Meu nome é Nataniel Tadeu de Torres Vieira. Hoje é dia 25 de Julho de 2020, e esse é o terceiro dia da minha jornada de sete dias.
Tenho três casas, ao invés de uma só, que coabitam as minhas recordações. Seria injusto, incorreto e faltoso citar uma só. As três são profundamente significativas para a minha história de vida e para a constituição do meu ser. Cada uma com um significado específico.
A casa dos meus avós, que está com a minha família desde que vieram de Portugal até hoje. Fui criado lá também. Meus avós trabalharam muito para comprar e manter aquela casa. Empenharam-se tanto que, o dia que pararam, quando já estavam muito idosos, faleceram e nunca puderam gozá-la. Isso me ofereceu uma lição crucial: que o trabalho é essencial, mas não pode ser a única dedicação que temos nessa trajetória. Nossa viagem é ímpar e repleta de outras coisas para experimentar também; que um percurso percorrido apenas pautado em sacrifícios, sem nenhum tipo de prazer, é triste. Obviamente, ter onde morar e o que comer são fundamentais, mas sem aproveitar nada na vida, torna esse caminho cinza e frio. Só lamento que assimilei esse aprendizado quando meus avós já tinham partido e nunca pude dividir com eles. Aliás, compreendo que só o absorvi justamente às custas dessa imolação. Lastimo por eles, e ao mesmo tempo, os agradeço por ter onde morar hoje.
A segunda casa é a da infância. Aquela em que fui concebido e fiquei até os 5 anos de idade. Ela é tão importante porque as minhas primeiras lembranças de entendimento e contato com esse mundo são lá: a compreensão de que eu sou um ser, ainda muito primitiva; o aprendizado das palavras e o entendimento de como elas deviam ser aplicadas pra me comunicar. Ou seja, sair do mundo da minha mente e me conectar com o universo ao redor, uma tradução dessa voz que ressoa dentro de mim, uma nomeação das coisas materiais e imateriais para primeiro absorvê-las em mim e depois...
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Meu nome é Nataniel Tadeu de Torres Vieira. Hoje é dia 25 de Julho de 2020, e esse é o terceiro dia da minha jornada de sete dias.
Tenho três casas, ao invés de uma só, que coabitam as minhas recordações. Seria injusto, incorreto e faltoso citar uma só. As três são profundamente significativas para a minha história de vida e para a constituição do meu ser. Cada uma com um significado específico.
A casa dos meus avós, que está com a minha família desde que vieram de Portugal até hoje. Fui criado lá também. Meus avós trabalharam muito para comprar e manter aquela casa. Empenharam-se tanto que, o dia que pararam, quando já estavam muito idosos, faleceram e nunca puderam gozá-la. Isso me ofereceu uma lição crucial: que o trabalho é essencial, mas não pode ser a única dedicação que temos nessa trajetória. Nossa viagem é ímpar e repleta de outras coisas para experimentar também; que um percurso percorrido apenas pautado em sacrifícios, sem nenhum tipo de prazer, é triste. Obviamente, ter onde morar e o que comer são fundamentais, mas sem aproveitar nada na vida, torna esse caminho cinza e frio. Só lamento que assimilei esse aprendizado quando meus avós já tinham partido e nunca pude dividir com eles. Aliás, compreendo que só o absorvi justamente às custas dessa imolação. Lastimo por eles, e ao mesmo tempo, os agradeço por ter onde morar hoje.
A segunda casa é a da infância. Aquela em que fui concebido e fiquei até os 5 anos de idade. Ela é tão importante porque as minhas primeiras lembranças de entendimento e contato com esse mundo são lá: a compreensão de que eu sou um ser, ainda muito primitiva; o aprendizado das palavras e o entendimento de como elas deviam ser aplicadas pra me comunicar. Ou seja, sair do mundo da minha mente e me conectar com o universo ao redor, uma tradução dessa voz que ressoa dentro de mim, uma nomeação das coisas materiais e imateriais para primeiro absorvê-las em mim e depois transmiti-las aos outros.
Por fim, a casa que me mudei aos cinco anos de idade e moro até hoje. Inclusive agora, no período de quarentena. São quase 35 anos. Lugar onde atravessei perdas e percepções, crescimento e formação, e ainda faz parte dos meus processos. Enfim, o lar em que tenho experimentado a vida até agora. É onde está a minha adolescência, minha juventude e o começo da minha idade adulta. Abriga a memória dos meus bichos de estimação, que aliás, estão todos enterrados no quintal dos fundos, todos muito importantes para que eu pudesse me entender e me conectar com a minha essência primitiva e animal. Memória do meu pai, que já não está mais entre nós, fumando na janela da sala porque não queria que a fumaça entrasse em casa e prejudicasse nossa saúde. Invadem-me as imagens de estar sentado na frente da TV, nas manhãs antes da escola, assistindo desenhos. Folhas de papel espalhadas pelo tapete, ilustrações feitas por mim, pinturas, fantoches. E eu levantava e dançava, cantava, atuava. Essas imagens estão todas aqui na sala ainda. Os móveis são diferentes, mas quando olho para os cantos, vejo tudo como era 30 anos atrás. É bom estar aqui, mas carregando o acúmulo de experiências que tenho. Porque não esqueço o passado, mas tem muitas coisas que ocorreram depois e me tornaram a pessoa que sou. Poder interagir fisicamente com o lugar que abriga a minha história, me traz identidade, me conecta com de onde parti e como e porque sou o que sou. Em quarentena, essas conscientizações são constantes porque sou obrigado a habitar esse espaço sem interrupções. Isso me faz contemplar o eu criança e o eu adolescente, que ainda estão impregnados nesses cômodos, e me leva a refletir como o eu de agora carrega suas vivências, e se apoia nos aprendizados delas, para sobreviver.
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