Tentaram Nos Matar... Mas Sobrevivemos aos Nossos Pais!
Quando os irmãos se reúnem, lembranças são o prato principal da refeição. Cada um pinta um quadro da infância com cores, sons e sabores variados.
Neste fim de tarde, na velha casa nova da Rua São José, os irmãos Coelho e eu partilha...Continuar leitura
Tentaram Nos Matar... Mas Sobrevivemos aos Nossos Pais!
Quando os irmãos se reúnem, lembranças são o prato principal da refeição. Cada um pinta um quadro da infância com cores, sons e sabores variados.
Neste fim de tarde, na velha casa nova da Rua São José, os irmãos Coelho e eu partilhamos memórias da infância que nos fizeram rir e chorar. Olhamos uns para os outros e nos perguntamos como sobrevivemos aos nossos pais.
“Eles tentaram nos matar!”, diz Lucinha, com os olhos cheios de luz de tanto rir, enquanto começa a pintar o quadro que fica pendurado em sua memória.
Ela conta:
Em tempos de infestação de pernilongos, nossa mãe borrifava Baygon no quarto antes de irmos dormir. E, quando os piolhos atacavam, ela recorria ao Neocid. Lucinha ainda ouve o “plac, plac” da latinha e vê o pó branco saindo pelos furinhos, cobrindo seus cabelos castanhos. Mas não parava por aí. Depois, vinha o lenço amarrado na cabeça, para matar os piolhos, não sabíamos se envenenados ou sufocados. Nossa geração sobreviveu aos ataques químicos dos nossos pais com louvor!
Tudo era feito com muito amor, na época em que as crianças corriam descalças no pedregulho, jogavam bola na rua, nadavam no córrego Nossa Senhora e andavam na chuva. Na escola primária, o B-A-BÁ era ensinado sem muita pedagogia, apenas com muito cuspe e papel de pão.
Dona Nívea, era uma cozinheira de mão cheia. O genro, com água na boca, lembra-se da torta de abacaxi que saboreava na casa da sogra. Ele brinca que nunca mais comeu uma torta igual. Sempre ouvia as promessas de Lucinha de fazer uma tão boa quanto a da mãe, mas eram apenas promessas. Ele ria com alegria, olhando para a luz que sua esposa emitia ao lembrar de Dona Nívea e seus talentos culinários.
E quem poderia esquecer do sorvete de baunilha? Ricardo sempre queria tudo para si, e Dona Nívea ficava brava, insistindo para que ele dividisse o sorvete com os irmãos. Era um sorvete feito com amor e carinho.
O amor, com o qual ando de braço dado, ouvia tudo em silêncio. Às vezes, parecia distante... Como irmão mais velho, certamente viveu tudo intensamente. Ele sorria com o olhar cheio de saudade, saudade que não acaba mais.
Em meus pensamentos, ouvindo as histórias dos irmãos Coelho, por um momento virei pólen e viajei até o sobrado na Rua Francisco Campos, lá nas Dores do Indaiá. Revivi cada cena pintada pelos irmãos, pois lá em casa, tudo também era assim.
O Neocid, o Baygon, o lombrigueiro, o Boa Noite que queimava a noite toda... Não sei como, mas nós, minhas irmãs e eu
também sobrevivemos aos nossos pais.
Revivi meu pai chegando com os sacos de milho verde, carregados nas costas, subindo as escadas. Mamãe preparando as facas e as vasilhas, enquanto minhas irmãs desciam para o quintal com os banquinhos de couro. Sentávamos em torno dos sacos de milho verde para descascar as espigas, ralar o milho e, com a massa, encher os copinhos de palha, amarrando-os para fazer cinturinha. Depois, jogávamos tudo na grande panela preta, com água fervendo. Todos esperavam ansiosos a mamãe tirar a primeira pamonha, que era dividida com toda a família.
Foi uma tarde cheia de sabor, sabor de infância.
Foi uma tarde cheia de amor, amor de infância.
Foi uma tarde cheia de saudade, saudade de infância.
Infância que não volta mais. E, como diz a música de Kell Smith, “a gente quer crescer e quando cresce quer voltar ao início”.
Dedico essa crônica ao amor com o qual ando de braços dados , á Lucinha , Ricardo , Raniere
e a todos que viveram essa época de pura inocência
e cheia de amor .
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