Projeto West Plaza
Depoimento de Maria Helena Azevedo Arenola
Local- cabine no West Plaza
Data- 09 de junho de 2001
Código: IMG_CB012
Realização Museu da Pessoa
Entrevistadora – Marina D’Andrea
Transcritora- Marina D’Andrea
P – Diga, por favor o seu nome, local e data de nascimento.
R – Maria Helena Azevedo Arenola.
P – Local e data de nascimento.
R – Condeixa-a-Nova, vila de Coimbra, Portugal, 8 de agosto de 1947.
P – Por que a senhora emigrou para o Brasil? Quando?
R – Em 1954. Vim com os meus pais, não sei bem o motivo real, mas, pelo que meu pai contava, era por causa da ditadura que havia no país. O Salazar, parece que era o primeiro ministro na época, e o meu pai também era muito envolvido com política, não aceitava bem o regime militar, essas coisas, então ele emigrou pra cá. Foi mais por esse motivo, até porque meu pai era de uma família que era muito bem de vida, meu pai tinha uma profissão, era alfaiate, tinha uma boa freguesia, e vivia relativamente bem. Inclusive, o padrão de vida que a gente tinha lá, quando viemos pra cá foi bem diferente. Viemos morar num cortiço de imigrantes, foi...
P – Onde era o cortiço?
R – Na Lapa de Baixo.
P – A senhora lembra como era?
R – Era muito interessante. A maioria era de imigrantes, mas tinha muitos brasileiros também. Era muito diferente da ideia que a gente tem de cortiço hoje. Era assim como se fosse um corredor grande, com casinhas de um lado e de outro. E um banheiro de cada lado. O tanque era coletivo, a pia de lavar louça era coletiva, não havia... era um quarto e uma cozinha sem pia. Tinha só o fogão, a mesa e o quarto onde a gente dormia. Era uma pia coletiva, um tanque coletivo, um banheiro coletivo, era tudo coletivo. Mas, a gente falando assim hoje, parece uma coisa assim difícil de se viver, mas na época até que não era. Como eu falei, tinha muitos imigrantes, tinha espanhóis, italianos, portugueses também, e acabamos sendo uma...
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Projeto West Plaza
Depoimento de Maria Helena Azevedo Arenola
Local- cabine no West Plaza
Data- 09 de junho de 2001
Código: IMG_CB012
Realização Museu da Pessoa
Entrevistadora – Marina D’Andrea
Transcritora- Marina D’Andrea
P – Diga, por favor o seu nome, local e data de nascimento.
R – Maria Helena Azevedo Arenola.
P – Local e data de nascimento.
R – Condeixa-a-Nova, vila de Coimbra, Portugal, 8 de agosto de 1947.
P – Por que a senhora emigrou para o Brasil? Quando?
R – Em 1954. Vim com os meus pais, não sei bem o motivo real, mas, pelo que meu pai contava, era por causa da ditadura que havia no país. O Salazar, parece que era o primeiro ministro na época, e o meu pai também era muito envolvido com política, não aceitava bem o regime militar, essas coisas, então ele emigrou pra cá. Foi mais por esse motivo, até porque meu pai era de uma família que era muito bem de vida, meu pai tinha uma profissão, era alfaiate, tinha uma boa freguesia, e vivia relativamente bem. Inclusive, o padrão de vida que a gente tinha lá, quando viemos pra cá foi bem diferente. Viemos morar num cortiço de imigrantes, foi...
P – Onde era o cortiço?
R – Na Lapa de Baixo.
P – A senhora lembra como era?
R – Era muito interessante. A maioria era de imigrantes, mas tinha muitos brasileiros também. Era muito diferente da ideia que a gente tem de cortiço hoje. Era assim como se fosse um corredor grande, com casinhas de um lado e de outro. E um banheiro de cada lado. O tanque era coletivo, a pia de lavar louça era coletiva, não havia... era um quarto e uma cozinha sem pia. Tinha só o fogão, a mesa e o quarto onde a gente dormia. Era uma pia coletiva, um tanque coletivo, um banheiro coletivo, era tudo coletivo. Mas, a gente falando assim hoje, parece uma coisa assim difícil de se viver, mas na época até que não era. Como eu falei, tinha muitos imigrantes, tinha espanhóis, italianos, portugueses também, e acabamos sendo uma grande família.
P – E não havia problema de conviver com outras nacionalidades?
R – Não, não havia, muito pelo contrário. O pessoal fazia muita festa. Dentro da pobreza que a gente vivia, o pessoal era muito unido. Por exemplo, no final de ano, cada um reunia o que tinha e no corredor fazia a mesa, também festas juninas, as crianças se criaram todas brincando ali no corredorzão, na porta, e acabava sendo dentro da pobreza, acabou sendo assim até que...
P – Como eram as comidas?
R – Era assim muito interessante, porque cada família tinha uma nacionalidade, então cada família fazia uma coisa. Os portugueses, a minha família, tinha os costumes, muito peixe, quer dizer, a minha mãe fazia dentro dos costumes, mas na medida do possível, porque o dinheiro também era muito curto. Inclusive, nós chegamos aqui numa época meio difícil, parece que foi na morte do Getúlio, ou perto, tinha sido há pouco tempo, foi em 1954, havia uma crise e meu pai teve dificuldade para arrumar emprego aqui.
P – Em que ele foi trabalhar?
R – Ele era alfaiate e conseguiu continuar de alfaiate. Ele foi trabalhar no Brás, numa loja. Então, dentro do possível, as comidas, cada um fazia dentro dos costumes do seu país. Dentro da possibilidade financeira de cada um. Por exemplo, português gosta muito de bacalhau, mas a gente não comia bacalhau todo dia, porque não tinha condições. Já era caro, quer dizer, (risos) pra gente, pelo menos, era. E assim, fomos indo, aí meu pai começou a trabalhar em casa, eu tinha uma irmã que na época eu tinha seis anos e ela tinha dezesseis. Ela foi trabalhar na Leopoldina, na Lapa, numa firma que não sei se ainda existe, chamava Sami, de materiais elétricos. Acho que nem existe mais. Minha irmã trabalhava no faturamento, nessa época nós vivíamos assim praticamente do salário dela. Porque meu pai não conseguia arrumar emprego e fazia uns biquinhos de alfaiate em casa. Então era essa a dificuldade.
P – A senhora era pequena, mas se lembra de qual foi a primeira impressão do Brasil?
R – Eu lembro. Eu lembro. Eu tive uma impressão, será que eu falo? Eu nunca tinha visto um negro até os meus seis anos. E me assustei um pouco, e essa foi a minha primeira impressão no porto. Mas depois, a gente vai se acostumando. Antes do porto de Santos, nós passamos na Bahia. Não sei se não me chamou a atenção, mas lá me chamou a atenção os costumes. Eles comiam com as mãos, assim, o pessoal do porto, da estiva... todas essas coisas, o tipo de cultura, foi o que mais me chamou a atenção. Eu estranhei.
E o Rio de Janeiro?
R – O Rio de Janeiro, não tenho assim muita impressão.
P – Em que navio a senhora veio?
R – Santa Marina. Levou quinze dias para chegar, embarcamos em Lisboa.
P – A senhora se lembra da viagem?
R – Lembro bem. Interessante, eu lembro que a gente veio no porão, quase o porão do navio. E o navio tinha cabines, as mulheres dormiam com os filhos numa cabine, que tinha vários beliches, e os homens dormiam em outras cabines. Nós dormíamos separados. E teve assim uma noite, um fato interessante, eu era sonâmbula. Eu dormia numa caminha ao lado da minha mãe. Então teve uma noite que eu levantei e minha mãe não viu. Eu subi e fui lá pro convés do navio, lá em cima, pra aquela parte de cima, porque onde nós vínhamos era porão mesmo. Fui lá pra cima, e subi na amurada do navio. Estava meio tempestade, o navio balançava muito, então o guarda que fazia a ronda me pegou assim praticamente pra virar do lado de lá. Por isso que eu falo que quando não tem que ser não é, quando não chega a hora da gente, né? Eu estava meio sonada, mas ele me perguntou o número da minha cabine, eu disse, aí chegamos lá, ele perguntou pra minha mãe se eu era sua filha, minha mão respondeu que não, não, ( risos) minha filha está ali....Isso ficou na minha lembrança. Outra coisa que ficou na minha lembrança foi o calor que a gente passava, porque lá embaixo era perto das máquinas e era muito quente, e então tinha noites que eu ia com a minha mãe dormir no convés...
P – No navio eram só imigrantes portugueses?
R – Eram mais portugueses, tinha alguns outros, que eu me lembre. Minha irmã arrumou um namoradinho no navio...
P – Era um navio português?
R – Era. E naquela época tinha que ter outro imigrante, que já morasse aqui, e que mandasse uma carta chamando, se responsabilizando, uma carta de chamada, que é o que eles diziam naquela época. Então, tinha um senhor, amigo do meu pai, que mandou essa carta se responsabilizando por nós. E foi interessante que esse senhor, que era português e já morava aqui há algum tempo, mandou uma carta pro meu pai, e entre outras coisas, disse que a gente não tinha que trazer roupa de frio porque aqui só fazia calor. E minha mãe se desfez de tudo. (risos) Chegamos aqui quase sem roupa de frio. E quando chegamos estava frio. E nós não tínhamos roupa de frio. Então foi muito difícil. Foi um começo assim difícil, comparando com os padrões que tínhamos lá.
P – Mas vocês pagaram as passagens, né?
R – Pagamos. E passamos pela Imigração. Tomamos vacinas, varíola, escarlatina....
P – Depois do cortiço, para onde se mudaram?
R – Ficamos muitos anos lá, uns seis ou sete anos, e depois meu pai comprou um bar na Lapa de Baixo mesmo. Aí ficamos um bom tempo lá, e fiquei naquele bar até os meus vinte anos mais ou menos.
P – E como era o bairro, como era a vida naquele bairro?
P – Eu gostava muito da Lapa de Baixo. Porque do cortiço onde nós morávamos pra onde eu fui morar seria assim um quarteirão. A vida era muito boa, tinha muitos imigrantes ali.
P – Não tinha inundações?
R – Tinha, na Ermano Marchetti, era praticamente uma lagoa, tinha uma lagoa ali. Ali dava muita inundação realmente. Eu devia ter os meus quinze anos, era por volta de 1965, ali dava muita inundação, também na Tenente Landy.
P – Parou quando e por quê?
R – Parou porque depois eles começaram ali ... passou o asfalto ali, a fazer aquela avenida, a Ermano Marchetti, depois teve a continuação, a Edgar Facó, depois as construções vieram vindo, canalizaram o córrego e foi diminuindo.
P – Quais os costumes que a sua família guarda de Portugal?
R – Não guardo assim muitos. Mas alguma coisa na alimentação, por exemplo, a minha mãe no Natal, ela fazia algumas coisas típicas. Por exemplo, umas broinhas, um outro doce que se chamava escarpiada, feito com massa de pão, e dentro vai azeite, açúcar e canela. Porque é assim. Minha mãe me contava que lá em Portugal, na vila onde eles moravam tinha um forno de lenha coletivo onde todas as mulheres iam assar o pão. Então, elas levavam a massa de casa e iam assar o pão lá. Com a massa que sobrava do pão, elas faziam essa escarpiada, porque lá o azeite era muito abundante, então foi uma criação. Pelo menos ali na vila, na região onde a gente morava. A escarpiada. Ela abria a massa, punha azeite, açúcar, canela. Então, aqui também minha mãe fazia muito. Eu ainda faço, minha filha gosta muito, e as broinhas de Natal, que nunca faltam em casa. Mesmo agora que minha mãe faleceu, as broinhas continuam. São feitas com fubá, com farinha, depois levam uns condimentos, nozes, passas, todas aquelas coisas típicas.
P – E o que a senhora faz hoje ?
R – Sou dona de casa. Mas dizem que falo muito alto, sou muito dramática, tradição do povo português. A família toda é assim. É um costume. Outro costume que ainda tenho é o da mesa farta. Até hoje, apesar de as minhas duas filhas terem já se casado, estou sozinha com o meu marido, e tenho essa dificuldade de fazer pouca comida. Não gosto de mesa vazia e sinto que isso é uma coisa que eu trouxe. Porque minha mãe, mesmo nas épocas mais difíceis, tinha pouca comida, mas nunca era pouca. Sempre ela tinha variedade, aquela coisa da mesa cheia, era um pão, uma broa que ela fazia, era mais uma coisinha....Sem desperdício, mas farta. E eu tenho isso até hoje comigo.
P – Como está sua vida hoje sem as filhas que se casaram?
R – Agora está um pouquinho melhor. Acho que vou chorar e mostrar o meu lado português. É que hoje também é uma data importante. Porque foi a data de falecimento de minha mãe, há quatro anos. Ela morava com a gente e tínhamos uma ligação muito forte, e até hoje fui ao cemitério.
P – O que achou de dar esse depoimento?
R – Achei bom porque me reavivou muitas coisas.
P – A gente agradece muito a entrevista.
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