Projeto: Mulheres Empreendedoras Chevron
Depoimento de Viviane dos Santos Almeida
Entrevistada por Stela Tredice
Local: Duque de Caxias - RJ
Data: 27 de abril de 2012
Realização: Museu da Pessoa
Código da entrevista: MEC_HV006
Transcrito por Ana Paula Corazza Kovacevich
Revisado por Grazielle Pel...Continuar leitura
Projeto: Mulheres Empreendedoras Chevron
Depoimento de Viviane dos Santos Almeida
Entrevistada por Stela Tredice
Local: Duque de Caxias - RJ
Data: 27 de abril de 2012
Realização: Museu da Pessoa
Código da entrevista: MEC_HV006
Transcrito por Ana Paula Corazza Kovacevich
Revisado por Grazielle Pellicel
P/1 - Stela Tredice
R - Viviane dos Santos Almeida
(Gravação cortada no início)
P/1 – E o que seus pais fazem ou faziam?
R – Meu pai está reformado, trabalha como segurança. E minha mãe trabalha no projeto, trabalha aqui no PDA, Jardim Primavera; no momento, trabalha auxiliando o projeto Construindo Oportunidades, da Chevron.
P/1 – E como é que você descreveria seus pais, como é que você os vê?
R – Ah, meus pais, pra mim, são tudo. É difícil até de falar. Como toda família, a gente tem alguns probleminhas. Assim, eu tenho uma relação um pouquinho mais fechada com meu pai; com a minha mãe, é uma coisa muito mais aberta. Mas são pessoas maravilhosas, pessoas prestativas e todos os meus amigos gostam. Então, acho isso também muito importante. Meus pais - não são só meus pais -, eles também são pais dos meus amigos. Todos eles... As minhas amigas e amigos também, tanto homem quanto mulher, têm problemas [e] vão ali. Então, eu acho assim uma relação muito legal. Eles não têm uma relação só comigo, também no meu círculo de amizades.
P/1 – Quer dizer, você nasceu aqui e passou sua infância aqui?
R – Não. Eu nasci aqui e aí eu fui morar em Itaboraí; eu tinha meses, seis meses de idade, quando fui pra Itaboraí. E passei minha infância lá. Voltei quando eu tinha nove anos; aí eu voltei a morar aqui novamente. Meu começo de infância foi em Itaboraí.
P/1 – Itaboraí é Rio de Janeiro?
R – É, Rio de Janeiro.
P/1 – O que é que é? É interior?
R – Fica... É região metropolitana do Rio de Janeiro. Depois de Niterói, vem Itaboraí.
P/1 – E o que você lembra dessa época de Itaboraí?
R – Ai, era muito bom. Hoje mesmo eu estava comentando: agora voltou uma brincadeira de bate-bate; tinha... Hoje, tinha umas crianças brincando lá perto da loja. Eu falei: “Nossa!”. Era tão bom, porque a gente tinha uma infância diferente. A gente ia pra rua, brincava. Tinha aquela coisa de 5 horas ir tomar banho. Brincar, depois entrar. A questão de escola também. Estávamos comentando sobre isso hoje. A escola era diferente, era um lugar que dava pra gente ficar, os professores tinham um comprometimento diferente. Então, assim, eu tenho uma imagem, uma lembrança muito positiva; eu acho que foi o que me ajudou muito pra eu ser quem eu sou hoje, foi a minha infância.
P/1 – Você se lembra, assim, da cidade, da casa onde vocês moravam?
R – Lembro. Eu sempre estou lá, volto sempre. Semana passada, eu estava lá. Então, é um lugar que eu lembro constante... Tenho muitos amigos lá, da minha infância.
P/1 – E a casa onde vocês moravam ali, você lembra direitinho?
R – Lembro. Mudou bastante. O lugar em que eu vou, o local que eu vou em Itaboraí, hoje em dia, minhas primas moram lá. Eu vou visitá-las. Não fica perto da minha casa, fica nas imediações. Então, de vez em quando, eu vou lá dar uma olhadinha, matar saudade da rua onde eu cresci. Ela mudou bastante, mas eu lembro da casa como ela era. E agora vendo até que ponto... Falo assim: “Nossa, como ela mudou”. Isso eu lembro bem.
P/1 – E o que você gostava de fazer quando você era criança lá?
R – O que eu gostava de fazer? Ai, tanta coisa. Uma coisa que eu sempre gostei de fazer desde criança é ler. Então, eu gostava muito de brincar de leitura com as minhas amigas. Botava todas sentadas, queria ser a professora pra poder ler pra elas, estar contando histórias. Então, isso é uma coisa que eu lembro sempre.
P/1 – E brincadeira, assim, mesmo com a molecada?
R – Ah, brincadeira... Eu era muito moleca. Sempre fui e sou até hoje. Então, eu gostava muito de jogar bola, soltar pipa. A boneca em si também, por essa questão de estar podendo brincar de ser mãe, de estar ensinando. Mas aquelas brincadeirinhas mais assim, pipa, bola, é, queimado... A gente estava falando: “Ai, como a gente não vê mais queimado, pique-bandeira”. Assim, exercícios mesmo. Porque hoje em dia a gente vê muita criança na internet, vídeo game, shopping; os pais também não têm muito tempo, então leva a criança pra shopping. Ela não tem um exercício físico. Aí depois, quando está mais velho, quer cobrar esse exercício, mas se a criança não tem desde o início, não tem... E a gente tinha mais isso. Então, assim, eu gostava muito dessas brincadeiras.
P/1 – Bom, eu sei que você teve um irmão. Mas eu queria que você falasse um pouquinho, o que você lembra do seu irmão? Como é que foi crescer com seu irmão?
R – Meu irmão foi assim... Nós tínhamos uma diferença de oito anos. Então, quer dizer, a minha infância, que foi o meu lado lá de Itaboraí, não tinha meu irmão. Quando nós viemos morar aqui, meu irmão tinha um ano. Então, quer dizer, a infância dele já foi aqui em Caxias, não foi lá em Itaboraí. Então, assim, infância... Quando ele estava entrando na infância dele, eu estava entrando na adolescência. Mas, a gente tinha uma relação boa. No início, pra mim, foi um pouco complicado. Ele nasceu, eu já estava com oito anos, estava acostumada com tudo só pra mim, então era difícil administrar a questão de ter outra pessoa, ter que dividir pai, mãe [e] as coisas. Embora meus pais sempre tivessem feito de tudo pra que eu continuasse a ter aquele meu padrão de vida da forma que sempre foi, mas mesmo assim, existia ele. Então, no início, foi meio complicado, mas depois não, foi tranquilo, assim, achei uma relação de amizade... Eu sou meio espaçosa, então acabava mandando bastante nele. Não sei se é por ser aquariana, também ajuda de ser mais pulso, mais ativa, e ele já era ariano, mais tranquilo; tudo, aceitava. Então, assim, né.? Tudo que eu pedia, ele fazia na boa. Então, a gente tinha uma relação, não posso, não tenho do que reclamar, era uma relação muito boa, muito gostosa.
P/1 – Quer dizer, vocês não chegaram a brincar juntos porque a diferença era muito grande.
R – É... Brincar de infância. Mas, brincar a gente sempre brincou junto. Nesses últimos momentos dele, então, a gente tinha muita coisa em comum. Embora eu seja muito mais ativa. Gosto mais de sair, balada, e ele já não gostava tanto. Ele tinha uma vida mais, assim, voltada pra igreja. Nossos amigos eram amigos em comum, embora ele fosse mais novo. Mas os amigos dele também acabaram... Aquela questão dos meus pais adotarem os amigos. Então, os amigos também vinham sempre na minha casa; era uma família só. Os meus amigos, os amigos dele. Então, a gente dividia tudo.
P/1 – Que legal. Enfim... Então, pelo jeito, você sempre teve muitos amigos?
R – Sempre.
P/1 – E daí, quando você foi pra escola, você já foi pra escola lá em Itaboraí?
R – Fui pra escola lá. Eu comecei na escola muito nova. Entrei na escola, eu tinha 2 anos e 3 meses. Tinha uma prima lá e eu via ela ir pra escola, e eu queria também ir pra escola. Nós tínhamos um avô que nos levava; levava ela, na verdade, pra escola, e eu queria ficar lá com ela, não queria vir mais embora. Aí a professora, um dia, dela falou pra minha mãe que eu podia ir. Então eu ia de fralda, mamadeira, tudo, pra escola. Eu comecei na escola muito cedo. Comecei lá, depois eu vim pra cá. E é uma coisa que eu sempre gostei de estudar, então... No momento, é que eu estou parada, mas estudar é uma coisa que eu gosto muito. Mas, comecei lá.
P/1 – Aí, assim, quando você entrou, que você estava na escola mesmo, que já era maiorzinha [e] foi ter aula, você se lembra, assim, dos primeiros dias de aula, que você tinha? Das suas professoras?
R – Lembro. Eu me lembro de um episódio. Estava no Jardim ainda, eu deveria ter uns 3, 4 anos, mas isso nunca mais saiu da minha cabeça e nem da dela; eu tinha uma coleguinha que sentava na minha frente. Aí tinha aquela questão dos pais que não cortavam o cabelo, dos alunos, das meninas [que] tinham que fazer sete anos pra cortar cabelo. E aí toda hora era jogava o cabelo em cima da minha mesa. Toda hora ela jogava o cabelo. E aquilo foi me irritando, mas me irritando de uma forma [que] eu peguei a tesoura e cortei, bem aqui, assim, o cabelo dela. Sem ela perceber. Quando ela jogou, que não tinha o cabelo, ela ficou desesperada. Aí minha mãe foi chamada. Assim, a professora não sabia o que fazer. A mãe dela, revoltada. Ela falava: “São crianças”, ela careca e a mãe desesperada.
Hoje em dia... Hoje em dia, não. Uns três anos atrás, ela era professora do meu afilhado e eu ia sempre - trabalhei em Itaboraí um tempo. Agora, depois de adulta, eu voltei a frequentar muito, em Itaboraí, trabalhando lá. E eu saía do posto onde eu trabalhava e pegava ele na escola, e aí ela tinha que me entregar. Quando eu chegava no portão, ela falava assim: “Juan”, ela já nem olhava pra minha cara. Isso tudo ficou na mente dela e na minha também. Essa foi a lembrança que eu mais tenho da escola, da época da infância, é essa, de eu ter cortado o cabelo dela.
P/1 – Que experiência, hein? E as outras experiências, assim, de ter alguma professora que tenha te marcado mais?
R – Ah, todos os professores. Todos os professores, assim, eu lembro de todos eles. Eu sempre fui uma aluna muito participativa. Muito falante, mas também muito participativa. Minha mãe foi chamada na escola todos os anos. Minha mãe só não foi chamada na faculdade porque não chamam pais na faculdade, mas até no segundo grau minha mãe foi chamada. Então, assim, eu lembro de todos os professores, porque eles reclamavam muito dessa questão de eu falar demais. Eu conseguia falar com os alunos, mas também prestar atenção. Então, assim, eu estava sempre conversando com eles, sempre debatendo. Eu tenho uma professora, que eu encontrei com ela... Eu fui semana passada em Itaboraí, fui almoçar lá domingo passado, e aí encontrei com ela. E ela sempre brinca: “Ai, chegou minha estrela d’alva”, porque ela cismou que estrela d’alva não tinha apóstrofe. E eu falei pra ela: “Tem apóstrofe”. Ela: “Não tem”. Eu falei: “Você não serve pra dar aula aqui”. Aí, nisso, eu estava na 3ª série. Na 3ª série, eu tinha 8 anos. Aí eu falei pra ela: “Sai da sala”, e fiz a turma toda tirar ela da sala. Aí ela foi, chamou minha mãe e tal. Eu fui suspensa. E aí eu procurei lá no dicionário e mostrei pra ela: “Aqui, ó, estrela d’alva tem apóstrofe”. E aí, depois desse dia, até hoje, quer dizer, já estou com 32 anos, ela fala assim: “Ai, chegou minha estrela d’alva”. Então, eu me lembro de todos os meus professores. Todos eles. São pessoas, assim, marcantes. E até por ser uma cidade pequena, então, sempre que eu retorno lá, encontro com eles. Faço questão de visitá-los, principalmente as professoras. Todas as professoras, falo com todas elas.
P/1 – E por que vocês vieram pra Duque de Caxias?
R – Meu avô faleceu. Lá em Itaboraí nós morávamos em casa alugada, de aluguel. E aí meu avô faleceu, minha avó estava muito sozinha. E foi no período, justamente, que a dona da casa estava pedindo a casa lá em Itaboraí. Nós estávamos procurando outra casa lá. Aí, com a morte do meu avô, minha avó aqui sozinha - é a casa onde minha mãe nasceu. Minha mãe foi criada nessa casa onde eu moro hoje. Como minha mãe... São seis irmãos, mas minha mãe era a única irmã que não tinha casa própria. Ela morava de aluguel, então a gente veio pra cá fazer companhia pra minha avó. Mas minha avó seis meses depois acabou falecendo também; aí nós ficamos aqui. Estamos até hoje.
P/1 – E como é que foi essa mudança pra você de sair de Itaboraí e vir pra Duque de Caxias?
R – No início, foi ruim. No início, foi bem complicado pra mim. Eu não queria. Vim pra cá com nove anos, mas eu só comecei a me ambientar aqui mesmo com doze. Foi quando eu comecei a fazer parte da igreja que eu frequento até hoje, mas, antes, tudo meu era em Itaboraí. Então, eu passava durante a semana porque eu tinha que estudar aqui. A princípio, quando eles vieram, eles vieram em setembro; eu fiquei lá com a minha tia porque estava no meio do ano letivo. Então eu terminei lá e depois que eu vim, mas todo final de semana eu ia pra lá. Era uma dependência, porque minha vida era lá. Aí depois eu fui me acostumando aqui. Entrei pra igreja, aí fui fazendo novas amizades, conhecendo as pessoas. Começou o ano letivo aqui. Aí eu fui me ambientando. Mas, assim, até os meus dezoito anos, eu fui muito mais ligada lá. Hoje em dia, não. Hoje em dia, eu vou visitar mesmo, aquela coisa, só vai e volta. Mas até os dezoito, eu era muito ligada a Itaboraí.
P/1 – Quer dizer, você foi frequentar a igreja cedo, então?
R – É. Eu já frequentava lá. Sempre fui católica - não só de boca, praticante. Então, desde pequena que eu frequentava [em] Itaboraí. Aí saia daqui, isso também me fazia ir pra lá de final de semana, porque eu continuei participando das coisas, dos grupos lá. Aí foi quando um vizinho meu aqui, o Márcio, me chamou, me convidou pra frequentar o grupo aqui, o mesmo grupo que eu frequentava lá em Itaboraí, [mas] frequentar aqui. Aí foi que eu comecei a frequentar aqui a igreja de Santana, que é onde eu vou até hoje.
P/1 – Que experiências, que histórias talvez você traga dessas experiências que tem na igreja?
R – Aqui ou lá?
P/1 – Pode ser aqui que é mais recente.
R – Como assim?
P/1 – Assim, o que te motiva a frequentar esse grupo na igreja assim? O que é que...
R – Hoje em dia, eu me afastei, me afastei um pouquinho; vou à missa, [mas] não estou em nenhum grupo assim.
P/1 – Mas quando você começou?
R – Quando eu comecei... Hoje em dia mesmo, é coisa de alguns meses pra cá. Antes, eu estava bem mais assídua. Acho que é essa questão mesmo de viver em comunidade. Eu acho isso importante. A gente estar podendo estar partilhando como diz na palavra: “Onde tem uma ou mais pessoas reunidas em meu nome, ali eu estarei”. Então, eu acho que é importante a gente estar buscando a Deus não só na questão de você estar ali naquele culto ou naquela missa, a celebração, o nome que se dê naquele momento. É importante você também estar participando de algum grupo, você estar podendo fazer alguma coisa em prol da sua comunidade. E isso a gente consegue fazer na igreja; os grupos servem pra isso, pra sua formação religiosa. Pra gente aprender que não é só aquela parte ali da missa, que você tem que olhar o irmão em qualquer lugar, em qualquer situação. Então, assim, eu sempre gostei. Faz parte. É aquela questão do estudo; e entrando num grupo religioso você pode estudar, não só na parte de formação geral, mas como estudar a parte religiosa.
P/1 – E a sua juventude, Viviane, como é que foi aqui, sua adolescência? O que você gostava de fazer? Os namorados? Como foi?
R – Ah, muito boa. Assim, minha juventude aqui é legal. Eu tenho uns pais meio chatos nesse sentido. Então, assim, eu via as minhas amigas fazendo muitas coisas que eu não podia fazer. Falava: “Meu Deus, mas elas têm a mesma idade que eu”. Hoje em dia eu agradeço, falo assim: “Poxa, foi legal essa preocupação, tal”. Mas, foi boa. Eu não tenho do que reclamar. Eu sempre gostei muito de sair. Não sou muito namoradeira, não; sou mais de sair mesmo, de bagunça, de dançar - eu amo dançar. Tudo na minha vida é relacionado à dança, é uma coisa que eu gosto muito; eu fiz balé um bom tempo. Então, se eu estou estressada, eu quero dançar. Se eu estou triste, eu quero dançar. Se eu estou feliz, eu vou dançar então. A minha juventude foi toda baseada nisso. Se você for perguntar assim: “O que você mais fez na sua juventude?”, “Dançar". É o que eu mais gosto de fazer”.
P/1 – O que você gosta de dançar?
R – Tudo. O balé foi muito triste quando eu saí, porque era uma coisa eu gostava muito também. Mas se for falar no gênero musical; hoje em dia, sair pra dançar o quê? Qualquer coisa. Se eu estou num forró, estou feliz. Se eu estou num samba, estou feliz. Eu acho que depende do momento e das pessoas. Tudo é bom ou tudo pode ser ruim, depende com quem você está e o que você está fazendo. Então, não é um ritmo que vai me motivar, são as companhias que estão ali comigo e o local.
P/1 – E você tem muitos amigos aqui?
R – Tenho.
P/1 – Vocês saem juntos?
R – Saio direto.
P/1 – Você falou que você não é muito de namorar.
R – Não.
P/1 – Mas você já teve um namorado? Você lembra do seu primeiro namorado?
R – Já. Meu primeiro namorado? Lembro.
P/1 – Como é que foi isso?
R – Ah, foi... Era uma coisa diferente. Era uma descoberta, mas foi algo legal, foi uma pessoa legal, alguém que eu vejo sempre. Não vejo com constância, mas sempre encontro. Foi lá em Itaboraí. Então, até isso, eu já estava morando aqui e meu namorado foi lá. A gente sempre se encontra. Foi algo proveitoso.
P/1 – Quer dizer, você estudou... E você estudou até o quê? O que você fez de estudo? Foi até aonde?
R – Eu estudei... Comecei a fazer faculdade de Psicologia e parei no 7º período. Então, até onde eu fiz estudo, foi até o 7º período de Psicologia. Eu quero terminar, faltam só três. Foi uma besteira. Eu acho que tudo é válido, a gente vai aprendendo com a vida. Não me arrependo porque eu aprendi também. Mesmo deixando a faculdade, até o fato de deixá-la me fez aprender algumas coisas. Mas é algo que eu não deveria ter feito, digamos assim, ter largado com tão pouquinho tempo pra terminar. Mas pretendo terminar, concluir.
P/1 – Você escolheu Psicologia por algum motivo, assim?
R – Ah, eu brinco [que é] porque sou fofoqueira. Toda vez, eu mudei de faculdade duas vezes e aí quando eu mudava, perguntavam: “Ah, tá, aluno novo. Por que Psicologia?”. Minha resposta era sempre essa, falava: “Gente, eu gosto de saber das coisas. E aí [em] Psicologia, você além de saber das coisas, fica sabendo da vida dos outros”, né, brincando. Mas principalmente por causa disso mesmo. Eu gosto de estar com pessoas. Eu nunca trabalhei em alguma coisa que não fosse uma relação com pessoas. Então falei assim: “Psicologia, eu acho que é o que mais tem a ver comigo”. Até pensei em Serviço Social, mas aí depois eu falei: “Não, não é por aí”. Minha questão mesmo é a Psicologia, é o outro, é estar conversando, estar trocando. Do mesmo jeito que eu acho que eu preciso, às vezes, de conselho... Você poder saber o que falar pra pessoa é importante. Então escolhi a Psicologia por causa disso.
P/1 – Quer dizer, de alguma forma, nesses grupos de igreja, você já também fazia algum trabalho relacionado a isso, pela comunidade?
R – Também. É... De trabalho na comunidade em si, fora da igreja. Levar da igreja para a comunidade; eu trabalhei um tempo na Pastoral da Criança. Então, assim, até mais envolvida com a minha mãe. Minha mãe é da Pastoral da Criança, então eu estava ali, era uma coisa que eu gostava de fazer, de estar ajudando as mães, que estão lá fazendo alguma coisa pra criança. Vamos pensar o que fazer com aquela criança, com aquela mãe que está ali esperando. Era algo que eu gostava dentro da igreja. Na Pastoral da Saúde, foi bem pouquinho, mas também fiquei um tempo. Então, assim, eu acho que foram as duas coisas... E fora os encontros mesmo que a gente fazia. O balé que eu fazia era pela igreja, que é do Luar; da companhia do Luar, mas era voltada pra igreja. Então, assim, até fiquei um tempo dando aula em outras comunidades. Participava de uma comunidade, aprendia ali. O que eu aprendia, levava pra outra comunidade. Então, também falo assim: “Fui evangelizada através da dança”.
P/1 – Você dava aula de dança pras crianças?
R – É. Isso.
P/1 – Em quais comunidades você trabalhou?
R – Trabalhei na comunidade São Pedro, Jardim Primavera e, aí não era comunidade, assim, não de igreja, mas era no Lar de Narcisa, que é um orfanato e tem uma creche. Então, dava no Lar de Narcisa e na creche que fica lá no Bom Retiro.
P/1 – Quer dizer, em termos de trabalho, Viviane, me conta um pouquinho como é a sua trajetória. Você começou a trabalhar? Quando que foi?
R – Minha trajetória de trabalho é cheia de coisas, assim. Falo sempre com pessoas, mas em pontos totalmente diferentes. Meu primeiro trabalho, eu tinha 19 anos; comecei a trabalhar num posto de saúde, era recepcionista num posto de saúde ali da Prefeitura de Duque de Caxias. Aí depois eu saí dali, fui trabalhar numa farmácia; aí eu era caixa da farmácia. Depois eu saí da farmácia, fui trabalhar em Itaboraí. Fiz um concurso pra lá e comecei a trabalhar lá; eu era auxiliar de enfermagem. Trabalhei em Itaboraí o maior período. Fiquei lá, e paralelo a Itaboraí eu dava aula em Piabetá, na alfabetização de jovens e adultos. Aí fiquei em Itaboraí e na alfabetização um bom tempo, um bom período. Aí, fui atropelada lá em Itaboraí, saindo do trabalho. Um caminhão me atropelou. E aí eu fiquei muito tempo em casa parada. Voltei. Só que quando eu voltei, eu voltei... Eu não sei te dizer se foi desmotivada, assim. Eu já não queria mais, não me satisfazia mais ficar em Itaboraí, já comecei [a] achar cansativo. E aí eu estudava, fazia faculdade em Botafogo. Então, eu tinha uma vida muito louca. Eu saía de Caxias, passava o dia em Itaboraí, ia pra Botafogo. Voltava. Extremos totalmente opostos. Aí eu saí de Itaboraí, pedi exoneração. Está aí outra coisa que eu... Aí depois que eu fui ver... Mas pedi exoneração do cargo. Saí, fiquei um tempo só na alfabetização. Aí logo depois eu comecei aqui no projeto, no Centro de Esperança.
P/1 – E como é que você ficou sabendo do projeto?
R – Minha mãe já trabalhava na ONG, no PDA... Minha mãe já trabalhava no PDA. E aí eles estavam precisando de uma estagiária. Não comecei como coordenadora. Tinha uma outra coordenadora, que era a Elaine. E eles estavam precisando de uma estagiária e essa estagiária tinha que estar cursando algum... Independente do curso, mas tinha que estar na faculdade. Aí minha mãe me falou, eu fui lá e, como já eram pessoas que eu conhecia, eles também me conheciam, tinha aquele critério de ser próximo de casa. Aí eu acabei ficando como estagiária. Eu fiquei um ano como estagiária, aí depois eles me convidaram se eu não queria passar pra coordenação. Aí eu aceitei, fiquei mais 2, 3 anos como coordenadora.
P/1 – Tá. Me conta um pouquinho, como que era seu trabalho de coordenação? O que você fazia exatamente?
R – Ah, é um trabalho, assim, mais de planejamento. Planejamento e execução do projeto. Então, eu tinha a função de estar planejando as atividades. Nós sentávamos em conjunto; às vezes, até alguns responsáveis da Chevron passaram vários nesse período. É... Vinham com algumas ideias, algumas ideias também partiam da visão de aula. E aí eu tinha a função de estar planejando como aquilo ia fazer, as atividades... Daí era solto... Então, tinha que criar aquela logística da coisa e executar. Meu trabalho era mais esse de estar planejando e executando algumas atividades. Na execução, algumas eu fazia diretamente; outras, através de facilitadores. Aí o projeto tinha quatro facilitadores. Elas iam, na verdade, pras escolas e ministravam as oficinas com os jovens. Mas o planejamento da oficina, o qu é que ia ser, o conteúdo da oficina, tudo, eu estava de frente. A gente planejava, fazia direitinho aquele cronograma e as facilitadoras executavam.
P/1 – E você trabalhava também diretamente com os jovens?
R – É... Também. É porque eu gosto. Às vezes até tomava um pouquinho a frente delas. Mas, algumas atividades com os jovens eram feitas comigo, diretamente comigo.
P/1 – Que atividades você fazia diretamente com eles?
R – Geralmente, quando não eram oficinas mais elaboradas... Porque, assim... O Iniciativa Esperança, o tema principal dele era Redução de Vulnerabilidade para HIV e DST. Então, quando era o assunto HIV, propriamente dito, quem fazia era eu, porque a visão, eu tive uma formação pra isso, tive um curso especializado só pra isso. Além de eu trabalhar na área da saúde, que contribuiu pra eu ficar nesse projeto, essa questão da área da saúde; basicamente, tive uma formação específica pra HIV. Então, algumas atividades voltadas diretamente pra HIV eram comigo.
P/1 – E você sente que isso de alguma forma tenha contribuído pra essa questão, pra conscientização dessa questão?
R – Ah, sim. Com certeza. Isso é uma questão que veio não só da gente, da nossa percepção mas faz, porque o projeto... Quando o Iniciativa veio pra gente, ele veio por uma necessidade que surgiu da Chevron. Eles perceberam um índice muito alto de HIV nos funcionários deles aqui no Polo Petroquímico, na Reduc. Então isso fez com que eles procurassem uma atividade aqui que trabalhasse com isso. E aí encontrou o PDA. A Visão e o PDA. Então, a ideia era chegar nas famílias, mas como a gente fala com os pais, que são pessoas que estão trabalhando? A gente mora num lugar... Não só aqui, acho que em todos os lugares, mas aqui principalmente... Onde a família tem que sair pra trabalhar, não tem tempo disponível pra ficar, parar, sentar e conversar... É mais difícil. Então, a ideia, o que é que foi? A gente pensou em pegar o aluno, o adolescente, passar essas informações pra ele, pra que essa informação chegasse em casa. Então, isso a gente deixava muito claro pra eles. Eles sabiam que tinham essa obrigação, digamos assim, esse objetivo de pegar ali com a gente e poder estar multiplicando. Tanto que o nome... Nós até fizemos um manual, um livro, no final do curso, que o nome do projeto era Projeto Iniciativa Esperança – Formação de Agente Multiplicador; que a ideia era essa, que eles multiplicassem aquilo que eles estavam aprendendo ali. Então, assim, se perguntar: “Foi positivo?”, foi. Porque a gente podia depois ouvir das próprias famílias: “Olha, eu estou aprendendo com meu filho. Tem coisas que ele chega lá falando”. Ou até mesmo de questionar. Às vezes, viram pais pra gente: “Poxa, meu filho chegou em casa falando isso, isso e isso. Eu quero saber mais”. Então, se foi proveitoso? Totalmente. Eu acho que se a gente não atingiu os 100% que é muito difícil, pelo menos 80% do objetivo do projeto foi alcançado.
P/1 – Você falou da aprendizagem deles e das famílias, o que você sente que você aprendeu trabalhando nesse projeto? O que foi rico pra você nesse projeto, nessa experiência?
R – É uma experiência rica de várias formas, né? Na parte do conteúdo do projeto, né, porque por mais que a gente ache que sabe, tem sempre mais pra aprender. Quando a gente começasse a ver: “Poxa, não sei nada”... Eu hoje em dia, como eu mudei totalmente o meu foco, o meu ramo, então eu acho que se eu parar pra procurar, buscar mais... Se você falasse pra mim: “Viviane, você tem eu [para] falar hoje sobre o tema”. Então eu vou pesquisar, ver que já surgiram coisas novas, que tem coisinhas que eu não sabia. Então, nessa parte de informação, contribuiu muito. Na parte pessoal, que é a parte que eu mais gosto, que é lidar com pessoas... Então, eu trabalhei com diversos jovens, diversos adolescentes, de uma faixa etária que começava com 12 anos... A princípio era 19, mas aí nós vimos que vários jovens além estavam querendo buscar também, conhecer mais. Então ampliou, ficamos sem faixa etária. Iniciando a partir dos 12 anos. Então, eu pude ver várias coisas. Na questão familiar, isso ajuda. Acho que quando a gente trabalha com pessoas, você acaba dando valor às coisas que você tem. Então, hoje em dia, na questão familiar, como eu te falei, achava meus pais chatos, mas aí vendo alguns jovens ali, muitos adolescentes queriam buscar: “Poxa, Vivi, sabe, queria que meu pai fosse assim”, entendeu? Trabalhar com a minha mãe também fez isso. Eles começaram ver a relação mãe e filha diferente. E aí questionar: “Poxa, eu não tenho isso em casa”. Eu falava: “Nossa, às vezes eu não dou valor ao que eu tenho e eles queriam muito ter uma relação dessas”. Então isso, pra mim, foi muito enriquecedor. A questão de ser na escola, a gente pode ajudar outros professores, a gente está detectando necessidade naquele aluno e poder estar passando pra outros professores, da direção da escola estar participativa, estar buscando isso. Porque têm professores, têm profissionais de quase todas as áreas, não é só na escola, mas têm profissionais que estão ali por amor, por gostar; e têm profissionais que não. Então a gente encontrou muito isso, profissionais que não estavam... Não é nem dando credibilidade, esse não seria o nome certo... Mas, não está dando importância. Não prestaram atenção que a gente estava ali pra somar, pra ajudar. A gente dava um pouquinho, eles um pouquinho, pra enriquecer aquele aluno. Pra eles, não era interessante; pra eles, era interessante ir ali fazer o trabalho deles pra ganhar o dinheiro deles. Então, assim, isso também... Tudo isso a gente viu.
P/1 – E tem alguma experiência, algum fato, alguma coisa que aconteceu nesse período que tenha sido marcante pra você?
R – Ai, não sei... Tiveram algumas. Alguns decepcionantes. Decepcionante em termos. Nós temos um total... Eu não sei, assim, de cabeça... Mas cada um, nós tínhamos uma meta de 120 alunos. Então, em três anos, vamos colocar 360 alunos passando... Tivemos duas alunas grávidas, duas adolescentes. Pra mim, foi um pouco frustrante. Mas por outro lado, se você botar 360, você ter dois casos, então... Mas, é algo que me marcou. Eu achava assim: “Ah, não vai acontecer. A gente está falando tanto, debatendo tanto. Isso não vai acontecer”, e aconteceu. Então, isso me marcou.
P/1 – E, que tipo de atividades vocês inventavam, vocês faziam com os jovens?
R – As oficinas eram muito dinâmicas. Então, assim, a gente procurava através de dinâmicas, de brincadeiras, estar passando o conteúdo. Então, era sempre um... Ás vezes, um jogar de bola pra lá e pra cá. Essa bola tem uma ideia, e aí um tem que pegar aquela ideia e estar trabalhando, joga de volta e trabalhando. Então, as atividades eram todas assim. Cada dia a gente pegava um tema e trabalhava esse tema em forma de dinâmica mesmo pra que todos participassem, pra que não ficasse aquela coisa nem pesada e nem maçante, pra que o aluno tivesse... Porque as oficinas eram dadas através de grupos de interesse, não é? Então a gente não tinha aquilo como forçado, a gente estava ali... No início do projeto, não do projeto, mas de cada etapa, nós íamos à escola, divulgávamos; e cada aluno que se interessasse, ia ali e se inscrevia. E era num horário diferente do da escola, então quem estudava de manhã, tinha as oficinas à tarde; quem estudava à tarde, iria pra oficina de manhã. Então, quer dizer, tinha que ser algo que desse prazer de você estar. Porque você já tinha que estar ali obrigatoriamente de tarde pra estudar, ou acordar cedo pra ir lá pra ali pra uma coisa chata. Então, a gente já tinha essa preocupação de fazer essas oficinas da forma mais divertida possível pra que eles pudessem sair dali aprendendo. Eles brincaram, mas também aprenderam.
P/1 – Você gostava de trabalhar com jovens?
R – Ah, eu adoro. Eu gostava muito. É uma coisa que eu gosto. Gosto de falar, então estar ali brincando, falando com eles era muito bom. E é uma troca.
P/1 – Você sente que você aprendeu?
R – É, também.
P/1 – E hoje? Hoje você encontra com esse pessoal na rua?
R – Ah, encontro. Encontro na rua e eles sempre perguntam: “Vivi, e o projeto? Como é que tá?”. É difícil assim, por mais que agora, hoje em dia, eu não esteja trabalhando. Eu estou sempre assim trabalhando, mas continuo no projeto, eu não me sinto fora. Não estou mais na equipe de trabalho, mas não deixei o projeto. Então, assim, eles sempre perguntam quando encontram. Hoje em dia, eu tenho a loja, então alguns vão lá na loja ficam lá sentados, pergunto: “Você quer alguma coisa?”, “Não, só viemos te ver”. Aí começa a conversar e lembram algumas coisas. Então é bem legal. Eu tenho uma relação muito boa com eles.
P/1 – Você sente que criou um vínculo?
R – É, um vínculo. São todos meus irmãos mais novos.
P/1 – E você também trabalhou no Construindo Oportunidades?
R – Isso.
P/1 – Nas oficinas pras mulheres? O que você fez exatamente nesse projeto?
R – O projeto Construindo... Quando eu... Estava bem no início. Então, assim, foi mais aquela questão de pensar o que é que vai ser, como é que vai ser, foram os primeiros passos. Então, eu vi o projeto Construindo Oportunidades nascendo - podendo falar assim. Era essa questão mesmo de o que as mulheres querem. Do que seria interessante, principalmente pras mulheres. Porque eu acho que os jovens já estavam tudo [indo] muito bem. Claro, estar criando oportunidades para o mercado de trabalho, estar podendo inserir aquele jovem no mercado de trabalho ou dando condições para que ele possa se inserir. Isso era claro. Agora, as mulheres já era mais complicado, porque é difícil eu falar pra você o que é bom e o que é ruim. Às vezes, o que é bom pra mim, não é bom pra você. Então, a gente não podia vir com a fórmula pronta. “Ah, isso aqui vai ser o grupo das mulheres, vai ser artesanato”, mas nem todas as mulheres queriam artesanato. Então, assim, o período que eu fiquei no projeto Construindo Oportunidades foi esse período de estar conhecendo essas mulheres e entendendo realmente o que elas querem, do que elas precisam. Graças a Deus, acho que, assim, o pouco que eu fiquei deu pra ajudar. A Elaine que chegou, veio só pra somar. E isso foi pra frente; hoje tem um grupo de mulheres muito grande, muito interessadas. O fato de a minha mãe estar ali participando me ajuda estar mais próxima, eu sei realmente tudo o que está acontecendo. Às vezes eu vejo alguma coisa: “Olha, mãe, tem que ter isso, aquilo”. A Guiomar mesmo liga: “Vi, dá pra você ver isso?”. Então, assim, é... Foi um período de início, mas foram os primeiros passos mesmo pra essa caminhada. Pretendo que fique aí bastante tempo.
P/1 – Quer dizer, você falou que era importante ouvir essas mulheres, não é?
R – Isso.
P/1 - Que tipo de atividades vocês faziam pra ouvir a necessidade dessas mulheres do projeto?
R – Oficina dinâmica é a que eu mais gosto de fazer. Então, assim, isso a gente também fazia muito, mais encontros mesmo. Além da ficha de inscrição onde elas colocaram... No início, a gente começou a colocar um pouquinho de cada coisa pra elas. Então veio alguém falar sobre a questão culinária - tinha um grupo muito interessado em culinária. A oficina de reciclagem de sabão, que é uma coisa que já tem, que já existe dentro do PDA. Então, veio um profissional aqui pra estar dando uma oficina geral. O início foi mais disso. Cada atividade que a gente julgava interessante, que a gente viu também que elas gostariam, nós fomos colocando aquele apanhado geral pra que agora pudesse estar esmiuçando um pouquinho mais aquilo que realmente foi interessante. Mas, no início, era mais isso, assim, pegava um pouquinho de cada coisa e colocando pra que elas conhecessem. Porque às vezes a gente fala assim, né: “Ah, alimento desidratado”, teve uma assim. Aí tem umas que nem sabiam do que se tratava. E a gente achava assim: “Ah, isso é bom, dá dinheiro e tal”, então vamos fazer uma oficina pra que elas conheçam, saibam o que é que é, como é feito, qual o processo. E aí elas vão ver se realmente querem. Porque é algo que dá trabalho, tem que ter tempo disponível. Então, no início, foi mais isso. A gente fazia um apanhado mesmo.
P/1 – Quer dizer, vocês visavam também criar oportunidades de renda pra essas mulheres?
R – Isso, é, sobretudo o Construindo Oportunidades tem essa finalidade. É a questão de empreendedorismo mesmo, que essas mulheres possam estar tendo atividades onde elas possam tirar o seu sustento. Esse é o principal foco do Construindo Oportunidade com as mulheres, pra que elas possam estar aprendendo e tendo ali, nesse aprendendo, nesse saber, oportunidade de renda.
P/1 – Fora que tem uma coisa muito grande do grupo das mulheres. Como é que é essa questão da autoestima que vocês procuram trabalhar nesses projetos?
R – É... Assim, é complicado e fácil ao mesmo tempo. É difícil de você fazer essa mulher sair de dentro de casa e querer vir até aqui. Mas depois que ela chega aqui, ela encontra outras mulheres. Eu acho que a troca faz isso. Quando você pode estar mostrando, assim, a sua dificuldade, conhecendo a dificuldade do outro, é mais fácil. Então, assim, a gente teve esse bloqueio no início. Hoje em dia, não vou falar que é tão fácil, mas, assim, essa questão de tirar essa mulher e trazer ela aqui é mais difícil; mas depois que ela está, já é mais fácil manter. Aí ela começa a olhar diferente, a mostrar. Eu lembro que no início... Mas eu sei que tem até hoje, a questão de estar passando o vídeo com... Como eu posso falar? Com a evolução de outras mulheres, pra que elas se inspirem e possam também estar querendo aquilo, buscando aquilo pra elas. Acho que é mais por aí, a gente estar mostrando experiências com outras pessoas, que tenham dado certo, pra que elas também possam ser motivadas: “Ah, eu posso também. Se deu certo ali, eu sei que posso. De repente não pelo mesmo caminho, mas eu posso encontrar o meu caminho, que vai dar certo comigo também”.
P/1 – Tem alguma história, você lembra alguma história de alguma dessas mulheres em particular que tenha te marcado nesse sentido?
R – Ah, são tantas. Eu acho que são tantas assim, porque cada uma chegou aqui de uma forma. Eu lembro que quando começou, eu ficava olhando pra elas, assim, sentada e falava: “Meu Deus”. Aí elas falavam: “Tá. Me chamaram, me ligou. É pra fazer o quê?”, entendeu? “Eu vou ganhar quanto?” Eu falava: “Meu Deus do céu, o que é que eu vou falar pra elas?”. Então, eu ficava meio tensa ali. “Como vai ser?” Então, assim, acho que todas elas enfrentaram esse desafio de saber assim: “Eu estou indo ali, não é pra ganhar nada financeiramente, mas vou ganhar em saber e eu posso transformar o saber na parte financeira”. Então, não tem nenhuma... Tem uma, assim, em particular, que é a Lúcia, que ela só queria a culinária. Ela chegou aqui assim: “Quero saber de culinária”. Aí eu falava de uma coisa e ela assim: “Mas que hora você vai falar da culinária?”, e aquilo me deixando desesperada. Eu falava: “Meu Deus do céu”. Aí, hoje em dia, ela faz carteira, faz brinco. Outro dia, ela chegou: “Ai...”, eu lembro que eu ainda estava aqui na época. Ela: “Ai, eu fiz um cachecol de dedinho, você tem que ver”. Quer dizer, aquilo pra mim foi legal. Ela começou a vir, não deixou a culinária.
Falei: “Meu Deus, eu tenho que trazer alguma coisa de culinária pra ela”. Não só pra ela, mas ela era a que mais cobrava. Então, a gente fez algumas coisas na questão da culinária, mas ela pôde ver que o outro lado também era interessante, que ela também podia ter uma fonte de renda do outro lado que também seria prazeroso. Então, ela é uma pessoa que assim, pra mim, foi bem interessante... Mostrar um outro lado pra ela, tirar aquilo de que: “Ai, eu só vou dar certo, como eu sei cozinhar, eu só vou sair bem se for na cozinha”. E não. Ela conseguiu ver. Hoje em dia, ela faz outras coisas, sente prazer em estar aqui mesmo que não seja cozinhando. Então, isso é legal.
P/1 – E aí os maridos, os filhos dessas mulheres: como que você acha que isso, o fato delas participarem das oficinas, o que é que isso transformou pros maridos, pros filhos? Como é que eles passaram a ver essas mulheres?
R – Olha, eu fiquei um pouquinho afastada... Foi só no início. É, como algumas dessas mulheres são pessoas do meu dia a dia, estão dentro da minha comunidade, então eu posso dizer que também vejo esse lado positivo. Eu posso falar... Vou dar o exemplo da minha mãe - no caso, que é legal ver que ela está ali, que ela está podendo, produzindo, aí às vezes ela esta lá dentro de casa: “Ai, não tem nada pra fazer. Vou fazer um negocinho”, aí ela começa a criar aquilo que ela aprendeu aqui nas oficinas. Então, é legal. Não só, também... Eu acho assim: tem mulheres que levam isso pro lado profissional, mas também pro lado ocupacional. Aqui, o grupo Construindo Oportunidades é muito parecido nesse sentido com o grupo de terceira idade que a gente tem nas comunidades religiosas. Pra que a pessoa não fique com aquele tempo ocioso, nada disso. Então, elas virem pra cá, estarem aprendendo também é bom por causa disso. Elas podem chegar na casa delas e estarem produzindo alguma coisa aquele tempo que elas estão ali. Poxa, o marido trabalhando, o filho na escola ou trabalhando, [e] não tem nada pra fazer. Não, agora elas têm. Tem uma atividade. Então, mesmo com o projeto parado, todas elas ficaram em movimento. Isso eu achei muito legal. O projeto deu uma parada e todas elas estavam em movimento. Na minha casa mesmo teve um dia que elas se juntaram lá pra fazer trufas. Então, eu achei interessante. Porque se o projeto acabou, a ideia que a gente tinha: “Poxa, elas também vão parar”, mas não, elas buscaram outros grupos que foram conhecendo. Isso também, o projeto tem isso de legal, não fica só aqui nesse espaço. Mostrar pra elas outros espaços, outros grupos que acontecem ao redor. Então, no centro de Caxias tem um grupo, que se reúne às quartas? Às quintas. E aí elas estavam indo pra lá às quintas, independente daqui do projeto. Então isso é legal, porque aqui foi o pontapé, mas elas começaram também a criar sua própria independência.
P/1 – Quer dizer, vocês estão buscando justamente o empreendedorismo dessas mulheres?
R – Isso.
P/1 – Que elas andem por conta própria...
R - Andem por conta própria. E isso eu comecei a ver, por mais que elas fiquem assim: “Quando é que vai voltar o projeto? Sem o projeto é mais difícil”. É difícil sem o projeto, mas não está sendo impossível. Aquelas que realmente se engajaram, se apoderaram do objetivo, do espírito do projeto, elas estão seguindo em frente, mesmo com ele dando uma parada.
P/1 – E como é que foi trabalhar um tempinho com a sua mãe?
R – Complicado. Mas foi bom, foi bom. É bom porque tem troca. Assim, a gente está sempre trocando, mas às vezes é ruim, às vezes ela esquecia. Eu falava assim: “Quem está mandando sou eu”. Ela: “Mas eu sou sua mãe, não vai falar assim comigo”. E eu: “Você é mãe lá dentro de casa, não é mãe aqui. 'Hello'!". Então, às vezes era complicado mostrar pra ela: “Não, peraí, quem fala sou eu. A última palavra vai ser a minha. Aqui é a minha, não é a sua”. Às vezes era complicado. Às vezes era que eu pegava, chegava em casa e desligava, aí estou vendo novela, vendo filme e ela: “Mas olha só, eu lembrei disso”, “Para. Lá você me fala, aqui eu quero descansar”. Então, tiveram... Mas no geral era bom. Era bom porque podia trocar. Querendo ou não, eram dois pontos diferentes; eu trabalhei na coordenação e ela lá na execução, mas quando eu me excedia em alguma coisa, tinha ela ali. Às vezes, as outras tinham medo de me falar alguma coisa. Eu sei que sou meio autoritária mesmo, completamente autoritária. Então, as outras já tinham medo de falar: “Olha, você está demais. Não é assim”. E aí ela já vinha, né: “Não é assim”. Às vezes não aqui, mas chegava em casa, ela colocava isso pra mim: “Ó, hoje você fez isso, isso e isso. Não é por ali”. Então tinha esse lado bom.
P/1 – E você sente que de alguma forma esse trabalho que você fez, esse tempo nesses projetos, tenha transformado alguma coisa na sua vida?
R – Ah, sim. Com certeza. Eu estou lá, mas o coração fica aqui. Às vezes eu falo assim: “Ah, eu vou voltar e tal”. Hoje mesmo ela falou assim: “Ah, eu tenho que ir lá”. Eu falei: “Fala pra Guiomar que daqui a pouco eu apareço lá”, né? Então modificou bastante. Modifica o seu olhar, do que você está vendo ao seu redor na questão de comunidade. Quando você está trabalhando com a comunidade, consegue perceber mais do que você... Hoje vou lá na loja e vou pra minha casa. Então, por mais que eu saiba o que está acontecendo, não estou engajada naquilo. Quando você está ali trabalhando com aquilo, às vezes você quer... Não é que hoje eu queira que melhore, mas é diferente de quando você está dentro da coisa, do problema; então você quer a solução o mais rápido possível. Quando você está de fora, você até tenta a solução, mas aí se não conseguir na hora, pode ser depois. Nisso, na questão de pessoas, foi muito bom de trabalhar, de conhecimento. Aprendi muito, mesmo.
P/1 – Aprendeu a fazer alguma coisa de artesanato, assim?
R – Aprendi. Mas eu aprendo até hoje, porque minha mãe fica fazendo em casa. Aí, às vezes, eu fico dando uma olhadinha, aprendo. Às vezes ela pede uma dica: “O que você acha de eu fazer isso aqui e ali, tal?”. Eu aprendo também.
P/1 – Então, hoje, o que você faz? Conta um pouquinho pra gente.
R – Hoje, eu tenho uma loja. Tenho uma loja de roupas, de acessórios femininos - aí nos acessórios entra bolsa, sapato, tal -, junto com uma amiga minha. E aí ela estava com um problema de locação no espaço de um salão dela - ela já tinha um salão -, aí nós resolvemos abrir a loja. Aí nós resolvemos fazer tudo num espaço só; vamos deixar a mulher montada dos pés à cabeça. E aí tem um salão, um salão de beleza, e a loja.
P/1 – E aí essas mulheres, com quem você também trabalha nesses projetos, vão na sua loja?
R – Ah, também. Faço propaganda pra todas elas: “Vão lá na minha loja, por favor”. Então, assim, é questão que eu te falei. Os jovens, também do projeto, muitos estão lá sempre comigo. Já juntou.... Continuo dentro da comunidade, não saí do mesmo espaço. Não estou mais no projeto, mas continuo aqui na comunidade. Então, estou sempre com elas.
P/1 – Legal. Viviane, quais são as coisas pra você, hoje, mais importantes?
R – Como assim?
P/1 – O que você considera mais importante pra você, da sua vida? O que te motiva?
R – Mais importante? Assim, na questão de vida mesmo, meus pais. Porque eu sempre falo assim... Minha mãe sempre me ensinou que... Eu só tinha um irmão, e ela sempre falou assim: “Quando a gente não estiver mais, vai ser você e seu irmão”. Então hoje eu não ter o irmão, só tenho eles - eu não tenho mais ninguém. Eu tenho muitos amigos, mas só tenho eles... Então, hoje em dia, pra mim, [os] mais importantes são eles. Rabugentos, brigando - a gente briga sempre, mas são eles. Porque assim, família? Tios, primos... Cada um têm a sua... Amigos também, cada um têm a sua vida. Então, fica cada um com a sua família. E a minha agora são eles. Sem eles, acabou.
P/1 – Quer parar um pouquinho?
R – Não.
P/1 – Dá pra continuar? E pra você, quais são seus sonhos? Você tem algum sonho, qual é?
R – Ah, um sonho? Ver a Mon Petit muito bem, que é a loja. Então... Hoje em dia, se parar para perguntar: “Qual o seu sonho?”, “Ver a Mon Petit bem”. Não é que não esteja bem, a gente está começando agora - só tem seis meses, então é um bebê. Então, hoje em dia, é que eu possa estar dando uma estabilidade legal pra loja. Concluir a faculdade também é uma outra coisa que eu quero muito. Nunca pensei... No mercado de trabalho da faculdade sempre foi Psicologia Jurídica, o sistema prisional é o que mais me atrai. Então, assim, hoje em dia, eu não sei como eu conciliaria dos dois. Mas... A faculdade, esses três períodos finais, seriam justamente sobre isso. Eu sou focada em Psicologia Jurídica, desde o início, desde o segundo período, minhas matérias eram todas voltadas pra isso. Então, assim, é uma coisa que eu quero concluir. Eu não sei se vou exercer no momento porque não está dentro do meu mundo, do meu universo agora, no momento. Mas concluir, eu quero, até porque acho importante você ter uma profissão. A loja é muito boa, mas é bom você ter uma profissão, ter um respaldo, mais um. Assim, eu fiz formação de professores, aí depois fiz enfermagem; então eu gosto de ter várias coisas, várias possibilidades. A gente não sabe o dia de amanhã. Mas, hoje em dia, o que eu mais quero mesmo é ver o sucesso da minha loja, mais ainda do que já tem.
P/1 – Ótimo, tomara que sim. Pena que eu não estou com tempo, senão eu ia lá.
R – Tá bom.
P/1 – Bom, pra gente encerrar, então: como é que foi pra, assim, você contar sua história aqui pra gente, pra esse projeto?
R – Ah, foi bom. Gostei de lembrar algumas coisas, assim, que já estavam ali esquecidas. Mas, foi bom, foi legal. É... Falar sobre tudo, assim, eu gosto, então... Do projeto, principalmente... Foi um período muito bom, muito importante pra mim; que eu gosto, que me deu prazer de fazer. O guia, quando ficou pronto, eu queria dar pra todo mundo. Chamava todo mundo, falava: “Ai, olha o que eu fiz e tal”. É porque realmente foi um período muito importante, mas, [e] também muito gostoso. Era bom você estar descobrindo coisas. Porque era uma troca. Eu descobria e passava ali. Pegava aqui e estava passando ali. Então, foi bom... Falar da minha infância, assim, é algo que eu faço sempre. Como eu te falei, a gente estava conversando agora mesmo lá na loja sobre isso, então é uma coisa que eu gosto de falar
Eu não tenho um período ruim na vida. Falo assim: “Não tem um período ruim”. Então, estar relembrando é sempre gostoso; eu sempre vou estar relembrando coisas boas, coisas que me deram prazer.
P/1 – Tem mais alguma coisa que eu não te perguntei que você gostaria de colocar?
R – Não. Falei tudo.
P/1 – Que ótimo, então. Obrigada pela sua participação.
R – Tá bom.
[Fim do depoimento]Recolher