Correios – 350 anos
Depoimento de Jorge Silva Araújo
Entrevistado por Rosana Miziara
São Paulo, 6/09/2013
HVC080_Jorge Silva Araújo
Realização Museu da Pessoa
Transcrito por Claudia Lucena
MW Transcrições
História de vida:
P/1 – Jorge, você pode começar falando o seu nome completo, l...Continuar leitura
Correios – 350 anos
Depoimento de Jorge Silva Araújo
Entrevistado por Rosana Miziara
São Paulo, 6/09/2013
HVC080_Jorge Silva Araújo
Realização Museu da Pessoa
Transcrito por Claudia Lucena
MW Transcrições
História de vida:
P/1 – Jorge, você pode começar falando o seu nome completo, local e data de nascimento?
R – É Jorge Silva Araújo, nascido em Ituiutaba, Minas Gerais, em 5 de maio de 1980.
P/1 – Sua família é de Ituiutaba?
R – Não, minha mãe é de Acari e meu pai de Florânia, Rio Grande do Norte.
P/1 – E o seus avós paternos?
R – Meus avós paternos, felizmente eles ainda estão vivos, meu avô com 97 anos, minha avó com 93, agora, os maternos eu não conheço porque minha mãe, de nove irmãos ela foi a única adotada, então meu avô postiço pegou ela e levou pra Ituiutaba, na época era uma cidade próspera, capital do arroz, e aí eles foram morar lá e eu nunca conheci a minha avó, nem meu avô.
P/1 – E os paternos, o que eles faziam?
R – Eles foram, na época eles foram pra Ituiutaba também pra trabalhar como lavradores.
P/1 – Eles eram lavradores lá?
R – Sim.
P/1 – Eles plantavam o quê?
R – Arroz.
P/1 – Foram por conta dessa onda de arroz lá?
R – É, começou a safra.
P/1 – Você sabe como o seu pai e a sua mãe se conheceram?
R – Foi meio arranjado, naquela época o pai conhecia o outro pai e falava: “Não, você casa com a minha filha e tal”, aí arranjaram o casamento da minha mãe com o meu pai.
P/1 – Os pais se conheciam?
R – É, meu avô por parte de pai e meu avô que criou a minha mãe.
P/1 – Você sabe um pouco a história do seu pai, como que ele viveu com seu avô, se ele trabalhava?
R – Não, meu pai até hoje trabalha, graças a Deus toda vida ele foi garrado.
P/1 – Com quantos anos ele começou a trabalhar?
R – Ah, ele deve ter começado com dez eu acho, ele era alcoólatra, aí graças a Deus ele hoje em dia, tem muitos anos já que ele não bebe nem quentão (risos).
P/1 – Mas ele trabalhava com o seu avô?
R – Não, aí ele pegou, começou a trabalhar numa cerealista no caso, que ela tratava o arroz, empacotava e vendia pro país inteiro, então ali começou a trabalhar.
P/1 – E sua mãe?
R – Minha mãe toda vida trabalhou lavando roupa pra família que tinha um poder aquisitivo maior, cuidando dos cinco irmãos, sempre foi, ficou em casa, mas trabalhando.
P/1 – Aí eles casaram e continuaram morando em Ituiutaba?
R – Continuaram morando em Ituiutaba, tem até história da minha mãe, que diz ela, quando ela era pequena ela tinha que pular a janela da casa do vizinho pra limpar a casa pra ganhar três bolachas, era puxado (risos), na época, hoje em dia a vida melhorou demais.
P/1 – E aí os seus pais casaram, foram morar em Ituiutaba.
R – É, eles já moravam em Ituiutaba já, aí casaram, continuaram morando lá, aí tinha uma casinha no fundo, assim, da cerealista, e aí eles cederam essa casa pra ele e a gente morou lá muitos anos, até que fechou a cerealista, tudo, aí nós tivemos que mudar.
P/1 – Quantos anos você morou nessa casa?
R – Ah, uns 15 anos.
P/1 – E o seu pai e sua mãe tiveram quantos filhos?
R – Cinco.
P/1 – Você é qual, o primeiro, o segundo?
R – E sou o caçula.
P/1 – Você é o caçula.
R – Graças a Deus eles não pensaram em ter uma produção (risos) mais controlada.
P/1 – Como é que era essa casa da sua infância?
R – Olha, era bem pequena, eu lembro que tinha, e até hoje tem, era cheio de pé de manga, então na época de manga você perdia as contas do tanto de gente que ia lá pedir manga, e minha mãe falava: “Não, pode subir no pé, pode apanhar à vontade”, toda vida foi assim, uma casa pequena, mas com amor de sobra (risos).
P/1 – Que bairro que era em Ituiutaba?
R – Não, no centro lá da cidade.
P/1 – No centro, como é que era naquela época o centro?
R – Na época, quando eu nasci já era um pouco mais movimentado, então a gente quase não saía na rua por causa do perigo, tal, mas, assim, já era, não era cidade grande, mas já era algum, tinha um tamanho razoável.
P/1 – Você lembra das suas brincadeiras de infância?
R – Eu lembro que, como a gente não tinha muito dinheiro pra comprar brinquedo, essas coisa, eu pegava aquelas manguinha verde, espetava quatro palitinho de fósforo, aí criava o meu rebanho (risos), ia brincar de fazendinha, como se as manga fosse as vaquinhas. Aí eu lembro que minha mãe trabalhava o ano inteiro pra no final do ano me dar um presente no natal, todo ano ela dava.
P/1 – Você brincava com os seus irmãos?
R – Eu brinquei muito pouco, tem um irmão meu que mora em Goiás hoje em dia, eu brinquei mais com ele, mas ele sempre colocava eu como o ratinho de laboratório dele (risos), ele inventava umas coisas lá e colocava eu pra andar nesses brinquedos, quando eu via eu estava no chão (risos), mas era gostoso demais.
P/1 – Vocês tiveram alguma educação religiosa?
R – Não, minha mãe sempre levou a gente na igreja, nós somos todos católicos, eu gosto muito de ler livro espírita, mas ela sempre levou a gente na igreja, todo domingo.
P/1 – E política, você discutia na sua casa?
R – Não, política a gente nunca discutiu, só discutia quando algum candidato ia lá levar alguma coisa, ela falava: “Nossa, o quanto que ele é bom”, mas não sabia da intenção.
P/1 – Com quantos anos você entrou na escola?
R – Cinco anos.
P/1 – Era perto da sua casa?
R – Era perto.
P/1 – Como que vocês iam?
R – Não, ia a pé mesmo, que era só atravessar a praça, aí andava mais um quarteirão já estava na escola, era rapidinho.
P/1 – Você gostava de ir na escola?
R – Eu sempre fui muito estudioso no primeiro grau, eu gostava muito de ir pra escola, no segundo grau eu gostava de ir pra escola não pra estudar, mas pra ficar conversando, e aí hoje em dia a gente consegue (risos), reconhece o tempo que a gente perdeu.
P/1 – No primário, assim, no primeiro grau tem alguma professora que tenha te marcado, que você lembra dela?
R – Não, todas, graças a Deus, se hoje eu sou quem eu sou é porque eu tive uma família excelente e professores excelentes.
P/1 – Que professoras, assim, você lembra?
R – Ah, da Dona Marlene, da Zulmira, da Márcia, do Laércio, a Marlene foi a principal porque ela é mãe de um amigo meu e foi a minha primeira professora, assim, que eu tenho mais lembrança, ah, eu tive professor demais.
P/1 – Você gostava o que, de estudar o que, quais as matérias que você mais gostava?
R – Eu sempre gostei de História e Geografia, às vezes Biologia, Matemática nunca e Português também gostava, é essencial a Matemática, mas eu nunca fui chegado (risos).
P/1 – Você tinha, assim, alguma coisa: “Ah, quando eu crescer eu quero ser tal coisa?”, você tinha alguma?
R – Eu sempre sonhei em ser presidente (risos), mas...
P/1 – É mesmo?
R – É, a gente via tanta coisa errada em política que você acaba descrençando, então eu estava conversando ali mais cedo, hoje eu me encontrei como cidadão, como ser humano, porque as coisas que eu faço eu não preciso ter dinheiro pra conseguir e eu sempre estou tentando envolver a sociedade pra um bem comum. Então eu acho que eu estou satisfeito.
P/1 – Não, mas você tinha assim, quando você era pequeno você queria ser presidente?
R – É, eu pensava: “Eu quero ser presidente pra fazer esse país crescer”, esse tipo de coisa.
P/1 – Você tinha esse desejo, mas ao mesmo tempo você estava lá na escola.
R – É, pensando no meu primeiro grau eu vi o Collor ser deposto, tal, aí a gente vai tentando entender o que acontece dentro da política e quando você descobre, que as coisas funcionam você vem decepcionado.
P/1 – Depois o ginásio, você terminou o ginásio...
R – É, terminei o ginásio, aí...
P/1 – Quais eram os seus programas, o que você fazia, você ajudava em casa, como é que era a sua vida?
R – Bom, eu falo pra todo mundo, você quer ter um bom filho, quer ter um bom cidadão dentro de casa, coloca ele no escoteiro, eu fui escoteiro dez anos, então ali a gente aprende lição de civilidade, você ajudar o próximo, você está conectado ao ambiente que você vive. Então a partir dali eu fui crescendo e fazendo essa, ajudando mais, o que eu podia.
P/1 – Mas você ajudava em casa?
R – Ajudava em casa assim, minha mãe sempre falava pra eu estudar, então eu sempre fiquei mais por conta de estudar do que ficar ajudando ela em casa, ficar.
P/1 – Quando você foi ficando adolescente, quais eram os seus programas, você saía com seus amigos, ia em festa?
R – Já mexi com fazer festa, já, queria, uma vez eu estava com um projeto de fazer uma expedição e percorrer o litoral a pé, mas não deu certo, mas, enfim, sempre gostei, eu não sou ligado a coisas materiais, meu único desejo é viajar. O que eu gosto de fazer é viajar, então eu sempre quis sair pelo mundo andando aí, mas ainda não consegui, não, agora está bem difícil também.
P/1 – Mas aí quais eram os seus programas de adolescente?
R – Não, era festa, era acampamento que a gente, eu já era adolescente, eu estava no escoteiro ainda, então a gente acampava muito, descia rio de bóia, uma coisa assim, mais natural, não era virtual igual é hoje em dia, era mais dinâmico.
P/1 – Você ia em bailinho, essas coisas tinha na sua época?
R – Não, na minha época não, mais era em boate, boate, festa agropecuária, carnaval, eu ia bastante.
P/1 – Como é que eram os carnavais lá em Ituiutaba?
R – Na época, quando eu comecei a ir em carnaval eu ia mais na região porque em Ituiutaba não tinha um carnaval bom igual tem hoje em dia, que é conhecido nacionalmente. Então eu sempre ia nas cidades que era perto de Ituiutaba, mas era carnaval de rua normal, não tinha droga, droga, droga você não via assim, às vezes o povo usava, era mais reservado, não é igual hoje em dia, mas era bom demais.
P/1 – Na sua infância o seu pai era alcoólatra?
R – Era.
P/1 – Como que era a convivência com ele?
R – Graças a Deus meu pai nunca foi de fazer maldade com a gente, ele sempre foi sossegado, chegava, era bom, assim, era bom em parte, ele sempre chegava animado e aí abraçava todo mundo, aí minha mãe mandava eu dormir, ele ficava, na orelha dela, aí ela colocava ele pra deitar e era assim, não era, ele não maltratava a gente, não, sempre foi bem na dele, assim.
P/1 – O que ele fazia naquela época?
R – Na época ele era misturador de arroz, na cerealista lá tinha aqueles tanques de não sei quantos mil litros, e despejava o arroz, aí ele ia mexer aquele arroz pra limpar e pra ir soltando as cascas, pra depois por pra torrar e sucessivamente o processo de produção.
P/1 – Ele perdia trabalho por causa da bebida?
R – Nunca faltou no trabalho (risos), ele ia bêbado, mas não faltava, porque lá eles sempre, eles têm uns fornos lá, então eles compravam material pra queimar, jogar dentro do forno pra queimar, da produção do arroz, então tinha um monte de caroço de algodão. Aí estava frio demais, aí ele diz que o povo estava procurando ele na indústria lá: “Cadê o Vicente, cadê o Vicente?”, aí viram aquele monte de caroço de algodão, só viu os dois pés dele fora (risos), ele fez um buraco, entrou lá dentro pra se esconder do frio (risos). Assim, mas ele, uma vez ele sofreu um acidente feio indo trabalhar, ele ia de bicicleta todo dia, era chuva, era sol, aí a bicicleta eu acho que quebrou o garfo da bicicleta, ele capotou, mas machucou todo, mas graças a Deus está...
P/1 – E a sua mãe lavava roupa pra fora?
R – Isso, era pra três famílias, depois foi pra duas, depois pra uma e aí o pessoal...
P/1 – Você ajudava ela a entregar, ajudava em alguma coisa?
R – Não, o pessoal ia lá buscar, aí às vezes ela pedia pra pegar e levar no carro,aí fazia aquela trouxa de roupa e levava lá pro carro, era isso.
P/1 – Qual foi a sua primeira paixão?
R – Olha, a minha primeira paixão, que eu nem lembro, acho que não era pra ser (risos), mas eu lembro, eu namorei uma menina no escoteiro, até hoje em dia nós somos amigos, era Patrícia, aí teve a Juliana, aí depois foi a Laura, mas, assim, era aquela coisa que não sabia, se aparecer alguém mais forte pra ficar com a gente, hoje em dia graças a Deus a minha esposa, que eu descobri o que que é o amor (risos).
P/1 – Aí com quantos anos você começou a trabalhar?
R – Comecei com 15.
P/1 – Qual foi seu primeiro trabalho?
R – Minha irmã casou, e aí meu cunhado tinha uma relojoaria, então eu ia cobrar notinha pra ele, era cobrador, aí depois passei a trabalhar no escritório, aí conheci minha esposa, falei: “Não, eu tenho que casar com essa menina”.
P/1 – Não, com 15 anos?
R – Não, não, não, eu falo assim...
P/1 – Então vamos lá, com 15 anos você entrou na relojoaria?
R – É.
P/1 – Você fazia o quê?
R – Cobrava notinha.
P/1 – O que é cobrar notinha?
R – Por exemplo, a pessoa ia lá, antigamente não tinha cartão de crédito, aí chegava lá: “Não, tem, você me vende fiado, tal”, aí vendia, ele fazia a notinha lá no nome tal, aí colocava o nome da pessoa, endereço, o valor e pedia pra pessoa assinar, 30 dias depois você pegava aquela nota no caso, ia lá na casa da pessoa cobrar ela, falava: “Ó, venceu, tal”.
P/1 – Quanto tempo você ficou lá?
R – Eu devo ter ficado uns dois anos lá, aí até que eu saí, um amigo meu do escoteiro, eu falei escritório, mas um amigo meu do escoteiro me chamou pra trabalhar com ele aqui numa revendedora de computador.
P/1 – Você fazia o que lá?
R – Cobrava notinha (risos), aí ele pegava no meu pé: “Não, vamos aprender mexer com computador pra você fazer manutenção, tal”, aí eu falava: “Rapaz, não gosto desse trem, minha praia é outra, eu não gosto”, aí foi que eu fiquei lá uns quatro anos trabalhando.
P/1 – Só fazendo notinha?
R – É, cobrando notinha.
P/1 – Não aprendeu a mexer no computador?
R – Aprendi, mas depois que seguir, tem que ficar mexendo direto, não é comigo, não.
P/1 – E aí, mas você não tinha um projeto que era fazer faculdade, que era...?
R – Não, na época o pai da minha sobrinha, ele é tenente do Exército, então eu estudava, todo ano eu estudava pra prestar o concurso pra entrar no Exército, só que era difícil demais a prova, nunca passei, fiquei enrolado uns seis anos ou sete, todo ano fazendo prova e não passava. Aí quando eu vi o tempo passou, eu falei: “Não, agora eu tenho que fazer uma faculdade, já que não deu certo, aí eu pensei: “E o presidente, hein?”, eu falei: “Ah, deixa pra lá” (risos), deixa eu cuidar de mim.
P/1 – Você queria ser presidente?
R – Eu queria, agora não quero mais, não.
P/1 – Você continuava com essa ideia?
R – Agora não quero mais, não (risos). Aí fui trabalhar no escritório cobrando notinha (risos), só que não era mais notinha, já era honorário, eu falei: “Ó, agora não cobro notinha mais, não, estou cobrando honorário”. Aí o patrão fazia lá o serviço dele e me colocava pra cobrar os honorários dele lá, aí eu ia, até que um amigo meu tinha passado no concurso dos Correios, aí ele fazia leitura de energia, o pessoal que vai nas residências com o medidor, aí olha lá qual foi o consumo, tal, imprime a conta. Aí ele pegou e me perguntou: “Você quer entrar no meu lugar pra fazer leitura?”, eu falei: “Ah, vou, que aí eu posso casar”, aí entrei.
P/1 – O salário era melhor?
R – É, aí casei, eu cheguei na patroa lá na época, ela falou: “Não, mas por que você quer trabalhar com a gente e tal?”, “Ah, eu quero casar” (risos), ela falou: “Então está bom”. Aí comecei a trabalhar, quatro anos depois eu pensei em prestar o concurso dos Correios, aí eu prestei, passei, e todo ano eu prestava concurso pra polícia, como o Exército não tinha dado certo, aí eu tentei entrar na polícia, aí também não deu certo, não.
P/1 – Por que você quis prestar pros Correios?
R – Por causa da estabilidade, eu pensei, tem um salário bom, é garantido, então dá pra eu tocar minha casa.
P/1 – Mas pra carteiro você prestou?
R – É, eu prestei pra carteiro.
P/1 – Mas você tinha essa ideia de querer ser carteiro ou você não pensava nisso, você pensava no salário?
R – Eu pensava mais no salário, aí agora está mais com o pé no chão.
P/1 – Aí você desistiu de fazer faculdade?
R – Não, aí continuei, aí entrei na faculdade, me formei em Marketing.
P/1 – Você entrou, por que você prestou Marketing, por que você escolheu Marketing?
R – Na verdade eu nem sei, mas é porque eu pensei assim: “Ah, Marketing deve ser legal”, que trabalha com, você expor os produtos do pessoal, tal, você tem muito, você conversa com muita gente, eu falei: “Ah, eu gosto de conversar muito, aí eu vou fazer Marketing”.
P/1 – Você tinha alguma, antes você tinha algum contato com os Correios, seus parentes escreviam carta, tinha algum carteiro que você conhecia?
R – Eu lembro, não, eu lembro, uma vez eu, tem uma história dos Correios, eu sou sãopaulino e eu peguei, escrevi uma carta pro São Paulo, aí todo mundo da rua lá falou: “Não, pra que que você vai escrever pra esse time aí”, eu falo: “Mas eu torço pra eles”, aí eles: “Não, ele nem vai ver essa carta sua não”. A sorte que com uns 15 dias eles responderam, aí mandaram cartaz, mandou álbum, mandou autógrafo e aí o carteiro pegou e foi entregar lá na minha casa, aí eu acho que ele era sãopaulino também. Aí ele foi deixar o envelope e perguntou pra um colega meu, falou: “Ele joga lá no São Paulo?”, aí meu colega falou: “Não, acho que não” (risos), aí, assim, é uma lembrança boa que eu tenho dos Correios.
P/1 – O que você escreveu na carta?
R – Que eu era fã dos jogadores que estavam lá, que eu gostava muito, ficava de madrugada assistindo jogo, na época o São Paulo jogava no Japão, ficava de madrugada acordado esperando começar o jogo, esse tipo de coisa, eu me doava pro time.
P/1 – E aí você prestou concurso pro Correios.
R – É, eu prestei.
P/1 – Que ano que foi?
R – Olha, foi em 2006, acho que 2006 mesmo, prestei, foi de primeira, no dia eu estava bem ruim da cabeça, que antes de chegar na cidade, porque sempre o polo de provas era Uberlândia, e antes de Uberlândia o ônibus parou num posto, aí nós descemos lá, eu fui tomar café, cheguei lá tinha uns companheiros lá tomando cerveja (risos), aí nós tomou umas quatro cerveja. Eu cheguei lá pra fazer a prova eu estava ruinzinho da cabeça e fiz e passei (risos) de primeira assim, aí deu certo.
P/1 – E aí como foi seu primeiro dia de trabalho?
R – Ufa, quando saiu a vaga pra mim, saiu a vaga lá em Canápolis, que Canápolis é uma cidade a cento e 50 quilômetros de Ituiutaba, aí fui pra Canápolis.
P/1 – Ficou morando lá?
R – Fiquei morando, fiquei quatro meses morando lá, até que saiu a transferência pra Ituiutaba, e aí o primeiro dia, eu vou te falar um negócio, eu não estava acostumado com aquilo ali, você pensa: “Isso não é pra mim, não”. Aí eu pensei: “Ah, vamos ver, quanto tempo que eu agüento”, até hoje estou agüentando.
P/1 – Por que você achava que não era pra você?
R – Nossa senhora, você pega aquela bicicleta ali com aquele trem cheio de papel pra você entregar, você fala assim: “Eu vou pedalar até que horas isso aqui, gente? Não é possível”. E é subida, é descida, é cachorro, e aí você fala: “Não estou agüentando mais, não”, no primeiro dia as pernas dá uma doída boa.
P/1 – Tem alguma história que tenha te marcado nesse período que você ficou em, nessa cidade como carteiro?
R – Não, em Canápolis, assim, marcou muito foi a despedida lá, porque o gestor lá era, nós pegamos amizade muito grande, assim, e aí no dia que ele, que eu fui embora, pô, acho que faltou a cidade parar pra despedir. Toda hora um chegava, porque lá é pequeno, então todo mundo conhece todo mundo, aí fala: “Nó, você vai embora, por quê?”, tal, eu falava: “Eu tenho que ir, minha casa está lá, a minha esposa”, e aí vim embora.
P/1 – Aí você já tinha casado?
R – Já, já estava casado já, já tinha uns cinco anos, não quatro anos de casado.
P/1 – Onde você conheceu a sua esposa?
R – Na festa, estava lá no show do Jota Quest no parque de exposição lá, aí eu fazia Contabilidade e conhecia uma amiga dela e aí eu conheci a amiga dela, a gente ensaiando pra festa junina da escola, e aí lá eu topei com a amiga dela na exposição, a amiga dela me apresentou ela. Falou: “Ó, essa aqui é minha amiga Graziele”, tudo, aí, bom, assistimos o show, acabou o show, começou as barraquinhas lá a tocar forró, ela chegou em mim, falou: “Você quer dançar?”, eu falei: “Não, vou dançar agora não porque, está quase acabando a música”, aí bom. Aí acabou a música e começou a tocar outra: “Ah, vou chamar ela pra dançar”, aí cheguei e falei: “Vamos dançar?”, “Não, agora não quero dançar, não”, (risos) eu falei: “Não, vamos, está no começo da música”, tal, aí dançamos, aí depois dançamos de novo e de novo, eu falei: “Não, e aí? (risos) Como é que vai ficar, você vai embora, tal”, aí aconteceu (risos).
P/1 – Aí vocês casaram?
R – Casamos.
P/1 – Aí você saiu dessa cidade e voltou pra Ituiutaba?
R – Isso.
P/1 – Pra trabalhar, e aí?
R – Enquanto eu estava em Canápolis, morando lá, ela ficou em Ituiutaba, na casa da mãe dela, e a nossa casa ficou lá vazia, aí eu vinha final de semana, ela ia lá pra casa, aí na segunda-feira eu voltava pra Canápolis, ela voltava pra mãe dela. Aí quando eu voltei pra Ituiutaba eu já estava louco pra ir embora pra Ituiutaba, falando: “Não, aqui é difícil demais, está longe de casa”, eles: “Não, vem que vai sair uma vaga”. Aí uma menina foi embora pra Recife, aí eu fui pra Ituiutaba, eu achava que lá Canápolis era difícil, (risos) quando eu comecei lá Ituiutaba eu falei: “Agora, eu peço as contas mesmo, não quero”, é o dobro, anda muito mais, trabalha muito mais.
P/1 – Tem alguma história marcante, alguma pessoa, carta, alguma coisa que você entregou que tenha algum acontecimento?
R – Assim, a nossa rotina é levar notícia boa e notícia ruim pros outros, então você acaba se afeiçoando a algumas pessoas, que todo dia você vai lá, igual tem muita casa, eu chego lá as senhorinhas lá já estão com café pronto, fala: “Ó, vamos tomar café”, aí senta, toma um cafezinho, não que eu tenha tempo pra fazer isso, mas acaba, assim, uns cinco minutos você perde. Então você humaniza o nosso trabalho porque você dá atenção para aquelas pessoas que às vezes não tem e você pega pra conversar com uma pessoa daquela lá, você acaba como se fazendo parte da família. E aí uma vez uma senhora lá que todo dia eu passava lá e tomava café lá, o esposo dela morreu e aí o que é que ela fez? Ela falou assim, falou pras filhas dela, não queria falar com ninguém, não, ela falou: “Não, avisa o Jorge pra ele vir aqui”, então ela não queria falar com ninguém, queria falar comigo, então eu fui lá, tal, conversei com ela. Mas tem caso às vezes do filho que não liga pra mãe, aí a mãe está lá esperando, aí o filho manda uma carta, coisa rara hoje em dia, mas ele manda e ela recebe, mas ela fica numa felicidade danada.
P/1 – E eles te contam o que está escrito nas cartas?
R – Não, às vezes, alguns, tem muita gente que não sabe o que chega pra eles, aí eles perguntam assim: “Não, mas o que que é?”, aí a gente fala: “Não, o senhor abre porque a correspondência é sua, aí se o senhor quiser eu olho o que que é e te falo”. Aí às vezes eles abrem, olham, aí eu olho, falo: “Ó, aqui é notícia boa, às vezes é uma aposentadoria que deu certo, às vezes é uma habilitação, aí tem vezes que é carta, aí tem muitos que não sabem ler, aí eu leio rapidinho, por causa do tempo, aí leio, eles ficam satisfeitos demais, fala: “Ó, rapaz, estou bem, tal”.
P/1 – Conta uma carta que você lembra que você leu.
R – Uma carta que eu li, não foi nem carta, foi um cartão postal, uma neta parece que estava em São Francisco, aí mandou, falou: “Olha, vô, está tudo bem, fique com Deus e daqui a uns dias eu estou aí de volta”, mas ele ficou, achou bom demais (risos), falou: “Ó, lembrou de mim”, é isso.
P/1 – Quando que surgiu a ideia de você fazer o diário?
R – O diário no caso são as cartas, eu sempre ia num asilo, assim, não direto, eu ia uma vez, umas três vezes por ano, eu passava lá.
P/1 – Passava a trabalho ou passeio?
R – Não, estava de folga, eu falava: “Não, vou lá ver, se eles tão precisando de alguma coisa, e sempre eu via ali, tal, aquele pessoal jogado, de certa, são muito bem tratados, porém a ausência da família é pior. Aí eu pensei: “Não dá pra eu ficar vindo aqui direto, não, vou fazer alguma coisa pra dar atenção a eles” e eu sempre notei que a primeira coisa que a gente faz quando chega em casa é chegar na caixinha dos Correios e abrir, ver o que que tem. Eu falei: “Hoje em dia a gente não escreve carta pra ninguém, o povo reclama que a gente só entrega conta”, eu falei: “Vou escrever carta pra eles, mesmo eu não estando lá pelo menos eles vão estar recebendo atenção”. E aí comecei a escrever, e aí todo dia que a gente está trabalhando acontece alguma coisa e aí eu chego em casa, trabalho, aí chego em casa, aí não é todo dia que eu escrevo, não, mas às vezes, muitas vezes eu escrevo, final de semana eu escrevo quatro, cinco cartas, já deixo pronto pro próximo mês, no começo do mês eu deixo.
P/1 – Como que você teve essa ideia?
R – Pois é, aí eu pensei: “O que eu vou escrever nessas cartas?”, falei: “Ah, o meu dia a dia”, antigamente aquelas meninas, tinha as meninas de antigamente, tinha aquele diário, então todo dia elas escreviam, eu falei: “Ah, eu vou fazer tipo um diário”. Aí colocava lá: “Senhor tal, hoje o cachorro correu atrás de mim”, às vezes choveu demais, tinha muita carta, enrolei no serviço, aí passa, aí fazia o diário, já deixava uma carta pronta. Eu pensei: “Como que eu vou conseguir mais histórias pra contar pra eles?”, porque vai aumentando, o número de idosos que está lá, aí comecei a fazer as visitas no hospital, são três hospitais lá em Ituiutaba, aí eu visito dois, no sábado em vou em um, no São José, e no domingo Nossa Senhora da Abadia. Partindo disso, quando, toda vez que eu chegava lá, eu levo um desenho impresso e aí eu chego no quarto e vejo que tem uma criança lá, eu falo: “Ó, tudo bem? O tio veio aqui colorir com você, tal, o que você quer colorir”, ele escolhe um desenho e aí ele vai colorindo. No que ele vai colorindo eu pergunto pra mãe ou pro pai, falo: “Como é que vai com ele?”, aí eles vão contar a história, a partir disso eu tenho uma história pronta pra contar pra um idoso que está lá.
P/1 – Sobre o que aconteceu com a criança?
R – É.
P/1 – Aí você pega a história dessas crianças que você visita no hospital e escreve uma história pro idoso do asilo?
R – Justo.
P/1 – Quantas cartas você escreve por mês?
R – Eram 33, agora são 39 porque aumentou o pessoal.
P/1 – Todo mês você escreve?
R – Trinta e nove cartas.
P/1 – Você visita 39 pacientes?
R – Não, assim, às vezes até menos, mas, assim, eu, tudo o que acontece comigo naquele dia eu ponho, então acaba dando certo de ter as 39 cartas prontas, porque às vezes, como eu vou só no sábado, às vezes tem três meninos internados ou quatro.
P/1 – Como é que você, quantas cartas você começou escrevendo no começo?
R – Não, 33 mesmo.
P/1 – Logo de cara?
R – De cara.
P/1 – Como é que foi a reação a primeira vez que você escreveu?
R – Não, assim, eu não estava lá presente, no dia que eles começaram a receber, mas eu fui lá antes, cheguei lá e contei pra diretora, falei: “Olha, eu estou com intenção de escrever pra eles”, ela falou: “Não, que bom, boa ideia, escreve mesmo porque eles ficam sozinho aqui”, eu falei: “Não, então você me dá a relação de todos que estão aí”. Aí a partir disso eu falei: “Eu vou ter que escrever 33 cartas, será que eu vou dar conta?”, falei: “Ah, vou tentar”, aí comecei escrevendo, aí tinha dias que eu escrevia duas, tinha dia que eu escrevia três, no final de semana tinha mais por causa dos hospitais. Aí foi indo, que a coisa tomou uma dimensão, que tem outro lar que tem mais 55 idosos, querem que eu escreva pra eles (risos), aí eu fiz as contas, falei: “Cinquenta e cinco mais 39, dá 89, não, peraí, dá noventa e poucas cartas”.
P/1 – Noventa e quatro.
R – Noventa e quatro cartas por mês, será que eu vou dar conta? Aí eu não comecei ainda, não, pra esse lar, só que eu estou mobilizando o pessoal lá dos Correios, meus colegas de trabalho, pra cada um adotar, por exemplo, quatro nomes ou cinco nomes, que eles escrevem, todo mês escreve quatro, cinco cartas cada um, aí dá 55, eu levo lá pro outro lar.
P/1 – E eles respondem?
R – Até hoje eles responderam só no programa, que eu tive lá, aí eles mandaram uma carta muito legal.
P/1 – Que programa?
R – Da Fátima Bernardes, foi muito legal.
P/1 – Mas eles te conhecem, eles sabem que é você que escreve?
R – Ah, agora eu chego lá, eles: “Oi, Jorge, tudo bem?”.
P/1 – Mas antes do programa da Fátima Bernardes eles não sabiam?
R – Não, eles sabiam, eles não sabiam como eu era, mas sabiam que era eu, que trabalhava nos Correios e, assim, a minha fisionomia eles não conheciam, não.
P/1 – Como é que você foi parar no programa da Fátima?
R – É um vizinho meu que ele me passou a perna, me contou uma história e era mentira e a história foi a outra.
P/1 – Como que foi?
R – Ele é repórter da emissora regional lá, TV Integração, o Marcelo Honorato, e aí um belo dia eu estou indo lá com as cartas na mão e ele pegou e foi buscar pão, como ele mora na rua debaixo de casa, ele foi buscar pão na mercearia lá perto, aí ele topou comigo, falou: “Ó, o que você está fazendo agora, já vai trabalhar?”, aí eu falei: “Não, eu vou só deixar essas cartas ali no asilo, tal”, ele falou: “Mas como assim?”, aí eu contei a história pra ele. Ele falou pra mim: “Ó, não conta pra ninguém essa história, deixa eu fazer uma matéria com você”, só que acontece, chega lá no programa, ele contou que um gari estava varrendo a porta da casa dele e ele estava saindo, aí ele pegou e falou: “Ó, Marcelo, tem uma tia da minha avó, está recebendo umas cartas lá no asilo de um tal de Jorge”, ele falou: “Mas como assim?”, ele falou: “É, o pessoal lá está recebendo, os idosos tão recebendo umas cartas de um carteiro, tal”. Aí falou: “Ó, mas eu vou pesquisar então quem que é”, aí ele foi lá nos Correios, tal, e descobriu que era eu, falou: “É meu vizinho”, aí começou a me vigiar, até nos dia que nós topamos lá na esquina, aí eu contei a história pra ele. Aí ele pegou, falou: “Não, vou fazer uma matéria com você” e foi lá, lá em casa, aí marcou o dia, foi lá nos Correios, aí ele fez a matéria pra regional, aí fez a matéria pra regional e ele conseguiu um contato lá do programa da Fátima, ele falou: “Ó, eu tenho uma matéria aqui boa, acho que vocês vão gostar”, ele falou: “Não, então manda”. Aí ele mandou, eles entraram em contato com ele, falou: “Ó, marca com ele aí que nós vamos aí fazer a matéria”, aí eles foram lá em Ituiutaba fazer a matéria, aí deu tudo certo (risos), aí eu fui lá no Rio de Janeiro, foi até bom.
P/1 – Me fala uma coisa, você mesmo entrega as cartas?
R – É, porque o asilo, ele fica entre a minha casa e os Correios, aí do dia primeiro ao dia quatro, primeiro ao quarto dia, é, às vezes até o quinto dia, os primeiros do mês, aí eu vou lá, deixo cinco, deixo dez cartas, aí antes de...
P/1 – Mas você compra, põe selo, tudo?
R – É, aí eu ponho selo, tudo, pra ficar bonitinho, aí um dia...
P/1 – Você que compra o selo?
R – É, não, o pessoal doa também, doa selo, doa envelope, aí um dia antes na agência eu já ponho, já carimbo já com o carimbo dos Correios, por cima do selo, é como tem que ser feito, e aí eu chego em casa, ponho a carta dentro, colo, no outro dia, antes de ir para os Correios, como é no meio do caminho, eu passo lá e ponho da caixinha, não chamo, não, já ponho na caixinha já porque na hora que eles abrir a caixinha sabe que tem carta pra eles.
P/1 – Mas eles vão falar com você na porta, eles te esperam?
R – Não, porque muitos já estão em cadeira de rodas, então eles não tem uma locomoção legal pra está lá na porta esperando, mas, assim, quando eu, antes de ontem eu ganhei um, tinha acho que uns 20 ou 30 livrinhos do estatuto do idoso, aí eu fui levar lá pra eles pra falar: “Ó, quando alguém vier vista-los vocês dão um pra pessoa estar mais ciente dos deveres e das obrigações”, ah, na hora que eu entrei lá: “Ô, Jorge, vem cá, dá um abraço”, aí a receptividade deles é muito boa.
P/1 – Que carta você recebeu de resposta depois do programa, que você falou que você recebeu?
R – Olha, eu recebi, no programa lá eles escreveram, todos, fizeram uns desenhos pra mim, foi legal demais, aí teve um senhor lá de Portugal, da Ilha da Madeira, aí ele escreveu uma carta pra mim: “Olha, você escreve carta pra tanta gente, eu resolvi escrever uma pra você, gostei muito do seu trabalho, pena que aqui não é assim”. Então já estou estudando um jeito dele, que mandou a carta pra mim, começar a escrever pro pessoal de lá, porque falou que lá o povo é mais frio, eu falei: “Ah, vamos quebrar o gelo, aí vou começar a escrever pra ele também (risos).
P/1 – O que mudou na sua vida desde que você começou a escrever cartas?
R – Bom, agora está abrindo muitas portas, igual que eu nunca pensava em estar aqui, fazer parte de um projeto tão grandioso, mas eu estou conseguindo mobilizar a sociedade pra fazer algo de bom pra todos na verdade, porque a sociedade é igual uma engrenagem, um precisa do outro pra estar trabalhando. Então até tem um amigo meu que está construindo um site que a ideia é essa mesmo, eu gostei muito da ideia dele, que são três engrenagens, só que ao invés de dentes são mãos, então uma mão dá a mão pra outra e vai girando e vai acontecendo. Então, por exemplo, se às vezes eu preciso de alguma coisa o pessoal já fala: “Não, pode contar que eu vou te ajudar, então está sendo legal isso aí, além desses projetos que eu já trabalho nós já começamos outros, e vamos ver se...
P/1 – Quais são os outros?
R – O outro é o seguinte, um belo dia estou passando na porta do orfanato e vi aqueles meninos lá preso, igual passarinho na gaiola, eu falei: “Gente, mas tem que tirar esses meninos daqui de vez em quando e por eles pra brincar, pra andar, ficar preso aqui”. Aí eu cheguei na diretora, falei pra diretora: “Ó, tem como pegar eles pelo menos um sábado por mês e levar lá na praça da prefeitura porque lá tem aqueles brinquedos, aqueles pula-pula, aqueles assim de bolinha”, aí a diretora falou: “Olha, judicialmente eu não posso tirar eles daqui porque corre o risco deles estar lá e um pai ver e pegar e roubar esse menino”. Eu falei: “Como é que eu vou fazer agora pra ajudar esses meninos aqui?”, eu falei: “Ah, vou alugar uma cama elástica”, aí bom, cheguei no rapaz lá, falei: “Ó, assim, assim, tem como você me alugar uma cama elástica uma vez por mês”, o cara falou: “Não, beleza, 80 reais”, eu falei: “Oitenta conto” (risos), eu falei: “Ah”, mas tem o orfanato, tem umas quatro ou cinco creches lá em Ituiutaba, se toda vez eu levar essa cama elástica pra lá eu vou quebrar, eu não ganho lá essas coisas, porque carteiro (risos), eu vou comprar uma cama elástica. Aí pensei: “Mas como que eu vou comprar uma cama elástica?”, eu falei: “Ah, eu tenho que arrumar dinheiro”, eu pensei: “Ah, vou juntar latinha, latinha de alumínio”, aí comecei, aí pus no Facebook, falei: “Ó, gente, vamos juntar latinha que eu quero comprar uma cama elástica pra levar pro povo”, o pessoal falou: “Não, vamos juntar”. E aí eles pegaram, me questionaram: “Mas você vai no programa da Fátima Bernardes, por que você não pede lá no programa?”, eu falei: “Ó, se eu for lá pedir no programa eu saio com três, quatro cama elástica de lá, só que eu não quero isso, eu quero que a sociedade se mobilize”. E outra, eu não quero dinheiro, eu quero que o pessoal junte as latinhas porque além de ser uma questão social é ambiental, o pessoal perceber que daquele lixo ali você pode reaproveitar ele pra fazer algo de bom pros outros. E eu tenho os outros projetos também que nós vamos, estamos estudando.
P/1 – Aí você juntou?
R – Eu estou juntando ainda, viu, porque não é fácil, não, ali vai muita latinha (risos).
P/1 – Quanto custa a cama elástica?
R – Ah, eu acho que uns dois mil e 500, três mil, o quilo de latinha está dois e 20 (risos), então uma tonelada de latinha eu acho que dá pra comprar uma cama elástica (risos).
P/1 – Você está juntando?
R – Não, eu estou juntando, o pessoal está juntando, eu deixei um posto de coleta que é do lado dos Correios lá, tem um barzinho que a gente lancha lá, aí eu pus lá: “Ó, gente”, porque nos Correios não pode deixar porque os Correios não está envolvido nesse projeto, ela falou: “Ó, deixa lá no bar do lado dos Correios que está beleza”, aí eu vou juntando, toda sexta eu passo lá com um saco e junto aquele punhado de latinha (risos), aí é isso?
P/1 – Você tem filhos?
R – Tenho uma menina de três anos, a Maria Clara, e minha esposa está grávida de novo, esse não foi planejado, não, mas como Deus mandou, então que seja bem vindo.
P/1 – Você pretende continuar trabalhando nos Correios como carteiro?
R – Não, pretendo, bom, fugindo um pouco dessa sua pergunta, mas quando a minha esposa estava grávida, que eu acho que muita gente questiona quem está sendo pai, quem está sendo mãe, fala assim: “Mas você vai ter coragem mesmo de colocar uma criança nesse mundo louco?”, eu falo: “Não, se o mundo está ruim eu vou fazer alguma coisa pra melhorar”. É o que eu acho que eu estou fazendo, só que agora eu vou ter que trabalhar dobrado, está vindo outro, vai ter que fazer mais coisas (risos), mas na parte dos Correios eu acho assim, que como ser humano eu estou realizado, e pretendo continuar trabalhando de carteiro. Claro, eu sou compositor, ah, tenho um livro também, que eu deixei com a Maria.
P/1 – Você escreveu um livro?
R – É.
P/1 – Quando?
R – Agora você me apertou, já tem o que, acho que tem três anos.
P/1 – Mas você escreve também?
R – É.
P/1 – Além das cartas você sempre escreveu?
R – Sempre, componho música, gosto de escrever romance.
P/1 – Quando você começou a escrever, esse seu gosto pela escrita?
R – Ah, eu sempre gostei muito de ler, então eu uni a literatura com a História, que eu gosto muito de História, então o que, já desde, já tem uns 18 anos, já, não, 18 anos assim, desde os 18 que eu comecei a tomar esse gosto, eu já estou com 33, já está com um prazinho bom.
P/1 – Jorge, alguma história outra como carteiro, assim, uma coisa engraçada que te aconteceu?
R – Ó, carteiro tem muita tentação, tem muita mulher bonita que quer pegar a gente (risos), teve um dia que a menina saiu de toalha na rua pra me atender e tinha que assinar, aí eu danei com ela, falei: “Ô, moça, vai assinar lá dentro lá porque você está de toalha na rua”, aí ela pegou o Sedex e foi lá dentro, assinou, aí voltou de toalha, essa menina é doida (risos). O que mais, hein? Tem história de cachorro, às vezes você vai entrar na casa, o pessoal fala: “Ah, pode entrar aí, o cachorro não pega, não”, “Só não pega a senhora que é a dona, e eu?”, quando eu vejo o cachorro já está mordendo a gente (risos), mas já. Às vezes, como a gente trabalha na rua, já teve muito acidente que aconteceu perto de mim, que eu já fui lá prestar socorro, tal, assim, prestar socorro no que eu posso prestar socorro, tipo você sinalizar a rua pra falar que foi acidente, ou deixar, tranqüilizar a pessoa, porque, quem faz o atendimento na verdade é os bombeiros, mas no primeiro atendimento ali eu já, aconteceu muitas vezes de eu chegar em cima. O que mais, hein? Acontece de criança, criança mal criada, aí você está passando com a bicicleta, com a bolsa na bicicleta, aí a mãe fala pro menino assim: “Ó, você fica quietinho porque senão eu vou falar pro moço dos Correios te levar embora” (risos), aí os meninos pega trauma (risos) da gente, depois a gente que é ruim (risos), vida de carteiro é uma viagem mesmo, uma aventura muito boa.
P/1 – Olhando a sua trajetória, se você pudesse mudar alguma coisa na sua história de vida você mudaria, faria alguma coisa diferente?
R – Não, acho que eu teria casado mais cedo, mas eu tinha que conhecer a minha esposa mais cedo também, não ia dar muito certo,não, eu sempre falo pra ela, falo: “Nossa, a gente podia ter casado mais cedo, que aí a gente ia passar mais tempo junto”. Mas eu acho que eu não mudaria nada, não, eu tive uma infância muito saudável, muito pé no chão, sabe, criança, mexer com terra, com subir em árvore, comer fruta, ah, é bom demais, não mudaria nada, não. Às vezes alguns erros que a gente comete, inconsciente pra algumas pessoas, igual eu, eu peço perdão todo dia pelas coisas que eu já errei, porque a gente é ser humano, então acaba errando mesmo, então tomar que os meus acertos sejam maior do que os meus erros (risos).
P/1 – Quais são seus maiores sonhos hoje, Jorge?
R – Eu estava falando pro Jeferson que eu queria ser um líder sem ser eleito, agora, minha ideia agora é outra (risos), eu queria representar as pessoas, assim, pras coisas boas, chamar a população pra fazer coisas boas, porque é muito fácil você: “Ah, vou fazer um cartaz aí, vou sair gritando na rua, pedindo melhoria”, não, nós mesmos temos o poder de ir lá e fazer, pra que ficar esperando? Acho que o maior protesto vai vir o ano que vem nas urnas, então o pessoal já votou errado, beleza, deixa acabar o mandato,vota em outros, que vai entrando gente nova, ideias novas que, acerta ali e vai, a sociedade vai ganhar com isso, mas a gente não pode ficar parado esperando o tempo passar, a gente tem que por a mão na massa, tem que trabalhar pra dar uma guinada nesse país, eu acho que vai melhorar, a gente trabalha esperando é isso, não é retorno financeiro nem nada, a gente espera que o mundo fique melhor. Eu espero que mais gente siga o meu exemplo, assim, não que eu estou sendo narcisista, não, mas como eu digo sempre, eu não patenteei nenhuma ideia minha até hoje porque eu quero que todo mundo (risos) copie e trabalhe.
P/1 – Jorge, o que você achou de dar o seu depoimento pro Museu da Pessoa?
R – Uai, eu nunca pensei que eu ia chegar tão longe, (risos) mas de certa forma acho que é um reconhecimento, assim, pelo o que eu fiz, não esperava tudo isso, mas foi excelente, tomara que a partir do meu depoimento as pessoas que acessarem o site, que vierem aqui fazer visita, elas peguem algo de bom pra vida delas e que elas façam algo de bom pro próximo, foi muito bom.
P/1 – Obrigada, eu queria agradecer, Jorge.
R – Ah, que isso, eu que agradeço (risos).
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