Projeto Kinross Paracatu
Depoimento de Lazy Ulhôa Bijos
Entrevistado por Marcia Ruiz
Paracatu, 29/06/2017
Realização Museu da Pessoa
KRP_HV29_Lazy Ulhôa Bijos
Transcrito por Mariana Wolff
P/1 – Dona Lazy, boa tarde, eu gostaria de agradecer em nome do Museu da Pessoa e da Kinross a senhora nos receber na sua casa e participar aqui do projeto. Eu queria que a senhora falasse o seu nome completo e local e data de nascimento.
R – Lazy Ulhôa Bijos, filha de Paracatu (MG), moro na Rua Goiás, 159. Mais alguma coisa?
P/1 – E que dia, mês e ano que a senhora nasceu?
R – Cinco de novembro de 1935.
P/1 – E por que esse nome Lazy?
R – Uma história que o meu pai leu numa revista. Chegou perto de minha mãe e disse: “Se essa criança for mulher, você vai pôr o nome de Lazy” “Cruz credo, que nome horroroso” “Não, era uma criança muito boa, então minha filha vai ser muito boa” (risos).
P/1 – E qual era o nome dos seus pais?
R – Romualdo Gonçalves Ulhôa e Dália Ormidas Ulhôa.
P/1 – E qual que era a atividade deles?
R – Papai fazendeiro muitos anos, depois largou, mudou para Ipameri (GO), isso no tempo de rapaz, não tinha casado ainda não, mudou pra lá, foi prefeito lá em Itumbiara (GO) e quando minha mãe nasceu, meu avô convidou ele a vim tomar champanhe, ele veio. Na hora dele despedir do meu avô, ele falou: “Seu Nelson, eu vou falar uma coisa com o senhor, eu vou, mas eu volto pra me casar com ela”, voltou e casou, ela com 15 anos. E ele com 25.
P/1 – E eles eram parentes ou não?
R – Não, era amigos.
P/1 – E me fala uma coisa, a sua mãe, ela só cuidava da casa?
R – Cuidava da casa, fazia muita capa pra fora, que antigamente, usava as capas de lona pros fazendeiros vim das fazendas com chuva, então ela fazia muitas capas, ela e a irmã dela, todas duas, costurava muita capa de chuva. Mas cuidava… Ela teve 17 filhos. Só sobreviveram dez.
P/1 – A sua mãe teve então 17 e só foram dez. A senhora nessa escadinha, qual que a senhora…
R – Sétima filha.
P/1 – E quantos meninos e quantas meninas?
R – Duas mulheres e oito homens.
P/1 – Olha! E me fala uma coisa, Dona Lazy, a senhora chegou a conhecer os seus avós?
R – Conheci só avós, tanto materna quanto paterna, não conheci os avôs não.
P/1 – E como eram os nomes das suas avós?
R – Antônia Alves Ribeiro.
P/1 – Antônia Alves Ribeiro era mãe de quem?
R – Mãe de papai.
P/1 – E a avó por parte de mãe?
R – A vó por parte de mãe, Lucinda da Costa Porto.
P/1 – E os avós da senhora, a senhora lembra o nome deles, a senhora não os conheceu?
R – Não conheci, não, mas lembro os nomes deles. O pai da minha mãe chama Nelson Ormidas e o de papai chamava Antônia Ribeiro Ulhôa.
P/1 – E a senhora sabe a origem da família da senhora? Da onde eles vieram?
R – Meus avós paternos vieram de Unaí (MG), não era cidade ainda, era arraial quando eles vieram pra cá, pra Paracatu. Agora, a família da minha mãe, meu bisavô era português.
P/1 – E a sua vó, da onde era?
R – Daqui mesmo de Paracatu.
P/1 – E como é que eles se conheceram? A senhora sabe?
R – Não, isso eu não sei. Eles não me contaram não (risos).
P/1 – E me fala uma coisa, a senhora nasceu aqui em Paracatu, eu queria que a senhora falasse um pouco como é que era a cidade, quando a senhora era criança, como era a casa que a senhora nasceu.
R – A casa onde eu nasci, hoje, é Maçonaria. Eu nasci na rua Abadia, onde funciona Maçonaria. Eu nasci ali, meus pais moravam lá muitos anos, os filhos todos nasceram lá.
P/1 – Então, repete pra mim, onde que a senhora nasceu. Conta pra mim.
R – Na rua Abadia, eu não sei o número, esqueci.
P/1 – E lá hoje funciona o quê?
R – Lá hoje é Maçonaria.
P/1 – Todos os seus irmãos nasceram lá?
R – Todos os meus irmãos nasceram lá, depois meu pai mudou aqui pra rua do Peres, ele comprou uma casa aqui na rua do Peres…
P/1 – A senhora me falou que o seu pai trabalhava com fazenda?
R – Fazenda.
P/1 – E era fazenda do quê?
R – De gado. Depois, ele largou a fazenda, vendeu tudo e comprou o morro do ouro.
P/1 – Comprou o quê? Não entendi.
R – O morro do ouro.
P/1 – Ah, ele comprou o morro do ouro?
R – É. E lá mais os meus irmãos bateava pra tirar ouro.
P/1 – Ah! Vamos voltar um pouquinho, eu queria que a senhora contasse um pouco como era o cotidiano na sua casa, com quem a senhora brincava quando a senhora era criança?
R – Com os próprios irmãos. Mamãe não deixava a gente sair, não. Brincava com os próprios irmãos, tem três e um acima de mim. E a gente brincava muito em casa, jogava muita boa lá rua, com o Antônio Oliveira Melo (risos), de noite, assim, acabava as escolas, a gente ia brincar. Aí, jogava muita bola, brincava muito de pique, corria um atrás do outro, eram essas brincadeiras assim, inocentes, né?
P/1 – E o Antônio Oliveira Melo brincava com a senhora também?
R – Brincava, brincava muito comigo.
P/1 – E como é que ele era quando criança, ele era muito levado? Como é que ele era?
R – Não, era uma criança muito acomodada, sabe? Muito, mesmo. Brincava muito com a gente, não brigava, a gente tinha um outro primo nosso que brigava que era um horror conosco, Ricardo. Tinha o nome do meu bisavô, né?
P/1 – A senhora falou das brincadeiras, vocês iam à praia também, ou não?
R – Papai levava a gente na praia.
P/1 – E a praia ficava perto da casa da senhora?
R – Não, não ficava, não. Ficava longe.
P/1 – E onde era a praia? Conta pra gente.
R – Passando daqui pro noroeste, tem a Praia do Vigário, onde a gente nadava muito, depois tinha a Praia do Santana, onde foram os garimpeiros entraram em Paracatu na Praia do Santana. E papai é que levava a gente pra nadar, não deixava ir sozinha não, não deixava de jeito nenhum morria de medo.
P/1 – A senhora só ia aos finais de semana?
R – Não, só quando papai podia levar, né? Às vezes, ele não podia levar, estava trabalhando, não podia, só quando ele tinha jeito de levar, ele levava a gente pra nadar.
P/1 – E como é que era assim, de manhã cedo, vocês levantavam e tomavam café, quem fazia comida? Quem era?
R – Era minha mãe, mesmo, minha mãe que cozinhava. Então, ela era filha de uma mulher que cozinhava muito bem, inclusive, as pessoas mais antigas de Paracatu falavam que o meu avô morreu pela boca porque a minha avó cozinhava bem demais (risos).
P/1 – A senhora falou da escola, como é que era a escola? A senhora foi estudar onde?
R – Aqui no grupo Afonso Arinos. Esse grupo que tem aqui na praça, né? Aliás, os meus irmãos todos estudaram lá e eu também estudei e os irmãos mais novos também estudaram lá. Era o melhor grupo que tinha aqui.
P/1 – E como era? A senhora ia de manhã, à tarde?
R – Quando era primário, a gente ia à tarde, né? Mas quando passou pro ginásio, a gente ia na parte da manhã.
P/1 – E a senhora lembra se tinha uniforme?
R – Tinha! Sainha azul escura, da cor desse sofá e a blusinha escrito Grupo Afonso Arinos.
P/1 – E como era o recreio, essas coisas? Conta pra gente, tinha lancheira, como era?
R – A gente levava lanche de casa, né? Brincava muito no recreio, pulava muita corda, brincava de vôlei, peteca, tudo tinha lá no grupo pra brincar e depois que acabou isso, passamos pro ginásio, e era aqui na Escola Normal, onde funcionava o ginásio. Foi os meus avós e os meus bisavós quem construíram a casa do ginásio aqui, a cEscola Normal hoje.
P/1 – Foram seus bisavós por parte de quem?
R – Tem até a fotografia deles lá, por parte de mamãe.
P/1 – A senhora falou que lá no Afonso Arinos, a senhora ficou até a quarta série, mas quem eram as professoras? A senhora lembra o nome delas?
R – Lembro de duas. Dona Conceição Macedo foi minha professora, Dona Afonsina também foi minha professora e Dona Maria. Eu comprei a casa na mão do marido dela. Dona Conceição e Dona Maria Melo Franco…
P/1 – E como é que elas eram? Eram boas professoras? Como é que eram?
R – Muito boas professoras, muito carinhosas com a gente. Eu era muito levada e elas tinham um carinho louco por mim.
P/1 – Por quê? O quê que a senhora aprontava?
R – Brincava demais, batia nos outros nos colegas (risos). Eles mexiam comigo, punham apelido e eu metia o braço neles (risos).
P/1 – E por quê que eles brincavam com a senhora?
R – Me punham apelido, né, e eu ficava furiosa.
P/1 – E a senhora lembra de algum apelido?
R – Deixa eu ver se eu lembro… não tô lembrando, não.
P/1 – Não tem, problema, se a senhora não lembrar. E quando a senhora era pequena, a senhora teve algum problema grave que a senhora se lembra? O quê que aconteceu?
R – Eu tive um problema grave, mas eu não lembro, não. Foi quando eu tava com três anos de idade que eu tive uma crise horrorosa de falta de ar, asma, né? Meu primo era médico, Doutor Cândido Ulhôa e Doutor Sérgio que era meu tio foi quem cuidou de mim. Papai fez até uma piscina lá na casa pra ensinar a nadar pra melhorar da asma. Então, mamãe também nadava nessa piscina por causa da asma, sabe? Curou muita asma aqui em Paracatu só com a natação, a minha não foi curada porque é hereditária, né, minha filha?
P/1 – E quem ensinou a senhora nadar, a senhora se lembra?
R – Foi papai, mesmo.
P/1 – Eu queria que a senhora falasse um pouquinho, quando a senhora mudou para o colégio Normal, como era o colégio…
R – Eu não fiquei aqui, eu fui pra Lavras (MG), me internaram lá em Lavras no Colégio Nossa Senhora de Lurdes, lá em Lavras.
P/1 – E a senhora lembra quando a senhora foi? Conta um pouquinho pra gente.
R – Lembro. Quando eu cheguei lá, eu fui com uma prima que era casada com um fazendeiro lá perto e papai me entregou pra ela, pra ela me internar no colégio e tudo, sabe? Então, ela que me levou a primeira vez, que me internou lá e todas as férias, ela me buscava pra eu passar lá na fazenda, andava muito à cavalo, usava muita calça comprida e quando eu vim de lá que eu tava usando calça comprida, minha vó deu um chilique horroroso com o meu pai que tava deixando eu usar calça de homem (risos).
P/1 – E era muito comum as mulheres aqui em Paracatu…
R – Não, não. Todo mundo ficava horrorizado que eu saía na rua, outro dia mesmo, tem um sobrinho do meu marido disse que era pequeno quando eu atravessei a rua pra casa da minha tia de calça comprida e todo mundo ficou horrorizado eu de calca comprida (risos. Bicicleta também, primeira moça que andou de bicicleta foi eu.
P/1 – Olha! Aqui em Paracatu?
R – Aqui, lá no colégio, a gente andava muito de bicicleta, sabe? Tinha a área lá da gente andar de bicicleta. Quando eu andei de bicicleta, a vovó pegou a bengala pra bater no meu pai: “Tá doido, é isso que ela tá aprendendo naquele colégio de freira? Andar de calça de homem e ainda nadar de bicicleta?” (risos)
P/1 – E essa escola, como é que era, era um colégio de freiras?
R – Colégio de freira.
P/1 – Tinha uniforme?
R – Uniforme. A gente ficava internada lá e era muito bom e eu gostava muito das irmãs, elas tinham muita história comigo, sabe, muito carinho, muita atenção e com isso, eu prendia, eu cortava o cabelo das minhas colegas, fazia penteado, quer dizer que eu já tinha aquela vocação pra profissão, né?
P/1 – E por que assenhora se interessou por isso? A senhora via revista? Como é que era?
R – Não, nunca tinha visto revista não com penteados e nem nada, não. Quando eu vim, papai não queria deixar eu fazer, aí um rapaz amigo dos meus irmãos falou com papai: “Não faz isso, não, Romualdo, não corta a carreira dela não. Aprender uma profissão é explorar a vaidade da mulher” (risos).
P/1 – Aí, a senhora montou o salão?
R – Montei o salão e trabalhei 30 anos.
P/1 – E a senhora fez algum curso?
R – Fiz em Patos [de Minas, MG], com um professor e ele veio aqui, montou o salão pra mim e papai e os meus irmãos ficaram horrorizados da quantidade de mulher que fica sentada o dia inteiro esperando pra pentear, pra cortar, pra fazer permanente. O dia inteirinho na casa da gente, papai ficava horrorizado.
P/1 – E onde era o salão?
R – Na casa do meu pai. Na Rua Doutor Sergio Ulhôa, não lembro o número da casa, esqueci.
P/1 – Não tem problema. E aí, a senhora tinha quantos anos nessa época?
R – Dezoito pra dezenove anos.
P/1 – E como é que foi? Era comum ter mulher trabalhando? Tinha algum salão de cameleiro aqui ou não?
R – Não. O primeiro salão de beleza que teve aqui fui eu que montei.
P/1 – E como é que a sociedade viu a…
R – Aceitou muito bem, nossa senhora! Ficava tudo encantado.
P/1 – E como é que a senhora usava o seu cabelo nessa época?
R – Quando eu vim do colégio, eu tava com o cabelo aqui no ombro, mas depois eu comecei a trabalhar, eu mesmo cortava o meu cabelo.
P/1 – E a senhora cortava curtinho?
R – Toda vida foi curtinho assim, nunca gostei de cabelo grande, não.
P/1 – Aí que ótimo! E conta pra mim um pouquinho, quem é que frequentava o salão da senhora?
R – A sociedade daqui, todo mundo, toda senhora ia, toda moça, tudo ia pro salão. Tinha dia que ficava em casa o dia inteiro.
P/1 – E o quê que a senhora fazia? A senhora cortava, que mais?
R – Pintava, lavava, penteava, fazia permanente, fazia tintura, fazia tudo no salão.
P/1 – E como é que era o material daquela época? Conta pra gente, assim, a permanente fazia com o quê?
R – Com liquido próprio, chama Zeni, o nome do liquido de permanente, hoje eu não sei, já deve ter miudado, né?
P/1 – E como é que a senhora fazia pra se proteger do cheiro? A senhora usava alguma…
R – Não, não usava nada. Nunca usei nada.
P/1 – E a senhora tinha funcionárias também?
R – Só tinha uma moça, minha prima, que eu chamei ela e ensinei ela a fazer a unha pra ser manicure.
P/1 – Então, a senhora penteava, cortava…
R – Só não fazia a unha porque não dava tempo, né? Então, pus essa minha prima, ensinei ela a fazer, ela trabalhava comigo. Ela vai muito a missa aqui no Rosário e encontra, senta lá perto de mim e fica lembrando desse tempo (risos). Depois casou com um rapaz que não deixou ela continuar e ficava só dentro de casa fazendo serviço todo da casa, uma ignorância terrível o marido dela, uma coisa horrorosa de ignorância. Nossa senhora, não deixava sair pra parte nenhuma, só pra você ver que horror. Ignorância, né? Nossa senhora, ave Maria.
P/1 – E o que a senhora fazia pra se divertir nessa época? A senhora era nova, o que a senhora fazia?
R – Não fazia nada, não, ia às vezes, nos bailes, nas festas do Jockey Clube, era o lugar onde a gente frequentava, né? Meu pai que montou o primeiro… Como é que fala? Clube aqui em Paracatu. O clube era aqui na rua onde tem o colégio das irmãs, na Rua Rio Grande do Sul, primeiro clube que ele montou.
P/1 – E esse clube, como chamava? A senhora lembra ou não?
R – Deixa eu lembrar o nome. Jockey Clube Paracatuense.
P/1 – Ah, foi o seu pai que montou o clube?
R – Foi, primeiro clube, foi ele que montou. Ele gostava mais de dançar, dançava demais, tanto que os meus irmãos todos são dançarinos!
P/1 – E ele que ensinou todos a dançar?
R – Foi. Tinha um irmão acima de mim que dançava bem demais da conta, chegava a brigar pra dançar comigo, ele dançava bem demais.
P/1 – E a senhora também dançava?
R – Dançava e era muito e não era pouco, não. (risos)
P/1 – E esses bailes, como eram? Conta um pouquinho, seu pai montou o clube e eles aconteciam todos os finais de semana? Durante a semana?
R – Era só quando tinha alguma festa, algum casamento, alguma coisa é que funcionava. Depois passou pra mão de outros e aí, abriu o clube e ficou. Hoje em dia, funciona lá em cima, na Avenida Olegário Maciel.
P/1 – E me fala uma coisa, seu pai mexia com fazenda, mas ele teve algum comércio, alguma coisa? O que ele teve? Ou só fazenda? Ele mexia só com fazenda?
R – Não. depois que ele largou a fazenda, ele foi minerar nas terras do morro pra tirar ouro.
P/1 – E como é que ele comprou o morro do ouro? A senhora sabe?
R – Não sei, mão de quem, eu não sei. Inclusive, meus irmãos e a turma de Paracatu bateava com as bateias nas enxurradas da chuva e tirava muito ouro.
P/1 – Aqui na cidade…
R – Corria nas enxurradas o ouro, vinha lá do morro do ouro.
P/1 – E seu pai comprou e começou… Como ele garimpava lá? Ele tinha empregado, como é que era?
R – Os filhos, né, os filhos que ia com ele garimpar.
P/1 – E a senhora chegou a garimpar ou não?
R – Não, eu não. Não deixava, né?
P/1 – A senhora contou pra gente que a senhora ia pras praias, tal. A senhora tinha lavadeira, conta um pouquinho como eram as casas naquela época, tinha luz? Como era?
R – Antigamente, eu já alcancei a luz, menina, jovem, já tinha luz. E a casa de mamãe funcionava, ela gostava muito de cozinhar, mas pro fim, quando ela ficou mais doente, ela teve que optar pela empregada, né? Aí, tinha empregada pra fazer tudo, pra lavar, passar, tinha duas: uma pra lavar, passar, outra pra cozinhar e arrumar e pra poder olhar os meninos, as crianças, mas era uma vida comum.
P/1 – E por exemplo, a senhora quando criança que ia na praia pra nadar, seu pai levava, tinha lavadeiras lá também ou não?
R – Tinha muitas lavadeiras, as roupas daqui eram lavadas na praia.
P/1 – E como é que elas iam pra levara roupa?
R – Era trouxas de roupas na cabeça pra lavar a roupa. Naquela época, papai tinha duas que lavava roupa.
P/1 – A senhora lembra o nome delas?
R – Lembro. Uma chamava Jovita e a outra chamava… como é que chama, gente? Esqueci o nome dela, da outra.
P/1 – Não tem problema se a senhora não lembrar.
R – Esqueci mesmo.
P/1 – E aí, como é que elas sabiam? Ela levava trouxa de roupa da casa…
R – É, passava na casa da gente, apanhava a trouxa, punha na cabeça e ia pra praia. Na hora de voltar, arrumava a trouxa de novo, voltava e entregava na casa da pessoa.
P/1 – E ela esperava secar e tudo?
R – É, esperava secar.
P/1 – E não passava, então, só lavava?
R – Só lavava. Mamãe… A cozinheira de mamãe que passava roupa.
P/1 – E a senhora contou essa coisa do salão, essa época, a senhora trabalhava todos os dias no salão?
R – Todos os dias.
P/1 – Domingo, inclusive?
R – Não. Domingo não. Eu nunca trabalhei domingo. Toda vida fui muito religiosa.
P/1 – E aí, no domingo, a senhora ia pra igreja?
R – Ia pra igreja. Eu morava lá perto da Igreja da Matriz, eu ia muito… Quando eu saía de procissão, às vezes, Dom Elizeu, quando tava demorando demais, ia chover e o povo tava reclamando, perdendo as lavouras, Dom Elizeu saía com a turma pra vim aqui no alto do córrego aguar o cruzeiro pra Deus mandar chuva, passava na porta de casa e falava: “Romualdo, cadê Lazy? Chama ela que nós vamos rezar”, eu entrava no meio do povo e vinha. Só não levava vasilha muito grande porque eu não podia porque a asma me cansava. A gente aguava, quantas vezes nós saímos de lá, já estava chuviscando. Aqui é muito difícil a chuva, sabe? Outro dia mesmo, esse cruzeiro aqui, ó, tava demorando demais a chover, eu fui lá com as menina, levei a água, rezei no terço e aguou o cruzeiro. Muitas vezes, a gente sai, a chuva tá armando, já.
P/1 – E me fala uma coisa, Dona Lazy, quando o seu pai comprou o Morro do Ouro, ele só garimpava?
R – Só garimpava.
P/1 – E a senhora nunca chegou a ir lá?
R – Não, papai e mamãe não deixavam, que é muito pique lá e por causa da minha asma, não deixava eu fazer essas caminhadas todas, não.
P/1 – Mas ele contava o quê que tinha lá no Morro do Ouro?
R – Era só garimpar. As bateias era guardada tudo na casa do papai. Na dispensa que tinha lá, nós guardava as bateias.
P/1 – E me fala uma coisa, aí quando eles bateavam, ele vendia o ouro onde? A senhora sabe?
R – Deixa eu lembrar o nome dele. Tidas Modim. Ele comprava o ouro. Ele era ourives.
P/1 – E a senhora sabe como é que eles separavam o ouro do…
R – Do cascalho?
P/1 – Do cascalho.
R – Também não sei, nunca vi eles batear não.
P/1 – Nunca viu?
R – Não.
P/1 – E me fala uma coisa, Dona Lazy, como era o comércio aqui nessa época que a senhora era criança até os 18 anos, o que tinha? Onde vocês compravam roupa, comida? Conta pra gente.
R – Era muito escasso, o comércio aqui. Eu lembro muito da venda do seu Zotti aqui nessa rua, lá em cima. A venda do seu Zotti, seu Domingos tinha um comércio aqui também, perto do cinema, onde funcionava o cinema, a casa do seu Flaviano Costa na rua da praça, a Casa do Rocha também, a Casa do Rocha era tecidos e seu Floriano Costa também era tecidos. Tem a Casa Santiago aqui também na rua Doutor Sérgio Ulhôa também era tecidos, sabe?
P/1 – E aí, vocês compravam tecidos pra fazer roupa?
R – É, pra fazer as roupas.
P/1 – E quem costurava?
R – Eu tinha tia que era perita nas costura, essa minha tia, irmã do meu pai, ela nunca aprendeu a costurar com ninguém, não tinha jeito, ela cortava, a freguesa chegava com o pano, mostrava a ela, ela pegava o papel, desenhava o modelo: “É isso que você quer?” “É isso aí mesmo”, desenhava e a pessoa falava… Costurava bem demais, você precisava de ver. Era famosa aqui como costureira.
P/1 – Como é que era o nome dela?
R – Adélia. E tinha a tia Joanita também, era muito pata pra costurar, tia Joanita era irmã de papai e a outra era irmã de mamãe.
P/1 – E por exemplo, sutiã tinha? Essas coisas, calcinha?
R – Tudo era a costureira que fazia. Nós tínhamos a costureira que morava na frente da casa do meu pai, ela que fazia as minhas roupas, sabe? E a minha tia Landina também costurava muito bem. Ela quis me ensinar a costurar, mas eu não dei pra costura, não (risos). Eu preferi ser cabelereira.
P/1 – E como a senhora, por exemplo, os cortes da moda, como é que a senhora seguia?
R – Eu vou contar à senhora que era tudo da cabeça. Era. Nunca tinha revista aqui em Paracatu. Só tinha o cinema, o cinema era muito escasso, não era todo dia que tinha cinema, mais era fim de semana, sabe? Então, era tudo da cabeça da gente.
P/1 – E por exemplo, esmalte para fazer unha, tinha naquela época?
R – Tinha, tinha.
P/1 – E a senhora lembra a marca que usava?
R – Não, a marca eu não lembro, não. Eu tinha um primo que tinha uma farmácia aqui no Largo, ele vendia muito esmalte, sabe? Viajava, ele trazia, a gente comprava, vendia bastante esmalte.
P/1 – E a senhora falou que ele foi morto, é isso? Ele morava onde? Aí na praça?
R – Ali na praça.
P/1 – Ah tá! Como é que eram o casario nessa época em que a senhora era nova. As casas eram conservadas? Como é que eram as igrejas? Conta um pouquinho pra gente.
R – As igrejas são as que têm até hoje, né? Aqui do Rosário e a Matriz, né? E a do Santana, que foi os garimpeiros que construíram, a primeira igreja do Santana, lá no Santana, lá embaixo. Era coberta com palha de coqueiro.
P/1 – E ela foi demolida, depois?
R – Foi demolida e eles fizeram a Igreja da Matriz. A Igreja da Matriz acompanha a idade de Paracatu.
P/1 – E a igreja lá da Santana, eles demoliram, o quê que eles fizeram lá, a senhora lembra ou não?
R – Virou um campo de futebol, que tem até hoje esse campo de futebol.
P/1 – E a senhora tava falando dos bailes, tal, quem é que tocava nesses bailes?
R – Seu Zotti, que tinha aqui a venda na rua, ele tocava saxofone. E tinha dois companheiros que tocavam violão. Não me lembro o nome deles, não, só lembro dele que tocava saxofone, sabe? Depois, quando ele ficou mais velho, o médico proibiu ele de tocar o saxofone que tava atacando o coração dele, a força que fazia, sabe?
P/1 – E ele que tocava nos bailes?
R – Nos bailes, nas festas, tudo era ele.
P/1 – E que música que tocava naquela época, a senhora lembra?
R – Não lembro, não.
P/1 – Mas tinha algum ritmo que a senhora gostava de dançar, era bolero? O que era?
R – Eu gostava muito de dançar era samba.
P/1 – Ah é? E quem era o cantor que a senhora gostava?
R – Deixa eu ver se eu lembro. Não tô lembrando, não.
P/1 – Não tem problema. Eu queria que a senhora contasse, pelo o que a senhora falou, depois que o seu pai começou a batear ouro, tal, ele começou a ganhar muito dinheiro, né?
R – Ganhou muito dinheiro com o ouro.
P/1 – E aí, o que ele fazia? Ele comprava o que com esse dinheiro que ele ganhava?
R – Sustentava a casa, que não tava trabalhando mais, quem bateava eram os meus irmãos, era ele, então ele não fazia mais nada, não.
P/1 – Mas ele comprou alguma coisa, assim, que era inusitado na cidade? Ou que a cidade não tivesse?
R – Não, ele só comprou essa casa que ele morava ali, na Arruda Peres. Deixa eu ver se eu lembro de alguma coisa que ele comprou…
P/1 – E carro, ele comprou carro?
R – Primeiro carro motorizado que entrou aqui foi dele, foi ele quem trouxe do Rio de janeiro.
P/1 – Olha! E como é que foi isso? Conta pra gente.
R – Ele foi para o Rio de Janeiro, fazer uma viagem no Rio. Chegou lá, foi aprender a dirigir, aprendeu, comprou o carro e trouxe, foi até Ipameri na estrada, de Ipameri pra cá, ele trouxe três peões no carro com ele e fizeram até balsa para passar o rio São Marcos, eles fizeram a estrada e fizeram a balsa para passar no rio. Chegou aqui, tava turvando o dia e teve um velho que morreu apavorado com o barulho do carro, ele sofria do coração, tadinho, ficou muito assustado e isso ele contava pra nós, né? E logo que ele passou em frente a Matriz, a igreja estava cheia de fieis assistindo a missa, saiu todo mundo correndo e largou o padre sozinho. O padre ficou apavorado com o barulho e os faróis ligados, e teve uma senhora que deu à luz fora de tempo do pavor que teve do carro. Que coisa, né, gente?
P/1 – E todo mundo queria saber o que era aquilo?
R – Todo mundo queria saber o que era aquilo. Foi uma pena que papai não conservou esse carro, podia ter conservado, né? Um Ford Bigode que ele trouxe a primeira vez aqui. mas foi um alvoroço na cidade, minha filha, esse carro. A cidade era pequenininha, né? Então foi um alvoroço.
P/1 – A senhora falou da Casa Santiago que vendia tecido…
R – É.
P/1 – A senhora comprava onde os tecidos pra fazer suas roupas?
R – Na casa Floriano Costa.
P/1 – E a senhora conhece alguém que trabalhava lá que continua morando…
R – Meu irmão mais velho e meu irmão segundo também trabalhava era com ele, seu Floriano Costa.
P/1 – Eles que vendiam…
R – Eles que vendiam os tecidos.
P/1 – E que tecido que tinha na época, que era comum as pessoas usarem para fazer roupa?
R – Não lembro.
P/1 – E a senhora chegou a conhecer a Casa Crioulo, ou não?
R – Casa Crioulo? Demais! Eu comprava muito lá depois que eu casei, aqui perto de casa.
P/1 – E ela vendia o que, a Casa Crioulo?
R – Só tecidos.
P/1 – Eu queria que a senhora falasse um pouquinho, o comércio era meio fraco, não tinha muita…
R – Era.
P/1 – Quem abastecia a cidade? Como é que vinham as coisas de fora? E o quê que vinha de fora?
R – Tudo, né, os tecidos, as coisas todas vinham de fora. De caminhão, né?
P/1 – E de comer, alguma coisa?
R – Coisa de comer era muito raro, a gente que tinha que fazer em casa, comprava mesmo só o material principal, né? Não tinha supermercado, não tinha nada.
P/1 – E o que a senhora comprava fora, então? Por exemplo, as pessoas plantavam, criavam os bichos…
R – É.
P/1 – Mas comprava o que fora? Querosene, essas coisas, sal?
R – Mas no meu tempo já tinha eletricidade, não lembro do querosene, não, sabe?
P/1 – Mas sal tinha?
R – Sal tinha.
P/1 – Tinha que comprar?
R – Tinha que comprar.
P/1 – E me fala uma coisa, como a senhora conheceu o seu marido? Conta um pouquinho pra gente.
R – Eu tinha chegado do colégio e tava na casa da minha tia Blandina, aqui na praça, eu tava lá conversando com ela e com minha vó, quando ele passou na rua. Aí, me cumprimentou: “Boa tarde”, eu falei: “Boa tarde”, aí minha tia suspendeu os olhos, assim, em cima do óculos e perguntou: “Quem é que tá cumprimentando aí?”, eu falei: “Aquele moço que trabalha no Correio”, passou e acabou. Quando foi um dia, tava na pracinha, passeava na pracinha à noite, sabe? Fazia o footing, sabe? Aí, eu comecei a flertar com ele, depois aproximou de mim. Papai não queria definitivamente.
P/1 – Por quê?
R – Até hoje eu não sei porque papai não queria, de jeito nenhum. Tinha bom emprego, né, e eu perguntei um dia pra ele: “Pai, por que você não quer esse namoro meu com o Horácio?”, ele falou: “Porque o pai dele era muito bruto, tá sujeito ele ter herdado do pai, o gênio”, foi a verdade.
P/1 – Ele era muito bruto?
R – Era muito grosseiro. Então, e eu toda a vida, fui uma menina muito bem assim, paparicada pelos meus irmãos, meus pais, então, eu era muito paparicada, sofri muito. Eu não tinha o hábito de receber malcriação e atrevimento.
P/1 – Como é que era o nome do seu marido?
R – Horácio Rodrigues Bijos.
P/1 – Ele era da família Bijos?
R – Da família Bijos.
P/1 – E ele trabalhava com o Correios, é isso?
R – Ele trabalhava aqui em frente, no Correios, o Correios funcionava aí nessa casa de frente.
P/1 – E ele era o quê? Era responsável pelo…
R – Era responsável. Ele que fazia tudo lá, dirigia tudo lá.
P/1 – E como a senhora começou a namorar? A senhora falou que começou no footing, a paquerar e aí, como é que foi? Ele foi pedir a mão pro seu casamento?
R – Demorou muito pra ter coragem de pedir o casamento, porque os meus pais e nem os meus irmãos não queriam de jeito nenhum, né? Aí, quando foi um dia, Rosivaldo, meu irmão mais velho, ele morava em Unaí, casou lá e ficou morando lá. Então, ele chegou aí, papai tava bravo comigo, daí Rosivaldo apanhou papai e levou lá pro quarto do fundo e foi conversar com papai, pra falar pra não fazer isso comigo, não, que deixasse, tal. Que quanto mais proibisse que era pior, então, papai consentiu. Depois de uns dois anos, nós casamos. Eu casei lá na Igreja da Matriz, foi Patrício quem fez o meu casamento…
P/1 – Era o frei?
R – Frei Patrício. E vivi 57 anos de casada, tem cinco anos que ele morreu.
P/1 – E a senhora casou e foi morar onde? A senhora continuou trabalhando?
R – Na casa do pai dele, ele tinha uma casa lá embaixo, então eu fiquei morando lá. Depois que eu tava morando lá, tinha uns dois ou três anos, eu falei com ele assim: “Olha, vou mudar lá pro centro, eu tenho que ter o meu salão lá no centro, não é aqui em bairro, não”, ele consentiu, aluguei uma casa atrás da igreja do Rosário e passei pra lá. E aí, o meu movimento triplicou, minha filha, sabe? Aí depois, comprei essa casa, dois contos e quinhentos.
P/1 – A senhora que comprou, então?
R – Eu que comprei, com o meu dinheiro do salão.
P/1 – Olha! A senhora, então, ganhava muito dinheiro com o salão?
R – Ganhava.
PAUSA
P/1 – Então, dona Lazy, a senhora falou que logo que a senhora casou foi morar lá no bairro e aí, a senhora quis vim pro centro pra poder voltar a trabalhar…
R – Melhor, né?
P/1 – E aí, a senhora comprou essa casa e aí, como foi, a senhora mudou logo pra cá? Como é que foi isso?
R – A dona dessa casa aqui chamava dona Doia, viúva, tinha muitos filhos e aí, quando começou Brasília, os filhos mudaram pra lá, depois de um certo tempo, vieram buscá-la e ela pôs a casa à venda e eu na carreira, cheguei aqui e falei: “Aquela casa é minha. Qual é o preço?” “Dois contos e 500”.
P/1 – E a senhora comprou?
R – Fui lá no banco, busquei o dinheiro e paguei.
P/1 – Olha, que beleza. E aí, a senhora já mudou pra cá?
R – Aí, mandei pintar a casa, né, mudei pra cá e tô aqui há 50… não, 44 anos, Gabriela já nasceu aqui nessa casa.
P/1 – E como é que era a casa? Ela era muito diferentes do que é hoje?
R – Não. Não era diferente. Como é que fala? Tudo é a mesma coisa, só que tem que reformou tudo, tirou o telhado, tirou tudo, arrumou, aqui dentro, tudo ela tirou, não tirou nada, só daqui pra cá que ela mexeu. Aqui tinha um quarto, aí no fundo, ela desmanchou, fez uma sala grande, arrumou, fez essa copa aí com essa cozinha, fez aquele cômodo lá no fundo, tem um cômodo lá em cima e fez banheiro pra empregada, pôs uma escada, mas eu nunca subi lá, que não tem corrimão, e eu tenho muito medo de cair, então, nunca subi lá.
P/1 – E conta uma coisa pra mim, o seu marido continuou trabalhando no Correios e a senhora com o salão?
R – É, ele no Correios e eu no salão. Dinheiro dele era só pra jogo.
P/1 – Era só pra jogo?
R – Carteado.
P/1 – E como era a relação da senhora? A senhora falou que ele ficou muito malcriado, por quê? Ele brigava muito com a senhora por causa do quê?
R – Por causa do jogo, né?
P/1 – A senhora brigava…
R – Eu achava ruim com ele por causa do jogo. E quando eu recebi a herança do meu pai, que era o Morro do Ouro, eu cheguei aqui e fui ao banco pra passar para o meu nome, né? Aí, ele falou comigo assim: “Você não vai partir o dinheiro do seu Romualdo comigo, não?”, falei: “Não. Pra você pôr no jogo? Não vou partir, não”, e fiquei encucada com isso na cabeça. Fiquei anos encucada com isso. Aí, teve umas amigas minhas, minhas cunhadas: “Lazy, deixa de bobagem”, ficava com a cabeça encucada de porquê que eu não parti esse dinheiro com ele, sabe? Fiquei assim, chateada. Ficava com aquilo na cabeça, achando que eu tava pecando, sabe? Aí, teve uma amiga que falou comigo: “Vai confessar, confessa com o pare e pergunta ao padre se você tem que cumprir isso”, aí eu conversei com o padre, confessei, ele falou: “Não senhora, não fica encucada com isso, não, se tivesse dado o dinheiro, tinha posto tudo no jogo. E a senhora hoje não tinha nada”, aí foi que eu fiquei descansada da cabeça. Saiu isso da minha cabeça, não pensei mais. Graças a Deus.
P/1 – E conta um pouquinho pra gente, a senhora tava trabalhando no salão, ele trabalhava, jogava, a senhora teve a primeira filha logo que a senhora casou?
R – Nove meses e dez dias.
P/1 – Já nasceu a…
R – A primeira filha.
P/1 – E como é que é o nome dela?
R – Lácia. Ela é cabelereira, mora na esquina de lá.
P/1 – A senhora já veio morar logo nessa casa, quando ela nasceu?
R – Não, ela já era maiorzinha, que a diferença de idade delas é de 16 anos. Eu fiquei estéril no parto de Lácia. Doutor Romualdo mais Doutor Asti tirou a criança antes do tempo, porque ficou com medo, as minhas crises de asma eram demais, ficou com medo de uma crise de asma e morrer eu e ela. Ele era parente do meu marido, chamou e falou comigo: “Você não vai esperar vencer os nove meses, não, eu vou tirar essa criança antes”, aí tirou e eu fiquei estéril, que o parto foi muito alto. Fiquei 16 anos sem arranjar filho. Aí quando eu tava entrando na menopausa, eu fui em Goiânia pra fazer um tratamento, que na minha família, todo mundo da minha família que era mulher, a menopausa passava aos 40 anos. A minha vó apareceu com 38, então, eu fui a Goiânia pra olhar isso, né, e me deu um remédio para esterilidade, no outro mês, eu engravidei de Gabriela. E as minhas freguesas, tudo que não tava tendo filhos, que não tinha filho nenhum, tudo ficou louco, eles foram atrás de mim pra dar o nome do remédio pra elas tomarem pra engravidar, pois não é que engravidaram, minha filha? (risos)
P/1 – E a senhora queria ter outro filho ou outra filha?
R – Quando eu fiquei grávida de Gabriela, já tava com 40 anos, então, meu sobrinho que é médico lá em Uberlândia até hoje, ainda é médico, ele veio cá, me buscou e tirou a criança, o professor dele lá fez o parto e me deu um remédio pra acabar a esterilidade. Aí quando eu vim de Goiânia que eu engravidei de Gabriela, a quantidade de mulher que foi atrás de mim por causa do remédio pra tomar. As que não tinha filho, né? Aí, eu engravidei, dei a luz de Gabriela lá em Uberlândia, ela nasceu lá, mas ele me operou pra não ter mais, eu já tava entrando na menopausa, né, que é muito perigoso gravidez na menopausa. Então, ele me operou.
P/1 – E aí, como é que foi ter uma neném, começar tudo de novo?
R – Tudo de novo, eu não sabia nem dosar mamadeira, mais (risos).
P/1 – A senhora tava com o salão, ainda?
R – Ainda tava com o salão.
P/1 – E aí, como é que a senhora fazia com ela pequenininha? A senhora levava ela com…
R – Levava pro salão, punha no carrinho e levava pro salão. O salão era onde é o meu quarto, hoje.
P/1 – Ah, o salão da senhora era dentro de casa?
R – Dentro de casa. Nunca trabalhei fora não, toda vida foi dentro de casa.
P/1 – E aí, conta um pouquinho pra mim… E o seu marido… A senhora teve uma padaria, não foi?
R – Montei a padaria pra ele, comprei as montagens tudo em São Paulo.
P/1 – Quando foi isso? A senhora já tinha a… a Gabriela já era nascida?
R – Gabriela nasceu aqui nessa casa, aliás…
P/1 – Então, mas quando a senhora montou a padaria, ela já tinha nascido?
R – Já tinha nascido. Aí, ficou quatro anos com a padaria, vendeu que não ia levantar às quatro horas da madrugada pra trabalhar.
PAUSA
P/1 – Então, dona Lazy, quando a senhora resolveu montar a padaria, ele tinha saído do Correios? Por quê que a senhora resolveu montar a padaria pra ele?
R – Porque ele saiu do Correios, não quis trabalhar mais, né? E eu montei a padaria que o irmão dele era padeiro, muito antigo aqui de Paracatu, ele quis que montasse uma padaria e montei uma padaria. Depois de quatro anos que tava trabalhando, um dia resolveu vender, falou nada comigo, quando ele chegou aqui que ele falou comigo: “Já entreguei a padaria” “Entregou pra quem?” “Vendi ela”, eu fiquei tão decepcionada que eu não tive palavras pra responder ele.
P/1 – E a senhora montou essa padaria com o dinheiro que a senhora tinha recebido…
R – Do salão.
P/1 – Ah do salão?
R – É, meu salão deu muito dinheiro. Comprei a casa e montei a padaria pra ele.
P/1 – E aí, o que a senhora fez com a casa? Ele tinha vendido a padaria, a senhora fez o que com a casa?
R – Aluguei… Aluguei, não, minha filha… Passou pra ela, né, hoje é ela que mora lá. Tem muitos anos que ela mora lá.
P/1 – E aí, o que aconteceu? A senhora ficou com o salão até quantos anos, mais ou menos?
R – Trinta anos o salão.
P/1 – E aí, a senhora foi fazer o quê?
R – Não fiz mais nada. Tinha recebido a herança do meu pai, né?
P/1 – E o seu pai morreu em que ano, a senhora lembra?
R – Eu morava nessa casa lá atrás do Rosário. Tem mais de 40 anos que ele morreu, é capaz de já ter uns 50 anos que ele morreu.
P/1 – E aí, a senhora recebeu a herança que era o Morro do Ouro?
R – É.
P/1 – E aí, a senhora não quis vender, ficou você e seus irmãos todos donos do Morro do Ouro?
R – Recebendo dinheiro do Morro do Ouro. Nós todos recebemos.
P/1 – Mas o que acontece? Quando o seu pai morreu, já tinha a empresa lá ou…
R – Não, foi logo depois que ele morreu que a empresa veio.
P/1 – E aí, a empresa fez o quê? Ela arrendou? O que ela fez?
R – Eles quiseram comprar, de todo jeito, eles queriam comprar, mas nós, os irmãos nos reunimos e não quisemos vender. Dinheiro na mão é vendaval. Vamos ficar recebendo por mês que é muito melhor.
P/1 – E naquela época era RPM [Rio Paracatu Mineração].
R – Até hoje é RPM.
P/1 – E conta uma coisinha pra mim, a senhora disse que parou de trabalhar, mas como é que surgiu a cozinha, pra fazer os quitutes, como é que foi isso?
R – Eu tinha o salão e fazia os quitutes pra fora, minha filha (risos). Tinha dias que essa mesa aqui ficava lotada de coisas. A Maçonaria… Meu irmão entrou pra Maçonaria, quem fez o jantar fui eu. Dessa data em diante, eu nunca mais parei de fazer jantares, ceias, banquetes pra eles.
P/1 – Ah, então a senhora tinha um cliente que era a Maçonaria, que era cliente da senhora?
R – Nossa, muitas freguesas, muitas pessoas foram meus fregueses que vinham pra eu fazer as coisas. Mas eu vou te contar, viu, eu tenho um livro de receitas onde tem a fotografia minha com um leitão a pururuca, lombo de porco assado recheado. Quando eu fiz 80 anos, eu tô vendo a casa enchendo de gente me cumprimentando, falei que não queria fazer nada no meu aniversário de 80 anos, mas elas fizeram tudo escondido, Lácia mais Gabriela e quando eu tô sentada ali, o povo tá chegando, me cumprimentando, o quintal tudo armado com mesas, menina, se você visse o jantar que elas fizeram! Aí, quando eu sentada lá na cadeira, elas entram com um embrulho, a Lácia e a Gabriela, um embrulho desse tamanho assim: “Agora eu peço pra vocês um silêncio que eu vou oferecer um presente pra minha mãe e pra vocês”, quando ele tirou do embrulho, a minha fotografia no livro, livro de receitas que ela mandou fazer. Mas eu fiquei tão emocionada, tão emocionada que eu não tinha palavras pra agradecer ela, de tão emocionada que eu fiquei.
P/1 – A senhora sempre fez coisas pra fora, mesmo com o salão?
R – Mesmo com o salão.
P/1 – E o que a senhora vendia?
R – Tudo, empadinha, pastel, tudo que você pensar nesse mundo, eu fazia. Aqui, ela me mostrou a fotografia, eu fiquei emocionada demais.
P/1 – Que bonito. E é um livro que ela fez com as suas receitas?
R – Com as minhas receitas.
P/1 – E o que a senhora fazia que todo mundo gostava?
R – Tudo que eu faço.
P/1 – Mas não tem uma coisa assim que as pessoas falavam: “Eu vou lá…”?
R – O que é uma delícia é esse Mané com abacaxi que foi eu que inventei.
P/1 – Ah, o Mané Pelado com abacaxi?
R – É. E todo mundo adora. E as desmamadas não chega pra quem quer, minha filha. Tem dias que eu faço oito, dez formas de desmamadas.
P/1 – E o Mané Pelado com abacaxi como é que a senhora inventou? Conta pra nós.
R – Eu tava fazendo o Mané Pelado que eu gosto muito, aí perguntei: “Claudia, tem algum doce na geladeira?” “Tem, vou olhar do que é”, ela trouxe pra mim a vasilha com doce de abacaxi, que eu faço doce de abacaxi com coco ralado. Aí… Olha aí as minhas receitas, macarronada assada que é uma delícia, a farofa de ameixa pra rechear lombo, tutu à vó Lazy, aqui o lombo assado recheado, leitão a pururuca…
P/1 – Aí que bonito esse.
R – Tinha fim de ano na padaria que nós assamos 15 leitões e eu temperava tudo e punha pra assar. Elas me entregavam o leitão morto, eu que temperava, fazia tudo. Tem pernil assado também, o tal arroz de Braga que foi o meu bisavô quem trouxe a receita de Portugal. É uma delícia esse arroz de Braga.
P/1 – E como a senhora aprendeu a fazer?
R – Uai, com a minha vó! Eu não tô contando que eu aprendi muita coisa com a minha vó! Arroz de Braga.
P/1 – E essa arroz de Braga, como é que ele trouxe a receita? Ele veio de Portugal?
R – Trouxe a receita no papel escrito, né? Aqui é o pastelzinho de carne. Aqui é eu mais ele.
P/1 – A senhora e o seu marido?
R – É. Papafina, vocês conhecem papafina?
P/1 – Não, como é papafina?
R – Dois litros de leite, oito gemas, meio quilo de açúcar e casquinha de limão.
P/1 – É um mingau?
R – É. Você põe nas tacinhas pra comer nas taça. Os aniversários de Lácia, de Gabriela, eu fazia os calicezinhos desse tamanho cheio de papafina. As meninas adoravam, nossa senhora (risos), comiam, viu? Esses ovos nevados com passas e vinho é uma delícia, também aprendi com a minha avó. É gostoso demais. Esse irmão meu que morreu o ano passado, toda vez que ele falava que vinha pra cá, eu corria pra cozinha pra fazer o doce, porque ele era louco por esse doce. A gente queima a calda e põe os ovos pra cozinhar e vai mexendo, mexendo e põe passas, sabe? É uma delícia. Caçarola italiana, também, vocês conhecem caçarola italiana?
P/1 – Não, como é que é?
R – É um pudim. Também uma delicia isso. Olha o tal dos ovos nevados, aqui. E aqui tudo é as claras com canela em cima. A gente faz a papafina, põe numa tigela bem transparente. Primeiro, você bate as claras em neve e vai pondo as colheradas na panela e cozinhando no leite com açúcar. Vai tirando e pondo na peneira pra escorrer, depois passa a papafina e põe as claras em neve em cima. Além de ser delicioso, é bonito, também. Ó o tal do mané pelado com doce de abacaxi (risos). Foi uma pena que eu não guardei um pedaço pra vocês comer, eu nem lembrei, menina.
P/1 – Imagina!
R – Podia ter guardado, uai! Aqui é o pastel português, o pastel de doce de nata.
P/1 – E aí, a massa dele é igual o pastel comum?
R – É, mas tem a receita da capa é assada em vez de ser frita, é uma delícia também, sabe? E o doce de ovos, doce simples de ovos, baba de moça, é uma delícia. Eu vou contar pra vocês o caso dessa baba de moça.
P/1 – Conta.
R – Dom Elizeu, o Bispo daqui muitos anos atrás, ele ia muito na casa da minha tia lanchar. Quando foi um dia, ela me chamou, falou: “Minha filha, vem cá pra me ajudar a fazer, porque o Bispo mais o padre vêm pra cá lanchar” “Então nós vamos fazer uma baba de moça, tia” “É mesmo, vamos fazer uma baba de moça”, aí quando eles chegaram, sentaram na mesa pra lanchar, ele olhou a mesa e não viu a baba de moça: “Dona Diva, cadê a baba de moça?”, aí ela falou assim: “Vou buscar, tá aqui na geladeira”, era doido com baba de moça, que a dona Maria Ozorio Botelho também fazia muito e mandava pra eles a baba de moça, sabe? É uma delícia essa baba de moça. Ambrosia assada também vocês não conhecem, não, né? Vocês perdem muita coisa, é uma delícia essa ambrosia assada, a desmamada.
P/1 – E a desmamada como é que é feita?
R – Dois litros de leite, meio quilo de farinha de trigo pra fazer o mingau e você faz o mingau, depois você bate nove ovos, primeiro as claras e depois, as gemas, deixa bater bastante pra tirar o cheiro e você põe na gamela ou numa bacia, põe essa massa lá dentro, bate os ovos, mistura, tem que por uma colher grande de manteiga, colher de arroz, uma colher de manteiga, coco ralado e despeja essa massa aqui no coco e na manteiga, sabe? Depois, você põe nas formas de assar bolo, muito bem untada com manteiga e depois passa farinha de trigo, pra poder não pregar. Aí, assa e depois dela asada e fria, você despeja na vasilha que você quiser. Outro dia eu fiz aqui, minha sobrinha outro dia fez na casa dele e esqueceu de untar a forma, passar farinha de trigo, quebrou a desmamada tudo. Ave Maria, coisa que faz raiva na gente. Isso aqui é bala de puxa, tal do bolo domingo, é feito com fubá de arroz. Outro dia veio um rapazinho aqui me pedir pra ensinar ele fazer a baba de moça. Aí, ele falou assim comigo: “Porque eu fui na casa de dona Tereza, lá em cima, pra ela me ensinar e ela não me ensinou direito, não, não prestou o bolo domingo que eu fiz”, aí eu falei: “Então você traz tal, tal e tal ingredientes que eu vou te ensinar”, aí ele mandou fazer o fubá de arroz, uma senhora que mora lá em Santana que faz pra gente, o fubá de arroz pra fazer o bolo domingo. Aí eu fiz, ele vendo tudo e participando comigo da receita, aí quando assei, que tirei da forma que mostrei pra ele, mas ele ficou doido, falou: “Nossa senhora, dona Lazy, mas que maravilha”, comeu, levou pra casa pra família dele: “Eu vou fazer pra vender, dona Lazy” “Então faz meu filho, que eu não tô fazendo mais não”. Agora são só fotografias.
P/1 – E me fala uma coisa dona Lazy, a senhora contou um pouquinho que a senhora trabalhava com o salão e fazendo doces e ainda com a Gabriela muito pequena. E como foi criar uma filha depois de muito tempo e a outra já estar grande, como é que foi isso?
R – Foi muito bom, uai. Era uma criança a mais na casa, porque uma criança enche uma casa, né? Nunca tive problema, não, tinha uma pessoa muito minha amiga que olhou meus sobrinhos na casa da minha irmã, então quando eu tive Gabriela, ela veio ficar comigo. Então, cuidava de Gabriela como se fosse uma mãe.
P/1 – E a Gabriela era muito levada? Como é que era?
R – Muito, muito levada. Ela deitava no sofá e a Totonha ficava com a mamadeira na mão esperando a hora que ela quisesse mamar, a senhora precisa de ver o carinho que essa criatura tinha com Gabriela. Ainda é viva até hoje, mora na casa de umas sobrinhas minhas lá em Brasília.
P/1 – E assim, aconteceu alguma coisa com a Gabriela que a senhora ficou muito preocupada?
R – A queda dela aqui, né?
P/1 – Como é que foi isso?
R – Ela tava brincando com dois cachorrinhos aqui nesse passeio que Aurea de Gregório, minha amiga deu a ela os cachorrinhos, que ela era doida com cachorro. E tinha um latão de lixo aqui embaixo, ela afastou pra trás e caiu de costas, ficou pendurada, metade por dentro e metade pra fora, né? Aí, a gente tinha um sofá que não tinha essa porta, tinha um sofá aqui, ali tinha porta, nós corremos com ela, pusemos aqui no sofá e ela falava comigo: “Não pega em mim não”, chorando, gritando, levei pro médico, o médico falou: “Olha, dona Lazy, a senhora vai correr com ela pra Brasília, porque ela tá com hemorragia interna. Nós chegamos com ela lá, ela pegou a chave dele e passou assim no pé dela, ela nem mexeu: “É hemorragia interna, dona Lazy. Vou telefonar para Doutor Romualdo agora pra ele estar na porta do hospital esperando vocês”, e assim fez. Nós chegamos lá, ele já tava na porta do hospital nos esperando, meu irmão foi daqui lá buzinando pra ninguém atravessar na frente e eu com ela no colo, sentada atrás no banco com ela no colo. Aí chegou, ele foi chegando, recebendo a criança, entrou com ela pra sala de operação, depois de uma hora, mais ou menos, ele voltou, me chamou e falou comigo assim: “Vem cá, Lazy”, eu fui, ele me abraçou, me beijou e falou comigo assim, pôs a mão pro céu: “Não fui eu que salvei sua filha, foi o ser supremo” “São Benedito e Nossa senhora da Aparecida”, aí depois, ele tornou me abraçar: “Vai ter fé criatura” (risos).
P/1 – E a senhora fez alguma promessa?
R – Fiz, eu rezei demais pra São Benedito e pra Nossa Senhora Aparecida que a primeira missa de São Benedito, dia 20 de junho fez 40 anos que eu sai daqui par lá, a morte, né? Aí, eu saí daqui rezando, pedindo a São benedito pra não deixar minha filha morrer, pois ele me atendeu, e cometeu esse milagre milagroso de ter salvado a vida dela, né, minha filha? Ele e Nossa Senhora Aparecida, sou muito devota com ela. Eu tenho uma promessa de ir lá em Aparecida do Norte, lá em São Paulo, pra ascender uma vela do tamanho dela. Mas antigamente, eu não tinha condições financeiras de ir e agora, eu não tenho condições de viajar uma viagem dessa, né? Então, eu já falei com ela: “A hora que eu morrer, você vai lá em São Paulo, ascender a vela pra você”.
P/1 – E como é que eram as festas aqui, religiosas? Tinham muitas festas religiosas?
R – Muito, tinha muito mais do que tem hoje.
P/1 – E como é que eram essas festas?
R – As festas religiosas são muito boas, muitas barraquinhas. Por exemplo, eu mesmo faço muita coisa pra São Benedito, sabe? Cada tachada de coisa que eu levo pra lá. Arroz carreteiro, farofa de frango com banana que é uma delícia, faço desmamada, ontem eu fiz essa mané com doce de abacaxi, fiz uma pratada desse tamanho, assim, e já pus tudo nas forminhas de papel e falei com eles, dei sugestão: “Vai vender cada um por dois reais. Vai render 60 reais pra São Benedito” (risos).
P/1 – Então, tinha a Festa de São Benedito? Qual outra festa que tinha aqui?
R – Nossa Senhora do Rosário, Nossa Senhora Aparecida, até hoje ainda tem. Nossa Senhora Aparecida, a igreja dela é lá… cCmo que chama o bairro? Meu Deus, esqueci o bairro, Bela Vista. Qual outro santo que tinha também? Esqueci.
P/1 – São João também tinha?
R – São João também, minha filha, São João é as fogueira, né? Tem uma senhora aqui que é lá da divisa do Brasil. lá no norte, proibiu de fazer fogueira e soltar foguete, ela não gosta de foguete. Gente, mas que vontade de virar e falar: “A senhora não é daqui, não, a senhora vai assistir as novenas e participar que você não é daqui, você tem que rezar muito pra São Benedito”, proibiu, minha filha, e o povo hoje não faz, não solta foguete e não faz a fogueira. Antigamente, fazia fogueira, sabe? Hoje não tá fazendo mais.
P/1 – E eu queria que a senhora falasse um pouquinho… Asenhora acabou tendo as duas meninas, quantos netos a senhora tem hoje?
R – Dois netos.
P/1 – É um menino e uma menina?
R – É, Fausto e Fernanda. Porque teve outro que morreu, Samir, foi matado em Brasília com quatro tiros.
P/1 – Quantos anos ele tinha?
R – Vinte e três anos.
P/1 – Muito novinho, né?
R – Telefone tocou era três horas da madrugada. Aí, Gabriela falou: “Não vou atender mãe”, que ela dormia no quarto comigo. “Vai atender, sim, que pode ser incomodo na família”, aí desligou, tornou a tocar, ela falou: “Não vou atender, mãe, isso é um desaforo telefonar pra casa dos outros três horas da madrugada”, aí eu falei que fosse atender da terceira vez, ela levantou e atendeu o telefone e não falou nada comigo, só puxou a perna de Fausto, assim, Fausto é o meu neto, irmão do Samir, puxou a perna dele: “Levanta, vem cá”, e saíram aqui pra dentro conversando baixinho pra eu não escutar. Aí, eu perguntei: “Onde é que vocês vão?” “Nós vamos ali, mãe, voltamos já”, sairam os dois, foram pra casa de Lácia, foram lá avisar a Lácia, que Lácia que é mãe dele, né? E me deixou aqui, minha filha. Eu fiquei assim, apavorada. Aí, aquando foi na hora que eu levantei, eu tava sentada aqui no sofá que tinha um sofá aqui nessa varanda de lá, tinha acabado de tomar café sentei ali no sofá, aí a casa começou encher de gente, eu falei: “O que é isso, gente, vocês vieram tomar café comigo e não me avisou?” “Não viemos tomar café, não Lazy, a gente chamou o médico, Doutor Romualdo”, o nome também do meu pai, aí ele foi logo pegando o meu braço e tirando o meu relógio pra tomar minha pressão, escutar o meu coração; “Pra que isso, doutor? Eu não chamei o senhor aqui pra isso. O que é isso?”, ele falou: “Cala boca, Lazy” “Eu não calo, não. Por que você tá tirando a pressão?”, aí ele falou: “Eu não tenho uma notícia boa pra te dar, não” “O que foi?”, depois que ele escutou, olhou, viu que eu tava bem, né, ele falou comigo assim: “Tenho uma notícia muito ruim pra dar pra você” “O que foi, meu filho? Fala logo” “Seu neto morreu” “Qual deles?” “Samir, foi matado lá em Brasília”, e nisso, Gabriela mais Fausto já tinham saído de carro pra buscar o corpo dele, nossa senhora, mas Misericórdia de Deus, não gosto nem, de lembrar, oh coisa horrível, né, gente? Nossa Senhora da Abadia! A gente fica sem conformar. Menino bonito, inteligente, sabe? Nossa Senhora. Ele estava estudando em Brasília, mas engraçado, o que é coração de mãe, né? Eu tinha uma preocupação com esse menino lá em Brasília, com o mais velho, eu não tinha, não, mas com Samir eu tinha. Ele era muito arredio, sabe? Então eu tinha preocupação demais com ele. Acho que coração de mãe conta, né? Nossa senhora, fiquei apavorada, nossa Senhora da Abadia.
P/1 – Eu queria que a senhora falasse um pouquinho como é que a Lácia virou cabelereira?
R – Foi só eu largar que ela pegou (risos). No mesmo salão.
P/1 – A senhora que ensinou ela a trabalhar?
R – Ensinei não, ela via, né? A gente trabalhar, depois ela fez o curso de manicure em Patos também e veio e trabalhava comigo. Aí, quando eu larguei o cabelo, ela pegou. Depois ela já fez curso em São Paulo, já fez em Belo Horizonte, já fez em diversos lugares, em Brasília.
P/1 – E hoje, como é que foi ver a reforma da sua casa? Como é que isso aconteceu? Conta um pouquinho pra gente.
R – Quando eu mudei pra cá, que a casa estava em um estado muito precário, né, aí quando foi um dia, Dália Gabriela falou assim comigo: “Mãe, eu acho que eu vou dar uma reformada nessa casa da senhora” “Com que dinheiro, minha filha?” “Da onde sair eu vou fazer”, aí foi o meu neto que me emprestou 70 mil pra poder arrumar a casa, que ele já trabalhava fora, né? Então, ele me emprestou o dinheiro. Aí fui pagando ela devagar, mas paguei tudo.
P/1 – E quem fez o projeto?
R – Foi ela mesmo, Gabriela. Ela quem fez o projeto, que arrumou tudo. E eu mudei daqui pra casa da frente, porque eu não podia com pó, poeira. A casa era toda de adobe, teve que desmanchar paredes, então eu não podia com aquele cheiro de adobe, da terra, né? Aí, eu mudei pra casa da frente e não vim cá nem um dia pra dar palpite. Quando eu entrei aqui no dia que ela me buscou lá na fazenda da minha sobrinha, que eles me levaram, eu cheguei aqui, que a casa tava repleta de gente, até o padre tava aqui pra poder benzer a casa, que eu entrei, eu fiquei tão emocionada, mas tão emocionada que eu não tive palavras pra agradecer ela. E no outro dia, não, no mesmo dia, minha glicose tava 400, correram comigo pro hospital (risos), de emoção, né?
P/1 – E a senhora tava na fazenda de quem? Que sobrinha da senhora que era?
R – Da Lira que eu criei, acabei de criar, filha da minha irmã, eu acabei de criar ela.
P/1 – Por quê?
R – Ela saiu… A mãe dela morava na fazenda e ela veio pra estudar e aqui ficou comigo até quando casou, saiu da minha companhia pra casar (risos).
P/1 – Eu queria que a senhora falasse um pouquinho pra mim, assim, a senhora falou que ficou muito emocionada, mas o que mudou na casa?
R – Mudou muita coisa, né, minha filha! Mudou tudo! Aquela casa, por exemplo, essa parte aqui, ela levantou, a casa era baixinha, o armário da cozinha encostava no teto de tão baixinha que era a cozinha, ali. Então, ela levantou tudo, desmanchou as paredes, fez as paredes de tijolo, que era tido de adobe, muita poeira. Eu não entrei aqui nem um dia pra dar palpite. Só falei assim, quando ela começou a pintar lá fora, as janelas e os portais, eu falei assim: “Gente, mas a menina tá pintando a casa de roxo, meu Deus do céu, o que é isso?”, aí quando eu entrei aqui que eu vi a casa, eu fiquei tão emocionada que eu tô te contando, a glicose foi nas alturas.
P/1 – Hoje, a senhora falou que a empresa… voltando para o Morro do Ouro, o Morro do Ouro ficou na mão da empresa todos esses anos?
R – Esses anos todos.
P/1 – E eles pagam pra vocês…
R – Por mês.
P/1 – E aí, com os seus irmãos que foram falecendo, como é que ficou isso?
R – Pras viúvas, para os filhos. A Terezinha que é casada com o meu irmão abaixo de mim, Fabiano, que nós dois era assim, ela recebe a aposentadoria dele do Banco do Brasil, então não precisa de dinheiro, então, ela passou tudo pro nome deles, os quatro que recebem, filhos dela. Um deles já morreu, ficou três.
P/1 – Então, foi dividido pelos dez irmãos, então?
R – Dez irmãos.
P/1 – E se o irmão não tá vivo, é a família que recebe?
R – É. A família que recebe.
P/1 – E como é que é ver o Morro do Ouro que era um morro agora virar um buraco? Como é que é isso?
R – Vai ser difícil, né? Vai ser muito difícil, deixar aí as crateras abertas, pra gente não receber mais nada, né?
P/1 – Eu queria que agora a senhora falasse um pouquinho se a senhora tem algum sonho, dona Lazy? A senhora tem algum sonho?
R – Tenho não.
P/1 – Não tem nada que a senhora gostaria de fazer?
R – Não. Não tem, não. Eu trabalhei demais nessa vida, né? A ponto de ó… As mãos, eu faço fisioterapia três vezes na semana. E agora começou a doer os pés de tanto ficar em pé, também, né? Espera aí que eu vou ensinar vocês dois aí, em cima da almofada! Esse gatinho preto é insuportável!
P/1 – E como é que foi pra senhora bater esse papo comigo aqui e contar sua história de vida?
R – Muito bem, tô gostando muito.
P/1 – Ah que bom.
R – Poder falar alguma coisa, né?
P/1 – A última pergunta. Qual é o doce que a senhora faz ou a comida que a senhora faz que a senhora mais gosta?
R – Eu gosto de tudo, mas hoje não posso comer mais, né? Doce principalmente, não posso, né? Faço muito empadão, mas só faço de frango caipira porque o tal do frango de granja não tem paladar, não tem gosto, não tem nada, né? Então, tudo aqui em casa é feito com frango caipira e ovo caipira. Aqui não entra ovos de granja e nem tão pouco frango de granja, que eu não gosto, não como, mesmo.
P/1 – Então, eu queria agradecer. Muito obrigada pela senhora conversar com a gente.
R – De nada, filha, às ordens.
FINAL DA ENTREVISTA
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