P/1 – Bom, Andrea, muito obrigada por você ter se deslocado até São Paulo pra contar essa sua história pra gente. E pra começar, eu queria que você falasse o seu nome completo, a data do seu nascimento e a cidade em que você nasceu.
R – Eu sou Andrea Porcelli. Eu nasci em sete de dezembr...Continuar leitura
P/1 – Bom, Andrea, muito obrigada por você ter se deslocado até São Paulo pra contar essa sua história pra gente. E pra começar, eu queria que você falasse o seu nome completo, a data do seu nascimento e a cidade em que você nasceu.
R – Eu sou Andrea Porcelli. Eu nasci em sete de dezembro de 1998, em uma cidade na Itália que se chama Latina, muito perto de Roma.
P/1 – E qual o nome dos seus pais?
R – Meu pai é Franco Porcelli, minha mãe é Frasca Vincenza.
P/1 – E os avós?
R – Os avós, o pai do meu pai é Nicola Porcelli, Maria Passeri, os pais da minha mãe são Guglielmo Frasca, Maria Domenica Stirpe.
P/1 – E conta pra gente um pouquinho da história da sua família. O que você sabe dessa história?
R – Minha mãe e meu pai moravam na mesma cidade, onde eu moro, que não é Latina, mas é uma cidade menor, mais perto de Roma. É no meio, entre a Roma e Latina. A história não é uma história tão boa assim, mas eles se encontraram, eu acho, depois eles namoraram, si sposarano [se casaram], nasceu o meu irmão mais velho, depois de quatro anos, eu.
P/1 – E você sabe um pouquinho dos seus avós?
R – Meu avô, o pai da minha mãe, não morava na mesma cidade onde eu moro, era muito mais longe da minha cidade. Ele morava na mesma região, mas no interior. E ele tinha um trabalho junto com o pai dele, que ele era um vendedor e com o carro chegava de onde ele morava até a cidade onde eu moro. Aqui ele encontrou a minha avó. A história da minha avó eu gosto muito, porque ela sempre contava pra mim. A minha avó não era órfã, mas morava em um orfanotrofio [orfanato]. A mãe dela morreu e o pai dela trabalhava, não morar com ele, porque não tinha dinheiro suficiente para sostenerla [sustentá-la]. Ela morava junto com irmãos dela no orfanotrofio [orfanato]. E na época da Segunda Guerra Mundial, ela sempre me contava como era difícil viver no período de guerra. E contava histórias das bombas na cidade. E sempre, quando eu era pequeno, gostava de ouvir essas histórias também. Não era assim uma história feliz, mas quando [ela] contava isso eu aprendia muita coisa na história da Itália, na história da minha cidade, porque depois chegaram americanos que salvaram dos nazistas. Eu sei que era muito interessante. No outro lado, dos pais do meu pai, a história... Nunca ouvi assim trabalhosa como é a história, mas também eles viveram no período da guerra, da Segunda Guerra Mundial. Meu avô não combateu porque era pequeno, mas ele viveu e sempre contava que era difícil, porque meu avô, como o outro avô, eles são construtores, é um trabalho humilde, não é um trabalho que você pode ficar rico. E em um período como a Segunda Guerra Mundial, poucas pessoas conseguiram viver tranquilas, sem problema. E eu sei que a minha família não é uma família rica, é uma família humilde, só que é também uma parte importante da minha vida contar, porque se eu sou assim agora é [pela] minha família. Eu nunca fui um cara que perguntava muitas coisas, que pedia muitas coisas, porque eu sabia que muitas coisas que outras pessoas também tinham, eu não podia, mas não porque sou pobre, mas porque não queria gastar dinheiro dos meus pais, porque eu sei que o trabalho que ele faz, ele também é mais ou menos construtor, é um trabalho humilde, não é um trabalho que ele gasta muito dinheiro pra comprar muitas coisas. Eu amo meus pais, porque também se eu não pedia, eles sempre estavam disponibili [disponíveis] pra comprar coisas que eu queria. Era assim. E é assim agora também.
P/1 – Você falou que o seu pai trabalha com construção. E a sua mãe, o que ela faz?
R – Minha trabalha numa padaria.
P/1 – E, Andrea, você conta que sempre escutou essas histórias de guerra dos dois lados da família. Como é a relação com os avós, o contato com a sua família?
R – Ah, é muito boa. A minha cidade é uma cidade pequena, eles moram juntos na cidade, é muito fácil pra eu chegar à casa deles. Muitas vezes a gente vai pra comer um almoço, ou jantar, ou só pra uma visita.
P/1 – E como foi a sua infância nessa cidade?
R – A minha infância foi legal. Eu gostei muito. Porque a minha cidade é uma cidade tranquila, com segurança, a gente podia jogar na rua. Eu fiquei muito tempo na rua quando era pequeno, porque não tinha problemas que, por exemplo, aqui tem no Brasil. E a gente brincava na rua, depois a gente, por exemplo, ia pra escola a pé. Todo mundo conhece todo mundo. É assim. É bem legal. Eu gosto da minha cidade pequena. Adoro. Sinto muita falta dela.
P/1 – E do que vocês brincavam?
R – Ah, não sei, a gente jogava futebol, a gente saía pra uma pizza. Podia sair também se eu tinha só dez anos, ou só nove anos, a gente podia sair, o problema não era isso, a gente podia fazer tudo. Claro, não podia ficar até meia-noite, mas já pra um menino de nove anos, ficar na rua até dez horas era muito, sentia mais velho do que era. E depois é uma cidade muito, muito linda, é uma cidade medieval, muito velha, e todas as ruas são maravilhosas. Então ficar na rua só pra brincar com amigos, falar, até hoje eu gosto, porque só ficar na minha cidade já é uma coisa maravilhosa.
P/2 – E tem alguma história assim de menino, alguma coisa que você tenha aprontado, alguma coisa engraçada que marque a sua infância assim?
R – Ah (risos), a minha cidade é toda engraçada, porque é assim... Tem pessoa que é mais engraçada pelo jeito dela, por exemplo, eu gosto de chamá-lo de artista, é um cara que mora na rua, ele canta, ele, claro, tem problema com álcool, porque ele não é pessoa que trabalha, ele é pessoa de rua, ele canta e é como um símbolo para a cidade da gente. E a gente sempre... Não [era] brinca[r] com ele de um jeito ruim, mas brinca[r] com ele de um jeito engraçado. Quando eu era muito pequeno a gente começou. E a gente cantava com ele, também a gente brincava com ele, ele ficava um pouco com raiva, mas assim, eu gosto de lembrar isso da minha cidade. Por exemplo, quando me perguntam o que tem de especial a sua cidade, é isso aqui, são as pessoas. Não tem só ele. É uma cidade pequena, mas viva, e todas as pessoas são tudo gente boa.
P/2 – E como a sua família comemora festas como aniversário, Natal, Páscoa?
R – Ah, claro, a Itália, acho que toda a Itália é assim, Natal, por exemplo, se comemora com a família. Eu, pessoalmente, na casa do meu avô, com todo mundo, todos os parentes. Come muito, muitas coisas, por muito tempo, tem vários jogos pra fazer, é bem legal. É bem legal. O aniversário também, mas tem pessoas que comemoram duas vezes o aniversário: com parentes e com amigos. Ou pessoas que fazem isso juntos. Mas, assim, comemorar é sempre só comer, porque, como se sabe, a cultura da Itália é muito sobre a comida. E a minha família também, eles gostam de cozinhar, minha mãe, minha avó, também meu pai. Eu também gosto de cozinhar. Mas acho que é um jeito da Itália a comida. Todas as festas religiosas, Cristiana [cristãs], o Natal, a Páscoa, são assim: comida, comida, comida. Mas tem outras diferentes festas, por exemplo, tem a festa no meio de agosto que a gente vai pra praia, porque na Itália é verão já. E também tem o Réveillon, que a gente comemora junto com a família até quando você é pequeno, depois junto com amigos na festa. Depois quando você fica mais velho, sempre com a família. É um círculo.
P/2 – E qual a sua comida preferida?
R – Claro, pizza. Pizza, pasta. Gosto muito da comida italiana, mas adoro pizza, podia comer todo dia pizza.
P/2 – E o que você achou da pizza daqui?
R – É diferente. Eu achei pizzas boas e achei pizzas muito ruins. Mas, não sei, a Itália que inventou a pizza, eu não posso falar assim mal da pizza do Brasil, mas não é como a Itália. Toda comida que é da Itália aqui é pior. Não quero falar com jeito negativo, mas assim... Mas como eu acho comida brasileira na Itália. É assim.
P/1 – E deixe-me te perguntar, você contou um pouquinho das festas da família, como a família comemora, e com os amigos. E na sua cidade? Tem alguma festa da cidade? Uma coisa que aconteça na cidade?
R – Ah, sim, claro, tem muitas festas medievais, onde a gente usa roupa medieval. Tem corrida de cavalo com jogos medievais. A gente faz isso uma vez por ano e demora uma semana, mais ou menos. É muito legal. Mas depois tem festa, tipo, pra comemorar o dia do caçador, por exemplo. A gente come coisa... [Tem uma festa], a gente chama de sagra, que você pode comer a comida que é do norte da sagra. Tem a sagra do caçador, a gente come comida de caçador, carne que o caçador caçou. E depois várias, que agora eu não lembro, mas tem muitas.
P/2 – E quais são suas primeiras lembranças da escola?
R – Da escola. A escola pra mim é sempre um... Não é um problema, mas eu não gosto muito de estudar. Sou muito bom pra escola, outros falam. Mas eu nunca gostei de ficar sempre estudando. Mas tenho muita lembrança da escola, porque conheci gente que até agora... Na minha primeira escola, eu conheci gente que até agora é meu amigo. Ficar junto com amigos na escola é uma coisa que deixa a escola passar felizmente, que não é uma coisa negativa. E a escola, eu lembro muito das professoras, das primeiras professoras da escola. Lembro-me de todas as pessoas que trabalham na escola, porque a escola está na frente da minha casa, eu sempre posso ver as pessoas [com as quais] cresci. Depois, as outras escolas... Porque na Itália não é como no Brasil que você começa numa escola, como aqui, na escola particular você começa de pequeno e sai quando tem que ir pra faculdade. Na Itália é diferente. A Itália tem várias escolas: tem a primeira escola, a segunda escola e terceira escola, e depois a faculdade. E assim, na Itália eu troquei três escolas, como é a normalidade. A primeira e a segunda estavam na minha cidade. E até agora eu sempre encontro meus professores e gosto de falar com eles. Despois eu troquei a escola, troquei porque cresci, e fui fora da minha cidade, em Latina, fui à Latina, cidade onde eu nasci. É uma realidade diferente, porque Latina é muito grande em respeito a [comparado] minha cidade, então era tudo diferente. Agora que estou no quarto ano, ano que vem eu tenho que fazer o quinto, o último. Ainda me lembro do primeiro, do segundo, do terceiro ano, o ano passado. Mas eu acho que é uma lembrança que eu nunca vou esquecer. É isso.
P/2 – E o que você queria ser quando crescesse quando você era menorzinho?
R – Eu troquei muitas vontades de trabalhar. Eu queria ser astronauta, queria ser mecânico. Agora, há da três anos, eu quero quer ser advogado, quero estudar Diritto [Direito]. E ainda não sei como, porque Diritto [Direito] tem várias coisas pra fazer. Mas agora eu tenho certeza que vou estudar Diritto [Direito] na Itália. Vou estudar Diritto [Direito] e ficar advogado. Depois, advogado de que eu ainda não sei, vou ver quando maior.
P/1 – E teve alguma influência nessa trajetória escolar de algum professor, matéria, que você tenha gostado pra você escolher?
R – Claro. Muito. Todo mundo fala que eu sou um cara que fala muito e que sabe persuadir, que sabe falar, sabe convencer pessoas a fazerem uma coisa. Muitos professores acham que eu sou muito bravo com a palavra, e pior com a Matemática. Mas são pessoas que colocaram uma ideia na minha cabeça. Se é verdade que eu sei falar, por que não usar essas coisas pra um trabalho? E eu sei que pra ser advogado, você tem que ser muito bom com palavras, tem que saber falar. E isso depois é sempre um trabalho que me inspira, porque eu queria ajudar pessoas. Não quero ser o advogado que, por exemplo, protege a máfia, não é isso, eu queria ser um advogado que ajuda pessoas. Eu gosto de ajudar pessoas. E também queria ganhar o meu dinheiro fazendo isso, ajudando pessoas, não derrubando pessoas, fazendo assim...
P1 – E conta um pouquinho pra gente da rotina da escola na Itália, se tem uniforme, como é o dia a dia.
R – Na Itália não tem uniforme. A minha rotina é diferente das pessoas que moram em Latina, porque eu todo dia pego ônibus, acordo muito cedo. A escola começa oito horas, e acordo seis horas de manhã, pego o ônibus, chego e vou pra escola. A escola não é uma escola que demora muito, como é a maioria das escolas na Itália. Tem diferentes escolas, todas as escolas têm um endereço diferente. Tem a escola científica, que eu faço, depois tem escola informática, tem a escola técnica. Tem muita, eu faço científica. E a escola todo dia dura cinco horas, termina uma hora da tarde. E depois tenho que pegar de volta o ônibus e voltar pra casa. E tenho que estudar em casa, é claro, porque esta escola quer que você estude, porque essa escola, fazendo essa escola, você tem certeza que tem que ir para a faculdade, não pode ficar com o diploma dessa escola, não acha um trabalho. E tem que ir pra faculdade. Essa escola te forma pra uma formatura pra faculdade, isso é muito importante. Eu gosto muito da minha escola, foi uma escolha mirada: “Quero ir pra essa escola”. E pra sorte, eu encontrei professoras maravilhosas, que gosto muito e que me mudaram mesmo muito. Isso aqui é muito importante.
P/2 – Conta pra gente como foi se desenvolvendo seu gosto por leitura, por música.
R – Meu pai sempre me falou que é importante ler. Ele lê muito, eu também gosto. Ele não me obrigava a ler, mas ele me falava: “Olha, eu li esse livro aqui, é muito bom. Experimente”. Eu experimentei ler, gostei. E minha mãe também faz a mesma coisa. Sempre gostei de ler o mesmo livro que meu pai e minha mãe leram. Depois eu cresci um pouco e fiquei: “Tá, mas por que não pode ser uma coisa que eu goste também?”. Sempre lendo, ou assistindo, não sei. Descobri muitos outros livros e a minha maior paixão acho que é pelo cinema. Muitos filmes. E gosto muito de filme, que seja velho, novo, mas assisto a muitos filmes. Esse aqui é... Assisto a filmes também engraçados, mas também muitos sérios, que mudam você mesmo. É a minha paixão. Depois eu gosto da música. A Itália é um país muito... Tem muita arte. Também eu me apaixonei, junto com o cinema, da arte na Itália. Também uma professora no ano passado, que lembro muito, muito, muito dela, que agora não está mais na minha escola, trocou, mas ela colocou na minha cabeça muitas coisas da arte. Eu visitei museus da Itália e me apaixonei pela arte. É uma das minhas paixões.
P/2 – E de onde veio essa ideia de querer morar num lugar tão longe?
R – Ano passado foi que escolhi de viajar. Eu nunca tive na minha mente de ficar um ano fora da minha casa, porque eu tenho que falar no começo que adoro a minha vida na Itália. Eu amo a minha vida na Itália. Eu tenho muitos amigos que adoro, tenho bons professores, uma família maravilhosa, e também tenho a namorada. Mas, não sei, eu tinha uma intercambista na minha escola no ano passado, que depois ficou minha grande amiga, e ela chegou aqui o ano passado e era uma pessoa muito gentil, ela sempre falava que era maravilhoso ficar num país novo, aprender uma nova cultura. Eu também queria isso, mas não sabia onde. Eu queria ficar em outro país. E não só por isso, mas eu queria mais ficar sozinho, sozinho de tudo, pra ver se eu conseguia viver, conseguia ficar sozinho. E por isso que eu escolhi morar um ano fora da Itália. Eu contatei o AFS e a gente fez teste, preparação, tudo. E eu tinha que colocar dez países. Eu coloquei muitos países que eu gostava e também que não sabia nada, mas coloquei todos os países do mundo. Coloquei a Holanda em primeiro, coloquei África do Sul, o Brasil, Argentina, depois Hong Kong, coloquei a Rússia, todo mundo. Eu queria ir pra fora da Itália, era isso o importante, só pra ver se eu conseguiria fazer uma coisa dessas. Não sei quem escolheu, mas escolheu o Brasil pra mim. Eu não fiquei triste, fiquei muito feliz, mas eu não sabia nada do Brasil, sabia que tava na outra parte do mundo. Sabia que gostam de jogar futebol e gostam de dançar. Eu sabia que não era só isso, eu queria ver o que era na verdade. E pra minha mãe isso foi muito... Meus pais, eles sempre me apoiaram, isso é muito importante eu falar, mas esta escolha pra minha mãe foi muito triste, ela chorou muito, acho que ainda [está] só chorando. Mas acho que um dia ela vai entender que foi bom que eu fiz isso aqui. Ela, a sua maior preocupação é que eu tava na outra parte do mundo, num país dove [onde] a segurança não é uma das melhores. E por isso, talvez, ela ficou um pouco triste.
P/1 – E como você... Você falou da sua amiga, do contato com a intercambista, mas como escolheu a AFS? Você considerou outras? Conta pra gente.
R – Não, eu sabia que o AFS era a melhor e tinha mais oportunidade pra entrar neste programa. Acho que não conheço outras. Conheço agora que estou aqui, vi muitas intercambistas. Mas a mais famosa, mais bem organizada na Itália é o AFS. Eu queria uma segurança de segurança, eu queria ficar seguro aqui. Não que eu ia, mas se eu viajei hoje, pra mim, para os meus pais, que pagaram, também pelo AFS que me ajudou, mas era o meu trabalho chegar aqui. E o AFS é... Essa amiga aqui também, ela chegou com o AFS. Eu vi que o AFS a tratava como uma princesa. É muito bom como eles ajudam, como eles colocam nessa cultura o intercambista já morar em uma família que é do país ospitante hospedeiro, a família brasileira no Brasil, a escolha das famílias, acho que é uma das melhores, o AFS pra isso. E depois não é um preço assim caro, porque a ajuda depende de quanto seus pais ganham em um ano, depois é dividido, a bolsa de estudo é dividida por quanto eles ganham. Quem ganha 20 mil euros tem 60% da bolsa. Tem quem ganha 30, tem 40% da bolsa paga. É assim. E não é assim cara, e você pode ficar um ano com um preço bom. Isso que era o bom também.
P/1 – E a sua amiga intercambista era de onde? Como a cidade, a escola recebeu uma menina de fora?
R – Ela era de Honduras. Mas também conhecia todos os outros intercambistas da cidade, que era uma da América, do Brasil, do Paraguai, não lembro muito dos outros. Mas a que tava na minha escola, tava uma menina de Honduras que tava na minha sala, e outra que tava na sala maior que era da América. Eu fiquei amigo das duas e gostei de ouvir o que elas falavam, porque eram duas meninas, que elas falavam sobre morar em outro lugar. Porque eu sei da Itália. Ela morava na Itália, eu sei como é a Itália, mas morar em outro lugar, ela me contando, é difícil.
P/1 – E como foi receber a notícia de que você vinha para o Brasil? “E agora eu vou mesmo”?
R – Na verdade, eu sou um cara muito positivo, eu já sabia que passaria o teste todo. Eu não sabia pra onde. Então eles falam três vezes: falam quando você passa o primeiro teste, o segundo teste, e pra onde você vai. A história é muito engraçada, porque eu recebi um e-mail, mas não consegui acessar também, tinha que esperar, estava longe de casa, tinha que esperar voltar pra casa, estava muito ansioso pra saber onde? Eu sabia que passei, mas não sabia pra onde. Eu cheguei a casa, no computador em cima, porque a minha casa são dois piani [andares], lá em cima, minha mãe estava embaixo, acho que tava pregando assim, e eu consegui Brasil. A minha reação foi ótima. Eu não fiquei, tipo: “Oh, meu Deus, Brasil”. Eu fiquei: “Oh, meu Deus, o Brasil agora”. E cheguei embaixo, falei: “Eu vou para o Brasil por um ano”. E minha mãe ficou, tipo, paralisada, não sabia falar nada, porque, já falei, era longe. Eu soube que eu ia para o Brasil em março e tinha que viajar em agosto, por três meses minha mãe chorou todo dia. Acho que meu pai também tava muito ansioso, tinha medo, mas ele não mostra pra mim. E nada, eu fiquei de boa até o último dia. E quando foi o dia que eu tinha que viajar, eu tava com medo. Eu sou assim, eu sempre fico de boa todo o tempo, o último momento eu fico... Eu tava muito mal o dia que eu tava em Roma e no dia depois eu tinha que ir para o Brasil. Fiquei muito com medo. E entendi porque minha mãe tinha medo.
P/2 – E como foi preparar as coisas pra fazer essa viagem, mala, documento, despedidas?
R – Eu queria fazer isso sozinho, mas não consegui muito, porque era verão na Itália o período que tinha que fazer tudo, e era o último período que eu podia estar com meu amigo, minha mãe entendeu que ela tinha que me ajudar. Ela me ajudou pra fazer o passaporte, porque eu nunca viajei fora da Europa. Me ajudou, eram até muitos documentos pra fazer, e o pagamento, tudo, eles me ajudaram muito. No final consegui. Depois, preparar a mala, acho que foi a parte mais fácil. A parte mais difícil é despedir dos seus amigos, sua família. Isso foi difícil. Ainda agora não sei [se] consigo fazer uma coisa simile [similar], uma coisa parecida outra vez. Já falei, eu sou um cara que sempre demora pra fazer as coisas, todas emoções no final. E no último período eu tava... Não tava triste, porque sei que vou voltar com meus amigos, com a minha família, mas perder um ano da vida com eles é difícil, mas dá pra crescer. Você pode crescer com essa experiência aqui. Eu fiquei meio mais ou menos, porque eu tava triste, mas ao mesmo tempo feliz de chegar aqui. Minha mãe e meu pai, juntos com meus melhores amigos, fizeram uma festa de despedida pra mim, uma surpresa. Eu entendi depois que antes da festa que estava fazendo uma festa, mas era uma surpresa. E nada, isso significou muito pra mim, porque eu sei que como eles são pessoas muito importantes pra mim, eu sou uma pessoa importante pra eles. Ficou difícil, e agora também fica difícil ficar sem eles, mas é uma experiência que eu queria fazer e que agora eu ainda não faria outro milhão de vezes se ficassem atrás.
P/2 – E como foi despedir, passar por toda essa parte mais difícil, e aí entrar no avião e vir para o Brasil?
R – A gente, eu e todos os outros intercambistas italianos, pra chegar aqui tem que ficar um dia em Roma. Eu despedi de todos, também se eu ficar muito perto de Roma, meu pai, minha mãe tinham que me deixar sozinho em Roma. Eu tava de boa até o jantar. No jantar, eu tava jantando com todos os outros intercambistas, que brincavam, riam, estavam feliz, eu estava assim, tava com o olho assim, tava com medo, sempre achando: “E se agora eu por um ano eu ficar sozinho, sem fazer nada?”. Não entendi que era o que eu queria. Depois eu falei com outro intercambista, também eles não sabiam, mas me ajudaram muito. Também fiz muita amizade com outros intercambistas. Ok, agora também se estão muito longe de mim, a gente fala e sei confrontar a experiência. Porque todas as experiências são diferentes. Também são italianos que vão ao Brasil, é diferente, porque como são pessoas, é diferente. A experiência é diferente. Ver outras experiências ajuda muito. Ajuda muito. Por exemplo, assim, se uma coisa é ruim pra você, também é ruim pra outro. Criar uma solução pra isso juntos é bom.
P/2 – E como foi a sua chegada aqui ao Brasil?
R – Eu cheguei, foi uma viagem muito longa, a gente [fez] Roma – Londra [Londres], Londra) [Londres] – São Paulo, São Paulo – Salvador. Ficamos mais ou menos dois dias no aeroporto, a gente chegou muito cansado, muito esquisito. Mas cheguei e fiquei numa família de italianos. Fiquei numa família de italianos, porque era uma Welcome Family, que é uma coisa que a Intercultura faz pra achar um lugar melhor pra você. Eu morei em Lauro de Freitas, eles não queriam que fosse a uma família em uma cidade com menos segurança. Essa Welcome Family hospeda você por um mês, um mês e meio, até achar outra família na zona, no lugar. Na verdade, no começo parecia muito fácil, porque falavam italiano. E a primeira semana eu não fiquei na escola, porque eram férias, eu não lembro que férias eram. Eu ainda não tinha o choque cultural do Brasil. A primeira semana ficou quase como uma viagem, pareciam férias. E depois fui pra escola, a primeira escola, aí o choque cultural me bateu forte aqui. Porque a escola era toda diferente da minha escola. E a escola era maluquíssima. Eu fiquei mal. Fiquei mal por duas semanas, mas a primeira semana eu mudei de escola, porque não gostava, sinceramente. Não gosto de estudar muito, muito, passar toda a minha vida estudando. Não gosto disso. Mas gosto de instrução boa, gosto de aprender de um professor que sabe explicar as coisas, e nessa escola não fiquei bem, entendi logo, muito logo, entendi na primeira semana e mudei pra uma escola muito melhor, que agora eu estou muito feliz de estar nessa escola. É uma escola boa. Também seu método de estudo é muito diferente do da Itália, o rapporto [relacionamento] com o professor é muito diferente do da Itália. É um jeito de aprender uma nova cultura também isso. Mas é importante que eu consiga aprender coisas, de um jeito ou de outro. Voltando à pergunta, o primeiro período eu fiquei muito mal, porque eu achei o pior pra mim, achei que eu ia passar um ano sem aprender nada, porque fiquei negativo. Fiquei um cara negativo. Que eu não sou negativo, eu sou um cara muito positivo, muito pouco modesto, sabe assim? As primeiras duas, três semanas, eu não achei que era eu, era outro, eu tava com muita saudade da minha família. Também se passou só uma semana. Eu fiquei mais de uma semana antes fora da minha casa, sem a minha família, sem os meus amigos, mas pensei as coisas que eu tinha que ficar um ano era pior, eu ficava triste, fiquei triste por três semanas. Mas depois eu comecei a viver no Brasil, viver o Brasil, troquei de família, troquei uma cultura. Troquei de cultura, porque essa família era italiana, vivia como italiano, como vivia na Itália. E mudei família depois de um mês e meio e fiquei com a família brasileira.
P/1 – Deixe-me te perguntar, o que nessa escola, nessa primeira escola, que você olhou, você falou um pouco do método, mas o que foi que você já falou assim: “Não dá pra ficar aqui, eu preciso trocar”?
R – Nessa escola mais com medo das pessoas. Eu não quero ser assim grosso, mas eu acho que sou um cara... Não muito, muito, mas maturo [maduro]. Eu sei fazer as coisas como uma pessoa matura [madura]. E, por exemplo, o ano que eu cheguei, cheguei no primeiro ano, fiquei no primeiro ano. Eu na escola estou fazendo o terceiro já, na minha escola agora, na Itália. Estou fazendo o terceiro. E também se eram só dois anos de diferença, eu conseguia sentir essa diferença de idade. Confrontar com as pessoas mais novas não é bom pra mim, eu quero crescer, não quero ficar menor do que sei, do que sou. Mas também essas pessoas eram também pouco maduras pra idade que elas tinham. Fiquei mal. As pessoas não falavam inglês, eu não podia falar com pessoas no começo, e fiquei muito chateado, muito. E queria trocar. Era a única coisa que eu queria fazer, queria trocar. “Ou me troque, ou volto pra Itália.” Não falei isso, mas assim... Na realidade, eu achei às vezes de voltar à Itália no primeiro período, mas neste período em que tava nessa escola aqui, eu falei: “Não, não consigo ficar aqui um ano, vou voltar para a Itália”. Com ajuda dos meus amigos da Itália, e minha mãe e meu pai, eles me ajudaram muito, me deram coragem pra ficar aqui. Isso aqui é... Agora estou aqui. Obrigado. Obrigado a todos que me ajudaram. Também a família que estava me hospedando me falava que o primeiro período era assim, era normal, mas depois tudo iria ficar bom. É assim. Agora é assim. Agora é bom.
P/1 – E como foi essa nova fase da nova escola e a nova família brasileira, como te recebeu?
R – Ah, foi uma coisa maravilhosa. A escola, já falei, encontrei pessoas da minha... Também já eram pessoas mais novas, ou da minha idade, já eram pessoas boas, pessoas maduras, que você pode falar, pode brincar assim. E a nova família, acho que foi a coisa melhor que podia acontecer neste ano no Brasil. Não que a outra família era ruim, porque eu gostava, mas era italiana. Eu fiquei aqui pra crescer mesmo, pra confrontar com outra cultura. E essa família que eu fui, que agora estou, é uma família que adoro. Que já passaram três meses que estou nessa família, já me sinto parte dessa família. Eles me ajudaram muito. Agora também me ajudam, eu posso falar com eles de tudo. Eu quero falar que pra mim é uma segunda família. Eu gosto de todos da parte da família, do pai, que é o mais velho, ao cachorro, que tem dois cachorros também, que gosto muito. Adoro essa família e gosto de passar o tempo com essa família. Eu já falei, adoro minha família na Itália, mas como eu sou acostumado na Itália, eu estou mais tempo com meus amigos. Também acho que meus amigos são outra família, mas essa família aqui eu sinto como uma família com pais e irmãos. É assim. Sinto um irmão mais velho, eu passo muito tempo com ele, dessa família, agora é um irmão pra mim. É isso. E é bom. Como outros, como pai e a mãe eu sei que na verdade não são meu pai e minha mãe, mas eu sinto que quando tenho que falar alguma coisa, eu falo pra eles como falaria com a minha mãe, com meu pai. É assim, essa uma das melhores coisas do intercâmbio. Quando eu cheguei aqui, eu não queria achar outra família, encontrar outra família. Eu queria ficar numa família, não criar problemas, mas não importava se era bom ou se era ruim. Mas aqui eu encontrei, fiquei muito feliz disso. Eu adoro minha família da Itália, já falei muitas vezes nessa entrevista já, mas encontrar outra família que goste de você como a sua família verdadeira gosta é uma coisa boa, muito boa. Eu já... Eu confio muito nesta família que estou. Eles me tratam como se eu fosse um filho. Eu gosto quando também... Eu erro, eles falam: “Não, tá errado”. Eu gosto disso. Gosto de ser... Que eu não sou um hóspede, sou um menino que mora na família e é a mesma coisa que seu filho. Eu sei que não estou no mesmo nível do filho, mas como eles falam comigo dá essa impressão. E é importante no intercâmbio para as pessoas. Eu não achava isso e agora acho.
P/2 – E, Andrea, você não tá só no Brasil, como você está morando no estado da Bahia, fala um pouquinho dessa experiência.
R – É (risos). Na realidade, eu conheço só a Bahia. O meu Brasil é Bahia. Mas sei que é diferente dos outros estados, que Bahia é um estado no nordeste que é muito vivo, muito ativo, tem músicas fortes, que você pode dançar. Bahia gosta de dançar, gosta de futebol, como todo o Brasil, eu acho que tem time de futebol que eu sigo também. E Bahia depois é um lugar maravilhoso, tem muitos lugares de praia, muitos lugares de natureza, que eu gosto também, da Chapada Diamantina, que eu ainda não fui, mas quero ir. Morro de São Paulo, que eu fui, que é uma maravilha. E Salvador e Lauro de Freitas, onde eu moro, também é uma cidade que adoro. Depois visitei um pouco das cidades do interior, que, tá, é uma cidade do interior, mas também gostei, não é assim chata como todo mundo fala que é, cidade do interior chata. As pessoas na Bahia são muito alegres. Você pode falar com eles, são amigos, todo mundo é amigo, você pode falar com eles. Que eu achei no primeiro período, que eu confrontei com muitas pessoas baianas, é que eles falam, às vezes eles não se conhecem, mesmo assim parece que são amigos de uma vida. É assim a Bahia, todo mundo é aqui. Eu não sei se é o Brasil aqui, eu quero saber se isso aqui, se todo mundo é amigo, todas as pessoas são maravilhosas como na Bahia. Eu gosto muito do jeito das pessoas na Bahia, é uma coisa importante que eu aprendi a ser aqui no Brasil.
P/1 – E a comida baiana?
R – Não gosto. Ninguém é perfeito, eu sei. Bahia também eu não gosto da comida, porque é muito pesada pra mim. Em acho que em todos os lugares do mundo eu não gostaria da comida, porque o meu país é o país da comida. E aqui na Bahia tem um jeito de cozinhar muito diferente, que pra mim é ruim. Eu comi acarajé, fiquei muito mal por semanas. E o dendê, me mata o dendê. Não como. Não como comida baiana. Desculpa pra todos os baianos que estão assistindo. Não como.
P/2 – E o que você não imaginava de cultura brasileira que te surpreendeu aqui?
R – O problema é que eu não sabia nada do Brasil. Eu cheguei aqui não sabendo nada. Não sabia que as pessoas eram assim, não sabia que nem todo mundo gosta de futebol. Muitas pessoas gostam de futebol, mas outras pessoas não gostam. Na Itália tem o estereótipo de que brasileiro é só futebol, as mulheres brasileiras sabem só dançar. Eu entendi que não é assim, é tudo diferente. Muitas pessoas acham que você sai à rua no Brasil e vai ser morto, porque é um país com pouca segurança. Muitas pessoas acham que é um país pobre. Eu entendi que não é assim. Claro, é um país pobre, mas não é só pobreza. O estereótipo, eu entendi muito que o estereótipo é falso, sempre falso. E também vim aqui sabendo todo estereótipo. E consegui entender agora que não é isso. Não é isso. Em tudo, do futebol, que tem vários tipos de dança, não só o samba. Todo mundo acha só samba. Não tem samba só. Que tem vários esportes, além do futebol, eu sei que o vôlei aqui tem pessoas muito boas. O basquete, assisti a um jogo de basquete aqui do Vitória, um time da Bahia. E vi que muitas pessoas estavam. Não é só futebol, não é só samba. Mas um estereótipo que acho bom do Brasil é que eles acham que o Brasil é vivo, você sabe divertir no Brasil. É assim.
P/2 – E como foi o suporte da AFS nesse período que você teve que trocar de escola? Seu conselheiro te ajudou? Como foi a AFS Brasil?
R – Sim. Ele me ajudou. Eu falei: “Eu quero trocar”. No começo, eu queria só trocar de ano, porque era no primeiro ano, eu queria ficar no segundo, ou terceiro. No segundo ano pra mim tava bom. Mas eles não conseguiram, me trocaram de escola e foi uma coisa muito boa. E conheci pessoas novas, e elas me ajudaram muito. Eu não falei que tava triste, porque também não queria criar muitos problemas para o AFS, pra família, não queria. Então tentei superar esse problema sozinho, e consegui. Mas o AFS me ajudou, me ajudou, porque eu tinha um problema, falei com ele, o dia... Assim, eu falei, lembro que era quarta-feira, segunda-feira eu já troquei de escola. E depois eu não falei problemas que eu tinha no Brasil, porque depois da escola minha vida tava assim, não tinha problemas. Isso é bom, porque não criei problema para o AFS. Eles são felizes, porque não criei problema para o AFS. E tenho um bom rapporto [relacionamento] com o AFS, não brigo com eles. Porque muitas pessoas têm problemas com família, com coisas que eles fazem no Brasil, ele vai ficar doidinho. Mas eu nunca criei problema assim para o AFS, tem uma forma de respeito dos dois, eu o respeito, ele me respeita.
P/2 – E como foi pra você perceber que você já tava super falando português, e entendendo, e podendo interagir?
R – Ah, eu ainda não sei que falo super bem o português (risos). Ficando o primeiro mês na casa de italiano, meu português era ruim, não conseguia entender nada. Mas eu queria aprender outra língua, porque outro objetivo que eu me pus era que eu queria aprender outra língua. E pra um italiano aprender o português, acho que é mais fácil de um inglês, um alemão. Tá, mas o português é uma língua muito difícil. E aí fiquei em outra família, eles eram brasileiros, falando português. Eu falei: “Não quero que vocês falam inglês, não quero que vocês tentem falar em italiano comigo. Não. Têm que falar em português. Se eu não entendo, podem me explicar em português”. A família me ajudou muito. Esse é outro ponto da família, que me ajudou muito aprender o português. O pai, na maioria, ainda agora ele me ajuda às vezes quando eu não entendo, quando eu falo errado, ele sempre me corrige, isso é bom, não é uma coisa que odeie. Na escola também falavam... Pessoas que na escola falavam em inglês comigo, eu falava com eles que queria que falassem no português. Comecei a falar português num passo, depois entendi que só falando você aprende o português. Não precisa estudar. Eu estudei nada de português antes, não estudei depois, é só falar. Ainda agora eu sei que não falo perfeito o português, mas acho que é bom pra falar com pessoas que não conheço, que entendem só o português, não entendem nada de inglês. Eu sei comunicar com elas e isso é bom.
P/1 – E tem alguma história engraçada pra contar pra gente dessa experiência no Brasil?
R – Aqui no Brasil? Não sei. O meu sotaque italiano, ele não me ajuda às vezes, então falo muitas besteiras, muitas, muitas vezes. Não consigo falar algumas palavras e muitas pessoas riem sobre isso. Eu também rio. A intercambista lá na Itália fazia isso, eu também ria, porque é engraçadíssimo ouvir as pessoas que tentam falar a língua e não conseguem. Eu não fico com raiva das pessoas que riem do meu sotaque. Claro, eu sou italiano, não posso fazer nada, é isso. Mas histórias assim engraçadas que fiz, não tenho muitas. Acho que não tenho. Ainda não.
P/1 – E quem são seus melhores amigos na escola? Quem são?
R – Na escola daqui?
P/1 – Isso.
R – Ah, tinha um cara... Muitas pessoas no intercâmbio tentam... Os primeiros amigos são outros intercambistas. Eu conheci muitos intercambistas, falei com eles e consegui fazer uma amizade assim. Mas melhores amigos foram pessoas da sala, pessoas fora da sala, que comecei a falar com eles e eles... Tá, os primeiros amigos, que ainda são amigos, são pessoas que sabiam falar inglês, porque eu não sabia falar português, falava em inglês com eles. Eles brincavam comigo, jogavam, gostei de jogar futebol com o pessoal, fiz amizade e gostei. Esses são meus primeiros amigos. Depois eu conheci o meu irmão, e agora acho que ele é meu melhor amigo. E conheci amigos dele, que são pessoas muito legais. Não tenho amigos assim, mas o meu irmão é meu melhor amigo, porque passo todo dia com ele, a gente tem muitas coisas em comum. Às vezes sou irritante, muito irritante com ele e é assim.
P/1 – A sua experiência no Brasil ainda não acabou, mas o que você acha que mudou pra você, mudou em você, como você cresceu pessoalmente?
R – Passaram seis meses aqui no Brasil e acho que o meu objetivo que eu pus no começo sobre mim mesmo eu consegui superá-lo, eu consegui. Eu acho que mudei muito. Ainda tenho que ver, porque tenho que voltar à Itália, tenho que ver como é o meu rapporto
[relacionamento] com a cultura italiana agora. Mas mudei muito, eu sinto isso já. Que, sim, amadureci muito. Eu já acho que era maturo [maduro], agora sou mais, porque ficando sozinho, eu consegui entender muitas coisas sobre mim e isso é a prioridade pra mim eu cheguei aqui pra isso e é bom. Se era só esse o objetivo, agora já podia voltar pra Itália. Mas não é isso, eu quero ainda descobrir muitas coisas do Brasil. Quero focar esses seis meses, ficar ligado sobre a cultura brasileira. Quero viajar muito, quero conhecer outro lugar depois da Bahia, outros lugares. Mas pra pergunta, eu mudei muito, eu sinto que agora, por exemplo, eu estou com vontade muito de viajar quando voltar à Itália. Eu visitei muito a Itália, mas quero viajar pela Europa. Agora sei que sou mais independente. Agora sei pegar um avião sozinho, por exemplo, um exemplo. Agora sei outra língua, o meu inglês melhorou muito de quando estou aqui. É isso. Mudei. Eu sinto que mudei.
P/1 – E o que você acha que vai guardar do Brasil com você assim com mais carinho?
R – Chiaro [claro], essa família aqui eu vou guardar pra sempre. Ah, vou guardar tudo do Brasil, porque é um país maravilhoso, que me ajudou muito a crescer. Fico muito feliz que a pessoa, não sei, que escolheu pra mim o Brasil. É um país que gosto. Gosto do calor do Brasil, gosto das praias do Brasil, gosto do lugar do Brasil, gosto da natureza que o Brasil tem. Que a Itália, a Itália é mais construída, tem muitas coisas lindas na Itália, maravilhosas, mas a natureza tem no Brasil. O animal no Brasil. Que na Itália, eu nunca vi um macaco que tava em cima de uma árvore. Aqui acordo de manhã, vou fora de casa, vejo os macacos. É uma coisa maravilhosa, que sempre vou guardar.
P/1 – E como foi passar esse Natal longe de casa, longe da família, mas em Morro de São Paulo?
R – Todo mundo fala que os intercambistas têm uma curva. O intercambista que faz o anual tem uma curva, que é o estado de ânimo deles. E sempre no Natal, a curva vai ficar baixa, porque o seu humor vai ficar... Tem saudade da Itália, tem saudade... No Natal, como eu já falei, a gente passa muito tempo na família, e tem saudade da família no Natal. Eu sempre tenho saudade da minha família. E no Natal, eu tinha um pouco de saudade, mas a vantagem, eu tava no Morro de São Paulo, que tava divertindo muito. É importante quando você tá mal, quando você passa muito tempo sozinho aqui. Eu fico com saudade. Mas quando você tá divertindo, tá com pessoas que você gosta, não dá pra pensar os problemas que você tem, só fica o Natal. Ficou bem diferente, o calor, na Itália agora é frio, frio pra caramba. O calor do Brasil, que tava muito quente, a praia, que era linda. Isso aqui é bom. Isso aqui é lindo. E achei muito diferente como a gente passou o Natal, mas gostei, não foi uma coisa que não gostei. É diferente, mas às vezes diferente é bom.
P/1 – E como você tem se comunicado com a sua família?
R – Ah, eu falo muito com a minha família, é isso. Porque minha mãe quer saber tudo que eu faço, pra não ficar preocupada, mas eu também gosto de falar com eles. Eu não falo com eles porque eu tô mal aqui, eu quero falar pra fazê-los felizes. E se eles são felizes, eu também sou feliz, por isso. Eu quero que eles fiquem não sabendo o que estou fazendo. Eu faço uma coisa, não peço pra eles: “Posso fazer isso?”. Porque senão a experiência seria dependente. Eu seria dependente deles. Mas não sou assim. Eu sou... Falo: “Hoje eu fui ao cinema. Ah, foi legal. Gostei”. É assim, ela quer saber isso. Ela não quer ser opressiva pra mim, não quer ser... É mais minha mãe que meu pai. Sempre assim.
P/1 – E Andrea, quais são seus sonhos no momento?
R – No momento? Eu quero viajar pra todo o mundo. Queria conhecer todo o mundo, todas as culturas, e talvez falar muitas línguas. Mas isso aqui é um sonho que pode ser realizado, não é, tipo, eu quero a paz do mundo, que é difícil, mais difícil. Eu queria a paz do mundo, mas pra mim, eu queria ter o trabalho que eu quero, que seria advogado, queria ser um bom advogado. E outro sonho que agora tenho, graças ao Brasil, de viajar. Eu não quero ficar agora: “Ah, eu fui para o Brasil. Para. Sei tudo”. Não. Eu quero viajar todo o mundo, porque eu sei que viagem te forma, a viagem te faz crescer também. Se você tem 40 anos, você viaja, descobre novas coisas, um novo mundo. Queria viajar muito. E queria ser rico também.
P/1 – Pra gente encerrar, eu queria te fazer uma última pergunta. Como foi pra você mudar de cidade, vir contar a sua história aqui pra gente, com esse tanto de pergunta em português, sentar aí, falar esse tempão?
R –Acordei muito cedo esta manhã e peguei o avião sozinho. E já tava um pouco atrasado, achei: “Vou perder essa entrevista, vou perder o avião”. E cheguei aqui e já vi São Paulo do avião quando eu cheguei aqui ao Brasil o primeiro dia, mas ver de volta, São Paulo é muito grande, é uma cidade enorme. A gente pegou uma hora pra atravessar e nessa hora tava toda São Paulo cheia. Poxa, é muito grande essa cidade. Eu queria ver mais, agora tá à noite, eu vou embora. Mas acho que um dia vou ver São Paulo. E também viajar sozinho, chegar aqui, e não tava preocupado, porque eu sabia que essa entrevista era sobre mim, eu sei quem sou, eu não tenho que estudar sobre mim. Eu não tava com ansiedade, não tava com nada. E gostei. Gostei de falar. Não tinha medo do português, porque eu sei que não falo português perfeito, falo um bom português sim, mas não sou brasileiro, não sou português, então errar é humano. Eu posso errar. Talvez tenha errado muito. E hoje foi muito bom. Gostei.
P/1 – Em nome da AFS e do Museu da Pessoa, a gente agradece você ter contado a sua história pra gente.Recolher