Museu da Pessoa – Conte sua história
Histórias de Esperança – 29 anos do Projeto Criança Esperança
Depoimento de Rui Fernandes de Freitas
Entrevistado por Eliete Pereira
Santo André 09/03/2015
Realização Museu da Pessoa
Entrevista HECE_HV_46
Transcrito por Liliane Custódio
P/1 – Bom ...Continuar leitura
Museu da Pessoa – Conte sua história
Histórias de Esperança – 29 anos do Projeto Criança Esperança
Depoimento de Rui Fernandes de Freitas
Entrevistado por Eliete Pereira
Santo André 09/03/2015
Realização Museu da Pessoa
Entrevista HECE_HV_46
Transcrito por Liliane Custódio
P/1 – Bom dia, Rui.
R – Bom dia.
P/1 – Rui, qual o seu nome completo?
R – Rui Fernandes de Freitas.
P/1 – Onde você nasceu?
R – Santo André.
P/1 – Qual a data de nascimento?
R – Quatro de novembro de 1979.
P/1 – E o nome dos seus pais, Rui?
R – Manoel e Francisca.
P/1 – O nome completo deles?
R – Manoel Batista de Freitas e Francisca Fernandes de Freitas.
P/1 – Os seus pais, eles fazem o quê? Ou faziam o quê? Eles são vivos?
R – São. Eles são aposentados, os dois.
P/1 – Eles são aposentados do quê? Da Prefeitura? O que eles faziam?
R – Não, minha mãe sempre foi dona de casa. Meu pai trabalhou em metalúrgica, trabalhou em vários lugares.
P/1 – Eles são daqui de Santo André?
R – Não. São do Ceará.
P/1 – Você sabe qual a região?
R – Região do Juazeiro do Norte, Crato, aquela região ali.
P/1 – Você já visitou?
R – Ah, eu fui uma vez, mas faz muitos anos. Eu fui para o Nordeste várias vezes nos últimos tempos, mas para o Ceará ainda não. Eu fui pra lá, eu tinha oito anos.
P/1 – E como você poderia descrever o seu pai e a sua mãe?
R – Nossa, eu acho que aqueles nordestinos típicos, meio até rudes, tal. Mas apesar de transparecer assim até certa... Como eu vou dizer? Essa rigidez parece transparecer até alguma repressão, mas acho que não, acho que tudo era visando o cuidado dos filhos. Porque eles tiveram sete filhos. Hoje têm quatro. Mas acho que apesar dos limites deles, eles sempre cuidaram muito bem dos filhos. Minha mãe não sabe nem ler, nem escrever, então... Eles estão aqui há quase 40 anos. No Nordeste, eles sempre trabalharam na roça. Meu pai mudou quando ele veio pra... Ele veio primeiro, minha mãe veio depois.
P/1 – Eles já eram casados quando eles...
R – Já. Já tinham... Eles tiveram quatro filhos lá, mas só sobreviveram dois, aí eles vieram com duas filhas pra cá.
P/1 – Vocês já tinham família? Eles já tinham irmãos aqui?
R – Não. Não. Meu pai foi o primeiro.
P/1 – O seu pai já contou essa história pra vocês?
R – Já. Ele trouxe o pai dele depois, o meu avô, que morreu recentemente, aí veio todo mundo, vieram os irmãos dele, veio a mãe dele, a minha avó, que também faleceu recentemente.
P/1 – Mas o seu pai já contou por que São Paulo?
R – Ah, porque lá na época era visto como Eldorado, a terra das oportunidades, então acho que a grande maioria dos nordestinos, pelo menos, almejava vir pra São Paulo, porque eles viam como a terra de oportunidades.
P/1 – Ele chegou diretamente a Santo André, ou ele...
R – Não, São Paulo. Ele nunca morou em Santo André, ele sempre morou na zona leste. Não reside aqui.
P/1 – Qual bairro?
R – São Mateus. Sempre morei lá. Nunca residi aqui... Eu nasci aqui no ABC, meu irmão também nasceu aqui no ABC, mas a gente nunca morou aqui. A gente mora próximo, na divisa, mas no ABC mesmo a gente nunca morou, não.
P/1 – Então o São Mateus é um bairro de São Paulo, não de Santo André.
R – É. Da zona leste. Não, é da zona leste de São Paulo.
P/1 – E como foi sua infância?
R – Acho que foi boa. Eu costumo dizer que acho que fui a última geração que brincou na rua (risos), porque depois a coisa complicou. Mas deu pra aproveitar bastante. Acho que a gente ainda tinha essa liberdade.
P/1 – E, Rui, você na posição dos filhos, você falou que seus pais tiveram sete filhos.
R – Sete filhos.
P/1 – Assim, você é o...
R – O sétimo.
P/1 – Você é o filho caçula.
R – O caçula. O mais novo.
P/1 – E assim, como era a sua relação com os irmãos, com o seu pai quando era pequeno? Você falou que vocês brincavam na rua, vocês brincavam de quê, por exemplo?
R – Nossa, de rouba bandeira, chamava de bandeirinha na época, de futebol, vôlei a gente jogava bastante na rua, queima, essas brincadeiras que na época... Hoje em dia a gente não vê mais.
P/1 – E os irmãos também brincavam?
R – Meu irmão. Minhas irmãs já eram mais velhas. Eu e meu irmão, a gente tem dois anos e pouquinho de diferença. Agora, as minhas irmãs já são mais velhas, eu não brinquei muito com elas, não.
P/1 – Você pode falar o nome dos seus irmãos, assim, por ordem de nascimento?
R – Maria... Dos que estão vivos?
P/1 – Dos que estão vivos.
R – Maria, Rosilene e Ronaldo.
P/1 – Então você brincava mais com o Ronaldo?
R – É.
P/1 – E como foi a escola, Rui? Você estudou no bairro, ou não?
R – Num bairro vizinho. A família inteira estudou na mesma escola, desde a minha irmã mais velha, até eu que sou o mais novo.
P/1 – Você estudou desde o ensino fundamental, até o ensino médio.
R – Até o médio. Isso. Na época ainda era tudo numa escola só. Hoje em dia não é mais, mas todo mundo lá em casa da primeira até o ensino médio na mesma escola. Era um bairro vizinho, não era exatamente no mesmo bairro que a gente estudava. Na verdade, até a quinta série foi tran... Na quinta série eu desandei, tanto que eu reprovei a quinta série. Eu me rebelei de tudo (risos).
P/1 – Por quê, Rui?
R – Não sei exatamente. Acho que coisa da idade. Hoje eu não sei exatamente por que... Daí eu acabei por reprovar a quinta. Depois, mais pra frente, já no ensino médio, eu ajudei a organizar o grêmio da escola, mas foi uma experiência bacana, porque a gente consegui ser, da 11º Delegacia de Ensino, a gente foi considerado o melhor grêmio escolar na época. Isso em 98, eu tinha 17 pra 18 anos. E a gente conseguiu mobilizar a escola, conseguiu fazer festas, conseguiu fazer uma mobilização interessante na época. Coisa que até então eu tava naquela escola desde a primeira série, ninguém nunca tinha feito. Eu não estava sozinho, tinha um grupo que colaborou bastante pra poder fazer isso.
P/1 – E quando você fala de mobilizações, o que significa mobilizações assim num grêmio, numa escola da zona leste de São Paulo?
R – Cobrar, né? Cobrar melhorias na escola, fazer com que a população participasse mais da gestão da escola, procurar melhorias da escola. Não só cobrar, mas também procurar outros meios de conseguir essas melhorias. A gente chegou a fazer uma festa de mês inteiro, uma quermesse na rua de quatro finais de semana pra arrecadar fundos pra escola. Então procurar uma forma de não só os alunos, mas a comunidade também se apropriar mais da escola. Foi aí que começou o meu envolvimento com as questões sociais etc. Acho que começou nessa época.
P/1 – E, Rui, quando você fala do grêmio, teve algum professor que foi determinante pra ter essa sensibilidade política também?
R – Nesse ano não, teve antes. Acho que teve nas séries antes.
P/1 – Ah, é?
R – É.
P/1 – Quais eram esses professores e quais disciplinas?
R – Histórica, lógico, apesar de não ser formado em humanas, teve uma professora de português também, que ela tinha um engajamento política na época.
P/1 – Qual o nome dela? Você lembra?
R – Nossa, agora não vou lembrar, não. O do professor era Cláudio, mas da professora eu não vou lembrar.
P/1 – Não, tudo bem.
R – Do professor de História era Cláudio. É que o nome dela era diferente. Tanto que a gente fez um debate político na escola antes, que ela ajudou a organizar e tudo mais.
P/1 – E dentro dessa vida política que você assume dentro da escola tinha participação também de partidos políticos, ou não?
R – Não. Não. Não, porque aí não pode ter envolvimento partidário. Aí não.
P/1 – Assim, você chegou a participar de algum movimento estudantil fora da escola?
R – A gente chegou na região. A gente chegou a organizar uma assembleia com a maioria dos grêmios que concordou participar na região, tal. Mas de movimento assim, UNE, Ubes... Com a Ubes a gente até tentou, mas não deu muito certo, que é dos estudantes secundaristas, mas não deu muito certo. Por isso que a gente até tentou montar uma organização à parte, mas também não... Porque aí depois saí da escola, o grêmio meio que se desmanchou. Porque a maioria do pessoal se formou naquele ano. Mas a gente tentou. A gente organizou um fim de semana, convidou várias escolas que tinham grêmios pra começar essa mobilização e tudo mais. Mas não foi muito pra frente (risos).
P/1 – E, Rui, quando você fala do grêmio, você está falando do período do ensino médio.
R – Do ensino médio.
P/1 – Voltando um pouquinho, voltando lá pra sua casa, você tem lembranças de como era a sua casa, ou a sua família sempre morou na mesma casa?
R – Não, a gente mudou. Até 12 anos eu morei na mesma casa.
P/1 – E como era a sua casa?
R – Um quintal grande, tinha árvores, tinha pé de café, que a gente até colhia bastante, tinha época que tinha pé de limão, mas depois cortaram. O terreno era bem espaçoso. A casa não era muito grande, não, mas o terreno em si era bem legal.
P/1 – Por que vocês mudaram?
R – Porque lá era casa de aluguel, aí foi vendida, aí a gente mudou.
P/1 – Depois vocês mudaram pra outra casa de aluguel? Ou o seu pai, a sua família conseguiu adquirir a casa própria.
R – A gente tem casa própria, mas foi um pouco depois que a gente morou na casa da minha avó, antes, junto com a minha avó.
P/1 – A sua avó por parte de mãe, ou de pai?
R – De pai. De mãe eu não conheci. Só conheci os avós por parte de pai.
P/1 – Então foi naquela... Você comentou que seu pai veio e depois trouxe o pai dele.
R – Trouxe. Isso.
P/1 – Então trouxe toda a família.
R – Trouxe toda a família, as irmãs, veio todo mundo.
P/1 – E como era essa casa morando com a avó?
R – Não, não che... Ah, não, quando eu fui morar...
P/1 – Isso. Quando você... Você ficou muito tempo morando com a sua avó?
R – Não, acho que um ano e pouquinho.
P/1 – Depois vocês mudaram pra uma casa própria.
R – É. Aí foi a casa própria. Eu moro na mesma até hoje. É que só moravam minha avó e meu avô. Quando a gente chegou, na época eu tinha o quê? Doze anos? Aí a gente meio que bagunçou tudo (risos). Chegou com o gato, cachorro, literalmente falando. Que eu sempre criei gato, principalmente. Cachorro também, mas gato mais. Então meio que bagunçou tudo. Mas é aquela coisa de avó, então sempre é aconchegante. Foi um período interessante. Apesar de quando a gente mudou pra casa própria foi... Eu acho que é melhor, apesar dos pesares.
P/1 – Era próximo da casa da sua avó?
R – É. Bem próxima. Bem próxima.
P/1 – Então não rompeu esse vínculo com a sua avó, assim, no sentido do cotidiano, de estar ali, de se falar.
R – É. Apesar de que passava lá mais esporadicamente, não era necessariamente todo dia. Mas a casa é bem próxima.
P/1 – E, Rui, como foi sua adolescência? Você já comentou um pouco que houve todo esse engajamento político, mas...
R – Essa minha adolescência foi meio... Porque fui meio rebelde, comecei mesmo como punk (risos), lá pelos meus 15 anos, porque foi muito pautada a minha adolescência pela questão musical. Eu comecei a me envolver com a questão do cenário punk e tudo mais.
P/1 – Isso nos anos 90 então?
R – 90. 95. Final de 94, 95.
P/1 – É, e tinha um cenário também grunge, né?
R – Grunge eu nunca gostei (risos). Pelo contrário. Porque o meu irmão começou a ouvir Ramones etc., e eu fui na onda. Depois eu comecei a ouvir muito punk nacional. Depois meu irmão começou a ouvir heavy metal, eu fui na onda, aí comecei ir muito a shows, muitas casas de... Hoje não tem mais. Na época até tinha algumas casas de heavy metal quando e tudo mais.
P/1 – Você lembra o nome dessas casas?
R – Lembro: a Led Slay, a Fofinho. A Fofinho ainda existe até hoje, agora a Led Slay, o salão em si não, tem uma equipe que organiza eventos fora. Agora, pra show eu ia bastante, em 96, 98.
P/1 – Tem algum show que ficou na memória?
R – Ah, teve um que veio bem depois, que foi o Rock in Rio em 2001. E um em 96, que a gente até foi entrevistado pela Folha, que a gente era o primeiro da fila, Monsters of Rock de 96 no Pacaembu.
P/1 – Ah! Quem tocou? Quais as bandas?
R – Tocou Iron Maiden, que é a minha banda de cabeceira, Motorhead, Helloween, Mercyful Fate.
P/1 – Isso você já tinha saído então o ensino médio, né? Você já estava...
R – Não. Ainda não.
P/1 – Não? Você estava no ensino médio?
R – Estava no ensino médio. Eu saí do ensino médio em 98, isso foi em 96.
P/1 – Foi o seu primeiro show?
R – De heavy metal sim. Já tinha ido a outros shows.
P/1 – E você foi o primeiro a chegar?
R – Fomos os primeiros a chegar.
P/1 – Na verdade que a gente deu sor... Tinha mais gente lá, mas acho que a gente acabou dando sorte de ter ficado no portão certo, o primeiro portão que ia abrir. Então acho que foi meio sorte. Já tinha gente lá quando a gente chegou, só que como o Pacaembu é rodeado de portões e tinha vários setores, a gente deu sorte de ter ficado no lugar certo. Meu irmão foi o primeiro a entrar, eu fui o segundo.
P/1 – E, Rui, você tinha namorada nessa época?
R – Nessa época não. Minha primeira namorada começou... Eu tinha... Em 97, 98.
P/1 – No ensino médio então?
R – No ensino médio. Ela era do grêmio também. Ela era presidente do grêmio, eu era secretário. A gente se conheceu antes, na verdade, mas a gente começou a namorar depois.
P/1 – Vocês namoraram bastante tempo, ou foi só naquele período?
R – Não. Entre idas e voltas, sete anos.
P/1 – Vocês não estão namorando mais?
R – Não.
P/1 – Mas você ainda mantém contatos com ela?
R – Não.
P/1 – Não?
R – Não.
P/1 – E você chegou a trabalhar, Rui, assim nesse período que você estava estudando, ou não?
R – Bem pouco.
P/1 – Qual foi o seu primeiro emprego?
R – O primeiro, primeiro de tudo, eu era pequeno ainda.
P/1 – Ah, é?
R – Acho que foi na oficina que meu cunhado tinha na época, de pintura de carro.
P/1 – E você fazia o quê?
R – Ajudava na pintura dos carros.
P/1 – Você tinha mais ou menos quantos anos?
R – Ah, uns 11, acho.
P/1 – Você trabalhou muito...
R – Mas fiquei pouco tempo.
P/1 – Ah.
R – Fiquei pouco tempo.
P/1 – E depois?
R – Na adolescência, eu voltei a trabalhar com ele um período depois, aí saí, aí no período escolar eu só trabalhei depois de formado. Não, trabalhei uma época de office boy, claro, não posso me esquecer disso. Em 95 eu trabalhei de office boy.
P/1 – Você trabalhou porque você precisava do dinheiro pra ajudar em casa, ou era um...
R – Ah, sim. Sim. Também. Não, também. Mas trabalho de office boy era divertido.
P/1 – É?
R – Ah, naquela época tinha muito. Hoje em dia a molecada não tem mais noção?
P/1 – Mas era uma empresa?
R – Era um escritório. Um dos maiores escritórios de advocacia de São Paulo na época. Ainda é, né?
P/1 – E como você conseguiu?
R – É que meu cunhado trabalhava... O marido da minha irmã que faleceu trabalhava lá também desde pequenininho, ele era tesoureiro do escritório. Aí ele conseguiu pra mim lá. Eu trabalhei um ano e pouco.
P/1 – Você falou que era divertido, tem alguma história assim dessa época que você...
R – É, divertido porque você não ficava preso, uma coisa que eu nunca gostei, de trabalho que você fique muito preso. Então... Assim, engraçada não me lembro de nenhuma, não. A gente passava uns sufocos de assalto, de tudo mais (risos).
P/1 – Ah, é? Você foi assaltado?
R – Eu não cheguei a ser, mas a gente era nove office boys no escritório, a gente já teve que sair pra socorrer uns que já tinham sido assaltados. Falavam: “Ah, vem me buscar aqui, porque me roubaram”. Isso acontecia.
P/1 – E vocês se locomoviam como? De moto na época, ou não?
R – Não, de ônibus.
P/1 – Ônibus.
R – A gente era tudo adolescente, né?
P/1 – Tudo menor.
R – Ainda não tinha muito essa coisa de motoboy, então... Hoje é o telemarketing, na época a entrada no mercado de trabalho para os meninos era ser office boy.
P/1 – Você lembra por que você saiu?
R – Acabaram demitindo vários, foi quando começou essa questão de internet, até os próprios motoboys, aí acabei saindo.
P/1 – Aí você já conseguiu outro emprego?
R – Não. Aí acho que eu só trabalhei depois que eu terminei o ensino médio.
P/1 – E depois que você terminou o ensino médio, você falou que fez Biologia.
R – Fiz Biologia.
P/1 – Onde surgiu assim essa ideia de fazer o curso de Biologia? Você já pensava no ensino médio?
R – Desde pequeno. Desde pequeno.
P/1 – Então era uma vocação que você já cultivava...
R – É que eu sempre gostei de animais, sempre criei gato, principalmente gato. Cachorro também, mas sempre foi mais gato. Tanto que hoje eu tenho... Em casa tem... Não são meus, mas tem quatro gatos. Então desde pequeno eu sempre tive interesse por essa área. Cogitei outros períodos em fazer outras coisas, mas nunca me empolguei muito, não.
P/1 – E você fez o curso logo em seguida quando você terminou o ensino médio?
R – Não, passou um tempo depois.
P/1 – E o que você fez depois do ensino médio?
R – Eu trabalhei um tempo na Secretaria do Meio Ambiente, da Prefeitura de São Paulo. Acho que foi pra trabalhar na Prefeitura. Trabalhei no Parque do Carmo. Trabalhei com educação ambiental.
P/1 – Mas você, assim, quando você entrou na Prefeitura foi o quê? Foi um cargo comissionado?
R – Foi.
P/1 – E como surgiu esse contato assim? Como você conseguiu?
R – É que na verdade, meu pai sempre teve envolvimento político. Hoje ele não tem mais, mas quando ele chegou a São Mateus, como o bairro não tinha nada, eles foram obrigados a se mobilizar. Porque o bairro não tinha nada na época. E ele era metalúrgico, na época que o Sindicato dos Metalúrgicos estava criando aqui no ABC, ele trabalhava em São Bernardo como metalúrgico, então na época ele tinha um envolvimento muito
forte.
P/1 – Ele era do sindicato, o seu pai?
R – Do sindicato, eu não sei se... Ele era sindicalizado.
P/1 – Mas não era da diretoria.
R – Não.
P/1 – Não?
R – Ele era filiado a partido político também, no diretório de São Mateus.
P/1 – Qual partido?
R – PT.
P/1 – Do PT?
R – PT. E na época ele conheceu muita gente, aí teve uma pessoa que acabou sendo vereador, sendo deputado, e eu passei a militar depois também. Depois que eu terminei o ensino médio, teve um período, começo dos anos 2000, que eu tinha uma militância muito forte, no mesmo partido.
P/1 – E como era essa militância no partido, isso em 2000? Antes de...
R – Final dos anos 90, começo dos anos 2000.
P/1 – Como era a sua militância? Você participava das reuniões do partido?
R – Participava.
P/1 – Era envolvido com...
R – Campanha e tudo mais. No diretório.
P/1 – Mas qual era a sua base? Você já não estava mais no ensino médio, então você não estava mais no grêmio.
R – Não.
P/1 – Então como que... Assim, que movimento social você participava?
R – Não, na época só partidária, não estava mais filiado a nenhum... Não estava assim engajado a nenhum outro movimento paralelo, não. Era mais um movimento partidário mesmo, no diretório de São Mateus também.
P/1 – E lá na prefeitura de Santo André, o que você traba...
R – São Paulo.
P/1 – Hã?
R – São Paulo.
P/1 – Ah, de São Paulo, desculpa.
R – Era São Paulo.
P/1 – Na Prefeitura de São Paulo, você trabalhou com...
R – Educação ambiental.
P/1 – Educação ambiental.
R – Educação ambiental.
P/1 – Essa área foi você que propôs, ou surgiu essa oportunidade?
R – Não, surgiu, porque essa pessoa que a gente já conhecia, ele era secretário do Meio Ambiente na época.
P/1 – E o que vocês faziam? Iam às escolas? Tinham um projeto paralelo?
R – Tinha um projeto paralelo. Era um projeto sobre a Bacia Hidrográfica do Aricanduva. Então a gente tinha grupo fora. A gente fazia algumas atividades no Parque do Carmo também. Mas eu tinha dois grupos fora: um na divisa de São Mateus com a cidade de Tiradentes ali, com o pessoal do Saúde da Família, e tinha um grupo de sexta, sétima série, no CEU São Mateus, que é bem perto de onde eu moro. Um de segunda e um de quarta, eu acho. Não lembro.
P/1 – E ali foi o primeiro contato que você teve assim com o público de adolescentes, assim crianças?
R – Não. Não. Já tive antes. É porque antes disso... Antes disso, eu já tinha trabalhado em abrigo também. Ou não? Não, abrigo veio depois. Eu tinha trabalhado pouco tempo num projeto lá da Prefeitura também, que era o Recreio nas Férias, que eram atividades nas férias.
P/1 – Aí você trabalhava como o quê? Como monitor?
R – Como monitor.
P/1 – E quais eram as atividades?
R – Eram passeios, atividades recreativas, jogos. Porque era nas escolas. E a gente monitorava passeios, festas, zoológico. E tinha um dia que eram atividades só internas. A gente fazia jogos, brincadeiras, aí depende dos recursos que você tinha na escola também. Mas a maioria do tempo era passeio, acho que só um dia que era interno. Faz tempo.
P/1 – E lá quando você estava trabalhando ali na área de educação ambiental na Prefeitura de São Paulo, você começou a enxergar mais ainda a sua vocação em biologia, na área, pode-se dizer, ambiental?
R – Sim. Mas eu já tinha bem clareza disso. Apesar de hoje não estar na área, mas acho que sim, ajudou. Com certeza ajudou, porque aprendi bastante coisa.
P/1 – E você ficou quanto tempo por lá?
R – Um ano.
P/1 – Um ano?
R – Um ano.
P/1 – E depois?
R – Aí teve uma mudança de gestão, aí depois eu fui trabalhar no abrigo.
P/1 – Como surgiu essa oportunidade de trabalhar no abrigo? E onde era o abrigo?
R – Em São Mateus também.
P/1 – Em São Mateus.
R – É relativamente próximo onde eu moro. No abrigo, foi que me falaram: “Tal organização vai contratar e tudo mais”. Aí eu fui lá, levei um currículo totalmente sem pretensão nenhuma, não sabia nem pra que era. No último dia fui lá, levei o currículo: “Ah, então tem que fazer uma prova, tá?”. Eu falei: “Ah, beleza”. Fui lá, fiz a prova sem... Não tinha muita clareza ainda pra que era. Fui aprovado na prova, aí chamaram, tudo mais. Colocaram-me a princípio no plantão da noite, e totalmente perdido, porque eu não sabia do que se tratava um abrigo ainda na época. Então foi uma coisa assim totalmente do aca... Foram conhecidos que foram indicando e tudo mais, da época da Prefeitura. Mas foi acaso assim, não foi nada pensado. Nem sabia exatamente do que se tratava na época um abrigo.
P/1 – E o que era um abrigo?
R – Hoje chama acolhimento, né? Pra crianças e adolescentes que a família perdeu o poder familiar, aí o poder judiciário encaminha pra um serviço de acolhimento.
P/1 – E como foi essa experiência, Rui? Você que chegou sem saber direto o que era o abrigo, esse espaço de acolhimento.
R – Não tinha ideia.
P/1 – E quais foram suas primeiras impressões?
R – As primeiras foram: “O que eu estou fazendo aqui?” (risos). Apesar de que eu trabalhava à noite, é mais tranquilo. Mas eu tive sorte de ter uma equipe muito boa na época, assim, muito boa mesmo. A gente teve várias intercorrências durante o trabalho que a gente a gente conseguiu manejar ali. Porque um serviço de acolhimento tem em média 20 e não é fácil quando você tem que...
P/1 – E o que você fazia lá?
R – Eu era... Nesse eu era educador.
P/1 – Educador.
R – Fiquei quase dois anos como educador.
P/1 – E quais eram as atividades que você desenvolvia como educador lá?
R – No abrigo tem muito a questão do cuidado com eles, apesar de que eu trabalhei a maior parte à noite, entrava dez horas da noite. Mas tem que acompanhar tudo: a questão de saúde, educação, tudo, de todos os acolhidos. Organizar toda a casa, principalmente quando você está à noite. Porque eles estão dormindo, eles têm que tomar conta de todo o resto, organizar tudo pra quem pegar o plantão no dia seguinte estar tudo organizado, porque eles não vão ter tempo de parar pra fazer isso.
P/1 – Esse tudo envolve esse cuidado com essas crianças e adolescentes, que envolve alimentação...
R – Alimentação.
P/1 – Assim, atividades?
R – Atividades sim. Mas atividades eram só para o período que eu fiquei durante o dia, à noite era mais... Porque a gente entrava às dez da noite.
P/1 – Já estavam todos dormindo.
R – Ainda não todos, mas eles iam dormir logo em seguida, não demoravam.
P/1 – Havia regras assim estabelecidas de horário pra dormir, horário pra comer?
R – Tem. Porque senão, cada um for fazer no horário que quer, você não dá conta. Tem horário do café, horário do almoço, café da tarde, janta, a ceia depois da janta, horário pra acordar.
P/1 – Que horas eles acordavam?
R – Nossa, lá na época acho que era em torno de... Muitos estudavam de manhã, então tinham que acordar mais cedo, mas acho que era até umas oito e meia, a gente chamava todos eles.
P/1 – E lá você ficou quanto tempo?
R – Quase dois anos.
P/1 – Dois anos? Você tem alguma lembrança de algo que te marcou quando você trabalhou nesse abrigo?
R – Nossa, tenho várias.
P/1 – Tem? Conta alguma pra gente que você acha assim que é aquela que te emocione, ou que te traga uma lembrança a essa época, ao seu trabalho também.
R – É que elas parecem ser assim coisas agressivas, mas quando você pega o contexto de histórias dos adolescentes, eu acho que não. Teve um caso que... Teve uma adolescente que tinha tentado cortar os pulsos. Quando me ligaram, falaram que ela tinha tentado cortar os pulsos. Que eu morava próximo. Eu: “Estou indo pra...”. Que eu entrava à noite. Ligaram-me já eram umas sete, oito horas da noite, mais ou menos. Eu falei: “Tá, eu vou até aí pra ver o que... Porque aí eu ajudo, vejo o que está acontecendo”. Achei que não era nada muito sério. Aí fui perguntar pra menina por que ela tinha feito aquilo e tudo mais. Só que não deu nem tempo, porque a hora que eu cheguei perto, que eu fui tentar falar com ela, ela literalmente mordeu meu braço inteirinho (risos). Eu não podia puxar, que o medo de puxar era machucar mais ainda, e eu não podia...
P/1 – Quantos anos que ela tinha?
R – Ela?
P/1 – É.
R – A Fernanda, acho que tinha uns 12 na época, 13, por aí. Ela literalmente mordeu meu braço quase todo.
P/1 – Chegou a sangrar seu braço?
R – Chegou. Eu cheguei a levar ponto no rosto, porque duas crianças estavam brigando, eu fui entrar no quarto, eles tacaram a porta, pegou no meu rosto (risos).
P/1 – Nossa! E a Fernanda, ela ficou muito tempo com vocês lá?
R – Ah, eu saí, ela ainda ficou lá.
P/1 – A Fernanda, você se lembra da história dela? Ela estava na casa dos pais ou de familiares?
R – Ah, os pais ela não tinha na época. Não tinha os pais. Eu acredito que ela tenha ficado no acolhimento ainda, provavelmente, até a maioridade, creio eu. Creio eu.
P/1 – E você chegou a conhecer algum caso assim dessa sua primeira experiência de crianças que passaram por lá, que depois você reencontrou em outra situação e que elas tinham mudado completamente a vida delas?
R – Sim. Desse mesmo acolhimento. Eu encontrei uma... Não faz nem tanto tempo assim, uma que está trabalhando aqui no shopping aqui de Santo André. O irmão dela já trabalhava na Amil na época, aí ela falou que ele tinha saído, alugou uma casa e tudo mais. Acho que foram esses dois.
P/1 – E, Rui, depois que você... Você ficou um tempo nessa primeira experiência de...
R – De acolhimento.
P/1 – De acolhimento. Depois nesse período você estava cursando a faculdade, ou não?
R – Tava.
P/1 – Tava?
R – E teve um período que eu estava cursando e com outro emprego paralelo ainda.
P/1 – E que emprego era esse?
R – Eu trabalhei um período com as cooperativas de reciclagem lá no centro de São Paulo, eu e minha namorada na época.
P/1 – E como surgiu essa ideia de trabalhar com as cooperativas? Foi uma oportunidade que...
R – Foi. Por onde eu fiquei sabendo exatamente eu não lembro, não. Era um projeto do Fundo Nacional de Meio Ambiente com uma ONG lá no Centro, a OAF. Eles desenvolveram várias cooperativas ali do Centro, eu lembro que eu fiquei com duas cooperativas, uma na Luz e uma próxima ao metrô Armênia. O projeto consistia em aplicar formações pra esses catadores, pra eles terem mais autonomia na gestão da cooperativa, poder fazer projetos etc. Eu fiquei sete meses entre o abrigo, faculdade e esse trabalho.
P/1 – Era esse mesmo abrigo?
R – Era.
P/1 – Era sempre esse.
R – Esse mesmo abrigo.
P/1 – E como você desenvolveu essa experiência com projetos, assim, projetos sociais? Foi aprendendo na prática?
R – Foi.
P/1 – Foi observando?
R – Totalmente na prática.
P/1 – Teve alguma pessoa que foi importante pra você assim?
R – Teve a minha chefe na época de Prefeitura.
P/1 – Da Prefeitura de São Paulo?
R – É.
P/1 – Ali você começou a aprender sobre gestão de projetos?
R – Eu acho que tudo. Praticamente tudo que eu... Acho que a base foi ali. A base foi ali. E lembro que eu entrei, eu entrei, vieram fazerem dinâmica comigo, eu falei: “Não, eu odeio dinâmica, não quero nem saber de dinâmica”. E eu saí de lá porque era dinâmica pra tudo que é lado (risos).
P/1 – De onde veio esse ódio das dinâmicas?
R – Não sei. Eu não gostava.
P/1 – Você era tímido?
R – Sou ainda até hoje. Aí eu peguei gosto, apesar de que hoje eu já não tenho muita paciência, mas na época... Mas tudo que eu aprendi, até de gestão de equipe, tudo mais, eu acho que a base foi nessa época, foi com essa minha chefe na época.
P/1 – E, Rui, eu vou voltar um pouco. Você falou que você não entrou diretamente pra faculdade depois que você entrou o ensino médio.
R – Não.
P/1 – Assim, esse intervalo você ficou trabalhando. E você cursou uma faculdade, uma universidade pública?
R – Não. Particular. Particular. Aqui no ABC mesmo.
P/1 – E você prestou seu primeiro vestibular, você passou diretamente?
R – É, foi a única vez que eu tentei, não tinha tentado antes.
P/1 – E como foi essa experiência de estar fazendo uma faculdade?
R – Na verdade, na época, eu falei pra minha mãe, ou ia tentar um ensino técnico ou uma faculdade. Eu prestei a ETE, eles me chamaram na segunda chamada, depois que eu já tinha feito inscrição na faculdade, eu falei: “Ah, agora eu vou fazer a faculdade”. Desculpa, a pergunta?
P/1 – Na faculdade, você fez uma... Quando você fez a opção pra fazer o curso, Biologia, você não fez logo em seguida depois que você terminou o ensino médio.
R – Não. Não. Foi depois.
P/1 – Aí eu perguntei pra você se você fez pública ou se foi uma privada, uma particular.
R – Privada.
P/1 – E você teve que então trabalhar pra pagar sua faculdade?
R – Paguei.
P/1 – E como foi essa experiência de estar na faculdade? Como foram suas... Houve uma ruptura na sua visão de mundo, na sua experiência?
R – Houve.
P/1 – Em que sentido?
R – De visão de mundo sim.
P/1 – Em que sentido que a faculdade te transformou, assim, ou mudou essa sua visão de mundo de uma pessoa muito inserida em movimento social?
R – Eu me tornei uma pessoa mais cética, por isso que eu não tenho religião hoje. Hoje eu sou uma pessoa totalmente cética, e a faculdade tem boa parcela de culpa nisso, principalmente meu professor de Botânica. Eu já era meio assim, nunca fui muito afeito a religiões, coisas espirituais etc. Mas depois da faculdade, eu passei a ser mais cético ainda, e com bagagem. Na época eu não tinha essa bagagem que eu tenho hoje.
P/1 – Esse professor de Botânica, qual o nome dele?
R – Miguel.
P/1 – Miguel? Ele foi um dos professores que te marcou mais na faculdade?
R – Ah, sim, porque era um dos mais linha-dura. Linha-dura não no trato, mas que a matéria era difícil. Teve outros tanto quanto ele, de Ecologia principalmente, que é uma das minhas paixões.
P/1 – E essa mudança assim, além de ter construído um argumento mais racional, mas cético, como você disse, houve mudanças também no seu olhar em relação ao seu trabalho, naquilo que você vinha fazendo? Como a faculdade contribuiu pra essa...
R – Ah, contribuiu. Acho que a Biologia te ensina a ver as coisas de uma forma mais sistêmica, não só uma coisa pontual. Na área social também. Na área ambiental e na área social, acho que cabe também. Eles não têm que julgar a foto, não só aquela cena que você vê ali no momento, tem muita história antes ali, e pra frente também com certeza vai ter. Até já arrumei algumas discussões. Discussões troca de ideias, não de brigas, com isso. Não é pra julgar só o que você está vendo ali no momento, então você tem que ter uma visão mais ampla da coisa. No outro projeto que eu estava, principalmente, eu acho que isso cabe.
P/1 – Em qual projeto você está falando?
R – No Andrezinho Cidadão.
P/1 – Esse Projeto Andrezinho Cidadão é um projeto que está relacionado a essa instituição, né, que faz a gestão aqui do Lar São Francisco?
R – Isso.
P/1 – E você... Assim, antes de a gente começar a gravar, você chegou a comentar que você está trabalhando há sete anos com essa instituição.
R – É.
P/1 – Você pode falar pra gente assim como surgiu seu envolvimento com essa instituição que você está há sete anos?
R – Eu saí do abrigo, aí uma amiga minha que eu já tinha trabalhado num outro projeto com ela mandou um e-mail: “O Andrezinho Cidadão vai selecionar, tá?”. Eu só conhecia de nome, por causa do outro abrigo que eu trabalhava. Conhecia o Andrezinho só de nome, mas também não tinha muita noção de como funcionava. Aí ela mandou esse e-mail, eu mandei o currículo, participei do processo seletivo, que foi gigantesco, foram várias etapas.
P/1 – Quais etapas foram o processo seletivo?
R – A primeira foi uma dinâmica, depois uma entrevista... Acho que foram três etapas.
P/1 – Prova escrita?
R – Não, esse não teve prova escrita. A primeira foi uma dinâmica de grupo... E eu sempre fui meio pessimista assim, falei: “Ah, não vou passar nisso aí”. Falou: “Vem tal dia”. Aí eles colocavam uma lista pra verem os aprovados. Daí você ia lá, se seu nome estava lá: “Volta tal dia”. Aí vinha o pessoal da outra etapa: “Volta tal dia”. A última etapa foi a entrevista. Também saí da entrevista, aí: “Volta tal dia, que você foi aprovado”. Cheguei no último dia, meu nome estava lá na lista. Era pra educador social de rua, também não tinha ideia do que eu ia fazer. A gente teve uma semana de formações e tudo mais. Aí no primeiro dia a gente chegou, trabalhava de manhã: “Ah, pode ir pra rua” “É? Fazer o quê na rua?” (risos). Eu estava totalmente perdido. Primeiro: eu já comecei na minha folga. Eu vim sem saber que era minha folga. E eu fiz isso tanto no abrigo quanto aqui. Eu já estava aqui, falei: “Não vou embora, vou ver como é”.
P/1 – Isso você trabalhava, eram 40 horas semanais?
R – Não. Eram seis por dois, seis horas por dia. Eram 36 horas.
P/1 – Trinta e seis horas.
R – É. Trabalhava das sete a uma na época. E daí a gente saiu, o primeiro menino que eu atendi foi um menino que estava panfletando numa praça aqui embaixo. Porque esse trabalho, eu trabalhava com crianças e adolescentes em situação de rua, trabalho infantil. Era esse o público que... Que atendia não, que ainda atende. E foi meio que aprender na prá... Assim, apesar de toda essa semana que a gente teve de formação e tudo mais, acho que foi mais na prática mesmo o que fazer, o que não fazer, o que falar, o que não falar, como se comportar. Porque na rua os detalhes contam, tanto do que você faz, quanto do menino que você está atendendo, e só com o tempo pra você pegar essas manhas, essa manha da rua.
P/1 – E quando você fala detalhes, você fala de certa linguagem corporal?
R – Principalmente.
P/1 – Atitude, abordagem.
R – Isso.
P/1 – E isso envolve uma metodologia, uma estratégia específica, a abordagem de rua?
R – Sim.
P/1 – E como seria assim? Você falou que o seu primeiro momento na prática, você encon...
R – Foi meio no susto.
P/1 – É? Como foi isso assim? Descreve um pouco essa situação, o menino que estava panfletando.
R – Estava panfletando no farol. Não, primeiro eu cheguei, perguntei o nome dele, ele falou, era Felipe, se eu não me engano, aí eu falei de onde a gente era, o que a gente estava fazendo etc. Perguntei por que ele estava ali, pra entender... Apesar de que no começo eles não dão muita informação, não. Então assim, ele deu o nome dele, uma informação ou outra e acabou a conversa. Você está chegando ali, não sei quem você é, nem nada, você está me perguntando um monte de coisa, então...
P/1 – “Quem é essa pessoa?”. A desconfiança.
R – Exatamente. Por que ele quer saber tudo isso de mim? No começo ele foi meio... Depois eu o encontrei algumas outras vezes. Tive um problema muito sério depois com a pessoa que o colocava pra panfletar, tempos depois. Que tinha uma pessoa que colocava vários meninos pra panfletarem, crianças mesmo, porque esse mesmo acho que tinha nove, dez anos. Aí a gente teve um problema sério com essa pessoa depois.
P/1 – Essa pessoa chegou a procurar vocês aqui?
R – Aqui não, mas a gente foi parar na delegacia juntos.
P/1 – Ah. Mas qual a alegação dele?
R – Não, na verdade, com o tempo a gente já tinha informação de quem era essa pessoa, então a gente começou a meio que a cercá-lo.
P/1 – E ele se sentiu ameaçado.
R – Ah, sim. Teve um dia que a gente o viu de longe, a gente acionou a guarda municipal, a guarda ficou ali, ele sumiu. A gente ficou esperando, esperando, até ele aparecer e tudo mais. E depois acabou que a gente foi prestar depoimento juntos na delegacia.
P/1 – Caramba!
R – Eu fiquei meio... Você não conhece, né? Mas ele parou com essa prática um pouco depois. Pelo menos aqui em Santo André ele parou, não sei o que ele continuou fazendo depois.
P/1 – E, Rui, a abordagem de rua, qual era o objetivo da abordagem de rua que vocês faziam?
R – Bom, aqui no município, a abordagem de rua, ela está diretamente ligada à assistência social do município. Então conhecer essa criança, conhecer a história dela, por que ela está ali, inseri-la nos programas sociais do município, no que o município oferece, até pra ela sair daquela situação de risco que ela se encontra. E passar a fazer um acompanhamento com a família também, porque não adianta só com o menino ali e a família ficar largada lá onde ela está. Então o objetivo principal é inserir essa criança na rede de proteção aqui do município, pra que ela não precise ir pra rua, que ela não corra mais esses riscos, que ela possa retornar à escola, retornar à convivência familiar se possível. E a gente tem ainda um problema muito sério com meninos que vêm de fora, que a gente já não consegue alcançar, porque por estar em outro município, a rede daqui não atua em outro município, isso é um problema histórico aqui em Santo André.
P/1 – E vocês identificam a criança no município o local onde vocês a encontram, ou onde ela reside? Como que...
R – Onde a gente a encontra. Onde ela reside a gente consegue com o tempo, vai tentando formar um vínculo e conseguir essas informações. Mas a gente atua... O programa ainda atua, mas atuava diretamente na rua, onde eles estão, onde eles ficam, onde eles pedem, onde eles trabalham. Então é onde encontra, daí a gente encontra uma primeira vez, se apresenta, uma segunda, leva pra um jogo, leva-os pra algum parque pra facilitar, e aí vai tentando formar vínculos e conseguir essas informações. Porque, como eu disse, a princípio eles não...
P/1 – Há uma desconfiança.
R – Ah, total. E o movimento da rua, eles têm que estar atento de como está a rua. A questão de a polícia pegar muito na rua. Então tem momentos que você percebe que você não consegue conversar com o menino, porque ele está tão atento a outras coisas, que você...
P/1 – E, Rui, como vocês fazia, assim, fazem, vocês se dividem, cada um vai direcionar a sua atenção a uma criança que está ali naquela situação?
R – Aí depende da cena que você encontra e dos meninos que você encontra. Se são meninos que você já tem um vínculo e tudo mais, já facilita. Agora, se são meninos que você não conhece, está um grupo mais disperso, está um grupo mais fechadinho ali, aí depende do cenário que você vai encontrar. Às vezes você está conversando com um grupo ali, aí dois saem, depende da dinâmica que vai estar pra você saber como você vai... Por isso que eu falo que os detalhes são importantes. Às vezes algum sai, você tem que dar... Porque às vezes nem compensa. Não compensa não, ele não quer conversar com você, você tem que respeitar o limite dele também. Então tem que estar muito atento a essas questões.
P/1 – Você já teve alguma situação em que você sentiu uma agressividade da criança, ou de pessoas? Você comentou desse que aliciava as crianças pra panfletar. À parte essa situação que vocês foram parar na delegacia, mas já houve outra situação ali de que vocês também estavam numa situação de vulnerabilidade com essas crianças?
R – Por parte de outros adultos?
P/1 – De ameaça, ou de uma situação de violência de eles: “Não, a gente não quer”? Como vocês reagem a essas situações de violência que parte da própria criança? Vocês não continuam?
R – A gente deixa pra outro momento. Geral. A gente deixa pra outro momento, porque... Teve um menino que puxou a faca pra gente, mas... Aí a gente recua, volta outro momento. Porque não é uma questão de gato e rato, a gente não está caçando os meninos, então muito provavelmente você vai ter uma oportunidade que ele via estar mais tranquilo pra falar com você, dificilmente você não vai encontra-lo... Infelizmente você não vai encontra-lo em outro ponto, em outra situação. E tinha situações também que eles vinham até a gente, principalmente quando o movimento na rua está pegando mais por parte de polícia etc., aí eles procuravam a gente também, tem o inverso da história.
P/1 – E quando vocês eram procurados, o que vocês poderiam oferecer a essas crianças?
R – Aí depende do que estava acontecendo, que nem eu falei, de onde ele residia. A gente acionava o Conselho Tutelar, vai pra casa quando é o caso, coisa que a maioria das vezes não. Pra serviço de acolhimento nem tanto, porque aí a gente depende do Conselho Tutelar pra fazer isso. O programa em si não poderia...
P/1 – Poderia acolher, abrigar essas crianças.
R – Não. Não pode. Aí é só o Conselho Tutelar. Aí a gente aciona a rede que tem dependendo do porquê o menino procurou a gente.
P/1 – E, Rui, você estava contando a história dessa situação, dessa primeira experiência que você teve à abordagem de rua, que foi ligada aqui ao Instituto.
R – Foi.
P/1 – Ao Instituto Monsenhor.
R – Eu trabalhei na cooperativa com... Tinha catadores que eram moradores de rua, mas eram adultos. Com criança em situação de rua sim.
P/1 – E lá na cooperativa você teve essa... Assim, você teve esse contato com crianças também?
R – Não. Lá eram só adultos.
P/1 – Não? Só com adultos?
R – Crianças, muito pouco, mas não trabalhando assim diretamente.
P/1 – Agora, Rui, o Instituto Monsenhor, só pra gente poder entender assim como funciona, você falou que o Instituto agora está fazendo a gestão daqui do Lar.
R – Daqui do Lar. Desde novembro.
P/1 – O Instituto, ele hoje, como ele funciona assim? Quantos espaços ele está fazendo a gestão aqui em Santo André?
R – Em Santo André tem o Casa Mais Vida, que trabalha com moradores de rua, principalmente idosos com problemas mentais, serviço de adolescente em conflito com a lei, liberdade assistida e prestação de serviço à comunidade, e o Andrezinho Cidadão, que é abordagem de rua, e três casas de acolhimentos, que é essa, a do lado e uma que tem um pouco mais pra cima.
P/1 –
Você entrou no Instituto via Andrezinho Cidadão?
R – Andrezinho Cidadão. Assim que o Instituto pegou o Andrezinho, eu fui da primeira...
P/1 – Da primeira turma.
R – Primeira turma.
P/1 – Então o Projeto Andrezinho Cidadão é justamente a abordagem de rua.
R – Abordagem de rua.
P/1 – E voltada a crianças. Crianças e adolescentes.
R – Criança e adolescente e família. Família também atende.
P/1 – Você ficou quanto tempo no projeto?
R – Sete anos.
P/1 – Você ainda continua no Projeto Andrezinho Cidadão?
R – Não. Agora eu estou aqui no acolhimento.
P/1 – Como aconteceu essa mudança interna sua aqui no Instituto?
R – Eu entrei como educador no Andrezinho, fiquei dois anos, aí passei pra coordenação, fiquei cinco anos. Éramos os educadores mais chatos que tinham.
P/1 – Por quê?
R – Porque reivindicava demais.
P/1 – Por quê? É que eu não escutei, desculpa.
R – Eu reivindicava demais.
P/1 – Ah, você reivindicava. Perante a quais instituições assim, a todas?
R – Não, perante à diretoria.
P/1 – Aqui à própria diretoria. E como... Assim, como você fez parte dessa transição já pra coordenação, você agora atualmente está em outra coordenação?
R – É. Na coordenação da casa.
P/1 – Da casa.
R – Da casa.
P/1 – Geral. Então no topo da hierarquia, você seria a pessoa que está acima então.
R – É. Dessa casa aqui.
P/1 – Dessa casa. E qual o seu trabalho aqui?
R – É coordenar todo o serviço da casa, todos educadores, que é um serviço 24 horas, não para nunca. Cuidar junto com a técnica das questões jurídicas dos acolhidos, que é uma demanda bem grande do fórum etc. Das demandas que os educadores trazem do dia-a-dia deles, das crianças, fazer toda a articulação com a rede de saúde, educação, serviço de convivência, dos que foram acolhidos também, que a gente tem que fazer um acompanhamento. Sai daqui, volta pra casa, seja lá pra onde for, providenciar tudo que seja menos traumático possível, porque geralmente muda de escola, muda de tudo. Então tudo isso a gente tem que fazer, a gestão de toda essa articulação aí.
P/1 – Quantas pessoas trabalham, fazem parte da equipe?
R – Aqui 17.
P/1 – Dezessete pessoas? Quando a gente fala “casa” é o Lar São Francisco?
R – É.
P/1 – Essa casa?
R – São três casas que chamam Lar São Francisco: um, dois e três. Aqui é o Lar São Francisco Dois.
P/1 – E aqui que abriga a coordenação também? Você trabalha aqui?
R – Só dessa casa.
P/1 – Ah, só dessa casa.
R – Só dessa casa.
P/1 – Então você é coordenador só dessa.
R – Só dessa.
P/1 – Então são 17 pessoas que estão ali. Equipe formada por quais perfis profissionais? Tem psicólogo, tem...
R – Tem psicólogo, tem educadores, que tem educadores com ensino médio e com superior, tem cozinheira, auxiliar de serviços gerais, e um motorista que trabalha para as três casas.
P/1 – E o cotidiano da casa com os acolhidos, com essas crianças e adolescentes, como é assim? É oferecer ali uma alimentação, atividades...
R – Atividades. Atividades, aí vai de acordo com o planejamento que os educadores fazem. A gente vai começar a ter aula de jiu-jitsu, não só de jiu-jitsu, de artes marciais em geral. Aqui a gente vai montar uma sala... Ela era uma sala de informática e vai voltar a ser. Tem educador que faz oficina de “pintagem” de quadros. Aí depende, cada educador com a habilidade que tem que ele pode contribuir. Mas o dia-a-dia é bem corrido com escola, médico, outras agendas que eles têm de curso etc., já ocupa bastante o tempo.
P/1 – Rui, qual foi o seu primeiro contato com o programa, com o Projeto Criança Esperança?
R – Que eu conheci?
P/1 – Isso.
R – Ah, foi pela televisão.
P/1 – E dentro do Instituto?
R – Dentro do Instituto, na verdade, um educador nosso trouxe uma ideia de um projeto, aí abriu a inscrição do Criança Esperança. Aí tinha o Andrezinho e o Espaço Adolescente, que trabalha com adolescente em conflito com a lei. Eu falei: “Vamos... Cada um escreve um projeto e a gente tenta encaminhar”. Aí como esse educador já tinha trazido essa ideia desse projeto, a gente meio que o adequou e enviamos pra ver o que dava. E pra nossa surpresa foi aprovado, a gente não esperava.
P/1 – Isso foi quando? Faz tempo?
R – Não. Quer dizer, faz uns... A gente está em 2015, eu acho que em 2012, por aí. Esse educador voltou a trabalhar com a gente agora no abrigo. Acho que em 2012.
P/1 – E isso foi o Projeto Andrezinho Cidadão que vocês obtiveram esse apoio.
R – Foi pelo Andrezinho. Foi pelo Andrezinho.
P/1 – E como era esse apoio do Criança Esperança?
R – O projeto consistia em produzir curta-metragem com os meninos atendidos. O Criança Esperança apoiou na questão dos equipamentos que a gente ia utilizar, financiando os equipamentos. Porque era cine debate e produção de curta-metragem. E o Criança Esperança apoiou na questão dos equipamentos que iam ser utilizados pra fazer tanto o cine debate, quanto pra fazer as filmagens.
P/1 – Isso pra aquelas crianças e adolescentes que eram atendidos pelo Andrezinho Cidadão.
R – O foco eram as comunidades de onde os meninos mais vinham pra rua, as comunidades mais vulneráveis.
P/1 – E você se lembra de algum curta, de algum material que foi produzido que foi muito interessante, que tenha dado aí um resultado de formação audiovisual pra esse público.
R – Tenho. Teve várias. No Andrezinho, acho que eles estão com o material até hoje lá. Teve um que... Eles faziam mais porque os deixavam mais à vontade pra discutir o tema. Eu lembro que tinha um que eles criticavam muito a questão da escola, de como a escola funcionava. Esse eu achei interessante, porque eles fizeram um paralelo, eles filmaram como a escola é hoje e como eles gostariam que fosse, eu achei legal, eu achei interessante.
P/1 – E vocês chegaram a divulgar esses curtas assim?
R – Não. Foi só para o... Ele foi encaminhado só para o Criança Esperança, a gente não usou em outros espaços.
P/1 – Eles produziram...
R – A gente passava pra eles.
P/1 – E vocês passavam. Vocês fizeram também a edição também desses vídeos, ou não, eles que editavam?
R – Como só tinha um computador, eles não conseguiam, não dava pra dar conta, porque senão todo mundo ia querer fazer. Aí que a gente tinha... Terminou com dois oficineiros. Porque assim, os educadores do Andrezinho começaram...
P/1 – Rui, você estava comentando do projeto que foi apoiado pelo Criança Esperança, do cine debate e das oficinas de produção de curtas. E você estava comentando justamente de um que te chamou atenção, esse da escola, antes e depois. E eu perguntei pra você se eles editavam, se as crianças editavam também os vídeos.
R – Era mais difícil, porque só tinha um computador, aí os oficineiros faziam a maior parte disso.
P/1 – Então eles captavam as imagens e enviavam para o Criança Esperança, era isso?
R – Não. Os oficineiros iam, faziam as oficinas... Eles gravavam as imagens, editavam lá no Andrezinho mesmo, e depois levavam de volta pra eles o resultado. Era tudo feito lá.
P/1 – Tudo feito no...
R – No Andrezinho.
P/1 – No Andrezinho?
R – No Andrezinho.
P/1 – Ah, tá. Vocês ganharam também um computador então pra editar?
R – Ganhamos um computador.
P/1 – E, Rui, vocês chegaram a utilizar esses curtas pra fazer aí momentos de debates em torno desse material, entre as próprias crianças?
R – Fazia. Fazia. Geralmente eles já... O curta já vinha de uma discussão prévia, de que tema trabalhar, como captar as imagens, tudo isso. Começou sendo feito por três educadores do próprio Andrezinho, três ou quatro na época, não lembro, aí depois vieram outros dois educadores que concluíram esse projeto. E como já tinha um conhecimento bastante grande de produção desse tipo de material, aí facilitou muito de como captar as imagens, como dar tal efeito. Tudo isso era passado para os meninos que participavam. Como você consegue dar o efeito, como aquele efeito que você vê na televisão é feito, como eles conseguiriam reproduzir.
P/1 – Durou quanto tempo?
R – Ah, um ano e pouco.
P/1 – E quantas crianças participaram, crianças e adolescentes, nesse projeto?
R – Olha, ele passou por quatro comunidades, se eu não me engano. Eu acredito que... O Cine Club eu não sei, porque era aberto, eu teria que ver a lista de presença. Mas de criança e adolescente, creio eu que passou... Ah, deve ter girado em torno de umas 80, por aí. Pegando desde o comecinho, acho que por aí.
P/1 – E o curso de produção, do início ao fim, durava quanto tempo mais ou menos.
R – De cada curta?
P/1 – De cada oficina. Assim, como vocês organizaram o projeto? Você disse que tinha um debate antes, depois tinha a captação de imagens e a edição. Assim, isso durava quanto tempo? Era um mês, dois meses?
R – Não, às vezes eles conseguiam produzir um curta no mesmo encontro, depois já voltava com ele pronto, depende de como progredia no dia. Agora, o cine debate eles passavam algum filme, algum documentário, e discutiam com eles em cima da...
P/1 – Então a duração era...
R – De cada encontro você diz?
P/1 – De cada produção de curta assim, pra ter o resultado...
R – Aí depende. Mas não demorava muito, não. Dependendo da ideia e do tempo pra desenvolver aquilo, eles conseguiam produzir algumas coisas bem curtinhas assim de um encontro para o outro. Coisa assim de dois, três minutos.
P/1 – E. Rui, além desse projeto do cine debate, da produção de curtas, o Criança Esperança financiou, apoiou outros projetos daqui da instituição?
R – Não. Só esse. Por enquanto só esse.
P/1 – E vocês não estão recebendo mais apoio do Criança Esperança?
R – Não. O apoio foi só no material mesmo, na questão da aquisição do material: filmadoras, computador, data show, telão.
P/1 – Você observou alguma mudança, a importância do Criança Esperança com esse apoio?
R – Com certeza. Facilitou a nossa vida não só nesse projeto, como em todos os outros. Que nem, o Andrezinho depois realizou várias atividades utilizando esse material. Nós pudemos fazer outros cines debates e tudo mais utilizando esse material.
P/1 – Continua esse projeto?
R – Esse específico não. Esse específico não.
P/1 – E o cine debate? Também não?
R – Os outros programas, eles usam muito, porque, que nem, o Espaço Adolescente trabalha com adolescente em conflito com a lei, então eles usam bastante essa questão de audiovisual. O Andrezinho também utiliza.
P/1 – Rui, você tava comentando então do projeto, da produção de curtas que vocês acabaram utilizando bastante esse...
R – O material.
P/1 – Esse material. Quando você diz “esse material”, são os equipamentos?
R – Os equipamentos.
P/1 – Ou também assim o resultado, o conteúdo?
R – O conteúdo a gente não costuma usar, até porque tem a questão da imagem, então a gente tem que tomar muito cuidado de onde vai expor isso. Então isso a gente não costuma usar muito. Agora, os equipamentos utilizados, aí a gente usa bastante, principalmente no Andrezinho e no Espaço Adolescente, que são os programas da organização que trabalham muito com essa questão do audiovisual.
P/1 – E, Rui, você observou assim, dessas crianças e adolescentes que participaram do projeto de produção de curtas, do debate, apoiado pelo Criança Esperança, você observou alguma mudança nelas, assim, observou alguma diferença, assim, do comportamento, do envolvimento delas depois de ter participado dessa produção de curta, do cine debate?
R – Olha, muitos deles... Que eles eram da comunidade, depois a gente não acompanhou tanto assim. Mas durante as...
P/1 – Rui, você observou transformações nessas crianças e adolescentes que participaram nesse projeto de produção audiovisual?
R – Olha, até pelo que os oficineiros traziam, eu acho que ajudou a desenvolver muito o senso de criticidade neles, de entender o contexto que eles estão inseridos. Acho que esse foi o grande ganho assim do programa. Entender o contexto daquela comunidade ali que eles estão, aquela realidade que eles estão inseridos ali. E ter uma ideia de como funciona essa questão social. O que faz o menino sair daquela comunidade a ir pra rua, ou por que a escola daquela comunidade está naquela situação. Acho que esse foi o grande ganho. Até pelos resultados dos vídeos, acho que isso é perceptível.
P/1 – Agora, Rui, você conhece outros projetos apoiados pelo Criança Esperança?
R – Pessoalmente não.
P/1 – Não?
R – Não. Aqui no ABC, eu acho que esse foi o único. Não ouvi falar de outro.
P/1 – Vocês pleitearam outros projetos?
R – Não. Do Criança Esperança não.
P/1 – Do Criança Esperança?
R – Não.
P/1 – Algum tipo de apoio?
R – Não. Depois desse, não.
P/1 – E você já chegou a doar para o Criança Esperança?
R – Não.
P/1 – Não?
R – Não. Pessoalmente não.
P/1 – Bom, Rui, você está aqui desde os... Há sete anos, que você comentou.
R – Desde 2007.
P/1 – Isso. Você comentou também que você acabou mudando a sua trajetória, no sentido que você trabalha numa casa de acolhimento, numa instituição social, e você tem um curso formado em Biologia. Assim, como você...
R – É estranho (risos). É estranho. Mas a caminhada trouxe até aqui. Mas é estranho. Quando você fala assim, o pessoal meio que: “Como assim?”. Mas eu acho que todas essas experiências nos outros projetos acabaram me trazendo até aqui.
P/1 – Rui, você pode fazer um balanço pra gente, assim, breve, algo que te faça pensar imediatamente em torno dessa sua trajetória, uma pessoa ligada a projetos sociais, o lugar onde você trabalha? Como você poderia sintetizar isso? Assim, se você faz esse tipo de reflexão.
R – Eu acho que apesar desse tempo que eu já estou na área, acho que falta muito a aprender. Eu acho que a bagagem que eu tenho ainda pode ser agregado muito mais coisas ainda. Acho que é isso, acho que ainda vai ter uma caminhada boa pela frente.
P/1 – Você vê alguns desafios nesse campo que você trabalha?
R – Ah, sim.
P/1 – Quais seriam? Os principais.
R – Na área de criança e adolescente, eu acho que é colocar em prática o que a legislação diz. Porque a gente tem o Estatuto que fala que a criança e adolescente é sujeito com seus direitos, porém na prática a gente ainda deve muito... Tirar do papel e por na prática. Principalmente agora, todo mundo fala tanto em redução da maioridade penal, só que é mais fácil mudar uma lei do que colocar outra que já está em prática. E a grande pergunta é: Isso vai resolver? Reduzir a maioridade penal vai resolver a questão? Então acho que quem está na área social, principalmente na infância e adolescência, eu acho que tem que procurar tirar do que está no papel e colocar na prática. Não só nós, porque a gente não vai dar conta, mas principalmente o poder público. Tirar aquilo que a lei garante no papel e colocar na prática, porque esse tipo de questionamento de maioridade penal etc. não precisaria vir à tona, nossas crianças e adolescentes não estariam em certas situações que a gente encontra por aí. O ECA já tem aí 20 e poucos anos e a gente ainda tem muito a desejar com as crianças e adolescentes ainda. Acho que esse é o maior desafio.
P/1 – Agora, quais são as coisas mais importantes pra você hoje, Rui?
R – Pessoalmente?
P/1 – Pessoalmente e profissionalmente também.
R – Eu acho que cabe para os dois, é continuar aprendendo, continuar estudando, conhecer outros projetos, outros públicos. Até conheço de pessoas que já trabalharam com outros projetos e tal. Mas acho que esse é o norte, continuar adquirindo conhecimento, tanto prático, quanto teórico, porque se estagnar, aí fica difícil.
P/1 – E quais são os seus sonhos?
R – Nossa! Na área social assim, você diz?
P/1 – Na área social, na sua vida existencial. Você tem um sonho ali que é recorrente àquilo que...
R – Eu ainda quero por em prática algumas ideias de projetos que eu tenho, por exemplo.
P/1 – Quais seriam?
R – Eu tenho um caso de amor com a zona leste, por exemplo, sempre morei lá. E desenvolver algumas coisas focando a zona leste. Não focando um público específico, mas focando a região em si. É a região mais populosa de São Paulo, porém muitas vezes parece que não faz parte de São Paulo. E isso é uma coisa que me incomoda, sempre me incomodou, na verdade. Eu ainda pretendo um dia fazer alguma nesse sentido. É meio pretensioso, que a zona leste é gigantesca, mas ajudar a tornar a zona leste mais vista.
P/1 – Você já pensou em algum tipo de projeto, ou você ainda está assim... Você tem esse desejo de fazer a diferença na zona leste, mas você tem algum foco assim específico?
R – Não público, como eu disse. Não público. O público... Porque... Eu acho que seria trabalhar com as grandes demandas que a região tem. Seria uma coisa mais macro, eu diria, porque você tem muitas carências na zona leste. Você está dentro da cidade de São Paulo, pra chegar ao Centro de São Paulo, é quase uma viagem para o interior. Então pensar nessa coisa mais macro que a região carece mesmo, que de certa forma beneficiaria uma população muito grande. Pra isso tem que ter um grupo muito forte pra fazer isso. Então... Uma coisa parecida com o que o Viva Rio faz no Rio de Janeiro, talvez, não sei. Uma coisa assim desse tipo.
P/1 – Rui, eu vou voltar um pouquinho só pra poder contextualizar um pouco a Instituição Monsenhor. Vocês recebem doações de... Como funcionam assim as doações que vocês recebem? Quais são as instituições que apoiam a Monsenhor? Qual seria hoje... A casa onde você coordena, de onde vêm esses recursos?
R – Vem do convênio com a prefeitura, poder público municipal. Todos os programas são conveniados com a prefeitura, que o Instituto tem, os três. Três não, quatro.
P/1 – E quais são?
R – Casa Mais Vida, que é com população adulta em situação de rua, principalmente idosos com problemas mentais, Espaço Adolescente, que é adolescente em conflito com a lei, Andrezinho Cidadão, que é criança e adolescente em situação de rua, e o Serviço de Acolhimento, que são as três casas: Lar São Francisco Um, Dois e Três. Todos eles são conveniados com a assistência social do município. Porém tem alguns parceiros, tem a Fundação Salvador Arena, o Sesc, tem doação de pessoa física. Aí o recurso vem de várias fontes.
P/1 – Vocês não... Assim, você contou que vocês propuseram o Projeto Andrezinho Cidadão ao Criança Esperança.
R – Ao Criança Esperança.
P/1 – Vocês não pensaram de ter um projeto junto com o... Tendo assim o apoio do Criança Esperança? Vocês têm algum planejamento nesse sentido?
R – Um novo projeto?
P/1 – Um novo projeto.
R – A gente até já pensou, mas ainda não colocamos em prática ainda isso não.
P/1 – Como vocês fazem um balanço dessa relação de vocês com o Criança Esperança? Foi positivo?
R – Foi. Foi.
P/1 – E como você poderia dizer, assim, tem outra coisa a acrescentar relacionado ao Criança Esperança no sentido dessa parceria assim? Ela funcionou? Ela... Assim, por que vocês não continuaram? Porque o projeto só tinha início, meio e fim?
R – É. Ele tinha início, meio e fim. Veio meio de surpresa, porque a gente não esperava ser aprovado pelo Criança Esperança. Como eu disse, a gente mandou assim aos 45 do segundo tempo, sem maiores pretensões. E querendo ou não, ter um projeto aprovado pelo Criança Esperança dá um up em qualquer organização, você falar “a gente teve apoio do Criança Esperança”. Querendo ou não, isso traz uma bagagem.
P/1 – Traz um reconhecimento?
R – Traz uma credibilidade. Vocês já tiveram um parceiro como esse, então é uma organização que minimamente faz um trabalho sério.
P/1 – Rui, você gostaria de acrescentar alguma coisa mais? Assim, sobre a sua vida e também a sua trajetória dentro da área de projetos sociais? Algo que eu não tenha perguntado que você queira acrescentar, queira que a gente registre?
R – Ah, teve alguns projetos que eu passei, que eu não falei aqui.
P/1 – Ah, é? Quais projetos?
R – Teve. Teve um que era do primeiro emprego, que eu ministrei uma turma também, que era de 16 a 24 anos. Lá no cursinho da Poli da USP, lá em Santo Amaro. Que era um público bem complicado, você entrava na sala, o pessoal vem te contar da biqueira que ele ia, da... Não era complicado lidar, mas o contexto social deles era complicado. Você trazer aquele público pra essa questão do mercado de trabalho, desse mundo, tinha que ter jogo de cintura. Mas foi útil principalmente pra trabalhar no Andrezinho depois, ajudou a ter essa... Como eu vou dizer? Trouxe essa bagagem de ser maleável ali na situação, de como manejar algumas coisas. Ajudou bastante depois, porque tinha até um público, alguns de contexto bem parecido. Então essa bagagem ajudou muito depois quando eu fui trabalhar na rua. De como sair de certas situações, do que falar em certas cenas que você está.
P/1 – Você acompanha ainda esse trabalho de abordagem de rua aqui da casa?
R – Ah, bem menos. Um pouco, porque minha irmã trabalha lá. Mas assim, acompanhar profissionalmente, aí já não dá muito mais tempo pra isso. Mas foi um trabalho que trouxe muita coisa, minha namorada eu conheci lá e tudo mais.
P/1 – A sua namorada atual?
R – Atual.
P/1 – Bom, eu não perguntei, André, mas você tem filhos?
R – Rui.
P/1 – Rui, desculpa. Você tem filhos?
R – Não. E não sei se pretendo tê-los. Não sei. Tenho sérias dúvidas.
P/1 – Rui, o que você sentiu contando a sua história?
R – Ah, tranquilo. É interessante, você vai revendo algumas coisas, mas confortável.
P/1 – Bom, Rui, em nome do Museu da Pessoa, nós agradecemos a sua entrevista.
R – Obrigado. Eu que agradeço.
FINAL DA ENTREVISTARecolher