Projeto Nestlé Ouvir o Outro, Compartilhando Valores – PRONAC 128976
Depoimento de Ademir Gomes Rosa
Entrevistado por Vanuza Ramos
São Paulo, 2 de agosto de 2014
Realização Museu da Pessoa
NCV_HV045_Ademir Gomes Rosa
Transcrito por Fernando Amaro Mendes Neto
P/1 – Seu Ademir, obrigado por t...Continuar leitura
Projeto Nestlé Ouvir o Outro, Compartilhando Valores – PRONAC 128976
Depoimento de Ademir Gomes Rosa
Entrevistado por Vanuza Ramos
São Paulo, 2 de agosto de 2014
Realização Museu da Pessoa
NCV_HV045_Ademir Gomes Rosa
Transcrito por Fernando Amaro Mendes Neto
P/1 – Seu Ademir, obrigado por ter vindo dar o seu depoimento, disponibilizar um pouco do seu tempo. Eu queria começar pedindo para o senhor falar o seu nome completo, o local e a data do seu nascimento.
R – Tá bom. Meu nome é Ademir Gomes Rosa, estamos dentro da reciclagem, dentro do espaço aonde nós temos a Cooperativa Reciclagem. E?
P/1 – Você nasceu em que data? Em que ano?
R – Nasci em 15 de novembro de 1961.
P/1 – Em que cidade, seu Ademir?
R – São Paulo.
P/1 – Qual é o nome dos seus pais?
R – O meu pai, ele chama José Rosa Filho e a minha mãe Ana Gomes Rosa.
P/1 – Qual é a idade deles, seu Ademir?
R – O meu pai hoje está em torno de 73, 74 anos, aproximadamente.
P/1 – E a mãe do senhor?
R – A minha mãe já é falecida.
P/1 – O seu pai fazia o que? E sua mãe, seu Ademir? Qual a atividade deles quando eles estavam na ativa?
R – O meu pai, quando ele conheceu a minha mãe, ele trabalhava em São Paulo de frentista em um posto de gasolina, aí a minha mãe era operária de uma tecelagem. Ambos se conheceram e ali se casaram. Por a minha mãe ter um parente da cidade de Osasco, na Cidade de Deus, que trabalhava no Banco Bradesco, foi lhe dado a oportunidade, ele foi trabalhar como funcionário do Banco Bradesco, aonde aposentou.
P/1 – E a mãe do senhor fazia o quê?
R – E a minha mãe era funcionária de uma tecelagem. Após ter casado, ela largou o emprego e se tornou uma dona do lar.
P/1 – Que lembranças o senhor tem deles? Como o senhor descreveria eles?
R – Isso. O papai, ele era uma pessoa muito dedicada em manter a casa. Foi uma pessoa que nunca deixou as coisas ficarem assim ao mausoléu. Ele sempre cuidou muito bem de nós, tanto que se expôs durante a vida toda, levando a um agravo de uma enfermidade muito grande que foi um descontrole total dos nervos, tanto que por esse motivo veio a aposentar mais tarde. Mas ele trabalhava, trabalhava muito, dia e noite. Houve muitas mudanças de locais de trabalho. O Bradesco, pelo que eu me lembro, uma boa parte eu acompanhei porque o meu pai, tipo assim, dessas dedicações, uma era cuidar, não deixar a gente à vontade. Ele levou a gente para trabalhar, tipo no Belém, onde nós estamos hoje. Levou a gente para trabalhar no Jabaquara, lá na Praça da Árvore. Um bocado de anos nós acompanhamos e assim também na Cidade de Deus, lá em Osasco.
P/1 – Ele levava o senhor para o local que ele trabalhava?
R – Que ele trabalhava. A gente ficava com ele lá o dia inteiro.
P/1 – E como era? O que o senhor fazia enquanto ele estava lá trabalhando?
R – É, na verdade ele não só levava, viu? Era todo um conjunto, ele se responsabilizou também em dar escola para a gente. A gente estudava no local. Na parte da manhã; ele entregava a gente na escola, depois a gente vinha da escola e ficava o resto da tarde, não digo, digo sim, porque nós estávamos lá dentro do Bradesco, né? Nós ficávamos dentro do Bradesco, e ao mesmo tempo na liberdade de passar pela porta. Quando eu falo Bradesco, não é bem agências do Bradesco, mas sim um departamento Bradesco, na época chamava CDC, Centro de Distribuição de Correspondência.
P/1 – Ele fazia o quê lá no centro de distribuição?
R – Ele era supervisor. Havia uma equipe de motoqueiros que entregava as correspondências porta a porta. Ele era o supervisor dessa equipe. Fazia o trabalho administrativo, né? Nós ficávamos lá com ele, ele tomando conta do pessoal, da sua obrigação trabalhista e da sua obrigação de pai também. Sob a sua supervisão, eu e o meu irmão, que também sempre estava junto.
P/1 – Quantos irmãos o senhor tem?
R – Eu tenho um que chama Pedro, Pedro Geraldo.
P/1 – E tem irmãs?
R – Tenho a Sandra e tenho a Neiva.
P/1 – E elas fazem o quê? E o irmão do senhor faz o quê?
R – Hoje?
P/1 – Hoje.
R – A Neiva hoje ela é dona do lar e toma conta de uma instituição, uma igreja evangélica. Acho que com as declarações vão se surgindo, né? E a grande parte ela está tomando conta como presidente dessa igreja, proprietária e presidente. Então esse é o campo de trabalho dela hoje.
P/1 – E a Sandra?
R – A Sandra tá em casa. Ela tá fazendo um trabalho que há um tempo atrás eu também estava fazendo, como a gente pode dizer? Está fazendo um pedaço de um trabalho de uma indústria onde te enviam na tua casa para você fazer uma parte desse trabalho. Trabalho de montagem para uma empresa de eletrônica.
P/1 – E o irmão do senhor?
R – O Pedro Geraldo, ele é um vendedor de cortinas, tapetes, fronhas, na área de, eu não sei dizer, na área de cama, mesa e banho, isso.
P/1 – E sobre os avós do senhor, qual o nome deles, dos avós maternos e paternos?
R – A minha avó, a gente costumava chamar ela de Sara. Recentemente eu descobri que o nome dela não é Sara, mas a gente chamava ela de Sara. Uma senhora muito querida, uma velhinha muito amável, espanhola. E o meu vô, ele era o vô Pedro, da parte de mãe que eu estou dizendo. Da parte de pai eu não conheci os meus avós. Morreram muito cedo e se eu vim a conhecer, eu me lembro só de aspectos, mas não reconheci eles como vô e como vó. O meu vô, ele sempre foi um autônomo. Do dia que eu vim a reconhecer ele como vô, ele era uma pessoa que trabalhava com máquinas de costurar dentro do lar dele. Ele recebia sacarias, saco de batata, né? Rendas de sacos de batatas em pedaços; e a sacaria, ele ia costurando pedaço por pedaço, fazendo rolos e rolos aonde era usado nas empresas industriais que enrolava todas as ferragens depois de lubrificados, aqueles fardos de sacaria e remendos, né? Eram feitas tipo essas embalagens dos ferros e colocados, a gente pode dizer, a etiqueta de que material que estava por baixo daquela embalagem.
P/1 – E a sua vó ajudava ele?
R – A minha avó participava desse trabalho. Ela era uma excelente, como a gente diz, vó, em todas as áreas. Ela era muito eficaz em ajudar o vovô. Uma infelicidade de tudo isso, no meio de tanta felicidade, a química desse trabalho o matou. Foi uma infelicidade de tantas felicidades aonde ele construiu o lar dele, onde ele construiu, fez a casa dele, aumentou o projeto da casa dele. Tudo ele fez com aquele trabalho, mas também foi aquele trabalho, que o veneno da sacaria lhe levou a vida, por causa do veneno.
P/1 – E esses avós moravam aqui em São Paulo?
R – Sim, eram moradores da Rua Ribeirão Branco, 423, no Alto da Mooca, essa casa está lá até hoje, foi vendida por nós mesmos, filhos e os sobrinhos e os seus netos, né?
P/1 – E o senhor frequentava a residência deles? Costumava ir muito?
R – Sim, nós crescemos lá, na verdade. O meu vô, quando ele colocou o projeto de vida dele, ele não pensava só nele. Ele pensava nele, ele pensava na sua filha que é a dona Ana e pensava em toda a estrutura familiar que eram seus netos, tanto que ele foi crescendo, colocando várias casas e alugou todas. Então nós chegamos a morar lá até mesmo como proprietário, residente de uma das casas que ele fez por baixo da casa dele, que eram muitas. Atravessava de uma rua para outra, numa área de declive, né? Ela iniciava aqui em cima e ela ia de casa, em casa, em casa até sair na rua debaixo, em torno, deixa eu ver se eu me lembro: uma, duas, três, quatro, cinco, umas sete casas. Deu umas sete casas até chegar na rua debaixo.
P/1 – E o senhor morou nesse bairro, nessa rua, em que idade, mais ou menos?
R – Isso. Eu me lembro que quando eu nasci, deixa eu ver, quando eu nasci, eu creio que já tenha nascido nesta casa, né? Eu nasci numa destas casas. Eu mudei, nós andamos muito em São Paulo, fui para vários lugares, mas ali eu vivi um bom tempo nessa casa. Eu me lembro que realmente eu tive sim, eu tive uma vivencia muito grande ali, né? Ajudei muito ele na sacaria. A intenção dele na verdade, no projeto de vida dele, era para passar a indústria para nós, mas talvez uma outra pergunta eu venha responder o porquê que não aconteceu isso.
P/1 – Pode falar, fica à vontade.
R – Posso ficar à vontade? Então, o meu vô, no final dos seus últimos dias de vida, o que ele fez? Ele queria dar uma casa para nós, ele queria dar uma vida para nós, então ele arrumou uma casa no Grimaldi, na região da Zona Leste, lá um pouco próximo da Avenida Sapopemba, da igreja que eu batizei a minha filha, a Nossa Senhora de Fátima. Então ele comprou, ou falou para o meu pai na época que comprasse uma casa e que saísse das dependências dele, não por nada de confrontos não, tá? Mas sim para poder realmente ampliar o seu patrimônio. Aí nós fomos morar no Grimaldi. Chegando lá no Grimaldi, que o meu vô, quando ele indicou esse terreno, ou essa casa para o meu pai, foi também pelo trabalho dele que ele conheceu um vendedor de bolinhas de gude que ensacava essas bolinhas de gude dentro de estopa, né? Esse que ele costurava. Então foi através desse homem que ele conseguiu comprar essa casa lá. Só que num determinado tempo, essa casa era muito pequena, o projeto do meu avô era dar uma casa pra cada um, porque ele não pensava só nele. Ele era um senhor maravilhoso, ele queria colocar todos nós, todos seus netos em boa situação, né?
P/1 – Só uma pergunta, a mãe do senhor era filha única?
R – Era filha única, mais seu Valdemar. É filha única. Não, eram dois filhos. Filha única que eu quis dizer era a única menina, né? Foi isso que eu me direcionei. Não, tinha o seu Valdemar que também tem uma boa parte da história da minha vida, que um dos meus empregos foi ele que me colocou e eu fiquei um bocado de tempo lá. O vovô, ele arrumou uma outra casa, foi na Vila Cleonice e ele falou: “José, vende essa casa e faça um negócio com o terreno que eu estou te mostrando lá na Vila Cleonice, porque o terreno vai proporcionar para você e para todos os seus filhos uma casa para cada um, porque tem terreno para construir para todo mundo. É quase uma chácara”. E ali houve uma guerra entre o meu vô e o meu pai. Porque o meu pai nessa época, ele já estava com uma enfermidade dos anos de trabalho dele. Essa enfermidade era o corpo dele não ter mais firmeza nos nervos. Qualquer tipo de nervo que ele passava, o corpo dele entrava num ataque tipo, não é bem epilético, era uma tremedeira que não era epilepsia, mas era um ataque de nervo que não tinha um retorno. E eram horas e horas e dias e foi parar no hospital e ali o meu vô nessa mesma época estava apresentando esse projeto de mudança. E o meu vô e o meu pai andaram assim tipo, entrando em uma discussão, dizendo: “Eu não posso sair daqui agora e nem trazer a oficina que você quer colocar aqui. Eu não posso fazer nada disso. Nem trazer a oficina, nem ir para outro lugar, ou coisa parecida, né?”. Por quê? Porque os fiscais do Bradesco iam na época fazer uma visita. Ele tinha medo dos fiscais não darem a sua aposentadoria. Por que não queria dar a aposentadoria? Porque ele tinha medo daquela que possivelmente estaria sendo montada lá e achar que essa empresa era dele. Mas não, era proporcionada pelo meu avô para os netos e o terreno era propício para isso. Até mesmo iniciar uma grande empresa que era a empresa que ele já tinha, que ia dar andamento e até poderia ser uma grande empresa hoje, né? Mas o meu pai disse: “Não, não pode”. E entraram em um confronto nessa época. É uma parte da minha vida em relação a isso.
P/1 – E como foi o desfecho? O seu pai comprou o terreno?
R – Sim, o proprietário da fábrica de bolinha, eu não sei se era o proprietário ou um empregado em si, ele fez uma troca. Ele pegou a casa do Grimaldi e ficou como entrada com um pagamento daquele decrescente, na época acho que começou a pagar seis mil e poucos Cruzeiros, aí foi caindo, né? Na época que se fazia essas compras que vão diminuindo, ele acabou até pagando esse terreno que era uma maravilha de terreno num preço bem ajeitado para o bolsinho dele, foi muito bom.
P/1 – E aí vocês mudaram para esse terreno na Vila Cleonice?
R – Aí fomos para a Vila Ema, onde surgiu tudo isso que eu falei, esse confronto entre o meu vô e o meu pai, que ele queria colocar o projeto dele lá, o vovô pensando nos netos, né?
P/1 – Vamos voltar um pouquinho nessa primeira infância, quando o senhor ainda morava no Alto da Mooca.
R – Certo.
P/1 – O senhor lembra da casa que o senhor residia com seus pais?
R – Ah sim! Ali na infância, ela nos proporcionava muita alegria. Era muito bom. Quando nós morávamos nessa casa, o meu tio Valdemar era muito presente. Ele nos levava para o Juventus e nós frequentamos o Clube Juventus porque o meu tio, ele tinha lá um título, então ele me levava muito. A minha infância em si foi isso. Era da minha casa para o clube do Juventus, era a minha diversão. Fora isso não tinha outra coisa, não. Porque o meu pai, a minha mãe e a minha família criavam nós muito na rédea. Nós não tínhamos, assim, tipo uma corda solta, não. Nós fomos criados mesmo na rédea. Mas a minha infância era essa, ele passava lá como se fosse o filho dele porque ele não era casado ainda, ele era solteiro, aí pegava nós de manhã, falava: “Vamo embora lá para o clube”. Aí ele ia para a piscina nadar e nós ficávamos dentro do Juventus, no parque, no campo de futebol, brincando lá, como é que fala? No trenzinho, nos canos, nos tubos de cano. Era isso aí. A minha infância na região era isso.
P/1 – Iam o senhor e os irmãos?
R – Eu e o meu irmão Pedro.
P/1 – Ele levava todo mundo?
R – As meninas não, sempre os meninos.
P/1 – E o senhor não brincava na rua, os pais não deixavam?
R – Não, papai e mamãe nunca deram a liberdade da gente estar solto na rua não. E o pouco de amizade que a gente tinha era vigiada, eram os amigos da frente da casa aonde eram conhecidas as famílias, tanto do lado esquerdo, direito e da frente. Quando nós estávamos sentados, era conversando na porta ainda com esses vizinhos ali. Nós não tínhamos uma vida solta, não, bem na rédea mesmo. Ali seguro.
P/1 – E a casa tinha um quintal, seu Ademir?
R – Tinha.
P/1 – Vocês brincavam nesse quintal?
R – É, essa casa na verdade ela não tinha quintal, né? A frente da casa, ela era voltada totalmente para a rua. Quando você abria a porta, você já dava na calçada e a sua lateral dava no quintal dos inquilinos, que terminava na rua debaixo. Então quando nós estávamos morando lá, nós moramos em cima e também moramos embaixo. Então na casa de cima ela dava para a rua e na casa de baixo ela dava no quintal dos inquilinos. Nós brincávamos no quintal, ali, né? Mas também não tinha muita também liberdade de ficar pra lá e pra cá no quintal, não, porque era igual a um condomínio de um apartamento, tinha que ter lá uma moderação nos afazeres. Não podia gritar, não podia fazer aquela bagunça toda que uma criança faz, mas foi ali que nós crescemos, né?
P/1 – Vocês brincavam de quê?
R – Olha, pelo o que eu entendo, todas as nossas brincadeiras, elas eram umas brincadeiras diferentes. Hoje a minha filha diz, assim, que ela tem quem a puxar, a minha filha Cíntia. Brincava de ciborgue, amarrava uma gravata na outra e se pendurava no guarda-roupas, nós dávamos pulo de cambalhota na cama pensando que estava pulando em piscina; e no quintal, como o quintal era muito grande, a gente brincava de esconde-esconde, né? Porque o quintal era enorme, então tinham vários lugares para se esconder. Era essa a nossa brincadeira, não tinha mais nada, assim, que eu me lembre. Como eu sou uma pessoa que gosto muito, tanto que eu estou nessa área hoje, nessa área aqui da Reciclázaro, eu gosto muito da mata, do verde. E o meu pai, ele nasceu em Tatuí, então quando nós não estávamos lá, o meu pai estava fazendo muitas viagens, o meu pai teve assim uma família que estava, tipo, em caminho de morte, como a mãe, como o pai dele e ele viajava muito para ver pai e mãe. Em muitas dessas viagens eu não retornava, eu ficava lá. Então aí sim eu cresci brincando, me divertindo no meio do gado, no meio do leite, no meio da roça. Lá eu brincava, e lá era bom demais. Tanto que eu cresci com isso dentro do meu coração e estou num lugar aqui hoje tentando curtir um pouquinho esse verde. Não pude ir para lá. A vida não deixou, mas eu estou um pouco lá, aqui, né?
P/1 – E as brincadeiras lá no interior de Tatuí eram diferentes das brincadeiras que o senhor tinha aqui na cidade?
R – Ah, mais com certeza! Só que uma dessas brincadeiras, ela me trouxe uma situação, assim tipo, que não foi muito agradável, não. O interior, na época que eu ia para lá, nós não tínhamos um hospital com a capacidade de fazer uma, como é que a gente fala? Uma atalaia que resistisse um gesso, então eu brincando num dos escorregadores da cidade, um parque infantil da cidade ao lado, não no sítio, numa das casinhas da cidade, dos parentes, talvez da mãe, não de irmão que eu ficava no sítio. Eu fui brincar em um parque ao lado da casa, bem do lado, era do lado mesmo, eu escorreguei e caí em cima desse braço e houve uma fratura nesse braço, e esse braço foi colocado uma atalaia, na época, que eu me lembro, uma madeirinha de um lado, uma outra madeirinha do lado e uma cordinha ou coisa parecida, uma faixa, e o braço tem uma sequela até hoje, tá meio tortinho, mas o braço ficou recuperado.
P/1 – Foi no hospital isso?
R – Não, foi numa farmácia.
P/1 – Ah, na farmácia.
R – É, deixa eu ver, não me vem na mente, não, mas um médico da cidade, né? Por que? Porque esse médico ou esse farmacêutico, ele era o médico da cidade, ele era tão, assim, incapacitado naquilo que ele fazia, que ele atendia a cidade toda em vários casos. Então nós não tínhamos médico. O bracinho torceu, ele foi lá e colocou uma atalainha lá, passou aquela faixinha aí e meu braço está aí até hoje, meio tortinho, mas caminhando a vida.
P/1 – O senhor lembra quantos anos o senhor tinha?
R – Ah, eu devia ter nessa época, a época que eu ia muito para lá, era cinco anos, quatro anos. Era essa época e eu me lembro também como eu caí, acho que foi, eu estava escorregando naquele escorregadorzinho e lá de cima, não sei se foi um sopro, foi uma coisa muito esquisita, eu tava lá e de repente eu estava lá em cima do meu braço quebrado. Coisa estranha, mas eu caí lá de cima.
P/1 – Quem socorreu o senhor?
R – Foram as responsáveis do próprio parque, me levaram para um dos parentes e um parente correu rapidamente para a farmácia, e estou aí. Não foi nada, não, só foi o susto.
P/1 – E o senhor sabe qual é a origem da família do senhor, materno e paterno?
R – Tá. Parece que por parte da minha avó, mãe do meu pai, eles eram indígenas e da parte acho que da parte do pai do meu pai, eram caboclos, apenas o povo do interior, tá? Então acho uniu, né? Um povo do interior mesmo com indígenas que era a minha vó, origem indígena. Eram índios.
P/1 – E da mãe do senhor?
R – Da minha mãe? Vovó é da parte da Espanha, vieram, a mamãe da vó, da minha vó, mãe da minha mãe, eles vieram no navio da Espanha. Vieram da Espanha no navio para morar no Brás e aí originou esse homem meio espanhol aqui.
P/1 – E quem fazia as refeições da sua casa quando o senhor ainda morava com seus pais?
R – Sempre foi a minha mãe, né? As minhas irmãs, elas não cresceram tipo na cozinha, não. Não foram habilitadas para isso, sempre foi a minha mãe. Minha mãe, e como nós morávamos com a vovó, minha mãe e minha vó, né? Eram as duas sempre ajudando.
P/1 – Tinha algum prato preferido do senhor que elas faziam?
R – Ah, com certeza! A vovó fazia um tal de charuto, acho que era um arroz com carne moída enrolado em um repolho, colocado dentro de uma água quente e chamava charuto mesmo. É isso, é charuto mesmo. Aquela comida para mim era agradável, eu gostava. Era uma comida espanhola, acho, bem natural da Espanha. Era muito bom.
P/1 – Nessa época o senhor já frequentava escola quando o senhor morava lá no Alto da Mooca?
R – Sim. Eu, em questão de escola, eu não sei por que, não sei o que aconteceu, a minha mente por sinal também não ajudou. Porque nem todos nós somos iguais. Eu creio que cada um tem uma dificuldade, e uma das minhas dificuldades, uma delas é não ser abordado, né? Essa vida é um pouco dura. Ao ser abordado, muitas vezes é ser abordado para crescer, é ser abordado para aprender, ser abordado para mudar atitudes, mas o meu ser, ele é um ser cristalizado, é uma coisa diferente, eu não nasci para ser cobrado, né? Por que não ser cobrado? Porque eu corro na frente para não ser cobrado, né? Diz assim: “Olha, você tem que correr, em dez minutos você vai ter que correr dez metros”, por exemplo. Poxa, vão pedir para eu correr dez minutos em dez metros, sabe o que eu vou fazer? Em dez minutos eu vou correr 20 metros e vem alguém lá e diz assim: “Ei porque você não correu 30?” Aí eu falo: “Poxa vida, isso é injusto.” Eu estou sendo abordado por uma coisa que eu já fiz melhor da minha capacidade. Então na minha vida sempre foi assim, professores, o meu pai, as pessoas que me conhecem me colocaram contra a parede e por ser uma pessoa cristalizada, um cristal, um vidro de cristal, eu sempre me senti muito frágil nessa hora. Em vez de me ajudarem, me atrapalharam, né? Então a escola, quando você perguntou “você estudou, você estudava?”, aconteceu muito, por ser uma pessoa assim de ter uma aprendizagem lenta, mas mesmo assim se esforçar, ao abordarem, eles me paravam e eu não conseguia acompanhar. Então os meus estudos, eles foram bem difíceis, mas eu acho que é muita inteligência, ela foi muito mal colocada. Quando eu estou me colocando, eu, a minha pessoa naquilo que eu quero, o oculto, a minha inteligência oculta ela até me surpreende. Eu falo: “Olha o que eu estou fazendo?”. E de repente ela me surpreende, mas se alguém pedisse para fazer aquilo que me surpreendeu, não sairia mais nada por causa do meu ser cristalizado. Quando me apertam, aí não sai mais nada, porque eu não sirvo para ser apertado, eu corro na frente, eu quero fazer o melhor, eu dou de mim o melhor. Então a escola, estudava sim lá, ia para a escola. Eu vou dizer um dos motivos que me tirou da escola, tinham duas pessoas que moravam perto da minha casa, na Rua Ribeirão Branco, onde eu morava e eram pessoas que estavam com problemas na sua vida, viciados em cocaína, algum entorpecente na veia ou coisa parecida, né? Ou cocaína, eu não entendo qual era a droga que eles eram viciados. E uma das professoras da escola que eu estudava via eu conversando com eles, mas eles eram moradores da rua em que eu morava, não eram de outra localidade, eram conhecidos, meninos novos. Eles não eram as pessoas que eu convivia nos seus vícios, mas sim eram as pessoas que eu convivia na rua, assim ali vizinho, né? Tinha um momento: “Oi, tudo bem? E como é que você está?”. Então ela via que a gente conversava e em um momento eu fui abordado pela professora dizendo: “Vocês estão vendo, a gente conhece quem é bom elemento e quem não é, vou te mostrar quem não é: seu Ademir”, era eu, “fulano e cicrano”, ela falou uma vez só. No outro dia eu disse: “Eu não sou um bom elemento, então não vou mais para essa escola”. E não fui mais.
P/1 – Isso o senhor tinha quantos anos, mais ou menos?
R – Ah! Deixa eu ver uma coisa, eu estava com a minha avó, morava na rua, eu creio, eu era jovem, eu devia ter uns 16 anos. Eu já estava frequentando a escola, tipo primeiro, segundo. A escola minha também foi mudada, sabe? Eu não fiquei numa escola só, eu passei de uma pra outra. Eu fui reconhecido na escola, por uma escola, como péssimo aluno, mas quando eu mudei de escola, eu fui para uma outra escola, eu fui reconhecido o melhor aluno da classe. Então você vê que é com aquilo que eu falei, é o cristal, né? Aquela que não me apertou, conseguiu de tudo de mim até o mais. As minhas notas eram dez, dez, dez. E a outra escola não conseguia me tirar do zero, porque eles não me ensinavam, eles me cobravam e talvez a escola que eu fui, eles estavam me ensinando, não estavam cobrando e as coisas começaram a tomar uma outra direção na minha vida, né? Eu mudei de escola até por questão de comportamento, não comportamento marginalizado, não, é por causa de dificuldade de aprendizagem. Então a mamãe achou melhor trocar de escola e no trocar essa escola, realmente foi um grande pulo, realmente eu me dei muito bem. Inverti, né? Eu me dei muito bem.
P/1 – Daí essa situação que o senhor contou de que o senhor abandonou a escola foi a última que o senhor frequentou?
R – Sim, eu creio, sim. Que eu me lembro sim. Depois, já estando morando no Vila Ema, saindo do território aqui da zona leste, da Mooca, do Alto da Mooca, lá no Vila Ema o meu tio perguntou para mim na época se eu queria trabalhar com ele na empresa que ele trabalhava e eu falei que queria. Dependia do meu pai, meu pai falou: “Vai”. Essa ida trabalhar lá com o meu tio, na verdade ela vinha com duas mudanças na minha vida. Era trabalhar com o meu tio, mas ao mesmo tempo deixar a minha família e ir morar com a minha vó, porque o meu vô tinha acabado de falecer, né?
P/1 – Lá no Alto da Mooca?
R – Na Mooca. Eu voltei para ser o quê? Para ser o companheiro dá minha vó, para ficar com ela e eu fiquei lá com ela um bocado de tempo. E eu voltei a estudar. Porque quando eu fui para essa empresa, um determinado dia, alguém chegou pra mim e falo: “Ademir, o diretor da empresa está precisando de uma pessoa igual a você.” “O que ele quer?”, perguntei eu para um dos operários da fábrica. “Ele quer um jovem para limpar a piscina dele, passar a tela, tirar as folhas, colocar o cloro na água e precisa que alguém vá e ele vai dar bolsa de estudo. Você não quer uma bolsa de estudos?”. Eu falei: “Puxa! Até que seria bom”. E eu não estava estudando, aí eu falei com o meu tio, falei: “Tio, o doutor, o presidente dessa empresa que nós trabalhamos, ele está convidando eu para limpar a piscina dele, eu morar na casa dele e ele vai me dar uma bolsa de estudo”. O meu tio era contador, porque hoje está aposentado, ele era contador dessa empresa, ele disse: “É bolsa que você quer, de estudo?”. Eu falei: “É”. “Então você pode contar com a sua bolsa, você já tem, mas lá você não vai”. E não deu uma semana e eu estava sentado assinando um compromisso com a bolsa de estudo, eles começaram a pagar escola para mim e voltei a estudar.
P/1 – O senhor não saiu, continuou na empresa?
R – Continuei.
P/1 – O senhor fazia o que lá?
R – É, eu entrei lá num almoxarifado. A minha função era num quarto, num recipiente fechado, um quarto ou uma área fechada com uma portinela, uma portinha, onde o povo ia com uma requisição, eu entregava os itens que eles queriam, chamava outras compras ou até matéria prima para obra que eles iam executar na fábrica. Então a minha função era entregar o material e tinha uma outra função, é que me colocavam um pouco da parte administrativa, que não era só ser auxiliar da fábrica, era fazer ordem de pagamento, onde eu comecei a ser pressionado e o cristal Ademir começou a ser mexido. Eles começaram a me colocar junto com uns documentos, esses documentos, a minha capacidade de aprendizagem é lentíssima, é uma coisa diferente. E eles queriam que eu fizesse uns documentos com 30, 60, 90 dias após a data e com desconto de 50%, 60%, 80%, de acordo com a data a ser paga. E eu estava ali iniciando, um menininho, eu me lembro quando eu entrei lá, eu entrei lá com 14 pra 15 anos. Foi quando eu entrei por essa porta. Se eu já havia trabalhado? Não havia, foi a minha primeira empresa, tá bom? Aí eles começaram a me exigir, porque ali tinha profissionais, mas eu era um garoto que estava aprendendo, mas para aprender alguém tem que te apertar, tem que te provar, tem que te colocar... Mas ali vinha as provas, mas não vinha ninguém, dava prova, mas também dava escape: “Você faz”. E eu falei: “Eu não faço, eu não sei”. E esse documento, ele ficou lá um bocado de dias parado lá e aí eu fui chamado na contabilidade, eu mais a pessoa que tinha passado o serviço para mim e nós tomamos uma bronca muito grande porque esse documento não proporcionou o pagamento da pessoa que tinha que receber, a empresa ficou com uma imagem muito feia, tudo por causa de dois garotos. Então na verdade não era a imagem por causa da minha pessoa, mas sim pelas pessoas que passavam para mim. “Você sabe fazer?”. Eu penso que é assim: “Não.” “Então vou sentar com você até que você venha mostrar pra mim que você sabe, até aí faço eu, que eu vou carregar essa responsabilidade porque eu não posso pedir para você fazer uma coisa e virar as costas e se ele não fizer não tá feito”. Eu penso dessa forma, eu passo um serviço para alguém e vou acompanha-lo e se ele não fizer, faço eu porque não pode deixar de ser feito, mas isso eles não tinham em mente. Você não faz, então fica aí sem fazer.
P/1 – O senhor trabalhava há quanto tempo nessa empresa?
R – Ah, quando aconteceu isso, eu creio que eu tinha menos de um ano. Eu estava engatinhando, mas eu fiquei lá quatro anos e oito meses.
P/1 – O senhor lembra o que o senhor fez com seu primeiro salário nessa empresa?
R – Ai meu Deus! Sim, eu me lembro sim, me lembro por causa do meu pai. Eu nunca tive assim tipo, como é que fala? Depois que eu comecei a trabalhar, ou até antes mesmo, eu não tinha muito hábito de sair gastando então eu me lembro que eu acho que abri uma poupança na gaveta do meu guarda-roupa e um dia o meu pai abriu o guarda-roupa, né? E disse assim: “Mas o seu pai passando talvez uma dificuldade momentânea e você é rico (risos)!”. Ele puxou a gaveta e eu acho que todos os meus salários deviam estar naquela gaveta, porque eu não ia para lugar nenhum, eu não sou uma pessoa de rua, eu não tinha amizade, eu não tinha ninguém e estava lá.
P/1 – O senhor não fez comprou nada, assim, não fez um investimento?
R – Não, nada. Tem uma história, quando você falou que não comprou, eu me lembro, essa tal Ademir, é um xará meu, morava em frente à minha casa, ele disse assim: “Você conhece o que é abrir crédito?” “Eu não!” “Eu vou te mostrar o que é abrir crédito”. Eu falei: “Olha lá, hein?”. Ele falou assim: “A gente vai entrar em uma loja e a gente vai comprar e aí você vai comprar pra mim e você vai comprar para você, depois eu te pago”. Quer dizer, havia aí uma má intenção, mas tudo bem. Eu penso assim, como até hoje eu penso assim, eu olho para cima e digo: “Eu vou dar para ele a roupa. Se ele pagar, ele pagou, se ele não pagar, já está pago, eu já dei”. Aí ele me levou na Avenida Pais de Barros, bem próximo da minha casa, A Avenida Pais de Barros é o eixo central da Vila Prudente, Vila Zelina e que sai aqui na Avenida Radial Leste, que corta ali o Alto da Mooca, Mooca, Vila Prudente, Vila Zelina, é um eixo e eu morava bem do lado do eixo. Nós fomos nessa tal de Pais de Barros e entramos numa loja lá e ele vestiu calça de brins, cinto de couro, chapéu de couro, eu também. Ficamos bonitos para chuchu. Camisa xadrez, né? E era tudo isso para um baile country que tinha naquela época, ia ter um baile country ali e nós nos vestimos para esse baile country, mas eu já estava ciente que a conta era minha. Então foi o único gasto que eu tive com cartão de crédito ou uma saída, mas já foi também uma saída daquelas, né? Aonde mais tarde aquilo que eu já imaginava aconteceu. Ele não veio a saldar nenhuma das suas dívidas, mas eu já tinha dado para ele. Na mente, no momento que eu fui fazer ou era um não ou era um sim. E na minha mente eu disse assim: “Dá pra ele, dá para ele”. E eu dei para ele.
P/1 – Eu ia perguntar sobre isso, o senhor já estava trabalhando, já estava na fase e adolescência, o senhor era jovem, o que o senhor fazia assim de lazer?
R – Nessa época nós saíamos eu, esse Ademir, o irmão dele, o Maurílio, o Paulo da Faculdade São Judas Tadeu, um tal de Turú e acho que mais dois colegas. Nós jogávamos futebol na rua todos os finais de semana. A rua, nós marcávamos a rua e fechávamos ela e nós jogávamos futebol na rua. E nós tínhamos o hábito, era muito bonito de nós entrarmos em dois carros e ir lá para o Parque do Carmo jogar bola. Até me lembro um fator muito engraçado, que um dia a ROTA, executando o seu trabalho, muito bem executado, estão de parabéns, avistou aqueles dois automóveis ali rumo à Itaquera, Itaquera? Acho que é Itaquera, aquele lado lá. Nós estávamos passando em frente ao Parque do Carmo e fomos abordados: “Todo mundo fora e mão na cabeça!”. E eu desci com a bolinha do lado, aquela bola humilde, né? Inocente, aí o seu coronel disse: “Dá por favor para você guardar essa bola?”. Porque eles estavam abordando um grupo de pessoas muito boas, não era ninguém marginalizado, não era nada. “Onde é que vocês vão?” “A gente vai jogar bola no Parque do Carmo.” E a prova do roubo estava ali na bolinha. Era esse o nosso passeio, ir na sauna, também. Tinha uma sauna, tem até hoje, se eu não me engano, perto do Cemitério Quarta Parada, a Rua Álvaro Ramos com a outra acho que paralela, não sei se é a Rua dos trilhos ou a Rua da Mooca, tem ali uma sauna muito boa, conhecida. Então nós íamos para a sauna. Eu lembro que era isso, era uma regra, isso de final de semana. Nós íamos para sauna, tomávamos banho até uma hora, depois de lá nós íamos para casa, não! Eu até corrijo, viu? Nós íamos para o restaurante, nós almoçávamos no restaurante, depois nós entravamos no carro e aí jogávamos bola lá no Parque do Carmo. Essa era a minha infância.
P/1 – Conta um pouco como era essa sauna, eu nunca ouvi falar aqui no Brasil assim, como era essa sauna, era aberto esse espaço, pagava para entrar?
R – Sim, a sauna na verdade, ela é uma coisa muito, hoje quem frequenta sauna como eu frequentava, a gente frequentava dizia para limpar poros, né? Mas na verdade quando a gente entra na sauna, você pega assim uma semana, está muito cansado, trabalhou demais, ela tira um peso, né? Aquele peso que dá no corpo. Então o que tinha nessa sauna? Tinha a sauna seca que era feita com carvão e calor, não tinha uma gota de água sequer, mas a gota de água que nós tomávamos era o proprietário da sauna que de vez em quando ou alguém que frequentava a sauna enchia um balde de água lá e dava um banho de água na gente. “Bof!” Porque o calor era muito, chegava a queimar, então precisava jogar aquelas águas para lavar o corpo e refrigerar, e tinha outro tipo de sauna que era a sauna de vapor aonde ninguém via um palmo na frente, então a gente frequentava essas saunas para ficar lá dentro transpirando. O bom da sauna é que não era só a sauna, mas sim as ervas que colocavam na sauna. Eu me lembro que entravam lá com alecrim, entravam lá com erva doce, entravam lá com folhas de pinho. Cada vez que eu ia tinha um aroma diferente na saída do vapor, então todo aquele vapor saía com sabor. Era isso. Mas o que me levava mesmo para a sauna tinha um motivo especial, até hoje eu sei o que era aquilo, é a piscina. Porque eu acabava de tomar aquela sauna, falava assim: “Agora chegou a hora boa!” Eu ia para a piscina e “dum”! Eu ia nadar. Então a gente que é simples, né? Eu me considerava, até hoje me considero, a gente não tem uma piscina em casa, então aquela piscina era o meu prazer na sauna, era nadar. E era muito bom.
P/1 – Pagava entrada para frequentar o espaço?
R – Sim, sim.
P/1 – Era como um clube?
R – A sauna, na entrada, a gente pega lá uma toalha, um chinelo, é isso, e uma chave com um armário, aí você toma uma ducha, né? Tira sua roupa, pega lá a toalha, que a roupa é só a toalha, se embrulha numa toalha e com a chavinha do seu armário põe toda a sua roupa, fecha, com um cordãozinho põe aqui e você toma uma ducha primeiro e depois você frequenta a sauna. Essa era a sauna que nós fazíamos todo final de semana antes de ir para o Parque do Carmo, antes de almoçar e do Parque do Carmo.
P/1 – Era o lazer.
R – Era o nosso lazer, essa foi a minha infância.
P/1 – O senhor começou a trabalhar muito cedo, né, seu Ademir. Já um trabalho que o tio do senhor levou, você ia também continuar os estudos. O senhor já pensava em uma profissão, no que o senhor gostaria de trabalhar, uma coisa permanente?
R – É, a minha pessoa em si, ela não largou até hoje, né? Eu estou aqui na reciclagem, aqui na, tem tanto nome que eu fico até enrolado, na cepopéia, no espaço, né? Na cooperativa de reciclagem, então às vezes até, eu vou falar, tem vários nomes, passando daquele portão pra cá... O que me trouxe pra cá foi a jardinagem, a jardinagem em si. Porque a jardinagem, ela me traz o futuro e o que eu queria na vida, estar perto do verde, perto do verde. E é o que me fez lá, quando você fez a pergunta, a me atirar nesse mundo, era ir embora pro interior trabalhar com agronomia, com a agropecuária, trabalhar no campo plantando. Depois, se a gente tiver tempo, eu vou passar algumas passagens na minha vida em relação ao campo que eu vivi, muito bom. Quando eu fiquei sabendo que aqui haveria um curso para jardinagem, eu me propus a vir pra cá e fiz o curso.
P/1 – Aqui nesse espaço?
R – Aqui no espaço, eu fiz o curso.
P/1 – Como chama esse espaço?
R – A gente chama de, ô Meu Deus, agora eu...
P/1 – Pode falar do jeito que vocês se referem a aqui, não precisa ser o nome exato da instituição.
R – Como é que eu posso dizer, hein?
P/1 – É uma escola, seu Ademir?
R – É uma escola.
P/1 – Que tem curso técnico.
R – Isso. Esse espaço aqui, na verdade, ele permite na formação profissional, né? Não ajuda as pessoas que estão tentando chegar para uma área profissional. Eu sempre tive vontade de fazer a jardinagem, não bem a jardinagem, mas estar perto do verde, tá? E perguntei aqui dentro: “Vocês mandam daqui para trabalhar no Horto Florestal?” “Não, seu Ademir, é jardinagem!” “Vocês mandam lá para o zoológico, sei lá eu, para trabalhar na área verde do zoológico?” “Não, seu Ademir, isso aqui é jardinagem!”. E começou a me deslocar daquilo que eu queria. “Olha, não é isso que eu quero”. E aí começou a aparecer o curso da Cooperativa Vitória do Belém, é onde eu começo a entrar, né?
P/1 – Mais isso foi quando seu Ademir?
R – Ah sim, há um ano atrás quando eles estavam fazendo o curso para a cooperativa.
P/1 – Mas o que eu queria saber era quando o senhor estava lá naquela empresa, lá nos idos da sua juventude.
R – Tá bom, eu estou adiantando.
P/1 – O senhor começou a sua vida profissional, o senhor falou que já tinha muita vontade de trabalhar com o verde, mas nessa época o senhor pensava em algum trabalho?
R – Então, o meu trabalho era se direcionar para isso, ir embora para o interior e arrumar uma forma de chegar a estar trabalhando junto ao campo. Porque quando eu pego a Rodovia Castelo Branco, a Rodovia Raposa Tavares, a Rodovia Anhanguera, por que, você está falando, seu Ademir, de toda essa história? Porque toda vez que algum colega meu falava que ia para algum lugar, prontamente eu dizia: “Vai pegar a estrada?” “Você vai ser caminhoneiro, Ademir?” “Não”, era o campo, o cheiro, o aroma, a paixão do meu coração pelo verde. Aquilo é tudo para mim de extraordinário. Tem a ver com o quê? Não sei, talvez lá no passado, quando eu ficava esse tempo no sítio, na fazenda com os meus parentes, aquilo entrou em mim, aquele prazer de ver aquela vida maravilhosa mesmo, né? A vida de ordenhar vaca, vida de recolher o gado de manhã, a vida de tomar o leite numa mangueira, a vida de ver o pessoal recolher os frutos no pomar. Então isso entrou no meu ser: “Poxa, eu quero ir”. Mas nunca consegui. Houve aí uma barreira tão grande, tão grande! Até hoje eu não consegui. Então essa era a minha vontade, né? Esse era o meu campo de trabalho, era aí que eu queria estar, tá? Então a pergunta é essa: “Qual é a sua meta de trabalho?”, minha meta de trabalho era estar junto realmente à agropecuária, junto com o verde. Eu não sei, trabalhando com o verde, né? Mas não deu, né? Até hoje eu não consegui isso.
P/1 – O senhor ficou quatro anos nessa empresa, o senhor disse que começou esse tipo de abordagem no trabalho que o senhor não conseguia lidar, não se dava bem com esse tipo de trabalho. E o senhor foi trabalhar onde depois?
R – Sim, o meu tio Valdemar havia me proporcionado, como eu já disse, uma escola paga. Nessa escola paga a gente conhece amigos. Num determinado momento, um dos meus amigos disse: “Seu Ademir, tudo bem?” “Tudo bem” “Vamos até aquele bar tomar um guaraná?” “Vamos tomar um Guaraná”. E nós fomos na galeria na Rua José Gino, incrível que pareça, num apartamento onde residia, eles devem estar mortos, Tonico e Tinoco, a propriedade, ou o apartamento todo é deles, não sei, só sei que tem a ver com eles lá. Embaixo tem uma galeria, então nós ficamos ali conversando e batendo papo e chegou o gerente de uma multinacional, seu Eugênio, moradia dele Guarujá e ele ficava em São Paulo, para ganhar o pão de cada dia. Ele morava dentro da empresa, mas ele morava no Guarujá, mas ele morava dentro da empresa e ele perguntou para mim: “Quem é você, jovem?” “Estudo com o Gelcino, é um colega de escola e nós estamos aqui tomando um guaraná”. Ele falou assim: “Você faz o que na vida?” Falei: “Trabalho na Auto Comércio e Indústria Sil, eu sou auxiliar de almoxarifado lá”. Ele disse assim: “Quer trabalhar com a gente? Tem vaga para auxiliar de almoxarifado aqui na empresa onde o Gelcino trabalha. Vem fazer uma entrevista comigo”. E essa entrevista, ela me proporcionou eu sair da empresa e eu entrar nessa empresa, mas não entrei como auxiliar de almoxarifado, não, porque essa vaga não existia. Eu entrei como, vamos ver na época, montador em enquadramento, quer dizer, estava sendo enquadrado, ou estava sendo colocado na equipe. É isso, então eu entrei lá lavando peça no fundo da fábrica, lá num cantinho lá, só lavando peça. Eu passei um bocado de tempo lá lavando peça lá, mas eu fiquei nessa firma 15 anos.
P/1 – Bastante tempo.
R – Muito tempo.
P/1 – Lá dentro o senhor trabalhou com mais o quê?
R – Lá dentro eu me formei, eu creio que eu me formei um homem lá dentro, para começar. Lá dentro eu tive curso de bombeiro, eu tive curso de cipeiro, eu tive curso de hidráulica, eu tive curso de eletricidade. Eu tive muitos cursos assim, tipo que me davam bagagem para o que eu estava fazendo e eu saí de lá como montador, preparador e testador de produtos hidráulicos e aonde na verdade, montador, preparador e testador de produtos hidráulicos não era bem isso que eu fazia, não, já era praticamente um sub líder, ou pegado com o líder, quem passava o serviço para toda a equipe era eu como preparador de máquinas. Então eu preparava as máquinas, auxiliava no conhecimento da hidráulica e punha eles para trabalhar e depois eu dava apoio na parte burocrática, né? Contador, papelada e até mesmo ajudando aquilo do dia a dia, que é a montagem, preparação até, ou alguma coisa que eles não sabiam, eu ia lá e fazia por eles.
P/1 – E o senhor gostava desse trabalho?
R – Ah! Eu gostava.
P/1 – Da empresa?
R – Eu gostava demais, mas 15 anos, você vê, né? Mas o que me segurou lá mesmo, na verdade, eu creio assim, quando eu falei que eu me sinto uma pessoa cristal, eu tinha as pessoas que pegavam no meu pé, mas ao mesmo tempo eles iam lá e me ajudavam: “Qual é a sua dificuldade?” “Não consigo tal coisa”. A pessoa falava assim: “Deixa quieto aí, deixa quieto. Vai fazer outra coisa”. E no outro dia punha para fazer de novo. Eu ia lá, ia lá, andava talvez um milímetro a mais: “Puxa, deixa quieto, vai fazer outra coisa”. E assim, aquilo que era mais difícil de se fazer dentro daquela fábrica, que eu comentei ontem com os colegas de trabalho, o mais difícil mesmo, porque tem alguma coisa numa fábrica que é o mais difícil, nada é difícil, mas tem um mais que traz problema. Talvez um equipamento que eu possa dar o nome se alguém passar por um dia por essa matéria e ouvir falar de uma válvula chamada FGC, é uma válvula que chama reguladora de vazão, que ela é uma torneira, só que ela é uma torneira numerada, onde cada número ela vai dando um número, um volume maior de óleo, um litro, dois litros, três litros. Ela trava, ela tem by pass para não deixar, para dar retorno, né? Ela é complicada por que? Porque é uma válvula que tem ajuste, é uma válvula que existe em muito, muito produto, onde vão peso, molas muito fortes que tem que serem feitas em prensas onde anéis muito fortes também têm que serem prensados para poder fazer essa mola forte, colocar esse carretel lá dentro. Para esse carretel entrar lá dentro tem que ajustar na medida, senão dá vazamento maior e não pode passar nem a menos, nem a mais. Quer dizer, em si vão muitos itens lá dentro e até a chave que fecha aquilo depois que você regulou, você fecha, ela também é ajustada se torna um chaveiro para poder por aquilo para funcionar. Então quando você recebe esse material, você recebe uma caixa de material onde toda aquela peça tem que virar uma válvula. E são muitos produtos! Eu recebi parabéns um dia que uma pessoa chegou pra mim e disse: “Eu preciso disso urgente e eu quero que você faça”. Eu falei: “Tá bom! Eu vou fazer”. E peguei tudo no cru, não é verdade? Não tinha nada, nem ajustagem, mas tudo mesmo, tudo, tudo e fui lá, fui no almoxarifado peguei bastão de ajuste e fui “thium”, daqui a pouco eu estava lá com a válvula no teste, ligando, testando, fazendo. Aí eu falei: “Tá pronto!”. A pessoa falou: “Vem cá, parabéns, você é o único de entregar essa peça pronta. Porque eu procurei em toda a sua equipe, esse pessoal e ninguém consegue fazer”. Eu acho que valeu a pena aquele bocado de tempo dizendo “espera, depois você pega, espera depois você pega” e eu cheguei lá. Foi muito bom.
P/1 – Como era a paquera, o senhor já me disse que o senhor é casado, como foi isso, essa história da sua esposa?
R – É, o meu lado de namoro é uma coisa até interessante. Eu sempre, até mesmo com o meu trabalho também, vocês depois vão perceber isso que vai levar para esse lado. Eu sempre fui uma pessoa voltado para lado da humildade. Humildade, ela tem várias pontas: “Olha, eu só namoro se ela tiver bens, eu namoro só se ela for bonitona, eu namoro só se ele for muito inteligente”. Eu sou totalmente o oposto de tudo isso. Se eu encontrasse uma moça que ela morasse tipo, realmente lá, eu vou ter que falar favela, porque é isso mesmo, mas tem outros nomes que a gente pode dar, né? Vamos falar favela porque realmente é isso mesmo. Se eu encontrasse uma moça que morasse lá na favela e ela fosse de coração puro, não importa se ela fosse bonita, se ela fosse pobre, não importa. Importa que eu ia olhar para ela e dizer assim: “Quer casar comigo?”, seria dessa forma. Então todas as moças que tiveram tudo para apresentar para mim de riqueza, beleza, e teve, viu? Teve fazendeira muito rica, única filha, filha de fazendeiro que se aproximou de mim. Teve oriental, pessoas também proprietárias, filhas de industriais, muito bonitas, cheias de dinheiro e outras moças também com virtudes, inteligências, intelectuais ou coisa assim, mas sempre iam dizendo: “Você quer namorar comigo?”. Era eu que falava pra elas: “Não, não quero, agora não”. E o dia que apareceu a Marinalva, minha esposa, ela veio do Norte, não tinha nada, muito simples, não sabia nem falar. É simples até hoje. Eu falei: “Essa é a minha esposa!”. Não namorei muito não, viu? Nós namoramos um mês e casamos.
P/1 – E o senhor conheceu ela onde?
R – Ela é sobrinha de uma das proprietárias da casa da minha avó. Ela desceu para ir pra casa da tia e olhou pra mim, eu olhei para ela. O interessado na época era o meu irmão, e o meu irmão andou namorando com ela um dia. Aí eu olhei bem para o meu irmão e falei: “Você tem interesse em namorar com essa moça?”. Eu conhecia o meu irmão! Aí o meu irmão falou: “É?”. Eu falei: “Essa menina, ela vai ser a minha esposa. Entendeu?” (risos). E foi assim mesmo. Um mês e eu estava casado.
P/1 – Ele desistiu da paquera?
R – É, aí eu entrei na causa, foi muito bom. Nós casamos e estamos aí até hoje. Acho que a luta é grande até hoje, viu? As coisas, se der tempo a gente vai dizer quais foram as lutas.
P/1 – O senhor teve filhos?
R – Tenho duas meninas maravilhosas, perdemos um menino. Um menino nós perdemos. Nós perdemos por causa da ingenuidade dela, foi pegar peso e me parece que o peso trouxe para ela um aborto, não um aborto provocado, um aborto por acidente. Ela foi parar no Hospital João XXIII, é, João XXIII, ao lado da Avenida Pais de Barros, ali bem na esquina. Estava aguardando, talvez a recuperação desse feto, mas nesse meio tempo eu estava correndo, pedindo para o Hospital Medial Saúde, foi transferida ao chegar lá eles fizeram uma raspagem e tiraram o feto que já estava passando da hora de tirar, né? Então foi tirado o feto, mas tive duas meninas, a Samanta e a Cíntia.
P/1 – Quantos anos elas têm, seu Ademir?
R – Hoje aproximadamente está com 28 anos a Samanta e a Cíntia vem logo atrás, está com 27.
P/1 – Conta um pouco quando o senhor casou, o senhor morava com a avó do senhor?
R – Isso.
P/1 – Daí como foi, ela era vizinha, morava numa das propriedades com a tia da vó do senhor e aí vocês foram morar onde?
R – Tá. Eu namorava com uma moça ali da região, mas não era a moça, era uma paquerinha, né? E eu conheci a Marinalva da forma que eu já contei, essa moça que eu paquerava, eu disse pra ela: “Eu vou casar com a dona Marinalva, eu paquero você, sei que você é uma pessoa muito linda”, e era mesmo, essa jovem era muito bonita, “Mas eu não sei, meu coração está pra dona Marinalva e nós vamos casar”. Então essa moça recebeu essa palavra. Aí o que aconteceu? A minha vó disse: “Se você casar, eu dou a minha casa para você morar. Se você casar”. E eu apresentei a Marinalva para ela e por isso que ela disse: “Eu quero que você case com essa moça”. Então a vó proporcionou o casamento, a vó proporcionou os móveis, todos eles, menos a cama. Menos a cama, mas todos os móveis da casa foram proporcionados pela vó, cozinha, a sala, televisão. Eu não comprei nada. Simplesmente eu entrei com a roupa do corpo e a minha esposa também, o resto tudo da vó e a nossa cama que nós compramos para o nosso casamento, o resto era tudo da vó, mas com uma ordem, a minha vó falava assim pra mim: “Olha, eu proporcionei o casamento de você, mas daqui a um ano eu quero a sua casa montada”. E foi o que aconteceu. Um ano depois eu já estava dentro da minha casa montadinha.
P/1 – Outra casa?
R – Uma outra casa.
P/1 – Aí o senhor ficou no mesmo bairro?
R – Não, eu mudei para o Vila Ema, daí foi onde eu saí... Não, no Vila Ema eu estava na juventude, eu fui morar com a vó, conheci a Marinalva lá e quando eu casei com a Marinalva, durante um ano com a Marinalva, eu construí outra casa, durante um ano eu deixei a casa prontinha para eu mudar.
P/1 – Na Vila Ema é onde o senhor mora até hoje?
R – Onde eu estou até hoje.
P/1 – Eu vou caminhar um pouquinho para o nosso bloco temático que é um bloco que a gente vai perguntar mais do trabalho que o senhor está hoje, a ligação que tem com a Nestlé, com conceito de Valor Compartilhado que é um trabalho social que a Nestlé faz. Então assim, Eu queria primeiro que o senhor me dissesse mais ou menos como é que acontece o trabalho do senhor dentro da cooperativa, da onde vem esses materiais que vocês reciclam? Pra onde ele vai? O que acontece com ele? E onde o senhor entra nessa cadeia mesmo, qual é a função do senhor?
R – Tá certo. Como presidente de cooperativa, eu posso dizer que a função do presidente tem uma colocação, presidir, mas quando se fala cooperativa, na verdade ela é dividida, cada parte de tudo que acontece é dividido, então o cooperado ele é o presidente, ao mesmo tempo ele é o prensista, Ao mesmo tempo ele está na esteira. Ele só se distingui numa coisa, como presidente: ele vai lidar com o comprador, então os compradores, eles passam por mim para ver se eu estou ou não interessado a vender por eles. Por onde chega, né? Vamos imaginar que hoje não tem nada, a gente precisa aí do produto para começar a trabalhar. A Nestlé, aí entra a Nestlé, quando eu digo não tem nada, eu digo para os produtos que foram doados pela Nestlé tivessem material para trabalhar. Uma vez que a Nestlé venha a nos fornecer as prensas que estão aí, todo o material para cozinha, tudo que tem aí, nós teríamos que colocar isso, dar uma alavanca, fazer isso funcionar, tá? Então por intermédio da Reciclázaro, que já tem um grande conhecimento com as outras cooperativas, foi nos apresentando pessoas que não viesse a nos dar trabalho, pessoas que já são conhecidas no ramo e que poderiam agregar valor a nós aqui. Então foram nos apresentados, é onde entra o presidente. “Opa! Tudo bem? Quem é o senhor?” “Eu sou Marcos e o senhor Macedo. Somos da Aparas Macedo, então gostaríamos de comprar o seu papelão, né?” E aí entra o seu Ademir: “Quanto você paga o quilo?” “Tanto, tanto...”. E dando-lhe os valores, eu fico ali de intermediário dizendo que a caçamba, uma vez fornecida as caçambas pela Aparas, a minha função é ficar de intermediário dizendo: “A caçamba encheu”, “de lá da Aparas, o preço aumentou”, “O preço por quilo diminuiu”. Eu estar passando para eles: “Olha, diminuiu, aumentou”, “Olha, a Aparas Macedo, a caçamba tá cheia, vocês vêm retirar”. Aí eles vêm retirar e assim também não é diferente com a caçamba da Gerdau, com o pessoal que não fornece as caçambas, mas eles levam os enfardados que são os... Eu não chamo de empresa porque eles são intermediários aí, o Ricardo, o Roberto, tem mais, a Vidraçaria Anhanguera, que é o senhor Nicolas.
P/1 – Eles compram o material que vocês.
R – Isso. Nós produzimos e eles compram e depois eles colocam na conta corrente o valor por quilo.
P/1 – Da onde vem o material bruto, o lixo que vocês vão tratar, separar para virar esse material que vai ser vendido?
R – Ok. Eles são doados, de que forma são doados? Esses produtos no começo eles estavam vindo das cooperativas, das nossas companheiras, né? Veio do Tietê, ela vem de Santana, ela vem de várias cooperativas. Foram chegando aí e dessa forma doados pelos nossos parceiros que são as cooperativas que sabem que nós precisamos. Como é que o material chega na cooperativa deles? São as coletas seletivas que são os caminhões que estão na rua, que também são das cooperativas. Cada cooperativa tem os seus caminhões, vão lá nos lugares das coletas seletivas, passam nos apartamentos, nos condomínios e vêm recolhendo e leva para a cooperativa, lá no caso deles. E eles como estão cooperando com a gente, deles vêm pra nós.
P/1 – E aí o valor que vocês conseguem receber por esse material é rachado com essas outras cooperativas?
R – Com certeza, é dessa forma sim. Aí esse material chega aqui e nós vamos triar ele. Triando, nós dividimos o vidro, como diz o padre, vira vidro, papel vira papel, o ferro vira ferro, e o ser humano vira ser humano, a valorização do ser humano. Mas é dessa forma, hoje já está quase, eu creio que daqui um mês, nós estamos aí assinando alguns documentos que esse processo vai mudar um pouco, ele vai começar a vir direto para nós. Hoje nós estamos recebendo essa doação dos nossos colegas. Está faltando pouco!
P/1 – Vocês vão ter seus próprios caminhões?
R – Caminhões. Vai ser assinado, vai chegar aqui dessa forma como chega para eles, vai ser para nós.
P/1 – Com chama a cooperativa de vocês?
R – O nome todo dela eu não guardo, não, mas nós chamamos Cooperativa Vitória do Belém.
P/1 – Ela existe há quanto tempo?
R – Ela está aqui com o prédio... Nós tivemos um tempo aqui estava dando um cursinho de como lidar com uma cooperativa, eu entrei um pouco depois, né? Em torno aí, nós estamos com seis meses, um ano.
P/1 – Vocês têm seis meses de atividade?
R – É, aqui é, de atividade. Nós estamos com seis meses, sete, vamos colocar oito meses de atividade.
P/1 – E antes disso vocês passaram por uma formação?
R – Isso, passamos por uma formação, formação de grupo, formação, assim, tipo na parte psicológica, como o grupo se entender, como a necessidade de nós interagirmos, tudo pensar igual. Ninguém sair do pensamento, não ser igual na ajuda, né? Alguém vai fazer alguma coisa, há uma dificuldade, os que estão em volta sabem que há uma dificuldade e não deixar aquilo parado, todo mundo correr para essa dificuldade, porque o trabalho de cooperativa é um todo, não pertence a um só, então foi para isso que nós fomos preparados.
P/1 –Quem dava essas formações?
R – Assim, foi a Sempre. A Sempre esteve presente.
P/1 – Como aconteceu primeiro, foi a Sempre que localizou vocês ou foram vocês que localizaram a sempre para que começasse esse trabalho dessa cooperativa?
R – Ah, sim. Então a Sempre ela chamou, pelo grupo que eu estou respondendo, que por mim em particular fui eu que cheguei até aqui, né? Mas o grupo foi convidado pela Sempre e eles vieram até aqui. Porque quando eu digo grupo, que esse grupo que está aqui ele já é um grupo que está se deslocando junto, né? Ele já vem da situação que era, lá atrás eles já vinham juntos, então a Sempre convidou eles. E eles vieram todos juntos, convidados ela Sempre.
P/1 – E o senhor sabe como se deu a colocação aqui nesse ambiente, a formação do maquinário, de onde que veio tudo isso?
R – Isso, cada produto desse foi doado. Temos produtos que foram doados pela Nestlé, outros produtos foram doados pela Gerdau que é a ferragem e assim cada um fez a sua parte, foram se montando os pedacinhos, né? Nós temos fotos aí, (que eu não cheguei a ver) que quando esse grupo de cooperados que estão aí, a Sempre convidou para trabalhar, esse terreno que está hoje a cooperativa era realmente uma área de mato ainda, estava realmente no mato, no barranco. Esse pessoal, pelo o que eles me comentam, eu tenho entendido o que eles falam, é que eles, quando eles foram convidados, eles não acreditavam no projeto. Por que? Porque são pessoas que estavam lá nos albergues e como é que eles poderiam acreditar que alguém ia dar uma máquina de valor para eles? Não acreditaram. Por que? Porque é assim, quem é que dá uma coisa para alguém? Então eu, não sabendo porque eu não acompanhei o início deles, dessa corrida, eu vim depois, mas eu era um homem assim de pensamento positivo. Não, eu estou sabendo que a semana que vem vai chegar uma prensa. “Mas como?” “Vai chegar!” “Mas” “Vai chegar, aguarde.” E chegava, você vê, olha que eu não tinha nenhum envolvimento com a Nestlé e nenhum envolvimento com Sempre e talvez nenhum envolvimento com a Reciclázaro. Mas nós estamos aqui, mas eu não sou de ficar que nem eu estou nesse momento agora, dar entrevista, ficar horas e horas conversando quem é você? Não, eu sou assim muito particular, eu sou uma pessoa que estou muito no meu mundo, quietinho no meu canto, né? Então eles talvez sejam iguais, mas toda vez eles vinham perguntar para mim e eu falava assim: “Não, vai chegar uma esteira aí que vai pegar esse pedaço e vai até lá”. Por que eu falava? Porque a coordenadora, que é a Dona Camile, ela falava que ia chegar uma esteira. Eu pegava aquela palavra dela e colocava num comunicado: “Vai chegar uma esteira”. E aí eles: “Puxa, quando é que isso vai andar, agora só tá no cimento, não tem nada” “Pode esperar, a semana que vem nós temos uma esteira”. E quando eles viam a esteira montada, falavam assim pra mim: “Poxa, eu estou aprendendo muito com seu Ademir, estou aprendendo muito com ele”.
P/1 – E por que o senhor acha que aconteceu isso? Por que que chegou esteira, por que chegou maquinário? Da onde vem isso e por que esse grupo, o qual você está incluso, conseguiu tudo isso?
R – É, é meu pensamento em si, não vamos dizer a parte técnica, porque assim, eu não tenho sentado muito para conversar sobre a parte técnica. Vou dizer o que eu acho, eu acho assim: nós vivemos hoje numa situação que os nossos lixões, os aterros eles estão superlotados e os grupos que tomam conta disso, realmente os responsáveis, eles têm uma visão, eles têm uma base que se alguma coisa não for feita isso vai generalizar um grande impacto lá na frente. Então alguém teria que se mexer para isso não tomasse uma direção, então eu penso que os organizadores, a parte técnica de tudo isso deve ter sentado e dito: “Tá na hora de nós nos mexermos”. E teriam que colocar pessoas para manejarem esse trabalho. E quem mais poderia manejar esse trabalho, senão as próprias pessoas que já estão nesse trabalho dando a entender que eles são a parte técnica do assunto? “Ademir, alguma vez você empurrou um carrinho na rua?” Olha, eu vou lhe dizer, eu não empurrei, não, mas eu nunca desvalorizei um catador de rua. Até a garrafa de água dele eu pedi e disse: “Tô com sede, moço.” Eu tomei água da garrafa de um catador. É difícil isso, mas eu já fiz. Você sabe o que é um catador? Com certeza eu sei o que é um catador, mas a visão que eu tinha por um catador era bem diferente da visão que eu tenho hoje. Então eu imagino assim: Por que não colocar o próprio catador, que é o técnico, pra fazer aquele trabalho que hoje tem que ser feito. É tirar o material que é o resíduo, né? Esse resíduo seco e para não ir para os aterros e também para os grandes lixões e voltar para esse ciclo, voltar para reciclagem, as firmas que fazem virar o material de rejeito nosso, fazer voltar a ser o que era, copo virar copo. Então eu imagino assim, que tudo começou assim pensando eles lá o que fazer?
P/1 – Quem são eles? O senhor imagina quem são essas pessoas que se preocuparam com isso?
R – Eu creio que são os nossos governantes, a nossa diretriz presidencial, os nossos ministros. Por si também mais abaixo, as pessoas da área social da nossa vida, os organizadores de bairro. Tem toda uma equipe que poderia ter chegado a isso. Uma parte dessa entrevista, eu não sei se poderia entrar agora, ia dizer assim: eu, em particular, o Ademir, eu queria fazer um trabalho social em toda a minha vida, mas não é o que a gente quer, é o que a gente pode, né? Tanto que hoje o Ademir que viveu numa área da Avenida Pais de Barros, numa área da alta burguesia está trabalhando com pessoal de reciclagem, pessoal que saiu talvez das favelas, dos albergues. O que está fazendo aí? Porque eu sempre eu estive voltado para esse pessoal, de uma forma ou outra, eu queria ajudá-los. É essa uma parte da minha vida, eu queria ajudá-los. Foi o que me tirou da jardinagem e me converteu a uma forma diferente: “Ademir?” “Eu?” “Você não pode pôr o maquinário para eles, mas o maquinário veio até a tua mão, agora ajude eles.” “De que forma?” “Naquilo que você pode, ensinando eles que mesmo estando numa posição já muito bem lá em cima” – porque o meu salário, não sei se pode expor isso aqui?
P/1 – Pode, mas só se o senhor achar necessário.
R – Tá bom então. Lá atrás, talvez eu tive uma média de salário, na empresa que eu trabalhei, oito salários mínimos, sete salários mínimos, então isso te dá um padrão de vida social muito bom, né? Lá atrás, e hoje a alma, né? A gente vê que é uma queda, mas eu não trouxe só o meu padrão, eu trouxe o meu conhecimento, eu trouxe tudo que eu tinha de bom que agrega a sua ação hoje. “Pessoal, nós temos tudo para chegar lá, porque o maquinário está aí, o material está chegando, só que temos que saber a pegar isso e crescer degrau por degrauzinho, aprendendo a ter passo por passo. Para poder lá na frente saber aquilo que não foi dado de uma forma bem certa, não colocar no lugar errado.”
P/1 – Seu Ademir, o senhor sabe qual a relação entre a Nestlé e a Cooperativa Vitória do Belém?
R – Ah, sim. Eu sei que a Nestlé, ela entrou nos dando o material, né? Ela nos agregou as três prensas, as duas prensas verticais, as prensas horizontais, ela nos doou o freezer, ela nos doou a geladeira industrial e alguns outros pertences que estão aí, vindo pela Nestlé, né? E isso, sem eles, nada nós poderíamos fazer. Eu agradeço à Nestlé, a cooperativa agradece à Nestlé. Eu sei que tudo isso sem a Nestlé, sem esses equipamentos nada aconteceria. Obrigado Nestlé por tudo que foi feito, agradecemos do fundo do coração, porque sem isso nada nós conseguiríamos fazer. Da forma que estava, ficaria. Porque para nós agregarmos hoje um equipamento para nós podermos trabalhar custaria um valor que nós não conseguiríamos pagar. Então a Nestlé entra ajudando nessa área.
P/1 – Eu ia perguntar exatamente isso. O que mudou com esses equipamentos?
R – Ah sim.
P/1 – O senhor pode dar um exemplo de um maquinário e o que ele mudou? Como era antes quando não tinha o maquinário e o que aconteceu depois que esse maquinário chegou?
R – Então, sem os maquinários a gente vai dizer que nós vendemos solto, por caçamba, e com os maquinários que estão aí, estou falando na parte (pausa)... Como é que vai dizer? Na parte da cooperativa e não na parte alimentar da cozinha, né? Então sem esse equipamento, nós não conseguiríamos agregar valores, porque uma prensa ela agrega valor, são feitos fardos. A partir do momento que esses fardos são feitos, o preço aumenta, dando condições para os nossos salários aumentarem também. Então essa foi a parte melhor que a Nestlé trouxe para nós, fazer com que o nosso salário fosse aumentado por causa das ferramentas que são as prensas. Fardado, nós temos condições de ganhar a mais. Não é só também o fator salário, mas sim como você fazer o alojamento. Como a gente pode dizer? A logística, né? Como a gente pode fazer essa logística; o material fardado você coloca ele muito bem colocado, o material solto ele fica meio espalhado e nós conseguindo alojar, vai dar para produzir muito mais e num menor espaço, também nos ajudou muito.
P/1 – Teve diferença na segurança dos catadores, do pessoal que está ali manuseando aquela triagem, fazendo esse processo de logística? Esse maquinário trouxe segurança para vocês?
R – Ah sim. Esse maquinário que entrou na cooperativa ele foi feito para não funcionar, em hipótese nenhuma, se o ser humano projetar um erro na sua mente, a máquina para. Ela não trabalha, então com certeza ela vem trazendo segurança sim, com certeza.
P/1 – O senhor falou também da parte da cozinha, os equipamentos da cozinha. O que foi feito nesse sentido, o que a Nestlé fez para vocês?
R – Tá. Quando nós estávamos montando a cooperativa, havia assim também o que será na parte alimentar, né? Como é que vai ser feito isso? Então a Nestlé colocou para nós as condições de nós termos uma excelente cozinha. Está em fase de acabamento, tem que haver alguns reajustes aí, mas o freezer nos trouxe já, mesmo não funcionando, têm usado, né? Toda lá, funcionando, né? Como é que a gente pode dizer? Não temos usado ainda a cozinha, porque não está lá cozinhando ainda, mas nós temos usado o freezer nós temos usado a geladeira e tem proporcionado para nós também a parte alimentar, você saber que pode tomar água gelada, uma água ali pura, conservada. O leite, o frango, outras coisas que são colocadas. Já está usando para conservar. Isso tem proporcionado para nós uma melhoria.
P/1 – Essa alimentação são vocês quem trazem?
R – Também ela vem doada. Ela vem doada, é.
P/1 – Quem faz a doação, seu Ademir?
R – Os doadores, quem tem essa planilha, está na mão da coordenadora da reciclagem, então a gente não tem essa planilha. Mas vou lhe dizer, é muito bem colocado, viu?
P/1 – Vem da Sempre? Os alimentos vêm da Sempre?
R – Não posso, essa pergunta não está dentro do meu conhecimento. Não perguntei porque a logística da cozinha, ela está entre a coordenadora da Reciclázaro e as cozinheiras da Reciclázaro, então essa logística é entre eles lá, tá? Eu não conheço.
P/1 – Seu Ademir, qual a importância que o senhor acha desse trabalho da cooperativa como um todo, para a sociedade, para o mundo que a gente vive? Como o senhor consegue traduzir pra gente a importância do trabalho de vocês como grupo?
R – Então tá. Eu penso, assim, que esse trabalho ele não é para hoje, na verdade, ele já está sendo feito mesmo para o futuro. É para os filhos dos filhos, é lá para aquela geração e não pode parar, não, pode ser só essa, tem que ser outras e outras e outras e outras. Porque às vezes me dá até dó de ver os nossos rios cheios de garrafa, cheios de pneus, cheios de ferro jogado lá dentro. Você imagina se isso continua dessa forma? Que loucura! Então se já estão pensando que está na hora de haver uma mudança, essa hora seria já, né? Eu tenho como conhecimento que a nossa cooperativa, ela está sendo uma cooperativa exemplo para as outras. Tudo que acontecer aqui sempre será exemplo. Então eu imagino que nós estamos proporcionando, a nossa Cooperativa Vitória do Belém já é essa limpeza para o futuro próximo, eu creio que traz para todo mundo, né? Não só a Cooperativa Vitória do Belém, mas para todos que estão envolvidos nesse programa, uma grande vitória.
P/1 – O senhor sabe por que a Cooperativa Vitória do Belém está sendo exemplo?
R – Ah sim, em tudo. Está sendo exemplo por causa da forma que o prédio foi feito, a alvenaria foi feita, aonde foi feito, a forma que foi feito, né? Porque tudo foi feito pensando no bem estar, não é verdade? Hoje nós temos a área que coleta água, já foi feito no bem estar, nós temos a área de retorno que é onde as composteiras lá, né? Que da cooperativa dos esgotos, já volta filtrada da SABESP. Nós temos o tijolinho que dá uma ventilação melhor também, ameniza o calor da cooperativa. Também já foi feito no bem estar de nós. O que mais? Muitas coisas, o bambu que foi colocado aí, esse bambu vai trazer refrigeração e ao mesmo tempo vai cortar o calor e vai cortar o vento. Tudo que tem, as telhas dadas pela Tetrapak, que é são as caixas de leite Paulista e a Nestlé também né? As telhas nos proporcionam essa temperatura gostosa, tudo. Então tudo foi pensado no bem estar. Então que ela seja de exemplo para todas que vierem, que ela seja uma cópia, né? Porque tudo ali é feito, feito como exemplo, o escritório lá em cima, que maravilha! Tem uma visão da portaria de entrada da portaria de saída, de todo o maquinário, todo o espaço, tanto do espaço que está sendo feita a reciclagem, a triagem, como também o espaço em geral, muito bom. Que as outras tomarem esse caminho como exemplo, os que fizeram o projeto estão de parabéns.
P/1 – Já teve alguma história assim marcante com esse tempo que o senhor começou a trabalhar aí dentro da cooperativa, alguma coisa que foi representativa para o senhor e para os outros cooperados?
R – Olha, em relação ao cooperados realmente eu poderia repetir o que já foi dito, né? A não credibilidade por causa do dia a dia deles, do sofrimento deles, da vida que eles levavam e de repente aquilo que foi acontecendo tomar um corpo, uma massa e existir, então essa que é a parte para eles. A minha parte é aquilo que eu imaginava, dois lados opostos, né? No passado eu via catadores de uma visão e hoje eu vejo os catadores por uma outra visão. A visão que eu via os catadores antes eram pessoas que não tinham, eu vou ser bem claro e franco porque é a minha visão, né? Eram pessoas que de repente não queriam estar presos a nada, não queriam um compromisso com nada, mas não foi isso que os catadores aí passaram. É nada, são pessoas lutadoras, pessoas que estão correndo atrás do seu salário, são pessoas que tomam chuva, são pessoas que tomam sol, são pessoas que às vezes dormem no seu carrinho para não serem roubadas. É isso que eles me ensinaram é bem diferente do que eu imaginava. São pessoas que merecem isso que foi feito para eles e que será feito para outros também, não é verdade? Agora um outro lado, esse outro lado que eu achava e que hoje eu não acho mais, era que os catadores, eles não tinham uma margem de interesses financeiros e eram pessoas assim tipo que levavam a vida meio no simples, mas não é, não. São pessoas que tem uma visão sim. Uma visão de mudança de vida, uma visão de mudança para o bolso, uma visão de mudança para o bolso de suas famílias, para o seu ser no dia a dia. Então eu mesmo tomei uma direção diferente de pensamento em relação a eles, né? A minha relação não, pode ser igualada a eles, porque eu vim assim de um lar diferente de vida, que daqui a pouco se tiver um tempinho eu falo, né?
P/1 -
A gente vai se encaminhando aqui para as perguntas conclusivas.
R – Tá bom.
P/1 – Sei Ademir, na sua trajetória de vida qual foi a situação mais difícil que o senhor já teve, que o senhor conseguiu superar?
R – Aí meu Deus! Olha, a trajetória da minha vida na verdade ela não falha em trabalho, não. Vai ser assim um pouco do lado emocional da minha vida, né? O meu pai teve, e eu sei as histórias, que ele esteve muito longe e trouxe uma carga para ele muito grande e essa carga não morreu nele, ele conseguiu passar para mim. Então a maior vitória da minha vida é ter em determinado tempo na minha vida ter podido me libertar disso. Essa é a pior parte da minha vida, ter que suportar uma carga que não era minha, que foi passada para mim, mas isso ficou para trás.
P/1 – Me explica mais um pouquinho o que significava essa carga para o senhor. O que era essa carga?
R – Essa carga é assim, o meu pai era uma pessoa que não media consequências, não tinha fator emocional, assim: “Tadinho, ele é jovem, ele não pode”, ele corrigia com energia, né? Ele corrigia, então muito das ações dele sempre foi corrigir e não amenizar as correções, perguntar o porquê. Então sempre chegou até mim, já chegou dando porrada, batendo, trazendo muitas feridas, muitas marcas, muitas cicatrizes dolorosas, mas isso acabou, isso ficou para trás. É isso que ele fazia, mas creio que nunca tenha feito por maldade, por rancor. Talvez ele tenha feito isso por uma questão de educação, uma educação mal direcionada. Ele usou a ferramenta que ele tinha de uma forma talvez mal direcionada. Essas foram as coisas na minha vida que mais trouxeram transtorno e aborrecimento, mas ficou para trás. Não tenho mais quer me preocupar com isso não.
P/1 – E o senhor está gostando dessa sua nova função dentro da cooperativa?
R – Sem dúvida! A cooperativa, ela está trazendo para mim, tipo assim, uma posição que eu sempre tive. Em todas as empresas que eu passei, que não foi colocado, né? Por onde eu passei e o que aconteceu, me foi colocado a direção. E não foi colocado por luta, não foi colocado por guerra, não foi colocado por conquista por briga e por dizer “eu sei”. Foi colocado por: “É você” “Mas como sou eu?” “É você” “Mas eu não...!” “É você”. Então em todo lugar que eu pus as plantas dos meus pés, alguém disse: “É você”. Aqui não foi diferente, o grupo está aí: “É você”. Então estou eu aí, mas só que de tudo que “é você”, assim tipo, é você e como realmente presidente, como se fosse o da República, a gente tomou uma expectativa bem diferente dos meus conhecimentos, mas posso dizer que é você, Ademir, o presidente. Mas é um presidente amortizado, ninguém, graças a Deus, chicoteia; estamos todos na fase de aprendizagem, ninguém está sendo empurrado a nada, todos nós temos as nossas direções, cada um faz aquilo que o grupo decide, ninguém leva ninguém para lado nenhum, temos a plena liberdade de sermos nós. Isso é muito bom.
P/1 – Seu Ademir, vamos voltar um pouquinho que tem uma coisa que eu esqueci de perguntar.
R – Pode falar.
P/1 – O senhor já falou que pegou o grupo se formando, que chegou um pouquinho depois, como foi que o senhor conheceu essa cooperativa, esse grupo? E como foi que o senhor chegou nessa função?
R – Tá bom. Umas das alunas da Reciclázaro, na aula de Artes, ela ficou conhecendo um pouco o Ademir. O Ademir é uma pessoa meio sentimental, é uma pessoa, assim, um homem muito fino, porque não abre a boca para falar palavrão para ninguém, não xinga ninguém, não ofende ninguém e se você tiver um problema, o teu problema é meu. Eu vou resolver o seu problema se você me permitir. Então eu não sou problema para ninguém, eu sou o quê? Eu sou a solução para os teus problemas. Conhecendo como é que eu sou, ela disse: “Eu tenho um lugar aqui, você gosta demais, lá tem uma área verde, lá na reciclagem. Você vai gostar, tem curso de reciclagem e ter curso para cooperativa e tão lá passando uns tratores lá, tão mexendo lá! Você não quer ir?” “Olha, eu vou lá dar uma olhada”. E essa aluna da Reciclázaro que me trouxe para cá. Quando eu estava, assim, ao mesmo tempo que eu estava aprendendo a jardinagem, o seu Manuel, ele falou: “Seu Ademir, você está gostando da jardinagem?”. Eu falei: “Eu estou gostando, mas eu estou com um problema, está saindo uma cooperativa aqui”. E é aqui que eu entro: como é lidar com o pessoal simples? Eu gostaria de trabalhar com eles, mas o que eu queria entrar para trabalhar com eles é com o meu lado humano, porque o trabalho deles, realmente eu estou aprendendo com eles, e eles são bons professores, estou aprendendo com eles. Mas era o lado humano, o lado humano e respeitá-los, o lado humano e ser educado, o lado humano e não ofendê-los, o lado humano e não empurrar ninguém, deixar cada qual acontecer ao seu tempo. Então eu falei: “Eu gostaria de trabalhar na cooperativa, mas para ajudar. Agregar, ajudar e não para atrapalhar”. “Seu Ademir, a gente vai fazer o seguinte: como não dá para você trabalhar ao mesmo tempo, nós vamos fazer o seguinte, na cooperativa não pode faltar nenhum dia e a jardinagem te dá direito a uma falta. Então deixa eu fazer umas contas aqui”. Ele fez umas contas: “Tudo bem, vai dar certo, você conclui a cooperativa e você tira uma falta no dia para Reciclázaro, apenas uma falta”. E eu concluí tudo o que tinha para concluí, eu finalizei. Na hora de eu decidir, ficou na minha mão: “Você quer ir para a jardinagem ou você quer ir para a cooperativa?”. E aí eu vi esse espaço todo e disse: “Puxa vida! Se eu for para, vai saber Deus lá pra onde eu vou, pra onde vão me levar! Aqui eu já sei, um espaço maravilhoso desse, um grupo que eu já conheço”, que nós estudamos um pouco juntos. Não perdi todo o curso, eu vim com a carruagem andando, mas eu uma ponta do curso. E admirando a cada pessoa que estava ali, aprendi a gostar, a admirá-los e aceitei, fiquei na cooperativa. E eles, logo após, me aceitaram como presidente. E não fui eu quem disse: “Quero ser presidente”. Mais uma vez na minha vida: “Você será o presidente.” Foi dessa forma que eu entrei na cooperativa. Estou gostando, está muito bom.
P/1 – Seu Ademir, teve alguma coisa que a gente não conversou aqui e que o senhor gostaria de deixar registrado?
R – Sim, com certeza. No trajeto da minha vida, que todos têm um momento muito difícil, mas muito difícil mesmo que ninguém pode tirar de você, o momento de exaustão. A gente quando é, como é que fala, você é muito dado, muito responsável e eu posso dizer dessa forma, você põe três trabalhadores para trabalhar, dois deles enrolam e o terceiro trabalha por ele e pelos outros dois. Isso sempre fui eu em tudo que eu faço, mas quando alguém vem descer o chicote por um motivo, ele pega os dois que faziam e o terceiro que não estava fazendo aquilo e chicoteia todo mundo, então assim fui eu. Muito quebrado, muito chicoteado na vida, eu sofri demais. Sempre fui realmente o saco de pancada. Mas sabendo disso, o Poderoso lá de cima, é dele que ele merece toda honra, exaltação, num determinado dia da minha vida ele permitiu que eu tomasse um tremendo banho de óleo numas das máquinas hidráulicas que eu trabalhava, que são essas prensas, mas a prensa em teste, as prensas que estão em teste, e estourou uma mangueira. Essa mangueira captava pela bomba uma grande quantidade de óleo e espalhou muito óleo. Ele me lavou o da cabeça aos pés, me deixou realmente, torceu óleo. Eu fiquei todo lavado, mas tudo lubrificado. Dizem nas igrejas que é ungir, um pouquinho de óleo, ungir no corpo, na mão. Aquele dia eu fui ungido todo, tomei aquele banho de óleo, era no chão, era nas máquinas, era nos colegas, todo mundo se lavou e eu fui para o banheiro e eu botei meu joelho no chão e disse: “Puxa vida, eu tenho passado tanta luta, mas tanta luta e por que essa agora? Que vergonha! Como é que eu vou voltar lá para o meu setor, com todo aquele monte de óleo espalhado, aquele espaço todo, como é que eu vou fazer isso?”. E aí é como se alguém tivesse ouvido e dissesse assim: “Hoje acaba sua luta”. Lá do céu, nem sei porque o Senhor, que eu não sabia o porquê, desce uma unção tão gostosa na minha vida, do auge da minha cabeça e vai até o pé, e me fez outra criatura. Me lavou de uma unção maravilhosa, que eu voltei e não estava preocupado com óleo, não estava preocupado com máquina, não estava preocupado com amigos, eu só estava preocupado em aproveitar aquela graça que me foi dada. E é ela que eu contemplo em tudo que eu vou fazer, eu não sei como vai ser feito, mas vai ser feito. Era isso que só que eu tinha para terminar.
P/1 – E um sonho para terminar de vez a nossa entrevista?
R – Um sonho?
P/1 – Qual o sonho que o senhor tem?
R – Você fala sonho sobrenatural ou um sonho mesmo de conquista?
P/1 – O senhor que o senhor entender, pode ser mais de um. O sonho desse uso comum que a gente fala “meu sonho é...”.
R – Sabe o que é? Existe o sonho de você alcançar uma margem, eu tenho um sonho para alcançar e tem um sonho que ele te dá uma lição. Vamos galar do sonho, esse sonho ele te dá uma lição. O sonho é esse para ficar registrado: andando num branco, branco, branco, branco, tudo branquinho, alguém chegou pra mim e disse assim: “Vem comigo até esse poço”. Aí eu acompanhei essa pessoa até o poço. Esse é um sonho, sonho, né? Eu fui com essa pessoa até um poço e esse poço, ele disse: “Desce o balde”. E eu desci o balde. E ele: “Tira a água”. Tudo isso eu fiz para quem estava pedindo, tirei a água, aí essa pessoa passou a mão na água assim, que eu não vi essa pessoa não, só vi a mão e jogou a água assim. “Tá vendo essa água?”. Eu disse: “Estou vendo” “Essa água é pura e cristalina. Se você se ligar lá em cima, lá no alto, no trono da Glória, você vai ficar puro e cristalino igual a essa água”. Aí ele me deu uma pelica, uma bexiga de criança de aniversário, mas uma pelica, e mandou assoprar ela. Eu assoprei, assoprei, assoprei, assoprei e ele falava assim: “É Pouco”. Eu assoprava e chegou lá no céu e ele disse: “Tem que passar mais, assopra!” E passou um céu, outro céu, outro céu, outro céu, e ele disse: “Agora tá bom, solta a pelica.” Aí eu peguei, soltei aqui da boca. “Solta.” Aí veio uma nuvem branquinha e cobriu toda aquela área e ele disse assim: “Olha, se você se ligar no trono da Glória, se ligar e orar e orar, você vai ficar alvo como essa neve”, que era uma neve que saiu pela pelica, “E vai ficar puro e cristalino como essa água”. Quer dizer, ele estava passando uma mensagem, dizendo se liga, se liga lá no trono. Quer dizer, ore, ore muito que eu tenho um particular contigo. Esse era um sonho de Deus comigo, né? E o sonho que eu tenho na vida é que isso se realize, tá? Na área espiritual, porque nada que nos é dado espiritual, ele vem à toa, é para ajudar os que estão em volta. Então, Ademir, o que te trouxe para a Cooperativa Vitória do Belém? Era aquilo que eu queria no passado, ajudar o próximo, eu não pude ajudar com as minhas condições financeiras, mas eu vou ajudar com a minha situação corporal e espiritual. É esse o meu sonho, que isso possa chegar lá e não abandonar, essa Carruagem até que isso aconteça.
P/1 –Tá ótimo.
R – Tá bom?
P/1 – Seu Ademir, o senhor gostou de contar a sua história, como foi contar?
R – Com certeza gostei, com toda liberdade que eu contei, nada foi cortado, né? Tudo que eu falei também, nada foi colocado, tudo aconteceu, tudo existiu, tudo é verdade. Foi muito bom contar a minha história.
P/1 – Então eu gostaria de agradecer o senhor mais uma vez pela sua disponibilidade, em nome do Museu da Pessoa e da Nestlé. Muito obrigada, para mim também foi muito bom ouvir a história do senhor.
R – Agradeço também por essa oportunidade que me foi dada, que os meus colegas poderiam realmente estar nesse lugar, mas Deus permitiu que eu estivesse. Obrigado pela Nestlé, obrigado também pela visita de vocês e espera também não ver vocês hoje, né? Nesse momento profissional, mas ver muitas vezes, porque vocês são pessoas maravilhosas. Parabéns pelo trabalho de vocês.
P/1 – Muito obrigada.
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