Há exatamente 80 anos Sebastião Silva de Souza vive no bairro de Perus, na Zona Oeste de São Paulo. Na verdade, Tião, como é chamado por todos, é mais velho do que o bairro onde nasceu. A explicação é simples: um ano após o nascimento de Tião, em 1934, Perus deixou de fazer parte do subdi...Continuar leitura
Há exatamente 80 anos Sebastião Silva de Souza vive no bairro de Perus, na Zona Oeste de São Paulo. Na verdade, Tião, como é chamado por todos, é mais velho do que o bairro onde nasceu. A explicação é simples: um ano após o nascimento de Tião, em 1934, Perus deixou de fazer parte do subdistrito de Nossa Senhora do Ó e tornou-se mais um distrito da cidade de São Paulo. Negro, alto, forte e cheio de vitalidade, Tião tem tantas histórias para contar que as novidades são inesgotáveis. Feliz é a sua família, com quem ele compartilha cotidianamente alguns de seus causos.
A história de Tião começou no interior do estado de São Paulo quando Benedicto Silva de Souza, que vivia em Atibaia, e Antonia Maria Conceição (da cidade de Bragança Paulista) se casaram. Buscando dar melhores condições de vida à sua família, Benedicto veio viver na região de Perus e trabalhar na Fazenda Itaiê, na região do bairro de Colinas da Anhanguera, na cidade de Santana de Parnaíba. Nessa época, o casal já tinha cinco filhos: Aparecido, Augusto, Antonio, Ermínia e Benedita.
Depois da mudança vieram mais três herdeiros: Tião, Norma e Rosalia.
A meninice e o arrimo de família
A infância de Tião foi marcada pelo trabalho árduo do pai. “Ele fazia bico descarregando cal das locomotivas, trabalhava por turno na fábrica de cimento e cuidava da roça que sustentava a família”, lembra Tião. O contato com o pai era pouco, afinal quando Benedicto acordava pela manhã ou chegava do trabalho a noite, as crianças estavam dormindo. Por isso, um dos prazeres do menino Tião era levar marmita para o pai e para os irmãos (bem mais velhos) Antonio e Augusto, todos trabalhadores da Fábrica de Cimento Portland Perus, na hora do almoço. “Um dia, comi uma linguiça que mistura da marmita do meu irmão. Parecia que a comida era mais gostosa do que a de casa. Achei que ele não fosse perceber, mas ficou a marca da linguiça em cima do arroz”, se diverte Tião. E completa: “Ele ficou louco comigo!”.
Tião estudou no primeiro grupo escolar de Perus, o “Mathias Aires” e se destacava entre os alunos. Faz questão de afirmar: “Eu era o melhor da turma”. Analfabeto, Benedicto não conseguia assinar os boletins do filho (guardados até hoje) que fazia uma rubrica pelo pai. “Ele nem sabia que eu era o melhor da turma”, conta Tião. O sonho de Benedicto era que o filho estudasse no Senai, mas um imprevisto do destino mudou os caminhos a serem percorridos por Tião. Um dia, voltando da roça, Benedicto teve um derrame cerebral e faleceu. Do pai restaram as boas lembranças: “Ele gostava de comemorar o 13 de maio. Pedia prendas no comércio da região e organizava uma roda de samba no nosso quintal”, diz Tião que se lembra que a festa atravessava a madrugada.
Com os irmãos mais velhos casados, Tião sentiu-se responsável pelo sustento de sua família e passou a trabalhar no período da tarde, depois do horário da escola. O primeiro emprego foi como balconista, depois passou a trabalhar como ajudante de serviços gerais na fazendo do Antonio Russo (onde hoje é localizado o bairro do Jardim do Russo, em Perus) e em uma metalúrgica no centro da cidade. Em 1951 passou a trabalhar na Casas Maia, loja de material de construção da família Maia, uma das mais tradicionais da região.
O casamento e a família do Queixada
Foi trabalhando para a família Maia que Tião conheceu Apparecida Pereira. A moça, nascida na cidade de Souza e que já havia trabalhado na roça e como governanta, agora prestava serviços domésticos para “os Maia”. Conheceram-se em 1953, noivaram em julho de 1957 e se casaram apenas três meses depois, no feriado de 12 de outubro. “Eu me lembro que estava trabalhando em uma quermesse e sai de lá direto para levar a aliança de noivado para ela”, relembra Tião. Quando ficou noivo, o moço deixou de dar todo o seu salário para ajudar a sua mãe e passou a planejar a vida com Cida.
Do casamento nasceram seis filhos: Antonio Bras (Ico), Aparecida Antonia (Tonha), Maria de Lourdes (Lurdinha), Araci, Vital e Silvana. Foram tempos difíceis, mas todos foram criados com muito trabalho de Tião e Cida. Em 1961, por indicação do irmão Augusto, Tião foi trabalhar na fábrica de cimento, onde as más condições de trabalho e os baixos salários levaram os funcionários do grupo JJ Abdala a uma paralisação no início do ano de 1962. Tião fez parte do movimento grevista, tornou-se um Queixada (nome dado aos grevistas em menção aos porcos selvagem que ganham força quando agem em conjunto) e jamais voltaria a trabalhar na fábrica. Só esse capítulo da vida de Tião já daria um livro, por isso é melhor reservar esse assunto para outro texto.
Após cinco meses de greve, a qual judicialmente duraria sete anos, Tião saiu em busca de
emprego para sustentar sua família (sua segunda filha, Tonha, tinha pouco mais que um ano). Trabalhou como motorista durante quatro anos na Transporte Liberdade e depois durante onze meses na Companhia Municipal de Transportes Coletivos (CMTC). Foi uma época de trabalho duro, com apenas uma folga semanal e sem tempo para acompanhar o crescimento de seus filhos. Por isso, Tião trocou de emprego e foi para a Cooperativa de Consumo Popular de Perus: “a maior burrada da minha vida”, afirma ao lembrar que passou a ganhar menos da metade do salário anterior. “Mas tinha mais tempo para minha família”, justifica. Em 18 de janeiro de 1968 começou a trabalhar na Subprefeitura da Perus, onde esteve até 1990, quando se aposentou como Chefe da Limpeza Pública.
Hoje a companheira de Tião já não está mais ao seu lado. Certamente, esse foi um dos maiores golpes que a vida lhe deu. Cida faleceu em 09 de julho de 2011, após 53 anos de casamento, seis filhos, nove netos e um bisneto. Tião mostrou-se mais forte do que nunca, retomou suas atividades (sempre envolvido em movimentos sociais) e hoje nos dá a felicidade e o orgulho de comemorar seus bem vividos 80 anos.Recolher