Esse texto conta sobre histórias de mulheres fortes que atuaram na conquista de seus territórios ao construir suas vidas. O primeiro é o bairro Bom Jesus, periferia urbana da capital gaúcha, popularmente conhecido como Bonja. O outro é a periferia de São Paulo. Ambos desacreditados pelo poder público tiveram suas lutas invisibilizadas, sobretudo quando eram as mulheres que lhes garantiram a existência com sua vivênca cotidiana. Nessa história trouxemos a fala e o corpo em poesia da Fatima Farias que com sua voz contribui para mostrar uma Bom Jesus mais humana, com cultura e arte. Aqui, Dona Fátima se coloca como sujeito na forma como narra, rememora e reflete as suas experiências passadas e atuais.
O Desafio da Mulher preta de Comunidade é falar de si com representatividade. Sair do anonimato da vila e do silenciamento renascer na alma de outras iguais, irmãs fazem o corpo doer em luta, mas é necessário. Desde Carolina, Conceição, Jovelina, Dandaras e outras guerreiras luto e lutamos por justiça e igualdade com versos e falas em forma de oração, confirmando através da história com a palavra viva que também somos donas desse chão.
Eu sou Fátima Farias, escritora poeta e compositora. Nasci na fronteira, e Bagé, e tive uma experiência muito triste com a questão do racismo. Cheguei em Porto Alegre no final da década de 1970 junto com minha família. A vida no interior era bem pesada e morar na capital nos passava uma ideia de mais oportunidades. Ser uma mulher moradora de periferia, como é a Bonja significa viver lutando. Aqui não estamos ilesas dos problemas das desigualdades, e como poeta eu lembro a vida da Carolina Maria, escritora também negra que assim como eu escreve o cotidiano e com essa escrita reivindica visibilidade, voz, política e bem viver. Eu me considero uma Carolina
Quando cheguei eu estava alheia ao ativismo e à minha condição de mulher negra empoderada. Minha infância no interior foi dura, aqui atualmente...
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Esse texto conta sobre histórias de mulheres fortes que atuaram na conquista de seus territórios ao construir suas vidas. O primeiro é o bairro Bom Jesus, periferia urbana da capital gaúcha, popularmente conhecido como Bonja. O outro é a periferia de São Paulo. Ambos desacreditados pelo poder público tiveram suas lutas invisibilizadas, sobretudo quando eram as mulheres que lhes garantiram a existência com sua vivênca cotidiana. Nessa história trouxemos a fala e o corpo em poesia da Fatima Farias que com sua voz contribui para mostrar uma Bom Jesus mais humana, com cultura e arte. Aqui, Dona Fátima se coloca como sujeito na forma como narra, rememora e reflete as suas experiências passadas e atuais.
O Desafio da Mulher preta de Comunidade é falar de si com representatividade. Sair do anonimato da vila e do silenciamento renascer na alma de outras iguais, irmãs fazem o corpo doer em luta, mas é necessário. Desde Carolina, Conceição, Jovelina, Dandaras e outras guerreiras luto e lutamos por justiça e igualdade com versos e falas em forma de oração, confirmando através da história com a palavra viva que também somos donas desse chão.
Eu sou Fátima Farias, escritora poeta e compositora. Nasci na fronteira, e Bagé, e tive uma experiência muito triste com a questão do racismo. Cheguei em Porto Alegre no final da década de 1970 junto com minha família. A vida no interior era bem pesada e morar na capital nos passava uma ideia de mais oportunidades. Ser uma mulher moradora de periferia, como é a Bonja significa viver lutando. Aqui não estamos ilesas dos problemas das desigualdades, e como poeta eu lembro a vida da Carolina Maria, escritora também negra que assim como eu escreve o cotidiano e com essa escrita reivindica visibilidade, voz, política e bem viver. Eu me considero uma Carolina
Quando cheguei eu estava alheia ao ativismo e à minha condição de mulher negra empoderada. Minha infância no interior foi dura, aqui atualmente a dureza é outra, vocês tem a poesia, a escola e outros meios para resistir. Vocês estão tendo referencias que eu fui ter depois de adulta. Moro na Bonja há 30 anos, e antes daqui morei em 2 bairros, tive dois filhos, e fui conhecendo a cidade. Me sinto Bonja há pouco tempo.
A correria da vida faz a gente sai da comunidade para buscar condições fora. Viver no bairro sempre foi a relação que a gente tem com as pessoas. Mesmo sendo mais humildes, as pessoas sempre foram amigáveis, e isso é uma característica da Bonja. Quem vive numa cidade com poucas possibilidades sabe que isso é importante. Quando me descobri escritora também me descobri ativista, e eu via na precariedade das ruas a força das pessoas. A pobreza nunca tirou das pessoas o sorriso no rosto ou a fé no futuro, mas ceifou muitas vidas pela desigualdade e por governos omissos.
Eu uso a minha poesia como luta e denúncia. Eu leio a comunidade e a cidade como um grande livro que precisa ser preenchido com as nossas histórias. Nós somos poesia, e precisamos escrever o nosso livro. Isso é viver. Desde que eu cheguei muita coisa aconteceu, e eu fui participando de algumas, vendo outras, mas sempre aprendendo com essa luta dos moradores. Desde quando cheguei eu vi na Bom Jesus que várias mulheres tinham essa atitude. Essa força da mulher é para mim representatividade, e dela eu me nutro para seguir em frente.
Lá na década de 1970 era horrível a convivência. Havia poucos meios de transporte, e se localizam longe do que hoje é o bairro Bom Jesus. A falta de oportunidades e a distância do centro diminuíam as expectativas das pessoas, muitas vezes acometidas pela pobreza. Não era tão diferente de Quarto de Despejo, livro escrito por Carolina Maria de Jesus. As oportunidades de emprego eram mais difíceis para as mulheres, e no livro a Carolina escreve isso.
Por isso as mulheres conquistaram esse território, e ao tornarem-se parte dele, fizeram da Bom Jesus o seu lar. A gente busca enfrentar, mesmo sabendo que pode ter dor. Eu faço isso vivendo e escrevendo. Eu me encontrei com Carolina escrevendo, e na internet tive acesso as suas escritas. Isso faz pouco tempo e acho que o racismo escondeu as coisas de mim, assim como escondeu Carolina do nosso país. Provavelmente Carolina seria uma de nossas irmãs que ajudariam a inventar a Bonja, caso aqui vivesse. Eu me considero Carolina em função das nossas aproximações como a vida, ser mulher e negra na periferia, escrever, resistir na escrita e deixar a minha marca num mundo que não visibiliza pobres, negros e mulheres.
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