Projeto Memória da Convenção da Diversidade Biológica e Protocolo de Cartagena e da Convenção sobre Mudança do Clima e Protocolo de Kyoto
Depoimento de Mario Mantovani
Entrevistado por Carolina Ruy e Thiago Majolo
São Paulo, 15 de maio de 2006
Realização Museu da Pessoa
Entrevista número BIO_TM009
Transcrito por Maria da Conceição Amaral da Silva
Revisado por Gabriela Ramos
P/1 – Mario, para começar, eu queria que você dissesse o nome completo do senhor, a data e o local de nascimento.
R – Sou Mario César Mantovani. Eu nasci em Assis, no dia vinte de dezembro de 1955.
P/1 – E como que você começou a se interessar pela questão ambiental?
R – Ah, uma longa história. Na realidade, isso vem já desde a infância. E é uma coisa interessante, porque eu já sabia que ia fazer isso. Olha que coisa maluca. E acho que eu trabalho com isso desde os dezesseis, dezessete anos. Sempre ligado com a questão de meio ambiente. E acho que uma das coisas que eu fazia, aquilo ali de acampar, aquela coisa que faz quando é jovem... Ainda não era escoteiro. Usava muito o uniforme só para poder viajar, que era uma sacada muito legal. E tinha umas coisas que eu fazia assim, de viagem mesmo, de estar em cima de um trem, vendo estrela e conversando sobre coisas que o pessoal não conversava para aquela época, que era um pouco diferente. Mas muito ligado com a vida do interior. E quando veio para São Paulo, já para fazer os estudos, que é o que acontece com o pessoal do interior, eu já vim para fazer Geografia e me especializar nessa área que eu gostava muito. Então foi uma coisa assim, bem de acompanhar. E já chego em São Paulo e entro na mobilização com os movimentos que existiam, hora brigando um pouco com Calcária, ainda meio de lado, não estava focado diretamente. Mas já estava respirando um pouco disso. E aí, uma coisa interessante: como eu vim para ser executivo da União dos Escoteiros, porque teve um tempo que eu militei como...
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Depoimento de Mario Mantovani
Entrevistado por Carolina Ruy e Thiago Majolo
São Paulo, 15 de maio de 2006
Realização Museu da Pessoa
Entrevista número BIO_TM009
Transcrito por Maria da Conceição Amaral da Silva
Revisado por Gabriela Ramos
P/1 – Mario, para começar, eu queria que você dissesse o nome completo do senhor, a data e o local de nascimento.
R – Sou Mario César Mantovani. Eu nasci em Assis, no dia vinte de dezembro de 1955.
P/1 – E como que você começou a se interessar pela questão ambiental?
R – Ah, uma longa história. Na realidade, isso vem já desde a infância. E é uma coisa interessante, porque eu já sabia que ia fazer isso. Olha que coisa maluca. E acho que eu trabalho com isso desde os dezesseis, dezessete anos. Sempre ligado com a questão de meio ambiente. E acho que uma das coisas que eu fazia, aquilo ali de acampar, aquela coisa que faz quando é jovem... Ainda não era escoteiro. Usava muito o uniforme só para poder viajar, que era uma sacada muito legal. E tinha umas coisas que eu fazia assim, de viagem mesmo, de estar em cima de um trem, vendo estrela e conversando sobre coisas que o pessoal não conversava para aquela época, que era um pouco diferente. Mas muito ligado com a vida do interior. E quando veio para São Paulo, já para fazer os estudos, que é o que acontece com o pessoal do interior, eu já vim para fazer Geografia e me especializar nessa área que eu gostava muito. Então foi uma coisa assim, bem de acompanhar. E já chego em São Paulo e entro na mobilização com os movimentos que existiam, hora brigando um pouco com Calcária, ainda meio de lado, não estava focado diretamente. Mas já estava respirando um pouco disso. E aí, uma coisa interessante: como eu vim para ser executivo da União dos Escoteiros, porque teve um tempo que eu militei como escotismo, até por conta de querer saber o que acontecia. Tudo nessa época era ligado com a história do movimento. Por exemplo, para preparar a Eco de 72, Estocolmo, o movimento escoteiro, na época, foi chamado. Não existia o movimento ambientalista, não existia uma estrutura de movimento ambientalista. Então era um movimento mais organizado, globalizado até, vamos dizer assim. E o Brasil tinha sido preparado, chamado para incorporar aquelas questões de 1972 do movimento. E eu acabo recebendo essas informações. Por exemplo, eu me lembro que, em 73, eu fiz meu primeiro curso de Educação Ambiental, olha que maluco. E depois, com isso, quando eu vim para São Paulo, eu já procurei esses grupos. Já tinha um entendimento do que era. E a partir daí, então, fui entrando nas grandes questões que existiam: Juréia, as questões nucleares, várias das questões. A questão da Sete Quedas. Então diversas questões que entravam na questão, que tinha a ver com a questão ambiental, eu estava envolvido. E aí comecei a conhecer todo esse pessoal.
P/2 – Em 86 você participou da criação da Anama, Associação Nacional de Municípios e Meio Ambiente. Também não existia muito movimento ambientalista? Como é que foi isso?
R – É, mas é uma coisa assim: antes mesmo de 86, quando eu, depois, deixo o movimento ambientalista, que eu fui responsável pela implantação, praticamente, dessa insígnia de conservacionismo, que era nova e que acaba sendo um desastre até, porque o movimento não estava preparado para isso. Não queria saber muito disso. Mas esse movimento social e ambiental começava a se interessar por isso. E eu faço uma experiência de 1970 até 1982, 84, de estar militando e sentindo esse meio de campo. Em 84, eu vim trabalhar com o governo Montoro. E aí acontece uma coisa legal: eu trago esse conhecimento, né, de quem conhecia já o Brasil inteiro, quem já tinha vivido toda essa experiência, quem estava nos municípios, como eu fazia, e eu percebia que existia um espaço que não era ocupado. Tanto que, no governo Montoro, eu vou criar os Conselhos Municipais de Meio-ambiente, que era praticamente a minha especialidade. Continuar essa mobilização e trazer outros segmentos para discussões ambientais que não fossem aqueles só dos ambientalistas, só dos iniciados. E era muito difícil. Como é que você vai falar de meio-ambiente para um pessoal que não tinha muita informação ainda? Mas existia uma coisa que a gente gostava muito de trabalhar, eu gosto até hoje, que é a questão da percepção. As pessoas têm envolvimento com o meio-ambiente, mas elas não percebiam. Quando eu começo a trabalhar isso, e até um pouco antes, eu acho que teve um fato que é muito importante, que veio até hoje esse tema, que é a questão de recursos hídricos. Em 1984, eu começo uma mobilização no interior de São Paulo com a questão de água. Quase que um negócio de desobediência civil. Com a criação dos Consórcios Intermunicipais de Bacias Hidrográficas, nós começamos com o Rio Jacaré-pepira. E aí eu vou entender que o que cabia ao município, o que cabia às competências locais, vamos dizer... Porque o cara falava: "Eu não posso fazer porra nenhuma, porque aqui não dá para atuar, isso não compete ao município." Eu falava: "Mas é claro que compete. Nós estamos falando de interesse local." Então eu comecei a entender um pouco o que era essa história da presença do poder público. Aí nós criamos, porque não existia esse instrumento, um protocolo de intenções, e aí, com gestão de água, olha que loucura, que não tinha, era extremamente centralizado nos órgãos centrais de água. E a partir daí, a gente percebe que há um espaço para trabalhar. Então nós fizemos um encontro de vários municípios em Curitiba. E nesse encontro de municípios, que já começava a ter os primeiros secretários de Meio-ambiente, os primeiros Conselhos, a gente propõe a criação da Anama, dessa associação que, hoje, tem dez votos no Conama, que é uma associação que consolidou-se e trás a informação de meio-ambiente. Mas nós criamos isso em 1986. A Constituição que vai dar competência local aos municípios só sai em 1988. Então esses dois anos foram praticamente uma preparação para o que seria o termo de governança local. E aí acontece uma coisa muito louca: cria a Constituição. Na sequência, nós fazemos o encontro em Belo Horizonte, com quase dois mil e quinhentos municípios. Porque tinha que fazer, praticamente, cada município a sua Constituição, que era a Lei Orgânica. E eu me lembro de um fato assim, que a gente escreveu um roteirinho do que seria a competência local para os municípios. E a gente escreve lá: "Olha, proteger isso, proteger os mangues, proteger tal." E muitos municípios do interior copiaram igualzinho, escreviam: "Proteger os mangues." E não vai ter mangue nunca nesses municípios. (risos) Então a gente começou a trabalhar essa questão da governança e trazer isso para a cidade. Com isso, o cidadão comum tem a temática ambiental no seu dia-a-dia. Acho que esse era o maior desafio e é o que a gente vem tentando até hoje.
P/2 – Você falou que você trabalhava com a questão da água, né?
R – Isso.
P/2 – Você chegou a levar essa questão para a Eco-92?
R – Foi. Acho que... Eu participei da Eco-92 com o tema Água. E é interessante, porque nós tínhamos acabado de... Eu fui contratado na SOS para coordenar a questão da água. E era uma questão interessante, porque eu estava vindo dessa mobilização dos Consórcios Intermunicipais. Com a mudança do Quércia em 86, eu saio e vou trabalhar no Brasil inteiro com a questão, com o tema de água. Faço Consórcios Intermunicipais do Rio Santa Maria e Jucu, do Rio Tibagi, de vários rios no Brasil com esse tema. E aí aparece aquela história em São Paulo do jacaré dentro do Rio Tietê. E a Eldorado, já em 1990, 91, começa aquela grande mobilização, talvez a maior mobilização que já existiu em cima de um tema ambiental, que foi a questão pelo Tietê. E eu venho para a SOS em 91, com o tema água. E quando nós vamos para a Eco 92, nós levamos toda a estrutura da campanha que começava em São Paulo. Então o tema água ganha uma repercussão muito grande na Eco-92, principalmente criando a Rede das Águas, as entidades que são relacionadas com água e um pouco desse tema. Então nós levamos para a Eco-92, que eu participei diretamente muito mais da questão dos governos locais, que é apresentado oficialmente para a sociedade na Eco-92 e a questão da água, que a gente vem conhecer os parceiros que mobilizam pela água. E em 97, São Paulo tem a primeira Lei de Água, antecipando o Brasil inteiro. E que, depois, só agora em dois mil e tanto que vai ter a Lei Nacional de Recursos Hídricos, que é do próprio Fábio, do Fábio Feldmann. Então nós tínhamos aí uma condição muito boa de trazer uma temática como essa, inclusive já buscando dizer que a questão da água era muito séria para ficar só na mão do Dinai Federal ou dos órgãos estaduais. A gente já traz essa linha de fazer uma mobilização pela água, e isso se transforma depois em um caldo de cultura para ter uma legislação própria.
P/2 – A gente entrevistou também o Capobianco. E ele falou no depoimento dele do Fórum Global, realizado na Rio-92.
R – Isso.
P/2 – Eu queria saber se você participou desse fórum. Como que foi?
R – Eu participei da… Dentro da SOS. Eu participava já das entidades, no Conselho Estadual, já envolvido com o movimento ambientalista. E, em 88, 89, já começa o Fórum Brasileiro de ONGs, dentro da SOS Mata Atlântica. Então tinha uma proximidade com a SOS Mata Atlântica. E aí eu participei, já por aquele fato de estar acompanhando com as entidades, indo em todas as reuniões preparatórias, mas não em uma coisa como direção, como a SOS tinha. Muito mais de uma entidade que estava envolvida e começando a tentar entender o que seria a importância do fórum para uma nova postura do movimento diante da demanda que existia internacionalmente. E era uma coisa interessante, porque o Brasil traz um fato novo, que é essa questão dos movimentos sociais. Pela primeira vez você juntava o movimento social, movimento ambiental, esse movimento de alguns segmentos para questões de meio-ambiente. E sindicatos, gente que nunca tinha se interessado. Acho que o fórum, nessa época, chegou a agregar mais de duas mil organizações em torno desse tema. E foi muito forte. E aí nós começamos a trabalhar também a questão das redes, que até então não se falava. Como eu contei um pouco da Rede das Águas, mas a Rede de Mata Atlântica é resultado da mobilização das entidades que a gente começa a trabalhar ao longo da Mata Atlântica. E eu acho que um dos grandes resultados da Eco-92, que eu pude participar e me envolver diretamente, foi a criação das redes, essas redes que, hoje, ainda estão estruturadas com as suas temáticas, como a questão da paz, a questão da própria Mata Atlântica, de biodiversidade, de água, rede de clima. Tudo isso surge lá na Eco-92, como forma de trabalhar muito mais orgânica, onde você identifica os seus parceiros e, com isso, você consegue muito mais resultado.
P/2 – Essas redes que você está falando, elas são formadas por ONGs?
R – A grande maioria é. Ings também, porque tinha ONGs que tinha só o cara, né? (riso) Então era uma coisa mais difícil. Mas na realidade, a gente trabalha com organizações e que dão esse corpo. Vai buscar até personalidade jurídica, muitas delas estão superestruturadas, como é o caso da rede de ONGs da Mata Atlântica. E isso demanda muito trabalho, porque você sai da Eco-92 com essa novidade, vamos dizer assim, e aí você tem a exigência de implantar isso. Se você compromete a fazer uma proposta de trabalho conjunta, isso precisava depois tomar ritmo, ter uma forma de ação. E a SOS também faz um papel muito interessante nesse momento, ela serve de base para essa pequena rede que nascia, que era a Rede de Mata Atlântica, ou a Rede das Águas. Ela serve como uma referência. Depois ela vai ganhar autonomia, a Rede, mas ela tem o seu DNA, a sua história, a sua maternidade, (risos) vamos dizer, dentro da SOS. E aí ela começa a ganhar esse corpo. Então foi uma experiência muito interessante de quem vem trabalhar dentro de uma organização, dentro de um projeto com a questão da água, mas que começa a se relacionar com essas outras organizações a partir de temas muito específicos, como a água, como a Mata Atlântica, coisas desse tipo.
P/2 – Qual é o papel da sociedade civil organizada, ou não, na questão da proteção do meio-ambiente?
R – Olha, eu sempre trabalhei com uma forma um pouco diferenciada. Você tem um universo de manifestações de sociedade civil organizada. Você tem aquela que tem a especificidade da questão racial; a outra, da questão de gênero; uma outra que trabalha com temas mais específicos, como biodiversidade e tal. E eu sempre trabalhei em uma outra perspectiva, e que eu gosto de imprimir, inclusive com relação à SOS. É a questão da participação, do envolvimento. Eu acho que isso diferencia até a SOS da maioria das organizações, que você trabalha com sócios. Hoje, a SOS é uma das entidades que vive somente de sócios. São mais de cem mil sócios que contribuem e fazem com que a entidade tenha esse fôlego que tem hoje. E como foi sempre a minha característica de estar agregando, de estar fazendo, trazendo pessoas para que, com isso, elas possam ter essa capacidade de depois voltar, mobilizar a comunidade. Então eu acho que a característica que eu gosto de ver nas organizações é essa capacidade de catalisar as necessidades da sociedade. Ou de informações, ou de catalisar movimentos sociais com temas. Pode ser até a partir de um problema com a contaminação da água na cidade, uma destruição de uma região, um lixo jogado em qualquer coisa. Ou seja, todos esses temas que afligem diretamente o conjunto da sociedade, trazer para alguma forma de organização, para que isso ganhe amplificação, vamos dizer assim, e possa dar uma contribuição para a sociedade. Ou com a melhoria da qualidade de vida, ou com o despertar do tema, coisas desse tipo. Então eu acho que o papel que eu vejo e que eu gosto de fazer é esse papel. Hoje, por exemplo, em São Paulo nós temos sete mil pessoas mobilizadas com o tema água, analisando o Tietê. E muitos desses grupos que a gente já teve organizados, chegamos a ter mais de quase quinhentos grupos organizados, muitos se transformaram em organizações não governamentais. A mesma coisa com os Conselhos Municipais de Meio-ambiente, muitos daqueles que estavam nos Conselhos acabaram transformando a sua luta em uma luta mais organizada, mais catalisada, e fazendo com que isso se transformasse em organizações. Então, uma coisa bem legal. Desde aqueles meninos que estiveram com a gente em 91, analisando água, muitos hoje têm organizações que estão no Conselho Nacional de Meio-ambiente, que estão nos Conselhos Estaduais, que são lideranças, que começaram com dezesseis. Hoje, com 28 ou trinta anos, têm uma história que começou porque a gente conseguiu naquele momento sacar e dar a informação necessária para que eles pudessem, depois, estar colocando todo o seu talento, vamos dizer assim, em serviço do meio-ambiente. E um pouco dessa relação com a sociedade.
P/2 – E qual que é o papel da política nessa história para você? Qual que é a relação entre política e meio-ambiente?
R – Olha, eu acho que política, eu trabalho com política pública. E a gente pegou um momento muito bom no Brasil. Por isso que a questão política está muito presente. Nós praticamente elaboramos a legislação ambiental do Brasil. Tudo que tem nesse arcabouço jurídico-institucional foi feito pelo movimento ambientalista, por figuras que a gente tem muito presente, como o próprio Fábio Feldmann, que encaminha a maioria dessas legislações. Mas isso foi um momento muito feliz para as entidades, porque o fato de você, a cada momento, estar escolhendo um tema, trabalhando esse tema, transformar isso em uma legislação, em uma política pública, é motivador. Então quando você trás um tema como a água e isso se transforma em uma questão dos governantes locais, quando você trás a questão da participação, a questão da poluição, todas essas questões envolvidas com a questão de meio-ambiente, é muito legal. Um dos temas que eu gosto muito foi a questão da reposição florestal também. Nós conseguimos dos consumidores de produtos florestais: padaria, olaria, churrascaria, resgatar uma das coisas que existiam na legislação e que ninguém levava a sério, que era a reposição florestal. Isso virou um movimento em São Paulo muito forte. Chegamos a criar mais de vinte associações, que mudaram a cara de São Paulo com relação à questão florestal. Isso hoje é um tema que está entrando no Programa Nacional de Florestas, que está na política de florestas do Brasil. Então vários desses temas, como a questão de governos locais, com as legislações para os municípios, isso tudo faz com que a questão política ficasse muito presente. E você vai ter um momento que tem muitos políticos com essa plataforma ambiental, com esse tema ambiental. Isso tudo faz com que você fale: "Pô, o que eu estou trabalhando tem reflexo, tem repercussão." E você consegue ter ganchos com ele, mesmo com a dificuldade do outro lado – uma bancada ruralista que não apóia essas questões. Ou, hoje, quando você vê uma discussão: "Ah, o meio-ambiente impede o desenvolvimento." Uma questão muito falsa, né? Mas que são geradas em função disso, ou até mesmo daquelas coisas que querem fazer, como a CPI das ONGs. Tudo isso, essa reação, vamos dizer, do status dessa política que ainda não se atualizou, essa política tradicional que entra em confronto com a política ambiental. Mesmo com essas dificuldades, eu acho que a gente se anima. Porque você sabe que aquilo que você está fazendo vai contra esse status da política tradicional, da política que já está superada e te anima a querer trabalhar mais. Então você pega um caso como o da Lei da Mata Atlântica, que já vai indo para os seus catorze anos, desde quando foi feito o Decreto 750 até agora. Cada momento em defesa dessa lei foi uma grande motivação para você fazer política pública. Uma hora de impedir a devastação, uma hora de como cotejar e como sintonizar com a lei de recursos hídricos, com a lei dos crimes, com a lei de biodiversidade. Como é que isso faz para a questão de incentivos. Então cada momento você está fazendo um trabalho, e até mesmo da regulamentação. Nós trabalhamos em dezessete estados brasileiros buscando fazer uma regulamentação do que era o estágio secional, o que é uma floresta secundária, estágio médio. Isso foi discutido em estado, isso foi aprovado nos Conselhos Estaduais, levado para o Conselho Federal. Então você vê que é muito dinâmico essa questão da política pública. E cada vez que você discute isso, mais motivação você tem, mais entendimento você tem sobre o tema, como esse de biodiversidade, que é de uma legislação de uma floresta que está, em última análise, acabando, porque só tem 7,3 por cento da floresta original e, assim mesmo, com uma pressão muito grande de degradação, como um campo de futebol em floresta a cada quatro minutos. Então, se você vai usar a imagem de satélite, a globalização, a comunicação, todo esse tipo de coisa, isso ajuda muito para fazer política pública.
P/2 – Assim, falando agora dois dos principais resultados da Eco-92, que foram a Convenção da biodiversidade e o Protocolo de Kyoto. O que é que você acha que trouxe para o Brasil de bom? Qual que é a sua avaliação sobre isso?
R – Eu acho que é ter trazido o tema para a sociedade. E eu vou explorar muito esse lado. Não vou dizer daquela questão só de que isso serve para colocar o Brasil no movimento global, não é nada disso. Você tem uma sociedade que vive da mão para a boca, como no Brasil. As pessoas estão preocupadas com a sobrevivência. Então, quando você trás um tema como esse de biodiversidade, e nós “linkamos” esse tema com a mobilização pela água, nós “linkamos” esse tema com a mobilização pela Lei da Mata Atlântica, isso faz com que fique muito prático. E você consegue colocar um tema difícil desse no dia-a-dia das pessoas. No caso do Protocolo de Kyoto, você começa desde o rodízio que você faz na cidade, e as pessoas começam a: "Por que rodízio? Pela poluição?” É. E tem uma coisa impressionante em São Paulo que eu achava o máximo: você tinha aquele relógio na cidade que fala como está a qualidade do ar. E as pessoas passam ali, vê lá: qualidade ruim. Nenhuma reação. Nem o Pai Nosso. Nem dizer, fechar, parar de respirar, sei lá. Qualquer coisa, nenhuma reação. E está uma situação grave. E aí, quando vem uma discussão como rodízio, você vê o cara que é contra, o cara que é a favor. Quem quer faturar em cima, quem não quer. Isso tudo mostra que são temas que conseguem motivar a sociedade. E depois, aquilo que era intuitivo, vamos dizer assim, como sociedade... Eu me lembro a Magda Lombardo, que é uma professora da Unesp, ela faz um livro com o tema Ilhas de Calor. E a SOS ajuda a publicar esse livro. Eu acho que em 88 sai esse livro. Era uma coisa assim: como é que você vai contar ilhas de calor? Ou como é que você ia contar buraco na camada de ozônio, ou efeito estufa nos anos 80? E aquilo que era muito difícil para a gente falar: "Poxa, como é que eu vou dizer isso para a sociedade? Como é que a sociedade vai incorporar isso?" Passados vinte anos, isso é real. Isso está medido. Hoje, isso é uma discussão global. Então aquilo que era intuitivo, até alguém começar a perceber: "Porra, tem alguma coisa errada." Isso acaba tornando real. E isso tem um rebatimento na vida das pessoas. Algumas pessoas aí relacionam hoje com o clima, com essa mudança do tempo. Isso tem a ver, pode ser até besteira. Eu, como geógrafo, até talvez discutiria um pouco mais, porque a questão de clima é muito complexa. Mas é uma forma das pessoas perceberem. E é uma forma de você abordar, e é uma forma de você tentar desenvolver o tema com essa sociedade. Então eu vejo assim hoje, temas como esse, temas que são aglutinadores já. Já são temas que, de alguma forma, você, hoje, não tem dificuldade de discutir. Se naquela época você não tinha uma linha sequer em um livro didático, mesmo em uma universidade... A gente que ia muito fazer palestra, trazer essas novidades para a sociedade, era a coisa difícil de colar. E hoje você já vê que é consensual. Se você trás o tema, você coloca em uma roda, ele já serve para ter uma conversa, ele já é referencial. Pode até, às vezes, não entender o que está acontecendo, mas as pessoas já param para ver. Então está muito mais fácil trabalhar hoje meio-ambiente com temas como esse, do que era algum tempo atrás. E deve vir muito mais. Porque a cada momento, você tem desde um filme daquele que ele mostra o desastre – e eu não gosto dessa linha de desastre – eu acho que isso é uma forma muito ruim de comunicar a questão ambiental. O cara falar: "Ó, vai morrer todo mundo." A gente estava vendo agora essas revistas internacionais mostrando assim: se aumentar sessenta centímetros o nível do mar, como vão ficar as principais cidades do mundo, e tal. Olha, é muito catastrofista. Eu não passo por aí ainda. E nem fim do mundo é meu tema preferido. Mas é um negócio que as pessoas já ouvem, já conseguem assimilar que o mar pode subir, que pode ter problemas. Então isso é uma coisa interessante e eu gosto sempre de estar muito nesse tema, né? Como um tema como esse pode ser um tema gerador – um pouco da metodologia do Paulo Freire aí. Mas ser um tema gerador para que as pessoas possam entender como elas se relacionam no dia-a-dia com a natureza, como, no dia-a-dia, as questões ambientais interferem na vida de cada um.
P/2 – E a Agenda 21, ela está sendo colocada em prática no Brasil?
R – É outro tema que eu acho que começa a ser incorporado pela sociedade. Porque a Agenda 21 são muitos temas. Eu me lembro de quando a gente criou pela Anama, na Lei Orgânica dos Municípios, uma regra de convivência do governo local com o meio-ambiente. Muito daquilo que a gente fazia em 1988, 89, hoje são temas da Agenda 21. Muitos dos temas que nós trabalhávamos nos anos oitenta são temas hoje que estão lá. São temas norteadores, são temas que você vai entender a importância da sociedade estar incorporando isso. Então eu acho que a Agenda 21, hoje, está ganhando o seu espaço, ela é um tema muito bom para trabalhar com a questão de educação ambiental, que eu acho que é muito necessário. E precisa de ter uma referência. Eu acho que ela serve para isso. E eu gosto muito da questão da Agenda 21, porque ela consegue também ser um aglutinador. Ela pega todos esses temas que envolvem a sociedade, ela consegue pegar isso e colocar em uma forma de como se relacionar no nosso dia-a-dia. Então, quando você escolhe proteger a biodiversidade, a água, quando você escolhe a questão do clima, quando você escolhe questões culturais, tudo isso você consegue agregar com a Agenda 21. É uma regrinha, é uma bula de convivência. Eu acho que é muito legal. Eu gosto muito desse tema e acho que ela está avançando muito mais agora do que quando era proposta a partir da Eco-92. Hoje ela consegue ser... Se você propõe, às vezes, a pessoa já não discute mais: "Bom, vamos ver o que é isso mesmo, que eu não estou entendendo." Aí você faz… Inclusive, eu pude ter a oportunidade de refazer a Agenda 21, para temas específicos. Uma Agenda 21 das Águas, como a gente já desenvolveu. A Agenda 21 de uma comunidade rural, como a gente já viu acontecendo no Guapiruvu. E em vários outros lugares as pessoas que estão preocupadas com o tema sustentabilidade, com o tema da vida, conseguem trazer a Agenda 21 como esse roteiro para a nossa convivência da sociedade.
P/2 – E como que você avalia o fato dos Estados Unidos não terem assinado o Protocolo de Kyoto, a Convenção?
R – Eu acho que é bom para pode meter o pau no Bush. Só isso e mais nada. Eu acho que não tem muita importância. Lógico que tem importância do ponto de vista da diplomacia internacional, isso tem um peso. Mas eu acho que o estágio em que está a sociedade hoje, vai chegar um ponto que se os Estados Unidos assinarem ou não, não vai ter nenhuma importância. Você já tem as principais empresas americanas fazendo ações que mostram que é possível você cumprir aquilo que está no Protocolo de Kyoto, independente de governo. E nós estamos vivendo em uma sociedade globalizada, onde as empresas têm um papel, o consumidor tem um grande papel e isso tudo está vindo. Daqui a pouco, olha, se os Estados Unidos não assinaram, mas você tem hoje reações nos Estados Unidos, em estados americanos que eles já são contra a forma com que o governo do Bush, ou qualquer outro governo central, não queira assinar por mil razões que os Estados Unidos têm. Então eu acho que isso hoje é, eu diria, até uma coisa mais interessante, o fato dos Estados Unidos não ajudarem, não terem assinado, tem ajudado muito a divulgar o Protocolo. Porque isso serve de, pô, se tem um que não vem... Você tem o contraditório, você tem quem é contra, ainda bem que é do mal. Então acaba (risos) tendo assim: ele é contra, porque ele é do mal e o bem é o Protocolo. Então eu acho que isso, hoje, é quase que um... Uma coisa, assim, motivacional para discutir a questão do Protocolo de Kyoto. Se você já começa falando que os Estados Unidos estão contra alguém, já fala: "Opa, calma aí, o que é? O que é que estão contra?" Então dá jogo, dá conversa. E isso é muito bom. E eu vejo como uma coisa assim, desse lado, positiva. Eu acho que o que é péssimo é os Estados Unidos estarem fora quando você pensa em questões globais. Mas isso exigiu negociações diferenciadas entre países, mais compromisso de países que eram periféricos, no G7 ou no G22, sei lá como é que é esse novo arranjo dos países hoje no globo. Isso mostra que você tem uma discussão interessante fora para aquela coisa da hegemonia, daqueles que eram obrigados pelo Anexo 1, Anexo 2, que é uma coisa complexa que ninguém entenderia por que é que esse país pode, aquele não pode. Essa discussão ganha uma repercussão muito maior quando ela tem essa mobilização da sociedade. E os próprios países, quando vão reescrever os seus compromissos na questão das emissões, o fato de não terem entrado os Estados Unidos exigiu muito mais desses países. Então exigiu que se entendesse melhor qual é a contribuição de cada um. Aí você vai ver o que o desmatamento da Amazônia ganha em uma proporção muito maior. Você vai ver que países do terceiro mundo também têm uma contribuição muito grande, que você não discutiria se tivesse vindo aqueles países muito grandes e fechassem entre eles um acordo de redução ou não. Então eu acho que foi um bom momento. Esse conflito está trazendo bons resultados, vamos dizer assim. Atrasou o Protocolo, mas a gente conhece tantas outras convenções internacionais como de biodiversidade, convenções tão importantes. Nós participamos agora da Cop-8, a gente vê como é difícil avançar cada tema. E acho que esse foi um bom exercício, vamos dizer assim, a questão climática.
P/2 – Essas Conferências das partes, como a COP 8, elas têm cumprido esse papel de manter esse debate?
R – Acho que sim. Eu não vejo como, eu não vejo como tão... Muita gente achou que foi negativo o resultado. Mas se você imaginar que esse tema é tão recente, e nós estamos trabalhando com limites: o limite da biodiversidade, os interesses que estão atrás disso, as grandes empresas que trabalham hoje com biotecnologia, com tudo isso, eu acho que essa discussão tem tido muito resultado. Eu estive participando desde a Eco-92, aliás, participei muito da 72, de Estocolmo. Acompanhei muito o que aconteceu com a Eco-92 e depois todos os seu desdobramentos, com as diversas reuniões. De reuniões, de partes, não diretamente como muitos ambientalistas aqui. Mas como quem está mais próximo à sociedade, não como quem está muito dentro do tema, por obrigação de estar participando de uma articulação ou outra. E eu vejo assim, como é que isso rebate, como é que isso tem mais gente envolvida. Eu me lembro que na Eco-92, para chegar perto do Centro de Convenções, era um negócio impossível. Tinha que ser delegado, isso. E agora, uma Cop-8, você tinha o acesso livre, irrestrito. Todo mundo contribuindo, todo mundo fazendo as suas, dando as suas opiniões, tudo. Então eu acho que ficou muito mais fácil hoje, eu acho que isso tende a crescer mais ainda, porque esses temas estão sendo incorporados pelos institutos de pesquisa, pelas universidades, pela sociedade de um modo em geral. Quantas ONGs hoje estão discutindo esse tema. Naquele momento da Eco-92, nada. E mesmo em 72, era impossível. Então a gente vê o tempo encurtando, o tema de biodiversidade ganhando espaços, ganhando novos segmentos, ganhando novo viés nessa história de como vou discutir esse tema. Coisa que a gente não pensava com a questão de gênero, e a questão de biodiversidade, a questão cultural, os grupos tradicionais. Hoje você incorpora tantas outras coisas que dá uma dinâmica muito melhor para o tema. E acho que isso faz parte desse grande processo de negociação. O que frustra um pouco é aquela coisa do Protocolo, da diplomacia, uma linha, a outra e tal. Mas a sociedade está atropelando, de certa forma. E você, comparando com o que aconteceu em Curitiba... As pessoas em Curitiba, algumas nem sabiam, no Brasil então, é muito mais difícil. Mas o tema já está incorporado. Isso que é uma coisa que é interessante e ela avança e tem dois caminhos: esse da sociedade e esse da diplomacia. Que é o seu papel, nunca foi diferente do que está acontecendo agora.
P/2 – E quais são os principais desafios enfrentados hoje por esse movimento ambientalista?
R – Eu acho que é ainda essa questão de colocar o tema no dia-a-dia. A cada momento, a gente tem um sobressalto. Então você vê temas como segurança hoje na pauta, porque a gente percebe que isso é muito forte. O tema ambiental nunca foi o primeiro tema da linha. Mas quando você discute saúde, que é um dos próximos temas aí na preocupação da sociedade, e quando você relaciona saúde – por exemplo, no caso do Brasil – à água, com setenta por cento das doenças de origem hídrica que estão registradas nos hospitais, você dá um ganho para a questão ambiental. Quando você discute habitação, do ponto de vista de qualidade, para o cara estar vivendo bem, você traz a questão ambiental. Então eu acho que a questão ambiental vai ser muito melhor entendida, e vai ganhar mais destaque quando ela for discutida em todas as suas especificidades. Ela sempre vai estar dizendo do transporte como entra a questão ambiental. A mesma é na segurança, como é que tem a ver a questão ambiental. Então é trazer isso para cada um dos temas, e não ficar como um segmentozinho lá na última relação de prioridades da sociedade: meio-ambiente é a nona, décima preocupação. Nada disso. Quando a gente tiver relacionado isso com economia de verdade, quando a gente tiver relacionado isso com esses temas que demandam a urgência da sociedade, nós vamos fazer com que o tema tenha importância e mais do que isso: que o tema tenha repercussão, que você tenha todo mundo como ambientalista e não um cara iluminado que bateu a cabeça ou que sei lá, um dia olhou para o céu e gostou. Coisas desse tipo. Então todo mundo é ambientalista na sua forma. Acho que esse seria o melhor dos mundos. E enquanto isso não acontece, a gente continua abrindo jornal, se assustando, vendo coisas e vivendo, esperando a seleção. Sei lá, vamos, mas é assim que caminha a humanidade.
P/2 – E como é que você acha que está caminhando? Como você vê essa questão ambiental daqui a quinze, vinte anos?
R – Olha, olhando para trás, eu tenho 35 anos de movimento ambientalista. Hoje é muito mais fácil. Hoje dá até um certo status você falar: "Eu sou ambientalista." Antes os caras falavam: "O quê? Que tipo estranho. Quem mandou não estudar?" O pai revoltado com essas coisas. Hoje, não. Hoje eu tenho um filho, hoje eu tenho a minha filha escolhendo esse caminho agora. Saindo para Geografia, também para querer, com dezoito anos, já entendendo que esse é o tema que vai chamar atenção. Eu já vejo muita gente hoje fazendo isso, né? E acho que vai ser muito mais fácil daqui para a frente do que ontem, do que foi hoje, do que foi antes e para trás. Eu sou muito otimista com relação à questão ambiental. Eu acho que a cada vez a gente vai ter mais informações de forma diferente, não aquela que a gente vê. Os nossos filtros são muito sérios. A gente tem muito trauma de outras épocas. Ou seja por pressão dos militares, ou da ditadura, ou da comunicação que era mais difícil. E hoje essa turma já vem sem esses filtros, já vem com um novo conhecimento. Olha, trás isso, agrega aqui, a imagem de satélite. Hoje, no próprio Google você consegue localizar qualquer coisa. Que genial, como é muito mais fácil. Como a informação roda muito melhor hoje com internet. Você não precisa ter preocupação. As informações estão disponíveis em todo lugar. E vai ter gente trabalhando melhor essa informação do que a gente trabalhava. A gente era difícil, você tinha que pegar aquela coisinha, ler o livro tal, convencer o outro do seu lado. E hoje a coisa está muito mais instantânea, né? Então quem estiver trabalhando temas como esse, tem muito mais facilidade. E a gente não pode se apegar naquelas histórias: "Eu consegui superar todas as dificuldades." Você tem que estar aberto para o novo. E o novo está a cada hora chegando de um jeito, com uma cara, com uma pessoa, uma forma de organização, né? E está muito mais fácil. Eu sou extremamente otimista com relação às questões ambientais. Elas definitivamente vão conquistar a sociedade. Elas definitivamente vão estar na preocupação. Mesmo que ela esteja, se for ver de forma segmentada, na oitava, nona, décima, está ótimo. A gente está no cenário, a gente está com o sinal no radar. Isso é muito importante.
P/2 – Que bom. Tá. Para a gente começar a finalizar: quais foram as principais lições que você tirou da sua trajetória profissional?
R – Ah, eu fui extremamente privilegiado. Quem escolheu fazer um negócio que ninguém conseguia, (risos) sobrevive disso hoje, consegue ter um trabalho com isso, consegue fazer política pública? Eu vejo, assim, como um prêmio, de certa forma, chegar aonde eu cheguei. E eu acho que assim, a principal coisa foi de acreditar, de ser perseverante, de continuar, de buscar soluções. As dificuldades sempre foram presentes. E, para cada dificuldade, você teve uma reação. Lógico, você tem coisas que traumatizam. Amigos que botam fogo no corpo, foi uma forma de mobilizar, como a gente viu agora com o Francisco Anselmo em Campo Grande. Amigos que são assassinados. A intolerância também vem com a questão ambiental. E isso eu vejo como um momento para uma reflexão. O caminho que ele estava seguindo é um caminho interessante? Você tem coisas que eram insuperáveis e que você supera. Então aquele momento, você revê. Você tem um momento de todo mundo muito feliz, as coisas acontecendo, uma Conferência, isso, aquilo outro. Você tem momentos como um deputado impedir uma legislação por interesse de um grupo ou dele mesmo, particular. As vezes você fala: "Mas, porra, eu estou querendo salvar o planeta e tem que encontrar um cara desse, tem que aguentar isso?" Mas tudo isso faz como matéria-prima para o seu dia-a-dia, para a sua formação e para aquilo que você acredita. Então eu vejo hoje com muito mais... Talvez por isso esse grau de otimismo. Porque quem escolheu fazer isso lá atrás... Eu trabalho praticamente a vida toda com ONG. Eu sou ongueiro profissional. Vou me aposentar como ongueiro. Olha que louco isso, né? E é um segmento novíssimo no mercado, é um segmento novíssimo na vida do brasileiro. E eu vejo que isso tem muito mais facilidade hoje. Eu consigo formular melhor, eu consigo ter mais resultados. Eu consigo ver mais perspectivas de futuro. Olha que coisa fantástica. Um cara com mais de cinquenta anos de idade, que viveu trinta e tantos anos desse movimento e ver mais perspectivas hoje do que eu via quando estava ainda com a base do ideal, que a gente acaba não perdendo. Porque você fica praticamente condenado eternamente quando escolhe caminhos como esse. (risos) Mas eu vejo muito mais perspectivas hoje. Quando a minha filha escolhe esse caminho, eu não vou fazer igual meu pai, que ficou desesperado: "Putz grilo, o que esse cara vai fazer?" Hoje eu vejo: "Porra, que legal que você escolheu isso. Você tem grandes possibilidades." E tudo isso anima muito. Eu vejo com mais facilidade hoje e acho que as dificuldades foram as de qualquer segmento. Com qualquer história de vida que eu pudesse ter, eu teria todas essas dificuldades. E sempre a disposição de superar, que era mais complexa, talvez, se eu estivesse em outra área. Agora, como a questão ambiental é muito motivacional, te ajuda a superar. Eu vejo quantos amigos, quantas pessoas que, sem grana, sem condição, às vezes, até de vida própria, abandonam tudo para se dedicar a isso, e com isso, estar sempre motivado. As dificuldades não conseguem derrubá-lo. Então eu vou muito mais por essa linha. Tem muito mais coisas que animam do que coisas que falavam: "Ah, não, tem dificuldade." A dificuldade é inerente a estar vivendo. Respirou, está lascado.
P/2 – Só para finalizar agora: o que você acha de ter participado desse projeto de memória?
R – Olha, eu tive a primeira experiência com a história do SOS Mata Atlântica, e quando você fala a sua entrevista, pode ser uma coisa pequena. Você fica assim, meio: “Pô, eu vou ter que falar e tal.” Mas quando você vê todo mundo falando, como a gente viu, e eu tive a oportunidade de querer ver todos, né, por conhecer um pouco a história da SOS. Aí você vê como isso fica rico, como esse processo é interessantíssimo. O eu é uma coisa muito sutil, muito chata nessa história. A minha história de vida é só mais uma, como tem milhões de histórias de vida. Mas como todas essas histórias de vida formam um ideal, e é um ideal comum, senso comum, aí você fala: "Pô, isso que eu estou fazendo se renova." Você vê até algumas pessoas que, às vezes, você tinha alguma dificuldade de relacionar que ela também acredita naquilo que você acredita, isso é muito legal. Eu gosto muito da forma com que faz esse projeto. Eu acho que vira quase uma terapia de grupo. Mas (risos) é uma coisa interessante, porque você tem olhares diferentes, de quem está analisando e, depois, no conjunto, de quem está falando. E essas coisas interagem muito bem. Foi aquela primeira experiência mais difícil, mas hoje eu já acho que assim: todo mundo devia fazer um pouco essa experiência de contar junto. Porque é meio babaca até, mas aquela história de sonho que se sonha junto é real. Mas tem muito a ver disso. Eu acho que essa forma de contar a história capta muito mais do que só a história do Mário, com seus traumas, com suas coisas, ou com seu otimismo demais, que pode mascarar uma situação. Então esse conjunto de informações dão muito mais tranquilidade para ele dizer: "Olha, essa questão de biodiversidade, essa questão de meio-ambiente, essa questão da luta pela vida, ela ganha sentido quando todos estão pensando a mesma coisa." Eu gosto disso.
P/2 – Tá bom, obrigada.
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