forma, o trabalho do supervisor é justamente te dar um feedback para que você melhore. Então, às vezes, em algumas situações, quando isso acontecia, ele tinha que arranjar alguma brecha. Não estou nem falando que isso era ruim, era maldade deles, nem nada, mas é que é realmente, o procedimento... Você tinha que sempre olhar e ter muito cuidado com o jeito que você fala, o que você fala, porque era sempre voltado para o que você poderia ter feito para evitar isso, entendeu? Então a empresa deixava claro, mas ficava meio livre a forma como a gente ia passar isso para o cliente.
P/1 - Pelo o que eu entendi, nesse momento você estava passando por muitas coisas na sua vida pessoal, né?
R - Aham.
P/1 - Como que você fazia? Você chegava em casa e separava essas situações que acabavam te abalando no trabalho da sua vida pessoal? Como que você levou isso? Você acha que afetou a sua parte pessoal também o tratamento no trabalho?
R - Ah, talvez um pouco. Mas eu tentava… Assim que eu saía do trabalho, eu tentava deixar tudo isso de lado e não levava tanto essa coisa do trabalho para a vida pessoal, eu não misturava muito, mas é claro que isso te deixa estressado, te deixa cansado emocionalmente. É normal, né? Eu só tentava não deixar isso me afetar tanto, esquecia disso, tipo… “Passou. Acabou meu expediente, o que eu vou poder fazer? Agora é focar nas outras atividades que eu tenho e é isso.”
P/1 - Entendi. Wini?
P/2 - Você viveu alguma situação marcante, fora essa que você contou para a gente?
R - É que, assim, não era todo dia que você atendia um cliente desse tipo. Era algo frequente, mas a maioria das interações eram legais, até. E eu tenho algumas situações marcantes com clientes que eram legais, tenho situações com clientes que eram um pouco… Não sei explicar. Tem uma situação que me marcou muito, que foi quando uma cliente entrou em contato e ela estava querendo reaver o acesso a uma conta de email do aparelho do filho dela, que tinha morrido. Eu lembro que eu fiquei tipo: “Gente, o que você fala para uma pessoa assim?” Você nunca está preparado para falar, dar algum tipo de posicionamento. Mas, assim, embora a mulher estivesse passando pelos problemas dela, ela falou que perdeu o filho e o marido junto — estivesse passando pelos problemas dela —, ela foi muito educada e muito gentil comigo, como muitos clientes acabam não sendo. E eles sempre falam: “Se coloca no lugar do cliente, às vezes ele está estressado porque está acontecendo um monte de coisa na vida dele.” Mas não sei, essa cliente estava passando por algo muito difícil e, mesmo assim, ela foi muito educada. Ela me tratou muito bem, como muitos clientes não têm esse tato, sabe? Foi uma situação bem marcante para mim esse dia. Foi uma situação marcante um dia que o cliente... Cara, não sei… Era uma menina que eu acho que ela estava surtada, de verdade. (risos) E eu não sabia como ajudar ela, porque ela ligou para a empresa, para o suporte técnico da empresa de smartphones, falando que estava sendo perseguida pelo governo e coisas assim. Eu fiquei: “Gente, o que você fala para esse cliente?” Tem situações que são engraçadas, tem situações que são um pouco tristes, tem situações que são muito legais, interações muito legais... Por exemplo, uma vez, uma cliente que era muito simpática... E aí era um problema que eu nem ia resolver porque eu tinha que passar para o meu supervisor, e ela… Meu, cinco minutinhos de interação que a gente teve, ela já me contou: “Ai, eu acabei de abrir uma empresa na área de bioquímica!” E eu: “Nossa, sério? Eu estou fazendo biomedicina!” E ela: “Nossa, entra em contato comigo que eu te dou um emprego!” (risos) Mas eu não podia pegar os dados pessoais dela, era contra as políticas de privacidade da empresa. Mas eu fiquei: “Gente, olha aí uma oportunidade indo embora, mas tudo bem.” (risos)
P/3 - E as amizades no trabalho?
R - Ah, eram bacanas também. Assim que a gente entrou, a gente tinha uma turma que fez o treinamento junto, então a gente ficou muito unido. Depois que acabou o treinamento, cada um foi para uma equipe, então a gente teve oportunidade de interagir com pessoas que já estavam lá a mais tempo e tudo mais. E aí eu não fiquei na mesma equipe que todas as pessoas que fizeram treinamento comigo. Eu me aproximei muito de algumas pessoas em específico. Sabe aquelas pessoas que você tem o grupinho no whatsapp para conversar e tal? Por exemplo, uma das meninas que estão nesse grupinho, ela foi demitida um pouco depois que a gente acabou o treinamento. Na verdade, teve um corte de várias pessoas lá nessa época e ela foi demitida. Mesmo assim, a gente manteve o contato. Uma outra menina pediu demissão porque foi para a área dela também. Então foram pessoas que a gente nem estava mais trabalhando juntas mas a gente ainda tinha contato. A gente ainda sai juntos, a gente conversa quase todos os dias, então foi bem bacana, consegui desenvolver algumas amizades sólidas.
P/1 - E aí, nesse momento, você estava passando pela… Você já estava se formando?
R - Aham.
P/1 - Como foi a formatura? Finalizar esse momento, passar por essa fase…
R - Nossa, foi muito bom. Primeiro, veio a apresentação do TCC, que foi o momento que realmente acabou. E foi muito gratificante, parece que um peso saiu das minhas costas. Consegui apresentar... Não consegui todos os resultados que eu queria, mas tudo bem, a ciência é assim mesmo. (risos) Aí consegui apresentar, tirei uma nota boa, os professores me avaliaram super bem. O momento da formatura em si foi muito legal. Eu lembro que foi muito corrido esse dia, porque eu estava trabalhando, foi em uma sexta-feira e eu trabalhava de segunda à sábado. Aí eu não sei por que, eu não quis trocar de horário no sábado, porque eu poderia ter entrado à tarde. Mas enfim, eu ia trabalhar no sábado cedo. Então tinha que sair da cama às cinco e meia da manhã. A minha formatura foi à noite e foi super corrido. Começava às seis, a gente tinha que chegar na faculdade às seis. Eu saí do trabalho às duas e vinte, e era super longe, era na Barra Funda e a minha faculdade ficava lá na Vila Mariana, eu tinha que correr para a casa da minha avó para me arrumar e depois ir para a faculdade. E aí eu lembro que nesse dia foi corrido, o metrô estava lerdo e eu falei: “Meu Deus.” (risos)
P/1 - Tudo acontece, né?
R - Cheguei lá na casa da minha avó, me arrumei correndo, eu tinha super planejado uma maquiagem, vi vários tutoriais, não deu para fazer do jeito que eu queria... (risos) Mas tudo bem. Me arrumei e fui para lá. E aí foi muito bom, porque eu cheguei e o pessoal da comissão, da empresa de formatura, já me recepcionou, e já me colocaram a beca, e eu fiquei: “Meu Deus, está acontecendo mesmo, finalmente.” (risos) Aí tirei várias fotos e tal. E aí foi muito legal. A cerimônia, para quem está assistindo, acho que é um pouco chata. (risos) Mas quando você está ali em cima... Nossa, é muito bom você olhar… Eu fiquei em cima, no palco, rolando a cerimônia e eu olhando para os meus pais ali, sabe? Todo mundo reunido, foi muito bom. Chorei horrores.
P/1 - E no outro dia foi trabalhar. (risos)
R - Então, eu achei que ia acabar umas dez horas. Na verdade estava previsto para acabar às nove horas e acabou umas dez, e a gente tinha combinado de comer pizza depois. E eu falei: “Ai, gente…” A gente foi, comeu pizza, cheguei em casa super tarde, tipo meia-noite, mas tudo bem, no outro dia fui trabalhar, mas estava plena, formada.
P/1 - Formada. É o que importa, né? (risos)
R - Aham. (risos)
P/1 - Bom, acho que a gente está já encaminhando para o final da entrevista. Eu queria saber, então, depois que você se formou no final do ano passado, você continuou na área do telemarketing, como foi a passagem?
R - Então, eu me formei e eu tinha o objetivo já de entrar no mestrado. Eu já sabia a área que eu queria, o orientador que eu queria, porque tudo isso eu fui pesquisando enquanto eu estava no último ano ainda. Só que, para você entrar no mestrado, você tem que fazer o processo seletivo do departamento, então eu tinha que fazer uma prova. E era uma prova difícil, eu tinha que me preparar bastante. Então, assim, eu poderia ter feito a prova no final do ano passado para já começar nesse ano, mas eu não tive tempo de me preparar para isso, foi muito corrido, então eu fiz a prova do meio do ano. Eu continuei trabalhando porque minha renda dependia disso, mas eu trabalhava e enquanto isso também estudava. Teve um período no trabalho que eu mudei de horário. Me ofereceram a escala cinco por dois, onde eu não precisava trabalhar no sábado. Era muito legal, só que para compensar que você não trabalhava no sábado, você trabalhava algumas horinhas a mais durante a semana. E era uma escala diferente, eu entrava às onze da manhã e saía às sete da noite. Como eu morava longe do trabalho, eu tinha que acordar mais cedo e eu não estava conseguindo conciliar com os meus estudos, porque eu estava estudando em casa a matéria referente à prova que eu precisava passar e não estava dando certo. Então era muito legal ter o sábado livre e poder não ter que levantar tão cedo assim, mas não estava conseguindo conciliar. Aí eu falei “não”. Aí eu voltei para o horário até mesmo porque eu mudei de setor lá, e acabei tendo que voltar para o horário convencional mesmo. No começo desse ano foi assim: eu estudava, fiz todo um planejamento de estudos, sempre fui muito organizada em relação a estudos, consegui seguir certinho o meu cronograma, aí fiz a prova no meio do ano e passei. (risos) Essa transição foi assim: eu passei na prova, acho que era começo de julho, por aí; só que a questão não é só você passar na prova. Eu poderia fazer a matrícula ali mas eu precisava de uma bolsa de mestrado. (risos) Senão eu não ia poder trabalhar, porque você não pode ter vínculo empregatício. Não dá para conciliar o mestrado com o trabalho, porque não é só estudar. Tem várias atividades que você precisa fazer e é basicamente um trabalho mesmo. Então, nesse período de tempo, eu comecei a ficar um pouco desmotivada no trabalho, porque eu pensei: eu consegui o que eu queria, mas eu ainda tinha que continuar trabalhando ali enquanto não saísse a bolsa. Foi nessa época, eu fiquei realmente um pouco de saco cheio de trabalhar com atendimento porque tinha o que eu queria ali me esperando, sabe? Mas eu ainda tinha que trabalhar aqui, porque não dava para pedir as contas sem ter certeza de que eu ia ter a bolsa, e foi bem no período que teve vários cortes de bolsa. Mas deu tudo certo. (risos)
P/1 - Então hoje você está fazendo mestrado com bolsa.
R - Aham.
P/1 - Wini, tem mais alguma pergunta?
P/2 - Durou mais ou menos quanto tempo? Que você ficou…
R - Durou um ano e um mês certinho. Eu entrei no dia treze de agosto de 2018 e saí no dia treze de setembro de 2019.
P/2 - Então, agora, você já está no mestrado... Quais seus sonhos para a vida?
R - (risos) Então, eu fiz a matrícula, agora, no dia treze, e eu não comecei ainda exatamente as atividades relacionadas ao meu projeto, acho que vai começar mais na semana que vem. As aulas, acho que só no próximo semestre, talvez. O objetivo a partir de agora, então, é justamente ingressar na área acadêmica mesmo, desenvolver meu projeto de mestrado... Provavelmente eu vou acabar entrando no doutorado logo depois, mas eu não sei. Eu estou fazendo mestrado em uma área que pode me possibilitar entrar no mercado de trabalho ou fazendo pesquisa mesmo, porque eu estou fazendo mestrado em farmacologia. Então, às vezes, pode ser que eu consiga algo na indústria farmacêutica, até mesmo trabalhando com pesquisa para a indústria farmacêutica. Então, assim, eu não consigo delimitar certinho o que vai acontecer a partir de agora, mas eu sei que, pelo menos por enquanto, é o que eu quero fazer: seguir na área acadêmica e fazer pesquisa. Se eu for partir para a área de doutorado, eu pretendo tentar fazer isso fora do Brasil, porque as oportunidades são melhores.
P/1 - E aí o sonho é o Nobel, né? (risos)
R - É, não sei. (risos) Olha, se eu aparecer no Fantástico, naquelas entrevistas, tipo “pesquisadora brasileira descobre tal coisa”, aí eu já vou ficar muito feliz. (risos) Agora, o Nobel, já não sei.
P/1 - Tem que sonhar. (risos) Tem alguma coisa que a gente não te perguntou que você queria falar sobre a sua história?
R - Não sei. Algo mais relacionado ao trabalho mesmo?
P/1 - É, pode ser, ou qualquer coisa que a gente tenha deixado de perguntar e que você acha importante.
R - Ah, não sei. Eu acho que o mais importante é mostrar que… Porque, assim, eu trabalhava com telemarketing, mas era receptivo, não era aquelas pessoas que ligavam para você oferecendo algum serviço ou alguma coisa assim, então eram os clientes que entravam em contato, a gente era do suporte técnico, então a gente estava ali para ajudar, literalmente. Então é um pouco diferente do que as pessoas costumam achar que é o telemarketing. Eu acho que era um pouquinho melhor do que o povo que trabalha com cobrança e esse tipo de coisa mas, ainda assim, os clientes eram… Alguns dos clientes, não eram todos, tratavam a gente com muita arrogância, achando que o profissional está ali porque ele não tem estudo ou ele não tem capacidade de fazer alguma outra coisa... Ou sei lá, não sei o que eles acham. Eles acham que a gente é inferior de alguma forma, mas às vezes é uma pessoa que está ali, uma pessoa que tem muito conhecimento, foi treinada pela empresa e às vezes eles acham que quando a gente passa alguma solução, a gente não sabe o que está falando, que ele sabe mais porque ele é formado. Então, acho que o principal, já que a gente está falando de profissões que não são tão valorizadas assim, é deixar as pessoas cientes que o atendente do call center é uma pessoa, é um trabalhador como outro qualquer, então ele está ali exercendo seu trabalho. Às vezes a pessoa liga para resolver um problema, era muito comum isso acontecer, a pessoa liga para resolver um problema e a gente falar: “Você vai ter que fazer tal coisa.” E às vezes essa tal coisa levava horas, levava o dia inteiro, ele teria que ligar no dia seguinte para resolver, e aí eles falavam: “Mas eu não tenho todo esse tempo, eu estou trabalhando, não sou que nem vocês que ficam aí sem fazer nada.” “Eu também estou trabalhando, senhor.” (risos) Então é isso. E, assim, achar que pode descontar todas as frustrações da empresa naquela pessoa... A não ser que você trabalhe realmente no SAC [Serviço de Atendimento ao Consumidor], para reclamações e esse tipo de coisa. A gente, ali no suporte técnico, a gente não é a parte jurídica da empresa, a gente não é o setor de reclamações. Geralmente a empresa tem alguma página de feedback para você dar essa reclamação e os clientes confundem muito as coisas. Às vezes o cliente já sabe o que ele precisa fazer, já foi passado para ele, mas ele liga de novo só para dizer: “Eu vou processar vocês.” A gente não está ali para ouvir isso. A gente, como eu falei… Toda a interação que a gente recebe é avaliada, é monitorada... Então, às vezes, se um cliente chega frustrado, nosso papel é reverter isso. Às vezes tem coisas que não estão ao nosso alcance, mas se o cliente fala isso, a gente meio que tem a obrigação de reverter, tentar reverter, pelo menos. Então, se você já sabe que você quer processar a empresa, não liga para falar isso, tá bom? (risos) Porque a gente não é do setor jurídico e o nosso supervisor pode falar que faltou alguma coisinha para a gente reverter, sabe? Então é complicado. Outra coisa também é em relação à pesquisas de satisfação que as pessoas recebem. Eu não sei se é assim em todas as empresas, acho que provavelmente sim, mas toda vez que você responde uma pesquisa de satisfação referente a algum atendimento que você teve, aquilo conta para o funcionário que te atendeu. Então isso faz parte de uma métrica para avaliar aquele funcionário especificamente. Dependendo do seu resultado, se for positivo ou não, isso pode até influenciar no seu salário, entendeu? A pesquisa de satisfação vem para perguntar sobre o atendimento, então era muito comum o cliente colocar ali todas as frustrações da empresa, e às vezes o seu atendimento foi muito bom, e ele escreve: “O atendimento da Nathalia foi ótimo, mas eu não concordo com o que foi passado aqui.” Então fica aqui o meu desabafo para pessoas que não interpretam muito bem o que é a pesquisa de satisfação, porque elas tem que enxergar que aquilo vai para o funcionário. (risos) Se você acha que ele te atendeu bem, você pode usar o site da empresa ou algum outro meio para colocar as suas frustrações com as políticas da empresa, mas em relação ao atendimento… A não ser que o atendimento tenha sido ruim mesmo, a pessoa te tratou mal... Mas se a pessoa te tratou bem e você percebeu que ela fez tudo para te ajudar, seria bacana dar uma forcinha na pesquisa de satisfação. (risos) E é isso, é enxergar o atendimento como… Você não está falando com… Sim, você está falando com um representante da empresa, mas você está falando com um funcionário, uma pessoa que está ali exercendo seu trabalho e é importante você entender que, às vezes, antes de te atender, a pessoa atendeu vinte ligações que estavam caindo a cada dez segundos. A pessoa, às vezes, está ali com fome, às vezes a pessoa está estressada porque algum cliente já falou alguma coisa, já foi grosso, então não seja essa pessoa que chega já pistola na ligação, porque a pessoa que está ali também tem seus momentos de stress. (risos) Então seria bacana o máximo possível sempre lembrar que você está falando com um ser humano ali, uma pessoa que está fazendo tudo que ela pode para te ajudar.
P/1 - E o que você achou de contar sua história hoje?
R - Ah, eu achei legal. (risos)
P/1 - Gostou?
R - Aham.
P/1 - Então, Nathalia, muito obrigada por ter vindo contar sua história para a gente, o Museu da Pessoa agradece, a gente encerra por aqui.
R - Obrigada.
P/1 - Obrigada você.Recolher