Projeto Kinross Paracatu
Depoimento de Gilberto Azevedo
Entrevistado por Márcia Ruiz e Luiz Gustavo Lima
Primeira parte:
Paracatu, 08/06/2017
Transcrito por Claudia Lucena
Segunda parte:
Paracatu, 26/06/2017
Transcrito por Karina Medici Barrella
Realização Museu da Pessoa
KRP_HV012_Gilberto Azevedo
Entrevista realizada em duas partes.
MW Transcrições
INÍCIO DA PRIMEIRA PARTE
P/1 – Gilberto, eu gostaria de agradecer aí, em nome da Kinross e em nome do Museu da Pessoa também, por você dedicar esse seu tempo pra gente, eu acho que, ainda mais na sua agenda, que é super corrida, mas pro projeto vai ser muito importante você participar. Eu gostaria que você começasse falando o seu nome, local e data e nascimento.
R – Meu nome é Gilberto Carlos Nascimento Azevedo, eu sou nascido em Poções, na Bahia, em 03 de dezembro de 1967.
P/1 – E os nomes dos seus pais, Gilberto?
R – Gilberto Silva Azevedo e Elisandra Nascimento Azevedo.
P/1 – Qual era a atividade deles?
R – Minha mãe professora primária e meu pai, ele trabalhava no comércio.
P/1 – Ele tinha comércio do quê?
R – Ele trabalhava num comércio, ele não era o proprietário, ele ajudava a gerenciar, era em materiais de construção.
P/1 – Era uma casa de materiais de construção?
R – Isso.
P/1 – E o nome dos seus avós paternos e dos avós maternos?
R – Minha avó chamava, paternos, né, Mariana e Filinto e os maternos Antônio e Ruth.
P/1 – Eles faziam o que, seus avós?
R – Meu avô paterno, ele era sapateiro, confeccionava sapatos. Minha avó era dona de casa, minha avó materna também dona de casa e meu avô materno foi vaqueiro e depois ele foi comerciante, comprava e vendia verduras etc.
P/1 – Isso tudo nessa região da Bahia, lá em Poções, ou não?
R – Bahia, meu avô, ele veio da região da Chapada pra região da mata, na Bahia, e foi lá que ele conheceu minha avó, no caso, os avós maternos. Meu avô paterno tem origem ali mais próximo da minha cidade e minha avó, salvo engano, veio de Alagoas.
P/1 – Você sabe, assim, se eles são todos de famílias oriundas dessas localidades, de Alagoas ou você sabe a origem da tua família? Tem alguma origem de algum imigrante?
R – Não, assim, que a gente voltou, pesquisou e definiu, não.
P/1 – Você tem irmãos, Gilberto?
R – Eu tenho quatro irmãos, três irmãs e um irmão, pra ser mais exato.
P/1 – E nessa escadinha você está aonde?
R – Eu sou o segundo.
P/1 – Ah, você é segundo mais velho. E quem é mais velho é menina ou menino?
R – Menina.
P/1 – Eu queria que você contasse um pouquinho como foi a sua infância, o que você lembra da cidade onde você nasceu? Eu queria que você contasse um pouquinho pra gente da tua infância mais remota que você consiga lembrar.
R – Bom, da infância eu vou sempre lembrar de muitas outras crianças e de muitas brincadeiras, infância no interior. Eu lembro da gente, às vezes, andando bem à vontade pelas ruas, jogando bola, brincando brincadeiras tradicionais, inventando as brincadeiras de vez em quando, fazendo caminhadas, às vezes, de quilômetros pra tomar um banho de rio, pescar. Uma vida muito livre, se eu posso usar esse termo. Eu lembro de subir nas árvores, lembro de momentos de ver uma árvore, eu lembro de um abacateiro, numa determinada época da minha infância, que, sabe aquelas ervas que o passarinho traz? E assim, como criança, ter o sentimento de adotar aquele abacateiro e tentar salvá-lo, tira, né: “Não, agora é meu abacateiro”, né, então, assim, muita, muita história do tempo de infância, uma infância muito gostosa.
P/1 – Com quem que você brincava? Você lembra? Era com seus irmãos, com os vizinhos?
R – Com os irmãos, muitos vizinhos, na época tinha muita criança, né, na nossa rua e a gente andava com muita liberdade, fora o tempo de estar na escola, a gente estava brincando o tempo todo, era uma brincadeira só.
P/1 – Você tinha uma brincadeira favorita?
R – A gente brincava de tudo, de esconde-esconde, o pessoal falava passa-anel, eram tantas as brincadeiras, porque a gente não se tinha só a aquelas brincadeiras que eram conhecidas, as tradicionais, como criança, a gente às vezes inventava as brincadeiras pra gente, dentro do nosso grupo, muita brincadeira.
P/1 – Me fala uma coisa, como era a rotina na sua casa nessa época? Como é que era o bairro aonde você morava? Você falou que vocês andavam quilômetros, né, pra ir até o rio.
R – É porque a minha cidade, Poções, é uma cidade hoje que deve estar com 50 mil habitantes e ela nunca foi nem muito maior nem menor que isso. Na minha infância talvez tivesse 35, 40, mas é mais ou menos o mesmo porte. E tinha os vizinhos, então a gente brincava ali próximo ou na rua ou nos quintais, mas próximo à casa da minha mãe, em frente à casa dos outros vizinhos ou em frente à casa da minha avó, dependendo de onde eu estivesse no momento. E, quando eu me referi a fazer as caminhadas, é porque existem alguns rios próximos da cidade que são mais caudalosos, não são rios grandes, mas que dá pra você nadar e tal e às vezes a gente ia a procura desses rios que ficavam a seis quilômetros de distância, mais ou menos, aí saía quatro, cinco, seis meninos, saí num horário aí depois do almoço, ia até o rio, tomava um banho, tal, depois andava seis quilômetros de volta e tinha prazer em fazer isso, né, valia pela caminhada e valia pelo banho de riacho.
P/1 – Me fala uma coisa, Gilberto, como era o cotidiano da sua casa? Vocês iam na escola pela manhã, à tarde, vocês sentavam à mesa pra comer? Conta um pouquinho pra gente.
R – Bom, o horário de escola às vezes mudava com o tempo, ou pela manhã ou à tarde e a escola não era muito longe da casa, talvez aí uns 400 metros. Tinha que atravessar tipo duas ruas, estava na escola, a escola primária chamava Alexandre Porfirio e, com relação aos hábitos da casa: a gente sempre almoçou, café da manhã e jantar junto com os pais e os outros irmãos, essa sempre foi a nossa tradição na casa dos meus pais.
P/1 – Tinha uma comida típica? Como era o cardápio quando você era criança, você lembra?
R – Comida básica mesmo de nós, brasileiros: o arroz, o feijão, a salada, aí diferentes carnes. Domingo sempre uma comida mais especial e, naquela época, era minha mãe que fazia, era uma macarronada, alguma coisa assim, pra marcar o domingo e, com relação a pratos especiais, em alguns momentos sim, mais pratos regionais, um carneiro ou uma carne de sol, requeijões, feijão verde. Então, se a gente for puxando pela memória, a gente vai lembrando desses pratos, dessas iguarias, pamonha, paçoca.
P/1 – Quem cozinhava era sua mãe mesmo, ela fazia todos os pratos?
R – É, sim, em casa, a minha mãe.
P/1 – Por exemplo, você tinha com os avós, você falou que por parte dos avós paternos ou maternos que eram de Alagoas, né?
R – Não, minha avó.
P/1 – Então tinha algum prato típico de Alagoas que ela fazia?
R – Não, não, era bem mesmo da minha região. Eu fico tentando lembrar aqui... Quando eu era criança, a consciência ambiental, no caso da preservação dos animais, das aves, não era tão forte assim, então o meu avô caçava, né, eu gostava de ir, nos finais de semana, às vezes, pra casa da minha avó materna pra esperar ele voltar das caçadas. Eu me lembro desses momentos também, de preparar a caça. Quando ele voltava, eu gostava disso, eu sinto saudade desses momentos, embora, por exemplo, eu tenha uma propriedade na Bahia e não deixo caçar de jeito nenhum, mas isso fez parte daquele momento da minha infância.
P/1 – O que ele caçava, você lembra?
R – Codorna, nambu, aves, aves, caçava com um cachorro perdigueiro, que a gente chama, sabe, perdiz.
P/1 – Você chegou a ir alguma vez com ele?
R – Eu me lembro de ter ido uma vez com ele, me lembro de calçar uma bota até maior que o meu pé, ele saía, pra caçar essas aves, ele saía bem à noite, escuro ainda, pra caçar com o sol raiando, então eu lembro de uma vez que eu fui caçar com ele.
P/1 – Você lembra da sensação, como é que foi?
R – Ótima, eu me senti, eu senti que eu estava crescendo, que eu já podia caçar com o meu avô, um pouco disso.
P/1 – Me diz uma coisa, Gilberto, você falou, comentou que você fez o primário, qual é a primeira lembrança que você tem da escola? Você lembra do primeiro dia de aula? Eu queria que você contasse um pouquinho dessa escola que você fez o primário, que você falou.
R – Quando eu falar dos primórdios, do início dos estudos, eu vou lembrar de uma tia, que era educadora, chamava Tia Zirinha, que a gente chamava ela, e ela participou da educação, da alfabetização de muita gente lá na minha cidade, era uma professora muito rígida e tal e ela ensinou a gente, alfabetizou. Então, eu lembro de alguns momentos de convivência com ela, o estilo dela é mais duro e provocava muita participação da gente, gostava de fazer a gente cantar, desenhar, produzir alguma coisa, mas era extremamente rígida também. E lembro, tenho algumas lembranças, do início, no Alexandre Porfirio, não lembro, assim, nitidamente, mas eu lembro vagamente da ansiedade, da preocupação de estar ali na sala de aula e de, iniciando aquele processo.
P/1 – Quando você comentou da sua tia, que ela era mais rígida, ela fez esse processo de alfabetização antes de você ir pra Escola Porfirio?
R – É.
P/1 – Ela dava essas aulas aonde, na sua casa? Como é que ela trabalhava com vocês, era com seus irmãos juntos, como é que era?
R – Ela, não, normalmente, era um grupo maior e, às vezes, havia parentes, havia primos meus e havia outros meninos da cidade também, às vezes ela dava essas aulas em grupos escolares e eu me lembro também de ter tomado algumas aulas de alfabetização numa sala da igreja, da primeira igreja batista local. Minha tia era batista, minha mãe também é batista e meu pai católico, então eu fui criado num lar de pai católico, mãe protestante e minha tia, eu lembro tendo aula com ela nesses dois ambientes, tanto em escola municipal quanto na igreja batista, numa sala, salão da igreja batista.
P/1 – Como foi chegar na escola já alfabetizado? Você percebeu que foi um facilitador, tinha uma diferença dos alunos perceberem que você era um aluno já alfabetizado?
R – Eu não lembro com detalhes, não lembro.
P/1 – Eu acho interessante, você comentou que você foi criado num lar que teve duas formações religiosas, a protestante e a católica. Como é que foi isso pra você? Você foi direcionado pra uma das duas? Como é que se deu o processo de educação religiosa?
R – Vamos lá, entre o meu pai e minha mãe sempre existiu muita, eu vou usar o termo tolerância no sentido de respeito entre eles e a questão da religião dos dois. No nosso caso, minha mãe sempre, como mãe, levou a gente mais a frequentar os cultos e tal batistas, mas nenhum dos filhos foi batizado antes de optar, então, assim, nós não fomos direcionados, no sentido de professar uma religião, uma fé, por nenhum dos dois, sempre foi dado a nós a opção da escolha. Nunca teve essa interferência, não. Isso me marcou muito e ajudou, acho, de alguma forma, a ter essa, em muitos momentos, essa postura, né, com relação ao outro.
P/1 – De ser um pouco mais aberto, de tolerância.
R – É tolerância.
P/1 – Quando você fez a opção religiosa sua, isso foi feito com quantos anos?
R – Se você perguntasse pra mim, eu vou dizer que eu sou mais batista hoje, mas eu nunca me batizei, quer dizer, eu sou cristão, extremamente temente a Deus, mas não, tecnicamente...
P/1 – Você não seguiu dogmas, vamos dizer assim.
R – Ainda não.
P/1 – Gilberto, eu queria que você falasse um pouquinho, quando você estudou na escola Alexandre Porfirio, quais são as lembranças mais marcantes que você tem dessa escola e se teve algum professor que te marcou?
R – Eu lembro da Professora Socorro, acho que é uma professora do segundo ano, lembro de uma diretora chamada Gislene e a escola como um todo me marcou na minha infância e foi um momento muito bacana da minha vida também, me lembro das aulas, me lembro do conforto de ouvir vozes, de ouvir a aula, me dava até sono, acho que dá em todo aluno, mas não tinha lugar, assim, é aconchegante ouvir a interação, ouvir as vozes, estar ali naquele ambiente, aprendendo também, mas pra mim tinha algo mais.
P/1 – Como é que era, assim, eram escolas, você tinha uniforme?
R – Tinha uniforme sim.
P/1 – Você lembra como é que era o uniforme?
R – Ah, não vou lembrar, assim, em detalhes, mas é sempre camisa branca e uma calça escura, às vezes é azul marinho, né, sapato Vulcabrás, essas coisas assim.
P/1 – Tinha horário de recreio, o que vocês faziam no recreio?
R – Muito, muito, horário de recreio, toca a campainha, vai pra lá, tem alguém assistindo, naquela época, a gente ficava brincando, não vou lembrar todas as brincadeiras lá, eu acho que era meia hora de intervalo, alguma coisa assim, a gente saía da sala, voltava pra sala pingando suor, né, de aproveitar aquela meia hora pra queimar energia sempre, né?
P/1 – Vocês tinham, por exemplo, lanche, você levava de casa ou a escola fornecia? Como é que era um pouquinho isso?
R – Na época, a escola fornecia, se eu levei de casa, foram poucas vezes, eu lembro que eu já tive merendeira e tal, mas nem lembro mais quando é que eu deixei de usar merendeira, não, e tinha sim merenda na escola, tinha.
P/1 – Você tem algum amigo que te marcou? Você falou que a professora que te marcou foi a Professora Socorro, né, do segundo ano, eu queria saber porque que ela te marcou e se teve algum amigo também que te marcou e porquê.
R – Bom, eu acho que a Professora Socorro e outras professoras também pela atenção, pelo carinho, eu acho que é o que prende, fixa a gente nas pessoas, a atenção que elas dão pra gente. Amigos, eu tive muitos amigos ao longo das minhas infâncias, da minha infância, mas, assim, os amigos que mais marcaram, eu não tenho associação deles com as escolas que eu estudei exatamente, embora tenha amigos que estudaram comigo na mesma escola e às vezes na mesma série. Se eu falar da minha vida como um todo, vai ter um, quando eu era bem mais novo, talvez eu esteja falando de cinco, cinco a sete anos, oito anos, tinha um outro menino, chamado Nei, que morava perto e a gente era muito próximo nessa fase da vida, muito amigo mesmo, brincando junto e tal. Esse foi um primeiro, primeira pessoa, ele foi, depois o pai dele trabalhava numa agência bancária, mudou e a família foi embora e aí a partir daí a gente se distanciou, por motivo de mudança. Depois, eu vou ter um grupo de quatro amigos, que a gente vai ser bem próximo também, mas já na adolescência, nesse interim eu vou ter vários outros amigos e aí já foram amigos lá na época de ginásio, né, quinta, sexta, sétima e oitava série e a gente estudava junto e ficamos muito próximos. Próximos a ponto de ir pros bailes, pras festas e, assim, a gente tinha meio que um código que a primeira música era nossa, a gente ficava, brincava, dançava junto e depois cada um ia pro seu lado paquerar, brincar e a gente só ia se ver de novo no final da festa, mas o início da festa era meio sagrado, era nosso. E a gente mantém essa amizade até hoje, apesar da distância. Sempre que eu volto à cidade faço questão de visitá-los, a gente senta, fica conversando e com o passar do tempo é engraçado, porque tem um que tem uma lojinha, ele mexe com couro, faz artesanato, esse tipo de coisa, eu chego lá, sento com ele, ele está trabalhando, trabalhando ele fica, nós ficamos conversando ali por duas, três horas, depois eu vou embora, um ano depois, dois anos depois, eu volto, a gente continua conversando mais um pouco e vai tocando a vida, é um pouco assim, é engraçado, mas é desse jeito.
P/1 – Como é que é o nome dele?
R – Bruno.
P/1 – E os outros três, como chamavam?
R – É o Dênis e o Robinho.
P/1 – E aí você falou que você conheceu esse grupo de amigos no ginásio, foi na mesma escola, na Alexandre Porfirio?
R – Não, tinha uma escola chamada Cnec [atual Escola Municipal Luis Heraldo Duarte Curvelo] lá, outra escola.
P/1 – Você foi exatamente no período de admissão pro ginásio, foi mais ou menos nessa época?
R – Isso, é os dez, dez anos.
P/1 – Essa escola tinha uma diferença em relação à outra? Como ela era? O processo de ensino, você tinha vários professores, não tinha, conta um pouquinho como era esse processo.
R – Não, uma escola, deixa eu ver o que me lembro do Cnec, eram vários professores, por matéria e você na sua sala fixa, então você estava na sua sala, a cada horário você tinha uma matéria, o professor entrava e ministrava aquela aula. Eu fiz o meu primeiro grau, né, lá, da quinta a oitava.
P/1 – E o segundo grau você fez aonde?
R – Segundo grau é uma história um pouco diferente, então eu continuei fazendo o meu, fiz o primeiro grau e movi pro segundo grau, quando eu estava fazendo o primeiro grau, teve uma psicóloga na minha cidade que estava aplicando testes pra recrutar alunos pra uma escola que fica em Pojuca, na Bahia, é uma escola que mantida ou que era mantida na época pela Ferbasa [Companhia de Ferro Ligas da Bahia], pela Fundação José Carvalho, que é ligada à Ferbasa. E, na minha cidade, eu participei desse processo e eu fui selecionado, fui o aluno selecionado da minha cidade, então o meu segundo grau eu fiz um internato, eu fiz em regime de internato, eu fui o aluno de 161 nessa escola que tinha dez anos à época, lá foi um ensino mais individualizado, a gente era treinado e desenvolvido pra ser autodidata. Não existia sala de aula, então a gente tinha uma biblioteca bem montada, tinha toda a infraestrutura, tinha ambulatório, um negócio fantástico em termos de recursos disponibilizados por número de alunos, existiam os professores que estavam à disposição, mas você também não tinha obrigação nenhuma de falar com o professor. Você poderia simplesmente pedir sua prova, fazer a prova, passou na prova, acabou e, caso você julgasse conveniente, você marcava o horário com o professor, uma, duas, quantas horas fossem necessárias pra tirar dúvidas, esclarecer a matéria, então isso permitia aos alunos fazerem o seu próprio ritmo, de acordo com sua aptidão, vontade e foi uma experiência muito rica pra mim. Tinha bons laboratórios à época e as provas eram puxadas, mas tinha todo o recurso, quer dizer, você tinha um professor à disposição, você tinha uma biblioteca farta, você tinha recursos audiovisuais, na época que apareceu o videocassete, a gente tinha videocassete, tinha a sala de videocassete pra projetar lá os documentários etc., uma experiência muito rica.
P/1 – Nossa, Gilberto, achei fantástico, mas eu queria entender um pouquinho, como é essa escolha, você tinha um currículo pra seguir, por exemplo, você tinha matérias que você era obrigado a estudar?
R – Sim, sim. Então, assim, segundo grau e o primeiro ano é meio comum pra todo mundo, as matérias de Física, Português e lá você poderia optar três cursos na época, você podia optar pelo Técnico em Mineração, que foi o que eu optei, você poderia optar pelo o que hoje seria a Tecnologia da Informação, que na época a gente chamava de Informática, e você poderia optar pelo curso de Tradutor e Intérprete, né? Então você poderia fazer essas três opções ou simplesmente fazer uma espécie de científico, quer dizer, sem o curso profissionalizante em si e, desde aquela época, eu optei por fazer o técnico em mineração, mas nós tínhamos a opção desses três cursos.
P/1 – Então, assim, você tinha uma grade que tinha que cumprir, curricular dependendo do curso que você escolhia, mas você tinha tempo de estudo, eles te cobravam tempo de estudo? Isso ficava a seu critério, quer dizer, você ficava interno lá e fazia de acordo com a sua vontade?
R – Não, tinha um grau de liberdade bastante razoável, mas também não era assim, não, primeiro que era um internato. Era um internato e era um internato misto, então tinham meninos e meninas e existiam três alas, né, e elas não eram separadas, as alas eram feitas com apartamentos virados pra um lado e pro outro, né, e, me lembrando aqui, numa espécie de U. Eu não vou lembrar quantos apartamentos tinha, mas quatro pessoas, porque eram dois quartos em cada um, era basicamente dois quartos e aí você tinha a parte de banheiro, era isso que existia lá. E aí eram meninos e meninas, então a gente tinha um momento de recolher pros apartamentos, normalmente era dez horas da noite, cinco e meia, seis horas, eu não vou lembrar o horário certinho, a gente tinha a parte das atividades físicas, né? As refeições, tinha um grande refeitório, eu lembro das janelas todas de vidro, então você enxergava, o lugar era muito bonito, sabe, muito bem construído, tinha um anfiteatro maravilhoso, tinha um teatro também muito bacana, tinha um salão de jogos, então tinha toda a infraestrutura. Então a gente dormia nesses apartamentos, no centro desse último tinha um grande quiosque, onde a gente costumava estudar à noite, com várias mesas, mesas eu acho que redondas, a gente sentava lá, então aquela turma lá estudando à noite, até às dez podia, acabou de jantar, você podia sentar lá ou estudar no seu apartamento, todo mundo tinha a sua escrivaninha e tal, ou ia pra lá, se quisesse estudar mais próximo, em grupo e tal, ficava desse jeito. Depois da atividade física e do café da manhã, nós íamos para a escola, então tinha um grande prédio onde estavam os laboratórios, estava a biblioteca, estavam as baias pra se estudar e tinha toda a infraestrutura lá pra gente fazer isso, mas, no tempo de permanecer na escola, você tinha que permanecer na escola, se você estava sentado lá conversando com um e com outro, mas você tinha que estar naquele ambiente, que era a escola, naquele momento. Tinham algumas atividades de laboratório que eram agendadas antes, outras a gente fazia num grande grupo, dependendo da matéria que a gente estivesse fazendo, era um pouquinho assim que funcionava, então tinha um bom grau de liberdade, mas não era solto...
P/1 – Tinha algumas, vamos dizer, encaixes, algumas regrinhas.
R – Algumas regras muito bem definidas, muito bem definidas.
P/1 – Gilberto, me diz uma coisa, o que você acha que essa experiência te trouxe pra sua vida profissional, você ter estudado numa escola com esse grau de opção e de flexibilidade, o que você acha que ela trouxe pra você enquanto pessoa mesmo, não necessariamente pra questão profissional, mas enquanto pessoa?
R – Eu acho que ela acrescentou de todas as formas, como pessoa, nesse ambiente mais fechado, eu tive a oportunidade de acertar, de errar nos meus relacionamentos, ver a consequência disso e a possibilidade de me recuperar dos meus erros, eu pude estabelecer relações bastante intensas naquele ambiente. Em termos do aprendizado, do descobrir, de testar alguns limites porque tendo recurso, tendo apoio, deu pra aprender muita coisa do ponto de vista acadêmico e em termos de vida também. O último ano desse curso, eu tive a oportunidade de fazer, porque era assim: você fazia dois anos nesse internato e o terceiro, no caso do meu curso, você ia pra uma mina e você ficava como estudante na mina, quando eu falo “a mina”, assim, no local da mina e aí os teus professores passavam a ser os profissionais. Então, no meu terceiro ano, o geólogo era meu professor de Geologia, o engenheiro de minas era o das outras matérias, era onde você fazia o fecho das matérias profissionais. Lá eu peguei a base do inglês que eu tenho hoje, abriu muito as portas pra mim, me preparou, eu saí de lá, depois de formado, com a intenção de fazer a etapa seguinte, que era o curso de Engenharia, tinha vontade de ir pra Ouro Preto (MG) por uma razão tanto de qualidade quanto de custo, né, é mais fácil viver em Ouro Preto, no sistema de república. Participei do vestibular, consegui passar sem fazer cursinho, então, quer dizer, essa escola, pra mim, foi um momento de mudança de perspectiva, em termos de oportunidade, em termos de enxergar a vida e o mundo.
P/1 – Você comentou que no terceiro ano você ia pra uma mina, pra que mina que você foi?
R – Eu fui pra uma mina chamada Jacurici, é uma mina que fica, hoje, na época não era uma cidade, mas hoje já é uma cidade, chama Andorinhas e antes ela pertencia ao município de Senhor do Bonfim. Já ouviu falar daquela Guerra de Espadas lá de Senhor do Bonfim?
P/1 – Humhum.
R – É mais no Norte lá da Bahia.
P/1 – Era uma mina do quê?
R – Cromita, uma mina subterrânea, o método era sublevel caving.
P/1 – Voltando um pouquinho pra escola, teve algum evento que te marcou muito? Eu acho interessante você falar das relações, que você aprendeu a se relacionar e ver seus erros. O que é que você acha, você pode contar um exemplo?
R – De um erro?
P/1 – De um exemplo.
R – Não, posso sim, tinha pouco tempo que eu tinha chegado lá no internato e teve um momento que um colega alegou que tinha sumido um par de tênis dele e aí: “Não, tudo bem, ele está reclamando que sumiu o tênis, vai lá, monta uma comissão pra investigar o que aconteceu”, imagina quem eles puseram pra coordenar essa comissão? Eu fui coordenar essa comissão e, assim, sem experiência, sem noção das coisas, verde pra vida, a gente às vezes chega a algumas conclusões que, quando postas à prova, a gente descobre assim: “Nó, não é isso, não”, sabe? Então, assim, a gente acabou concluindo, prováveis suspeitos, sabe aquela coisa, coisa de menino mesmo, prováveis suspeitos e, assim, isso é coisa muito séria e passou isso, tal, mas aí agora vamos ter que todo mundo conviver, né, vamos conviver com os prováveis suspeitos, prováveis errados. Quando, depois, você para, né, isso passa, você fala assim: “Engraçado, todo mundo tinha os tênis iguaizinhos, tudo era igual, quer dizer, não”, então, assim, errar, aprender com os erros, graças a Deus, ter a oportunidade de conviver com essas pessoas, de superar, porque muitas vezes na vida a gente não tem, né? Você erra, isso espalha, as pessoas vão embora e você nunca vai ter a oportunidade de reparar seu erro, de conviver com essas pessoas e deixar isso pra trás, então, por mais difícil que tenha sido naquele momento, a gente superou, nós superamos.
P/1 – Por que você escolheu Técnico em Mineração?
R – Essa é uma boa pergunta, tem a ver com vocação e tem a ver também com um pouco de pragmatismo, tem a ver com vocação pela afinidade que eu sempre tive pelo o que é da natureza e, assim, por essa proximidade com a atividade minerária, que cada vez eu me identifico mais. Tem a ver com pragmatismo, porque imagine, um curso de Tradutor e Intérprete ou um curso de Informática, curso de Tradutor e Intérprete eu não vou comentar muito, mas o curso de Informática era uma ciência nova naquele momento, a gente está falando de 1985, estava crescendo. Eu lembro do nosso benfeitor lá, o Corgosinho, ele falando, naquela época falava assim: “Todas as casas vão ter dois computadores e tal”, já se tinha aquela visão, mas era algo iria vir e eu me considero uma pessoa mais conservadora, pela formação e tal. Eu olhei aquele negócio lá, falei: “Bom, essa questão da língua, de ser tradutor, eu vou aprender a língua de qualquer forma, essa relação relativa a informática é muito interessante, mas eu posso aprender informática depois. A mineração está me parecendo um negócio mais concreto, tá certo, e mais palpável”, isso juntado a uma vocação me levou à decisão. Eu não tenho dificuldade de falar disso, porque não são decisões que você faz por acaso, são decisões que você para algum tempo, fala: “Eu tenho essa encruzilhada aqui na minha vida, que caminho que eu sigo?” E a gente faz algumas reflexões que marcam e, nesse caso específico, eu me lembro pelo menos dos principais pontos que estavam girando na minha cabeça.
P/1 – E, na verdade, quem fundou essa escola? Você sabe? Ela está ligada a que grupo?
R – É engraçado isso, mas essa escola, pra contar a história da escola, eu tenho que contar um pouco da história da Ferbasa, eu não vou entrar em muitos detalhes, mas basicamente a Ferbasa, foi criada por um ex-aluno de Ouro Preto, que trabalhou em Brasília, na época de construção e ele conseguiu ganhar algum dinheiro, ele foi pra Bahia e ele montou, em conjunto com outros, a empresa Ferbasa. A partir da Ferbasa, em algum momento, eu também não vou conseguir dar muito detalhe, ele vai transferir parte das ações da empresa pra uma fundação e aí, que é a Fundação José Carvalho, com o nome dele, o nome dele é José Corgosinho de Carvalho e o recurso então, parte dos lucros da empresa, gerado pela empresa, vai manter essa fundação.
P/1 – Na juventude, eu vou pegar, você contou pra gente um pouquinho essa coisa de quando você estava no ginásio, que vocês iam pra bailes lá na sua cidade e tal. Eu queria que você contasse um pouquinho de como era, o que vocês faziam nessa época pra se divertir, além de ir pra baile e tal. E quando você foi pra escola, o que vocês faziam pra se divertir quando você estava no segundo grau?
R – Bom, nessa época da adolescência lá na cidade, a gente praticava muito esporte. A gente jogava vôlei, jogava um futebol, mas, assim, mais na turma do vôlei, cidade pequena, praça, então muita interação com os outros jovens, muita conversa, tal, muito namoro e as festas e escola, era um pouco isso, quer dizer, era o esporte, a interação com os outros jovens, festa, escola e um pouco se repetindo. Viajar pras cidades vizinhas era um pouquinho de aventura já, tinha uma certa rivalidade, quando chagava os meninos de uma cidade na outra, já tinha um pouco de ciúme, tal, mas a gente fazia isso bem. Então, tinha Poções, que é a minha cidade, então Nova Canaã (BA), Iguaí (BA), Ibicuí (BA) são cidades pra frente, a gente excursionava, ia lá passear, Planalto (BA), e eles iam também. A turma vinha pra nossa cidade também, então viajava, tinha esse nível de interação. No internato era um pouco mais diferente, porque o internato ficava longe da cidade, era um internato, tinha horário pra entrar, pra sair e eram garotos e garotas, né, e meninas que estavam longe da família, então uma responsabilidade grande pros administradores, tinha um controle. Mas tinha uma turma que fugia de vez em quando ou saía à noite, tinha um horário que você podia sair à noite, tinha uma vilazinha próxima e tinha uma espécie de barzinho que tinha um lugar pra dançar e tal, a turma saía um determinado horário, tinha uns que conseguiam fugir. [Risos] Tinha um sistema de vigilância, os vigilantes andavam, eles tinham um relógio, cada posto que ele passasse ele tinha que registrar naquele relógio, pra ter certeza que ele estava fazendo a ronda, mas não sei como tinha alguns meninos que fugiam, depois voltavam naquele horário, ninguém dava falta dos meninos, eram poucos. E de vez em quando, a gente ia pra cidade, a cidade de Ipojuca (BA) mesmo, que já ficava ali, eu não vou conseguir falar a distância, mas, vamos lá, uns oito quilômetros, sete quilômetros e um detalhe que eu me lembrei agora é o seguinte: às vezes a gente ia pra festa, por exemplo, combinava, saía, o final de semana, ia pra festa no clube, terminava a festa no clube, quatro, cinco horas da manhã e a gente não tinha pousada na cidade, então a gente tinha que voltar pro internato. E aí tinha uma linha de trem que passava em frente à empresa, então voltava aquela meninada lá, sete, oito meninos e meninas andando naquela linha de trem até voltar pro internato, eu me lembro disso agora, era um marco também.
P/1 – E aí, quando chega na fase sua de entrar na faculdade, você falou que você gostaria muito de fazer em Ouro Preto, né?
R – É.
P/1 – E você acabou fazendo em Ouro Preto mesmo?
R – Fiz a faculdade em Ouro Preto, antes de ir pra Ouro Preto, formei, tal, aí eu trabalhei um tempo, juntei um pouco de dinheiro, fiz o vestibular, passei, aquela dúvida: “Continuo trabalhando pra ganhar mais dinheiro ou vou pra faculdade?”, estava mais inclinado a ir pra faculdade, meu chefe à época falou: “Não, rapaz, vá pra faculdade” e aí eu fui. Eu fui pra Ouro Preto já um pouco mais maduro, não tanto, mas mais maduro e com alguns objetivos, eu queria me formar o mais rápido que eu pudesse, eu queria participar de todas as atividades extracurriculares que eu pudesse, eu gostaria também de fazer todas as festas que eu tivesse direito em Ouro Preto, né? E foi uma luta conciliar isso tudo, mas eu consegui me formar com quatro anos e alguns meses, em Engenharia normalmente é cinco, então eu acho que eu atingi essa meta, em termos de festa eu não vou comentar [risos] e em termos de participação em atividades não curriculares, eu participei de algumas, desde pesquisa na área de estatística, monitoria, mas uma das atividades que eu me lembro também, eu acho que foi uma passagem que eu gostei, foi do movimento estudantil. Eu vou comentar porque, antes de falar do movimento estudantil, eu tive a oportunidade de participar da Sociedade de Estudos Mineiros, que era a sociedade dos engenheiros de minas e que desenvolveu uma atividade e tinha uma característica mais técnica que política, mas acaba tendo um pouquinho de influência aí política. No movimento estudantil, eu fiz parte de uma das diretorias do DCE [Diretório Central dos Estudantes] e isso me marcou muito e, até como membro da diretoria do DCE, eu fui membro do Conselho Universitário como representante dos alunos e foi um momento muito interessante pra mim, por ser uma pessoa mais conservadora, participar dos debates, com os meninos que estavam mais à esquerda e, assim, ser normalmente o voto vencido na reunião. Em termos de manifestações, você imagina, uma pessoa mais conservadora e alguém estar falando assim: “Vamos invadir o Instituto de Arte e Cultura”, e toda aquela argumentação, aí se vota, imagina oito pessoas na mesa, sete votos a favor, um contra e isso são aqueles momentos na vida que você tem que tomar uma decisão: se fica com o grupo, se sai e tal. E a gente lá, alguns dias depois, a polícia na porta, ordem de reintegração e eu preocupado, né, e o pessoal: “Não, cinco minutos antes”, eu falei: “Se tiver um relógio errado aqui”, então uma visão sempre mais conservadora, sempre mais cautelosa e essa questão do conflito entre o fato de você ser um pouco mais conservador e a convivência com pessoa que pensam e tem opiniões divergentes de você. As participações no Cuni [Conselho Universitário] também foram muito interessantes, porque, normalmente, o reitor sentava ali e eu sentava do lado esquerdo dele, me lembro como hoje, alguns assuntos eram debatidos tinham mais relação com os alunos e o reitor tinha a maior paciência, muito educado, muito simpático, de explicar todos os motivos. Eu concordava com ele, eu pensava igualzinho a ele, eu falei assim, mas na hora de votar, eu votava contra, ele não entendia [risos], mas eu falava: “É uma questão de representação”, né, e aí um pouco disso, sabe? Então foi uma experiência rica pra mim nesse sentido de separar o que que é a tua opinião e tal, foi rico, um momento de muito aprendizado pra mim também, os embates nas assembleias, né?
P/1 – Gilberto, você está falando aí de 1985?
R – Eu, 1985 é quando eu vou pro internato, então eu estou falando, acho que 1989, 1989, segundo semestre de 1989 é quando eu vou pra Ouro Preto.
P/1 – Como é que foi viver, você morava em república, né?
R – É, uma república.
P/1 – Então como é que foi sair de um colégio, que você tinha uma certa liberdade, mas viver em república numa cidade como Ouro Preto, né, como é que foi isso pra você?
R – É um novo aprendizado, as repúblicas de Ouro Preto são um caso à parte, né, elas têm, por exemplo, minha casa hoje, salvo engano, ela está com mais de 60 anos e a relação é diferente, porque você convive com um grupo de jovens ali quatro, cinco anos e convive de forma muito próxima, de andar junto, de se apoiar e todo o sistema foi feito pra criar uma irmandade. Se a gente falar de como é que as repúblicas vivem financeiramente, a gente tem duas linhas financeiras, a primeira delas é pra casa, é o que a gente chama de fundo, então, se você faz uma festa e arrecada dinheiro, aquele dinheiro vai pro fundo, é pra preservação da casa, pra investimento na casa etc., às vezes um ex-aluno chega e doa dinheiro pro fundo, então isso é pra casa, não são pros alunos que moram ali. E a gente o que a gente chamava na época de presidência, que é outra conta, essa conta é a conta que cada um de nós aporta o dinheiro pra manutenção das necessidades nossas, pra a pessoa que ajuda na arrumação da casa, pra comprar mantimentos etc., então a conta é diferente. E tem muito de apoio mútuo, porque você pega aquela lista lá, imagina, morando 11, porque o número pode variar dependendo do período, mas imagina 11 pessoas e você vai ver alguns números em azul e outros em vermelho, o azul significa alguém que pôs recursos a mais do que ele tinha que por pra fechar as contas naquele mês e os vermelhos aqueles que, por um motivo ou por outro, não puseram e às vezes você tinha um ou outro aluno que ficava ali dois, três meses no vermelho e depois ia lá, cobria o fundo, mas muito de cooperação, de apoio e de ajuda. Regras, assim, um pouco, que quem está de fora pode questionar muito, mas muito bem definidas. A questão da senioridade, tá certo, então o primeiro a ser escolhido, ele tem precedência sobre o segundo e assim vai, mas é um sistema que as pessoas podem debater bastante, mas ela dá tranquilidade, permite que as pessoas conheçam as regras e consigam segui-las. A pessoa que é mais nova hoje, um dia, vai ser mais velha e um dia ela vai sair da casa e a gente vê isso acontecendo o tempo todo. Todo mundo consegue conviver com isso, então tem algumas regras que não são escritas, mas são passadas de turma pra turma, que garantem que aquela república sobreviva, permaneça e você volte lá 20, 25 anos, às vezes tem gente que volta lá 60 anos depois de formado e são recebidas e conseguem se conectar com o outro como se fosse uma conversa de ontem.
P/1 – E a faculdade, como foi fazer Engenharia de Minas lá em Ouro Preto? E na faculdade, quem foram os professores? Quem foi o professor que mais te marcou? Conta um pouquinho pra gente.
R – Assim, eu não vou citar nenhum professor em especial, eu tenho muito carinho por todos os meus professores, embora reconheça que eles tenham todos características diferentes, uns são mais rígidos, outros menos, outros são mais acessíveis e mais próximos, outros um pouco mais reservados, mas sinto saudade de todos eles, a professora de Estatística, Cláudia, o professor de Cálculo, o Kléber, Dimas, muitos professores e, assim, um carinho especial por todos eles. Tem professores que são mais controversos, aqueles que reprovam mais e tal, mas nunca tive nenhuma dificuldade, mesmo com esses e eu sinto saudade da escola, daquela turma toda da faculdade, que é outra coisa hoje, né, outra faculdade, eu tenho certeza que o pessoal hoje, amanhã vai estar com saudade também.
P/1 – Me fala uma coisa, Gilberto, você falou que antes de ir pra faculdade você trabalhava, depois que você formou no curso técnico, né? Onde você foi trabalhar e o que você fazia?
R – Eu trabalhei na Ferbasa, que é essa mesma empresa, e eu trabalhei lá por dois anos mais ou menos, acho, cerca de dois anos, não é um número exato, eu fui pra uma área que seria uma área pra ser uma área de desenvolvimento tecnológico, que estava sendo criada, mas a minha primeira experiência lá não teve nada a ver com desenvolvimento tecnológico, foi até um processo bem engraçado e desafiador. E aí tem um outro momento de aprendizado na vida, você produz a ferro-ligas lá, que é um fábrica de ferro-ligas, e você gera uma escória, nessa escória normalmente fica um pouco do metal, que é a parte valiosa e existe um grande estoque dessa escória lá e tinha um grupo muito grande de pessoas contratas pra recuperar manualmente esse negócio e essa liga contida na escória, eu fui designado pra coordenar essa atividade, muita gente, tal. Na época, carecendo um pouco de organização e foi interessante a forma, olhando pra trás, como eu encarei aquilo, eu olhei aqueles montes meio disformes e, em pouco tempo, eu tinha conseguido dar uma forma quase que de um processo de lavra. Então você olhava aquele negócio lá, já tinha aparecendo as bancadas e tal. Mas o processo era muito arcaico, quer dizer, você tinha uma pá carregadeira que pegava o material, espalhava no chão e tinha um grupo de pessoas que vinha catando aquele material e eu estou tentando me lembrar aqui com mais detalhes, mas no lidar, ser jovem e estar à frente daquelas pessoas todas, a gente desenvolve alguns mecanismos de defesa, você novo, à frente de homens, trocentos, mais rudes e tal, na sua forma de atuar, mais duros. Qual é uma reação natural, não correta, mas natural? Você tenta se igualar e às vezes você tenta se igualar subindo o tom de voz e o tom de voz pode soar pro outro como um ato agressivo, mas ele é meio defensivo e eu lembro, isso me marcou também, porque, em algum momento, eu não consigo precisar, eu percebi que eu estava fazendo isso e o fato de ter percebido me ajudou a melhor gerir a situação como um todo e superar. Isso é algo que me marcou, mas essa divisão, na realidade, com o passar do tempo, foi se estruturando e foi mais pra linha de desenvolver processos, circuito, pra fazer essa mesma recuperação de forma mecanizada, por processo de jigagem etc., que era a função inicial, mas a gente tinha que lidar com essa questão no início e foi isso que eu fiz. Então, eu trabalhei nessa divisão de desenvolvimento tecnológico o tempo todo, num primeiro momento, cuidando dessa atividade, em outros momentos, mais na parte de desenvolvimento de processo lá.
P/1 – Você estava falando um pouquinho do seu primeiro trabalho, em que momento você decidiu prestar o vestibular? Já tinha uma ideia de se prestar o vestibular? Como estava isso na sua cabeça logo que você saiu do curso técnico para o trabalho e depois pra universidade?
R – Eu acho que no momento pelo curso técnico em mineração, naquele momento eu já tinha colocado também como objetivo fazer o curso superior, a passagem pelo trabalho antes foi, primeiro, pra gerar algum recurso, porque tinha a questão financeira que precisava ser condicionada, e Ouro Preto era uma opção que se reforçou através do contato com alguns ex-alunos de lá. Quando eu expressava meu desejo de fazer o curso superior na área de engenharia de minas, eles recomendavam e, por essa razão, é que eu vou acabar morando na república em que morei, que chama Serigy, em Ouro Preto, porque tinha um engenheiro que foi trabalhar lá na Ferbasa nesse período, ele me deu a referência da república, então, quando eu fui pra Ouro Preto, eu já fui procurar essa república especificamente. Mas a decisão já tinha sido tomada antes de começar a trabalhar, que eu pelo menos gostaria de fazer o curso superior, né, queria fazer o curso superior.
P/1 – Você falou que você acabou fazendo em quatro anos e meio, que geralmente o curso de Engenharia é em cinco, então, assim, uma das suas metas, você foi muito focado.
R – É, na época, por ser conservador, tem um pouco do procurar ser pragmático, então eu fiz o curso técnico, depois eu tive que trabalhar um pouco e eu tinha a impressão, naquele momento, que eu estava ficando velho demais pra concorrer, sabe, e achava que era uma desvantagem você ir pro mercado mais velho que os outros. Eu queria, por esse motivo, acelerar o curso e, dois, por causa da própria situação financeira, porque essa escola que eu estudei, depois eu consegui uma bolsa dela, porque ela incentivava você a continuar estudando, quer dizer, a fundação, era uma bolsa, na época, acho que de meio salário, esse meio salário mais o dinheiro que eu tinha economizado é o que me mantinha na faculdade. Então, eu também não podia me dar o luxo de ficar muito tempo, porque o dinheiro que eu pus como reserva eu ia consumindo aos poucos e mais o dinheiro de alguma bolsa, de alguma monitoria ou algum trabalho que eu estava fazendo na faculdade, foi assim que a maior parte do tempo eu consegui me manter. Eu acho que no final do curso eu recorri ao meu pai uma ou duas vezes, aí já tinha acabado a reserva.
P/1 – Me fala uma coisa, Gilberto, como é que você via o mercado de mineração na época? Você estando na universidade, quais eram as perspectivas que tinha de trabalho, pra você se colocar no mercado de trabalho?
R – Olha só, quando eu me aproximei do momento de me formar, já no último ano, no último semestre, começaram a surgir oportunidades de participar de processos seletivos, eu também, naquela época, eu comecei a fazer mais estágios, do dia que eu me formei a entrar no meu primeiro emprego foram três meses, mas foram três meses muito longos, né? É engraçado, mas é verdade, o momento da formatura é o melhor, porque você conclui um ciclo, você fecha: “Poxa, vida, consegui”, mas imediatamente depois vem assim: “E agora?”, que você tinha a melhor profissão do mundo, a de estudante, lá, tem a possibilidade de conviver naquele ambiente maravilhoso e agora você tem que ir pro mercado, que, primeiro, você nem tem certeza que existe, em termos de oportunidade, né? Na época, eu já estava participando de um processo seletivo na MBR [Minerações Brasileiras Reunidas], né, eu já estava entre os três selecionados pra duas vagas, então tinha, pelo menos, 30% de possibilidade de conseguir o primeiro emprego e eu fui, ao longo desse processo, também chamado pra trabalhar na Vale, que eu tinha feito um estágio lá, lá no Norte. De novo, eu tinha de um lado a possibilidade de insistir na MBR, que era do lado de Belo Horizonte, mais conforto etc. ou a Vale com certeza, no Norte, Carajás (PA) e tal, mas com a certeza de que aquilo estava, aí de novo o traço conservador, então não troquei o certo pelo duvidoso, mesmo confiante de que conseguiria aquela também, fui pra Carajás e iniciei a minha carreira.
P/1 – Eu vou voltar um pouquinho, você falou que você fez alguns estágios e você fez na própria Vale, aonde você fez esses estágios?
R – Eu fiz muito estágio. O que que aconteceu? Eu fiz muito estágio de volta, tanto na Ferbasa como lá na mina de novo, e fiz estágio na Vale, principalmente.
P/1 – A Vale era mina do quê?
R – Mina de manganês, na mina de manganês do Azul, na época, eu tinha quase que um compromisso moral com o pessoal da Ferbasa, o pessoal da mineração lá, que se eles me chamassem de volta, eu tinha isso na minha cabeça, que mesmo se tivesse alguma diferença salarial, a maior pra o outro proponente, eu daria sempre a preferência pra começar a carreira com eles, até por uma questão de gratidão etc. E acontece um fato engraçado, é que, pouco tempo depois que eu comecei a trabalhar, eles me contataram, mas eu já estava trabalhando, eu me senti moralmente desobrigado.
P/1 – Esses estágios que você fez era na Mina Azul lá no Pará?
R – Fiz, é.
P/1 – Como é que eram esses estágios? Era no período de férias?
R – Período de férias.
P/1 – O que você ia fazer lá? Conta um pouquinho o que era o estágio de engenheiro de minas.
R – O estágio de engenheiro de minas é: você vai pra lá, ficar próximo a profissionais da tua área e você é orientado por eles a desenvolver algumas atividades, muito no sentido de você aprender sobre os processos, então ajuda muito na tua formação. No caso específico desse estágio lá, eu tive a oportunidade de fazer um estágio com o pessoal da Mina do Azul, mas também olhar os outros processos, você passava mais tempo visitando, conhecendo as áreas, conhecendo os processos e às vezes desenvolvendo uma ou outra atividade, mas nunca parado num lugar só, era realmente um estágio voltado a contribuir pra tua formação e não pra utilização, a tua utilização como força de trabalho, entendeu?
P/1 – Quando você se forma, você optou por trabalhar na Vale e vai pra Carajás e aí qual que era a sua função lá como engenheiro de minas? O que você tinha que fazer?
R – A minha primeira função foi trabalhar com programação de produção, então era uma parte de planejamento mesmo do que seria feito, quanto seria produzido, de que forma seria destinado, eu trabalhei primeiro numa parte de programação da produção. Na minha carreira, já como engenheiro, eu fui gerente muito cedo, então eu acho que com um ano e meio de empresa eu assumi minha primeira gerência e tenho trabalho em posições gerenciais desde então. Eu devo estar com 23, 24 anos de carreira e aí tenho 22 anos desenvolvendo essa função de gestor e aí gerenciando processos diversos. Mas minha primeira atividade profissional lá no manganês do Azul, como programação de produção, depois eu tive a oportunidade de ficar responsável pela parte de operação de produção, produção e manutenção, eu fiz todo o ciclo até ficar responsável pela mina, todas as atividades da mina de manganês, isso num período de sete anos. Em 2000, eu fui transferido pra Minas, na época eu já estava, se não me engano, com 32 anos, e pra um outro desafio interessante, a Vale, ela fez uma joint venture com a Usiminas [Usinas Siderúrgicas de Minas Gerais] e eles comprara uma empresa de ferro-ligas, só que a Usiminas consumia a ferro-ligas e a Vale vendia minério pra ferro-ligas. Então, em algum momento, essa relação ficou meio conflituosa e a Vale pegou o controle todo e foi proposta uma reestruturação das operações dessa empresa em Minas Gerais e eu fui trazido pra Minas pra coordenar e unificar as operações, que eram quatro plantas, uma pequenininha, mas outras até razoáveis e uma mineração. Foi interessante pra mim e marcante do ponto de vista profissional, porque, 32 anos, eu estava relativamente novo ainda e eu tinha que juntar todas essas administrações dessas plantas e coordenar essas operações e era quatro metalurgias. Diferente um pouco da minha área e profissionais mais velhos e mais experientes, mais maduros do que eu, sendo o gerente da planta um senhor já dos seus 60 anos, muito maduro e eu com 32 anos com a responsabilidade de comandá-los. Eu me lembro de gestos, alguns momentos marcam a gente na vida, eu lembro da reunião e eu lembro exatamente no momento que a gente se fechou como um time, foi quando um desses gerentes, na reunião, ele se tornou e falou: “Nós vamos te apoiar, a gente vai fazer dar certo” e, assim, ele não falou da boca pra fora. Ele falou aquilo que ele estava pensando naquele momento e foram dois anos de trabalho junto com aquela equipe lá, que me marcou muito, né, de muita interação, aprendi muito com eles, muito, muito.
P/1 – Essa coisa, você falou que você trabalhou muito pouco tempo, numa operação, vamos dizer assim, entre aspas, e muito mais como gestor, né? O que você acha que te levou pra essa carreira mais de gestão... Porque aí eu fiquei pensando: “Nossa, um engenheiro de minas”, eu estava elucubrando aqui: “Nossa, acho que ele foi pra isso, praquilo” e aí, olhando pra essa questão da gestão. O que você acha que te levou pra isso?
R – O termo é levou mesmo porque, se eu falar assim: um sonho, o que que eu queria, eu gosto muito da minha formação básica como engenheiro, né? Se eu pudesse, eu passava o tempo todo estudando processos, calculando e tal, mas isso nunca foi o que foi pedido de mim pelas equipes que eu fiz parte, nos momentos que eu convivi, não foi o que eu quis fazer mas de que forma eu pude contribuir pros times que eu fiz parte, é um pouco isso. É diferente, às vezes, quando você está num time, você faz aquilo que você gosta, mas você às vezes, faz também o que esse conjunto do qual você faz parte entende, pede pra você, né?
P/2 – Eu queria pegar carona nesse papo das relações interpessoais que você havia comentado agora e essa questão de você ter ganho a equipe, inclusive um voto de alguém bem mais velho. Você falou: “A partir daquele momento, eu tive de fato uma equipe, passou a funcionar bem”. O que você acha que foi necessário pra você ganhar esse voto e construir essa equipe, se sentir parte dela?
R – Eu acho que é questão de escolha e a escolha nunca é só de um, tem a ver com empatia, tem a ver com você olhar nos olhos da outra pessoa e acreditar no que ela está falando, tem um pouco de química, é assim, algumas coisas na vida não têm fórmula, é crença, né? Eu tinha um propósito, eu acho que, em algum momento, o propósito deles também, a vontade deles, é uma conjugação, não é um indivíduo, você junta as partes e funcionou, se fossem outras peças de quebra-cabeças, talvez não se encaixassem da forma como se encaixou, não é um só, as outras peças todas contam também. Mas aí tem um detalhe, se você não tiver predisposto, independente das outras peças, nunca vão se encaixar, eu queria e eles quiseram, então, como eles quiseram e eu queria, deu certo. Se eu não quisesse, não estivesse pré-disposto e acreditando que era de verdade, também não teria sido do jeito que foi, se qualquer um tivesse uma atitude diferente, também não daria certo.
P/1 – Esse ambiente, chegar bem mais jovem num meio muito mais maduro, você lembra de alguma situação mais complicada, não sei, que você teve que ser mais flexível?
R – Eu já vivi alguns momentos de desafio, eu vou contar um deles, mas dessa relação toda se aprende muito, esse senhor, que era chamado Doutor Celso, uma pessoa educadíssima, um gentleman, cavalheiro. Eu marquei de jantar com ele, só pra te dar um exemplo, e aí, por respeito a ele, né, é uma pessoa mais vivida que eu, eu falei: “Olha, eu tenho que chegar no restaurante e eu sento e fico esperando ele chegar, quando ele chegar, eu vou recebê-lo”. Pra minha surpresa, eu devo ter chegado no restaurante uns 15 minutos antes, cheguei lá, ele já estava lá me esperando, você entendeu? Então são coisas que você vai aprendendo pelo gesto, que as pessoas estão sempre te ensinando, gestos como esse. E, em termos de desafio, o ser humano é bonito, é complexo, tem todo esse negócio e eu lembro e, assim, as relações, às vezes, passam pras pessoas uma falsa percepção de poder, porque você é amigo de fulano, vizinho de ciclano, então as pessoas acham que a força delas, em alguns momentos, pode vir das relações que ela tem. Teve uma pessoa que foi trabalhar comigo, essas decisões de quem trabalha com você nem sempre são tomadas só por você, e por algum motivo, um determinado dia, na minha sala, essa pessoa me desafiou, como profissional, não foi nada pessoal, mas, assim, é quase que apelar pras relações e pras conexões pra te desafiar e, assim, eu sempre tive essa postura de olhar pro outro e tentar compreendê-lo e tal e nunca ser levado pela raiva, que é um sentimento que eu raramente sinto. E aí eu ouvi, tal, entendi ele, não o gesto dele, né, mas entendi ele como ser humano e eu resolvi com ele, talvez no silêncio num primeiro momento e no tratamento depois, essa pessoa se tornou um grande apoiador meu, eu nunca escalei isso, né, eu nunca pedi, assim, eu nunca falei: “Eu vou apelar e usar da questão da autoridade”, porque fui eu e ele perdeu o controle e foi só uma vez também. Dependendo da medida que eu tivesse adotado, eu poderia ter levado a nossa relação pra um resultado diferente, mas eu tive a oportunidade de estudar lá no internato, né, eu errei, então isso vai marcando. Eu não estou te falando que eu lembrei disso na hora, eu falei: “Ah, aconteceu isso comigo no internato”, mas o que você vai vivendo te marca e vai deixando algumas impressões em você.
P/1 – Você contou chegou nesse momento, nessa coisa do ferro-ligas, tal, nessa joint venture com a Usiminas e a Vale, a Vale adquire e aí o que acontece com a sua carreira depois de você ter assumido tão jovem essa coordenação desse projeto grande dentro da Vale? O que acontece daí?
R – Depois disso, eu fui convidado pra ir trabalhar na França, no norte da França e isso fazendo mais parte de um processo de formação, então eu tive a oportunidade de ir pra lá, eu fiquei cerca de três anos, três anos e meio trabalhando na cidade de Dunquerque, morando em Lille, que é também no norte da França, e tive uma oportunidade de trabalhar num regime de fly-in fly-out, como responsável por uma ferro-ligas em Mo i Rana, na Noruega, mais próximo do círculo polar.
P/1 – Como foi essa experiência de trabalho internacional, de você estar na França? Você já falava francês? Como é que você se adaptou a essa realidade e também trabalhar na Noruega dessa forma?
R – É assim, é rico, né, pelo contato com culturas um pouco diferentes da sua, atos diferentes, marca a questão da infraestrutura que esses países têm, quando a gente compara com o nosso, algumas questões básicas, que a gente às vezes não dá tanto valor, a gente passa a valorizar mais, como a tua própria língua, a tua comida. É uma experiência muito rica você conhecer o novo e valorizar o que é parte da tua cultura e da tua própria história. Em termos de trabalho, eu acho que agregou muito também, ver como as empresas são geridas lá, a forma de trabalhar, foi uma experiência rica em todos os aspectos.
P/1 – Você foi pra lá pro desenvolvimento profissional, mas você assumiu o que lá, Gilberto? Você foi fazer exatamente o quê? Eu queria que você contasse um pouquinho qual é a diferença, até de processos lá e aqui, se tinha diferenças, porque também era uma mina de manganês, né?
R – Não, ferro-liga. Isso, já é uma área que eu usava. Lá, no momento da minha estada na França, eu atuei mais numa posição de apoio ao presidente da empresa lá, então trabalhava mais próximo dele nos processos que ele estava envolvido. Na Noruega, eu fiquei mais próximo, mais responsável pela produção, então são dois momentos. Em termos de processos, não foram muito diferentes, porque aqui no Brasil eu já estava à frente da produção de ferro-ligas e era a mesma empresa, era a Vale lá, no caso, então os processos eram bem similares, a forma de atuar das pessoas, aí sim começa a ter algumas diferenças que são culturais. Se a gente falar um pouquinho na Noruega e a forma de trabalhar do norueguês, pelo menos a impressão que eu tive no período que eu fiquei lá, é basicamente o seguinte: eles chegam pra trabalhar, durante o horário de trabalho, eles trabalham o tempo todo, terminou aquele horário, eles vão pra casa, porque é o combinado e eles têm, pelo menos a turma que estava lá, eles têm uma forma mais nítida de fazer as escolhas. Por exemplo, não é raro você oferecer a promoção pra uma pessoa e ela falar: “Não quero”, mas ela não quer não é porque ela não quer ser promovida, é porque ela sabe que a promoção implica mais responsabilidade, mais investigação de tempo e ela, naquele momento, que ela diz o não, uma escolha pelo lado pessoal, o equilíbrio entre o tempo dedicado ao trabalho, às atividades dele e o lado pessoal. Às vezes choca pra gente alguém falar assim: “Você quer uma promoção?” e o cara falar: “Não”, mas é por causa disso e quando eles estão lá, eles, realmente, até aquele horário ali, trabalham e tal, você não vê buscando uma outra atividade, é aquilo ali. Por outro lado, se precisarem ficar depois do horário ou cancelar alguma atividade pessoal, eles sofrem muito mais que a gente, acredito eu, eles sofrem muito mais. O francês mais tranquilo, mais próximo da gente, eu acho.
P/1 – Essas minas eram próximas das cidades? Como é que era?
R – Em Dunquerque é próximo da cidade, em Mo i Rana também não era distante da cidade, não, próximo da cidade, as duas próximas da cidade, as duas ferro-ligas.
P/1 – Essas minas, você falou que, em termos de processo, eram muito similares com o que a Vale propunha aqui, mas como era, nessa época inclusive, todo esse olhar pra questão da sustentabilidade, pra questão do meio ambiente, pra relação com essas comunidades? Conta um pouquinho pra gente como é que era naquele momento esse processo.
R – Bom, eu estou refletindo aqui um pouco pra recuperar a minha memória, mas eu acho que existia toda essa preocupação. Se a gente pensar, Carajás e o projeto da forma como foi pensado, com financiamento, você sabe disso, parte lá no Banco Mundial e ele já seguiu alguns critérios, que tinha essa visão e esse compromisso com a sustentabilidade já presente naquele momento e a Vale sempre trouxe isso com ela. Eu confesso que, embora isso estivesse presente o tempo todo e a todos os momentos, hoje, o nível que interação que eu tenho com essas questões são muito maiores, mas lá também era muito presente, né, muito presente dentro dos processos, dentro dos controles, de forma crescente.
P/1 – Eu vou voltar um pouquinho, essa coisa na Vale, quando você vai pra Carajás, o processo, a Mina do Sossego já estava em processo?
R – A Mina do Sossego vai entrar um pouco mais tarde.
P/1 – Entra depois inclusive dessa sua ida pra França?
R – Eu nunca trabalhei na Mina do Sossego, eu até passei pela divisão de cobre, mas eu passei por 15 dias, porque, quando eu fui pra divisão de cobre, logo depois eu saí pra trabalhar na Kinross, depois de mais um retorno pra Belo Horizonte, eu fui e voltei algumas vezes.
P/1 – Eu acho interessante, eu estou pegando esse link, porque a gente percebe uma ação na questão da sustentabilidade do processo da Vale dentro de Carajás e da Mina do Sossego, um processo evolutivo, vamos dizer assim, de olharem, mas eu acho que isso tem a ver com o contexto também, né, contexto mundial e uma série de coisas.
R – Eu acho que não só a mineração, pra gente até fugir um pouco da questão da Vale, eu acho que não só a mineração, mas muitos dos processos que nós, humanos, desenvolvemos, evoluem à medida em que evolui a nossa consciência. Eu falei que, por exemplo, eu sinto saudade do tempo que eu caçava com o meu avô, não de caçar, mas daqueles momentos com o meu avô, tá certo? Eu não olho aquilo como pecado que eu cometi no passado, por outro lado, eu não deixo caçar. Hoje, se eu puder impedir que cace... Então, eu acho que existe uma trajetória que nós seguimos de evoluir, de acertar que não é o melhor caminho quando a gente tenta de alguma forma exorcizar o passado, a gente tem que aprender com ele, tá certo? Deixar ele lá e fazer cada vez melhor de agora pra frente. Hoje, os critérios, os controles, a questão da tecnologia pra acompanhar, tudo mais, é bem mais intenso, bem mais presente. Então, a mineração como um todo, evoluiu. A gente tem histórico no passado, nos primórdios da mineração, que se a gente pensar na Europa, se usava criança pra lavrar carvão e o fato de usar criança é porque as galerias eram pequenas, então, assim, são coisas que são impensáveis hoje, por uma questão de valor, de consciência e valor, a gente está em outro momento.
P/1 – Como é que se dá, por exemplo, você comentou com a gente que você ficou na Europa mais ou menos três anos nesse período, né, e aí esse momento, França e Noruega, era uma coisa que você levou conjuntamente ou foi uma coisa que teve momentos separados, você ficou um tempo na França?
R – Um pouco mais separado... É engraçado, de novo, as escolhas que a vida nos impõe, então numa das reuniões, eu lembro, de avaliação com o meu chefe, ele falou: “Olha, o que a gente está pensando pra você é o seguinte: você está aqui e a intenção nossa é que na sequência você vá assumir aquela operação lá, então mudar realmente pra Noruega, ficar lá”. Aí eu virei pra ele e falei: “Não é o que eu pretendo pra mim”, porque eu não queria, eu já estava começando a ficar saudoso, eu sou meio apegado ao nosso país, eu tenho algumas discussões, que depois eu posso comentar, com os meus colegas, quando eles falam que está ruim, alguns falam em ir embora, eu falo: “A gente tem que ficar”. Mas, bom, eu tinha dito pra ele que não, mas aí vai acontecer um fato, que a pessoa que estava lá, a esposa precisou que ele voltasse. Eles tiveram problema com o parto da esposa dele, do gestor de lá, ele teve que voltar e aí já não era mais uma questão de escolha, de novo aquela equipe que você precisa, que você faz parte, ela precisa de você e precisa agora e precisa lá, então tudo o que eu tinha dito pro meu chefe já não valia mais nada e aí eu fui. Então é por isso que eu vou ficar lá esse um ano, um ano e pouco, porque, de novo, foi mais uma realidade, uma escolha imposta ali pelo momento, o que foi maravilhoso também, foi uma experiência muito boa, muito boa.
P/1 – Como é que era, em termos culturais, o que te chamou mais atenção na Noruega?
R – Quando eu cheguei lá, comecei a conversar com o pessoal, a questão dos números, salvo engano, o país todo tinha quatro milhões e meio de pessoas, então pra gente já é bem diferente, depois, uma sociedade, talvez pelo número, talvez pela cultura, muito mais horizontal, muito mais próximo um do outro. Em termos de comportamento, assim, bem mais soltos nesse sentido de falar e tal, por exemplo, a gente estava no Charles de Gaulle, o aeroporto de Paris lá, se tivesse uma fila só com francês, estava todo mundo um atrás do outro, tudo certinho, se fosse uma fila de norueguês, estava parecendo as nossas, toda bagunçada, misturada, entendeu? Coisas desse gênero, assim, mas principalmente, do ponto de vista da sociedade deles, o fato de ser muito, muito horizontal, né, não é hierárquica desse jeito, né, então se cobram mais, são mais próximos, é um pouco, a estrutura é um pouco menos hierárquica, as nossas sociedades latinas, elas são, na minha opinião, na minha percepção, mais hierarquizadas, eles são menos, bem menos.
P/1 – Nessa época, quando você foi, você já estava casado?
R – Já.
P/1 – Quando você foi pra França?
R – Todo esse caminho casado com a mesma esposa, eu tenho um menino de dez e outro de 20 anos, né, então eu sempre tenho que estar explicando, eu falo: “Olha, o mais velho tem 20 e o mais novo tem dez”, aí eu já coloco logo: “Com a mesma esposa”, né, porque perguntam o porquê dos dez anos.
P/1 – Fazia pouco tempo que você estava casado?
R – Não, não, quando eu vim pra Minas, eu já estava casado, já tinha um dos filhos, já tinha um dos filhos.
P/1 – Bom, conta um pouquinho como é que se deu então a sua evolução profissional depois que você volta da Noruega, dessa experiência na França.
R – Meu chefe volta pro Brasil, pra assumir uma diretoria aqui, ele vai fazer uma reestruturação e me chama pra assumir uma das áreas e ficar responsável pela parte da mineração de manganês aqui no Brasil e aí incluía essa antiga mina lá em Conselheiro Lafaiete (MG), algumas minas pequenas na Bahia, o Azul voltou pra minha responsabilidade de novo e uma mina de manganês em Corumbá (MS), né, a Mina de Urucum, que aí no caso tinha manganês e ferro na parte de cima e uma ferro-liga pequena, ficava sob a minha responsabilidade. Venho, vou assumir esse posto e vou ficar à frente dessa área durante algum tempo como gerente geral e, depois, em função de uma reestruturação também, eu volto ao Norte e volto pro Norte, aí volto pra Carajás, volto pro minério de ferro, vou pro minério de ferro, aliás, foi minha primeira passagem e única pelo minério de ferro. Nessa segunda vez em Carajás, eu vou trabalhar à frente de uns processos que eu não tinha trabalhado no passado, então eu tive a oportunidade de trabalhar à frente dos processos de meio ambiente, saúde e segurança, a parte de engenharia, a parte de planejamento de mina, eu vou ter uma experiência, em três anos que eu fiquei lá de novo, pra mim me enriqueceu muito e ajudou a consolidar muito da minha formação. Então ter a oportunidade de gerar o departamento de meio ambiente, que lidava lá com a relação com o Ibama [Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis] na reserva lá na Carajás, às vezes sentar com o chefe lá da reserva, discutir com ele ações pra melhorar a gestão, a questão da relação com a comunidade e lá eu acho que eu amadureci um pouco mais, tive a oportunidade de trabalhar um pouco mais perto desse lado do negócio.
P/1 – O que representa uma mina como Carajás pra um processo de mineração dentro de um país ou mesmo dentro de uma empresa? Porque, assim, aquilo é enorme, então, assim, até pra ficar nesse processo de gerenciar todos esses problemas, tudo isso que você falou, em relação a uma mina daquele tamanho e onde também se encontra, conta um pouquinho pra gente quais foram os seus desafios, quais foram suas expectativas também.
R – Eu acho que a parte do processo apresenta sempre um nível de desafio, mas muito tem a ver da forma como você interage e relaciona, de você construir, ser capaz de desenvolver confiança entre as partes, pra daí você construir algo junto. Então a gente sempre enfrentou uma ou outra dificuldade, mas não tem nada assim que eu possa falar que foi uma barreira, foi muito trabalho de construir junto, de se aproximar do outro, dentro e fora da empresa, de entender os processos e usar o conhecimento, a habilidade e a capacidade de cada um, é sempre isso.
P/1 – Você colocou também agora, já pra finalizar, eu vou fazer a última pergunta, porque aí depois a gente vai pro resto, essa coisa que você falou da relação lá, que você teve que ir muito pra essa questão da sustentabilidade, negociações com o Ibama. Como é que eram feitas essas negociações? Como é que era o sentar à mesa e discutir algumas questões? Como é que se dá esse processo?
R – Eu acho que de alguns momentos que eu penso, você tinha lá, por exemplo, à época, o Fred, que era a pessoa que respondia pela floresta e ele sentava à mesa e falava daquilo que ele acreditava, daquilo que ele falava que era certo, daquilo que ele falava que era desejável, né? Então tinha todo um processo de escuta pra ter uma resposta adequada, sempre procurando, na medida do possível, somar com aquilo que ele tinha como visão, então eram conversas sempre, na minha percepção, agradáveis, porque eram sempre momento de aprender muito e de construir junto. Às vezes, assim, poderia vir um questionamento ou uma demanda que teria que ser discutida, assim, aprofundado o debate, pra você chegar no posicionamento final, mas, assim, discussões técnicas, então...
P/1 – Você acha, assim, houve uma mudança até esse momento, em termos de legislação, que ajudou um pouco nesse processo de diálogo, mesmo em relação às comunidades?
R – A legislação, eu acho que, na minha forma de ver, tá, eu acho que é bem pessoal, a legislação não é o problema. Às vezes, o problema é o uso que faz da legislação, porque a legislação pra proteger o meio ambiente, pra garantir que a sociedade tenha voz, tudo isso é positivo, a forma de se usar a legislação é que talvez não seja tão positiva. Por exemplo, usar a legislação pra retardar um processo é algo que é questionável. Então, eu, particularmente, acredito que não é bom pra nenhum processo você colocar muitos empecilhos que vão além do debate e do entendimento com a sociedade, né? Mas, assim, eu, particularmente, eu acho que cabe sim, de forma geral, discutir legislação, mas não acho que seja o maior problema, não, eu acho que a gente consegue fazer as coisas com as legislações se houver diálogo e se as pessoas realmente tiverem a capacidade de pesar todos os lados, né, não só por um viés.
P/1 – Você teve algum problema que você pudesse contar pra gente em relação ou a comunidades, porque lá me parece que tem bastante comunidades quilombolas e também a questão do meio ambiente, um caso, um causo aí, vamos chamar assim, que você pudesse contar pra gente o desenrolar disso, você lembra de algum ou não?
R – Não, assim, que fosse marcante não. Eu lembro de momentos com a comunidade, sempre de diálogo, mas eu não lembro de nada, assim, incontornável, nada, não, não vivi nenhum, nenhum momento mais marcante, não. Vivi coisas do gênero, já teve momento que, indo de volta lá, não vou conseguir nem me localizar no tempo, mas de volta pra nossa Mina do Azul, à época estava bloqueado por um grupo de índios, tá certo? Eu fiquei muito receoso, nem me aproximei muito e tal e aí tinha o meu colega, o Jairo, que é amapaense, ele, assim, muito mais à vontade, eu acho que ele cresceu mais nesse ambiente, ele foi lá andando, passou pelos índios, depois voltou, eu ficava olhando aquele negócio, a forma, né, pra ele era algo mais natural e mais comum e, como a minha convivência com os indígenas, ela foi muito restrita, eu não estava tão à vontade como ele estava de passar por aqueles índios armados de arco, flecha, tacape, né, e pintados.
P/1 – Então tá bom, muito obrigada.
FINAL DA PRIMEIRA PARTE DA ENTREVISTA
INÍCIO DA SEGUNDA PARTE DA ENTREVISTA
P/1 – Boa tarde, Gilberto.
R – Boa tarde.
P/1 – Vamos dar continuidade ao seu depoimento. Agora, minha ideia é que você contasse um pouquinho como é que se deu a sua vinda pra Kinross. Você estava na Vale..
R – Pois é. Eu estava trabalhando na Vale há 17 anos quando surgiu o convite, a oportunidade de me juntar à equipe da Kinross. E é sempre uma decisão muito difícil porque depois de 17 anos numa empresa você acaba se afeiçoando às pessoas, à empresa, às atividades que você desenvolve, aquilo que você acredita em relação àquela empresa. Mas é um momento que a gente acaba refletindo e naquele momento eu pensei o seguinte, eu tinha que fazer uma escolha, ou optar por permanecer eternamente na empresa que eu estava, ou, se fosse momento de tentar uma mudança, seria naquela hora. E eu acho que minha esposa teve um papel também, que ela deu aquele empurrãozinho, sabe assim? “Não, eu acho que a gente tem que fazer algo diferente”. Eu sempre fui muito feliz na empresa anterior e por isso foi um momento muito difícil pra mim, essa decisão. Mas, feita a opção, vida nova, então eu me juntei à Kinross no primeiro trimestre de 2010.
P/1 – E me fala uma coisa, Gilberto, como é que se deu esse convite? Você estava em BH nesse momento, né? Na Vale.
R – Isso. Eu tinha acabado de me juntar à área de cobre, tinha voltado pra Belo Horizonte. A princípio ia me preparar pra assumir um papel mais voltado às operações internacionais do cobre naquele momento, mas foram só 15 dias. Já existia um processo negocial em andamento, eu fiz esse movimento de vinda porque eu não tinha tomado uma decisão definitiva ainda. Foi muito engraçado porque eu tomei essa decisão num hotel em Johanesburgo, na África do Sul, depois de um telefonema com o pessoal da Kinross. Eu liguei pro meu chefe, ele estaria indo pra África do Sul e nós o encontramos no aeroporto de Guarulhos. Foi engraçado que ele começou a falar, paramos pra almoçar e tal e ele começou a falar dos projetos. Eu ouvi pacientemente durante uma hora, mais ou menos, conversando, trocando ideias e no final da conversa que eu falei com ele e tal, que sairia da empresa, decisão tomada e vida nova. Foi assim.
P/1 – E qual foi o primeiro movimento, na verdade, você conhecia aqui Paracatu, você já tinha vindo aqui, como é que foi?
R – Eu vim aqui num processo de entrevistas, mas eu não vim à mina. Eu conversei com os executivos que estavam aqui, a pessoa que era o CEO [Chief Executive Officer, Diretor Executivo] tinha vindo de Toronto, já tinha feito entrevista no headquarter com todos os executivos sêniores, então já conhecia a liderança da Kinross, mas eu não conhecia o site, embora tenha vindo a Paracatu, mas eu não vim aqui. Eu só vim aqui depois de estar já dentro da empresa.
P/1 – E nesse momento quais foram os desafios que te foram impostos? Qual que era a sua função e também quais seriam os desafios, ou quais eram as propostas, as expectativas que esses executivos tinham?
R – Bom, a posição estava vaga, então precisava de alguém, um outro profissional, pra assumi-la. E ai, tem dois aspectos que pra mim eram mais importantes. O primeiro deles, o fato que a empresa, a Kinross, havia assumido o controle cerca de cinco anos antes. Essa assunção de controle levou a uma reestruturação e essa reestruturação implicou na saída de muita gente de cargos gerenciais e de direção que estavam aqui antes. Ao mesmo tempo que a Kinross arrume o controle e faz esse processo de reestruturação, ela estava implantando um projeto que é muito importante, de modernização e de capacitação das operações pra poder tratar o minério que era mais desafiador do ponto de vista de dureza, tá certo? Então eram dois movimentos ao mesmo tempo. Quando eu cheguei aqui em 2010 esses dois processos ainda não estavam consolidados, nem um e nem o outro. Eu vou viver isso. Esses processos de mudança são muito desafiadores para as pessoas que os vivem, né? Quando você fala da reestruturação as pessoas que estavam mais antigas, aquele embate entre o antigo e o novo, quem era antigo, quem é novo na empresa e há esse choque de culturas, estava bem vivo na época. E em relação à implantação do projeto, o fato que a gente estava vivendo um ramp-up muito difícil. Aquilo que tinha sido colocado como premissa de projeto em termos de produção não estava sendo atingido, tá certo? Tinha essa questão do clima e a forma como essas coisas impactavam as pessoas. Então minha prioridade, acho que desde o primeiro dia que eu cheguei aqui, foram pessoas e clima. E quando a gente fala de pessoas e clima, a gente não tem como não estender isso também pra comunidade porque as coisas estão inter-relacionadas. Quando a gente vê o porte da nossa operação fica fácil a gente ler que uma boa parte da população de Paracatu ou trabalha ou tem familiares trabalhando aqui. Então, uma parte da comunidade está bem presente no dia a dia das nossas operações e quando eu falo presente é trabalhando efetivamente. Se você falar de uma população de 80, 90 mil pessoas, você está falando de 4 a 5% trabalhando diretamente na operação, fora as pessoas que têm atividades que são ligadas à empresa mas são indiretas e os familiares que dependem dessas pessoas. Então, assim de forma muito genérica, a empresa tem alcance em termos de geração de emprego e renda, talvez alcançando aí dez, 15 mil pessoas na cidade, mais familiares, etc. Por isso quando a gente fala das pessoas, a gente estende pra comunidade também pela relação, fato que a empresa estar próxima. Em suma, o desafio acho que desde o primeiro dia foi pessoas, relação, comunidade, isso que é...
P/1 – E como é estruturado essa coisa? Você traz na sua narrativa muito uma coisa da Kinross assumindo a totalidade da operação enquanto dona, acionista mesmo dessa operação. Então assim, você traz uma questão de clima, isso estava muito ligado à questão do novo, tinha uma questão de uma nova cultura, o que era um pouco esse clima? Conta um pouquinho pra gente.
R – Era exatamente isso, era o embate entre culturas diferentes. Você tinha uma cultura que antes era da RTZ [Rio Tinto Mineração] e agora uma cultura Kinross chegando. E esse é um processo bem natural quando você tem uma consolidação de controle nas empresas. E além disso, como eu comentei, você tinha um momento que era toda a expectativa e pressão de você atingir as metas de produção em um projeto que ainda não tinha atingido seu ápice, que não estava naquele momento apresentando os resultados esperados, então tudo isso trazia uma tensão muito grande pro time.
P/1 – E quais foram suas primeiras ações ao olhar pra isso? O que você achou que era importante fazer? Como se deu um pouco esse trabalho seu em tentar sanar ou mitigar um pouco todo esse processo durante um período, quais foram suas principais ações?
R – Foi um processo um tanto quanto intuitivo e natural, mas muito no sentido de construir confiança, construir um propósito comum pro time. E isso através de diálogo, através de alguns processos para ouvir as pessoas, para engajá-las nas discussões e tentar sinalizar, através de atitudes, aquilo que a gente estava pretendendo e aquilo que a gente acredita. Por exemplo, uma das ações que eu tomei à época assim que aqui cheguei foi dar ao supervisor de mina a autoridade pra parar os equipamentos se tivessem de alguma forma incomodando a comunidade. É simbólico, mas tem uma mensagem aí que assim, os valores estão acima da produção. É óbvio que uma empresa precisa da produção, ela precisa de faturamento, precisa de receita pra existir e pra cumprir a sua função, mas a sua função é bem maior do que isso, né? E é isso que a gente tentou reforçar ainda mais com o time. A nossa empresa já tem ao longo de sua história uma base de valores bem definida e bem comunicada e reforçada através de alguns rituais. E quando eu falo desse reforço existe celebrações locais e celebrações corporativas em que membros das várias unidades produtoras da empresa vão pra serem reconhecidos por expressarem esses valores. Então tem uma campanha muito forte de reforço. Em linhas gerais, não teve nenhuma fórmula mágica de novo, é questão de convivência, relacionamento, valores claros e construir isso ao longo do tempo. Nenhuma revolução, um processo evolutivo, de ganhar confiança, de solidificar posições, de integrar a equipe e avançar.
P/1 – Me fala uma coisa, Gilberto, nessas conversas todas, uma coisa que foi muito reforçada com a antiga Rio Tinto, que foi a questão da segurança, que isso é um valor muito forte anteriormente, até por conta de um próprio sistema que foi implantado e nos disseram que isso realmente foi mantido. Isso pra você, que já tinha trabalhado em outras empresas, em outras mineradoras, de outros processos, como é que quando você chegou aqui encontrou essa questão da segurança? Pra você foi uma surpresa ou tinha alguma coisa nova nesse processo? Você sabe dizer pra gente alguma coisa nesse sentido?
R – A discussão sobre segurança do trabalho é sempre muito rica porque se virar pra qualquer pessoa e perguntar pra ela se ela valoriza a segurança, todas elas vão responder que valorizam e elas vão estar falando a absoluta verdade, porque elas acreditam nisso. E leva algum tempo pra que as pessoas compreendam que além do acreditar que eu faço tem a questão de atitude. E a atitude você muda com conhecimento, com treinamento e com motivação. A motivação pra ter prática segura, eu acho que ela é inerente à grande maioria das pessoas, mas o conhecimento às vezes falta pra algumas pessoas. E aí o que acontece também nesse momento que eu cheguei aqui? Veja, com o Projeto Expansão você tem muitas pessoas entrando, novas, na empresa. E algumas pessoas que estavam vindo, por exemplo, do campo, sem uma experiência na área industrial. E aí você tem o desafio de incluir essas pessoas dentro dessa cultura de segurança que já existia na época da RTZ. É um grande desafio e é um processo porque, não sei se você vai concordar comigo, mas à medida que você tem uma empresa com 350, 400 pessoas e ela passa a ter 900, 950 pessoas no período de um ou dois anos é uma empresa, um grupo completamente novo, com dinâmica nova e, talvez ali do ponto de vista de cultura estabelecida, uma nova cultura, tá certo? Então assim, um processo muito rico. Mas aquela base que existia nos tempos da RTZ e também os valores da Kinross em relação a termos pessoas como prioridade primeira e valor primeiro, isso tudo se somou de tal forma que a gente tem feito um percurso bastante interessante na área de segurança, mas segurança do trabalho nunca é um processo findo, ele está sempre em construção.
P/1 – E eu queria que você falasse um pouquinho, que pra mim isso está um pouco nebuloso no sentido de datas ou de período, na verdade. A Kinross quando veio pra cá, ela não tinha Paracatu, foi mais ou menos na época que você entrou, foi depois que foi ver Kinross Paracatu ou não? Ou eu estou com a informação errada? Porque isso pra mim ficou um pouco nebuloso.
R – Na realidade, a Kinross vai fazer parte do controle da mina Morro do Ouro através de uma joint venture e depois ela vai assumir o controle. Então ela estava presente e aí ela assumiu o controle. E assumiu o controle com esse propósito da expansão. A questão do brand e da mudança de nome vai acontecer um pouco depois, mas como fase de solidificação. Eu não vou conseguir precisar bem a data, mas foi após 2010, eu acho que em 2010 pra ser mais preciso.
PAUSA
P/1 – Então, Gilberto, eu queria que você falasse um pouquinho como é que se deu, na verdade, essa coisa da cultura que eu acho muito interessante, que é um pouco o que você coloca, e que acho que é os grandes desafios de toda empresa, ou através de uma fusão, ou através de uma aquisição, eu acho que de todas as narrativas que eu tenho ouvido de alguns executivos é uma coisa muito rica, como você colocou, mas é desafiadora, né? Porque como que você passa por um processo de transformação da cultura e você trouxe muito essa coisa do diálogo, da conversa. Mas eu queria, se você pudesse exemplificar um pouco, como você trabalhou a comunicação disso dentro do processo, vamos dizer assim, como você foi trabalhando isso com seus pares e com as pessoas que lideram essas áreas.
R – Bom. Acho que um primeiro passo é garantir que aquelas pessoas que te auxiliam nesse processo compartilham a mesma percepção, a mesma visão que você tem desse processo em termos de quais são os valores que nós vamos apregoar, difundir, e aí os valores da Kinross, eles estavam bem definidos já. E a forma como a gente vai transformar isso em atitudes visíveis pra todos. Então tem um primeiro momento que é de alinhamento, talvez do teu primeiro time, do time mais próximo, pra combinar a forma de fazer esse processo e depois executá-lo. A execução é muito do processo de comunicação formal, mas é muito também interação, é aquilo que você mostra para as pessoas que trabalham com você na hora que você tomou uma decisão. Se a gente está falando, por exemplo, de segurança versus produção mas, em função de você não estar atingindo uma determinada meta de produção você começa a correr mais riscos, você nega o seu valor. E essas decisões, às vezes, você tem que tomar no seu dia a dia e elas vão valer, mas cada atitude sua e cada decisão que você toma vão valer mais do que mil palavras. No lidar com a comunidade, se você, nas suas atitudes, na hora de tomar as decisões, você não demonstra isso. Por exemplo, se você tem uma operação que está gerando um ruído um pouco maior, que você entende que vai incomodar a comunidade, e você não reage a isso, mesmo penalizando a produção, você nega seu valor. Então essas atitudes que vão solidificar o que são nossos valores e o que é a nossa cultura. E ela vai se traduzir em atitudes e atos. E essas atitudes acabam sendo repetidas pelo time, uma vez que eles aceitam isso como a nossa cultura, a nossa forma de ser, a nossa forma de agir. É um processo que eu acredito que seja mais ou menos desse jeito, mas feito muito de interações às vezes individuais, do dia a dia, a todo momento. Não é só uma questão formal de processo, estruturado. A gente tem que acreditar e eu acho que todos nós que lideramos, exercemos algum papel de liderança, ou fazemos parte de uma equipe e somos percebidos por outros membros, seja da equipe ou da comunidade, a gente tem que expressar esses valores, senão a cultura não se estabelece.
P/1 – Você colocou que você chegou na empresa, tinha uma questão de não se atingir a meta proposta em termos de produção. E isso estava já dentro do processo da Planta 2, né?
R – Isso.
P/1 – O que foi feito ou estruturado pra que isso fosse conseguido ou, de alguma forma, qual era o problema, por que não se conseguia atingir a meta? Eu queria que você falasse um pouquinho dessa questão.
R – Tinham várias questões tanto do ponto de vista das expectativas criadas com o próprio projeto, mas também com os desafios de você minerar, lavrar um mineral de muito baixo teor, um dos menores teores de ouro do mundo pra uma mina. E também um corpo mineral que não é homogêneo, que é heterogêneo e isso traz desafios pro processo. E um processo novo, recém implantado. Não que a tecnologia fosse nova, mas era uma planta nova, com configurações novas, pra esse minério específico. O desafio de produção é um desafio constante, não é algo que para no tempo, mas a gente saiu daquela situação pra situação de hoje, que uma das minas que eu posso afirmar que é uma das mais bem operadas do Brasil, através de investimento, através de trabalho em equipe e muita cooperação, não só interna, aqui na nossa mina, mas de outras áreas corporativas e de outras unidades da empresa. Então, é um trabalho que vai ter o envolvimento de vários processos, de várias diferentes áreas da empresa e que trouxe a gente numa curva de aprendizado que nos levou hoje a nos encontrar numa situação muito melhor do que em 2010. Mas é uma curva de aprendizado, então a gente ainda continua essa jornada.
P/1 – E como foi pra você, na verdade, chegar... porque pelo que você contou da sua história você nunca tinha trabalhado em uma mina de ouro, né?
R – Não (risos).
P/1 – Conta um pouquinho pra gente do que você já tinha vivido nas outras que foi diferente, apesar que pra mim, na minha cabeça, estou achando que é um processo similar que tem de mineração. Mas o que era de diferente? O fato de ser uma mina a céu aberto?
R – Não, as diferenças, talvez, a questão relativa à heterogeneidade do corpo mineral, os desafios de processo, o design do próprio processo. É tudo diferente e mais complexo. Os teores, né? Então a minha experiência passada era em minas de manganês e minério de ferro, que eram minérios com teores maiores, mais homogêneas, com desafio da escala, às vezes o desafio do local em que estava sendo operado, por vários motivos. Mas aqui foi uma experiência nova, um minério novo e um desafio, nesse aspecto técnico, muito diferente, eu diria até, muito maior. Mas assim, nada que não fosse do conhecimento de um engenheiro de mina. Mas uma coisa é você conhecer conceitos, outra coisa é você vivenciar, ter experiência e habilidade de lidar com isso no dia a dia. Agora, a gente nunca está sozinho, então quando você chega numa operação como essa você tem muitas pessoas que têm conhecimento, que têm experiência e que ajudam na construção de um processo mais forte, mais eficiente. E a gente tinha muita gente que era da época da RTZ, outros profissionais que vieram do mercado e todo mundo agregando conhecimento, capacidade, experiência, levou a gente ao grau de eficiência que a gente tem hoje. Então é assim, eu nunca tive o entendimento que eu tinha que mudar o mundo ou a realidade dessa empresa, o meu papel é um papel, talvez, de facilitador. Eu não preciso saber, tá certo? Não é mandatório que eu seja o expert em todos e talvez ser expert em assunto nenhum, o que eu tenho que ter é habilidade de ajudar o time a construir.
P/1 – E das várias histórias que a gente já ouviu, todo mundo coloca muito o valor que é muito seu e que as pessoas colocam que talvez o processo seria diferente se não fosse você que estivesse aqui, que é a questão da relação com a comunidade. Eu queria que você falasse um pouco, porque você começou a contar pra gente, você contou um pouco da sua experiência lá atrás, que era uma coisa nova pra você, que você começou a trabalhar com a questão da comunidade na própria Vale. Eu queria que você falasse um pouco como é que você viu, quando você chegou aqui, uma mina dentro da cidade, praticamente. O que você vislumbrou em termos de possibilidades ou de desafios, como é que foi um pouco isso?
R – Eu acho que assim, os desafios, a gente percebe até quando dialoga com a própria comunidade porque eles vão trazer isso, né? A forma como eles percebem a mineração e a forma como eles percebem o impacto da nossa atividade no seu dia a dia. Então, o desafio está posto e ele é comunicar. A forma de lidar com isso, eu acho que é respeito e empatia, é você ser capaz de se colocar na posição do outro e entender por que a pessoa está expressando aquilo que ela está expressando, seja uma expressão de apoio, seja uma expressão de protesto ou discordância, e às vezes seja um mix dos dois, de pontuar o que elas percebem de pontos positivos e os outros pontos que a gente deveria ter mais atenção, etc. Eu acho que um outro aspecto importante é a questão do indivíduo. Uma coisa é você falar para uma multidão, mas às vezes você precisa falar pro indivíduo em particular que está ali falando com você e trazendo os problemas dele. Ouvir é um processo muito rico, muito rico mesmo e já ajuda bastante. Às vezes, a gente não consegue dar solução pra tudo, todas as demandas que são trazidas pra gente, mas acho que o processo de ouvir e ter a real intenção de querer ajudar, de procurar formas de ajudar, já facilita muito esse processo e fortalece a relação. Ocorre que às vezes por deficiência do Estado, de forma geral, existe muita carência e às vezes a própria comunidade se volta, volta os olhos pra nossa empresa na busca de apoio, de ajuda. E a gente precisa entender isso também, a gente nunca vai substituir o Estado, mas a gente tem aí uma oportunidade grande de exercer a cidadania e aí é um processo, de novo, que ele tem que ser baseado nos valores, né? Então atitudes, questão de ouvir. Eu jamais deixei de ouvir qualquer pessoa da cidade que quisesse falar comigo. E às vezes é pra reclamar, dar puxão de orelhão, mas a gente conversa e procura se entender e construir junto.
P/1 – Gilberto, nas pesquisas, nas conversas a gente foi vendo que hoje o Brasil, a mina aqui de Paracatu é o principal negócio, ou um dos principais negócios, da Kinross no mundo. Como é, pra você, estar à frente desse principal negócio do grupo, um dos principais negócios do grupo?
R – Pra mim é natural. Quando eu falo que é natural é porque ao longo da minha trajetória eu fui trilhando caminhos que me trouxeram até aqui. Então eu sinto isso como algo natural, que aconteceu, aconteceu por uma série de circunstâncias, decisões, oportunidades, etc. Esse é um aspecto. Segundo é que eu nunca me sinto sozinho. Eu não sinto peso de carregar uma unidade dessa nas minhas costas. Eu sei o peso da minha responsabilidade, mas eu não me sinto sozinho, eu enxergo o time e o valor do time que a gente tem aqui, enxergo os valores e o apoio que a gente recebe da nossa empresa de forma geral, então, isso facilita o processo, saber que você não está sozinho. Mesmo quando a gente fala da comunidade, a gente recebe muito apoio da comunidade e às vezes isso pra mim é muito marcante. Aqui na comunidade Machadinho, por exemplo, teve momentos de reclamação, de discussões sobre aquisição de terra, que o pessoal tinha interesse em vender, questionamentos sobre impacto da nossa operação, sempre esse diálogo, esse debate. Mas eu precisei de ajuda, por exemplo, em função de alguns eventos de segurança pública, aí eu falei: “Eu preciso de ajuda, eu vou pedir ajuda”. Eu fui pra comunidade e falei: “Eu preciso da ajuda de vocês”. E assim, muito gratificante ver o empenho e a seriedade que as pessoas da comunidade deram a esse processo de nos ajudar, de se comprometerem, discutir junto, pra que a gente atingisse um objetivo comum, muito positivo. E assim, a liderança desse processo por parte de uma das pessoas que mais questionavam a gente. Eu estou falando mais questionava e talvez questione ainda, mas, nesse propósito, trabalhando junto e atendendo à solicitação de apoio. Porque é isso, as pessoas não precisam pensar exatamente como a gente pensa, acho que dá pra construir esse processo todo junto.
P/1 – E já pra ir finalizando, eu vi que você se coloca de uma maneira, até como pessoa e dentro de todo um processo de entrevista que foi muito legal, muito interessante, porque acho que sua vida levou um pouco nisso, né, Gilberto, que é essa coisa de saber ouvir o outro independente se ele pensa mesmo como você. Eu me lembrei agora quando você falou, quando você estava na faculdade, que assumiu a liderança do centro acadêmico junto e aí você colocou, né, eu era o mais conservador e lidar com uma pessoa de esquerda.
R – Ah é, o DCE.
P/1 – É, DCE.
R – De Ouro Preto.
P/1 – Então assim, olhando pra sua narrativa eu vi que você não se coloca, mas suas atitudes o mostram como uma pessoa conciliadora. E aí eu fiquei aqui me questionando quando é que você se viu como um líder?
R – Todo mundo é líder em algum momento. Então, quando eu tento liderar eu me percebo como líder, quando a ocasião pede. Não na maioria das vezes, quer dizer, não é todo momento que eu acho que eu tenho que liderar algo, não é isso. Eu tenho uma posição de liderança e tenho que exercê-la quando eu preciso exercer. O ideal é que em alguns momentos eu siga até mesmo subordinados. Por exemplo, a gente tem um diretor de operações, uma pessoa do ponto de vista de experiência operacional muito maior do que a minha. É evidente que em muitos momentos eu vou segui-lo e apoiá-lo. É um pouco disso. Quando eu preciso liderar, até hoje, eu liderei, gosto, às vezes dá frio na barriga dependendo do momento do desafio, mas a gente faz e faz com naturalidade. A questão de procurar entender os lados eu acho que faz parte da trajetória, da formação da minha personalidade e eu posso tentar explicar de várias formas. Se eu olhar a questão da minha origem eu posso olhar tanto do ponto de vista racial, se a gente for falar, um avô negro, um avô branco, a questão do discurso de raça pra mim tem uma relatividade, né, irmãos de morenos a loiros, então eu vivi essa diferença e essa diversidade em casa. A questão religiosa eu sei que não é uma diferença tão grande mas, pai católico e mãe protestante. A vida toda. E assim vai. E depois, acho que ao longo da minha vida toda eu fui sempre muito mais ajudado, né? E eu aprendi muito cedo que às vezes a gente não recebe ajuda e não recebe apoio porque não pede. Muitas vezes na minha vida eu pedi apoio e talvez um ou duas vezes que não obtive a resposta que esperava. Porque as pessoas querem ajudar, se você vira pra elas, pelo menos a visão que eu tenho de mundo e a minha experiência mostrou pra mim. Quando você pede ajuda, você obtém ajuda. No trabalho, na escola, é isso.
P/1 – Bom, pra finalizar eu queria que você falasse qual a importância desse projeto da Kinross de promover um projeto à base da memória das pessoas? Qual a importância disso, como você vê isso?
R – Profundo, né? Profundo. Eu vejo que ele ajuda na preservação de coisas que são muito importantes pra nossa comunidade, pra nossa cidade. Ajuda também no processo de comunicação. Eu não sei se dá pra definir, enclausurar, o que a gente espera. É um pouco tentar definir e limitar a arte, né? Porque eu tenho certeza que cada pessoa que ver os depoimentos que foram dados, elas vão ter uma percepção diferente. Então assim, acho que é um processo muito rico, eu acho que do ponto de vista da empresa, eu acho que ele vai ajudar a preservar a história, a cultura da nossa cidade em função das pessoas que deram os depoimentos e vai nos ajudar também a nos integrarmos ainda mais nessa comunidade d qual fazemos parte. Porque é isso, as pessoas vão se ver, vão ver pessoas que elas conhecem contando histórias e isso é muito, muito rico e positivo. Eu não tenho uma definição fechada, não. Mas assim, muito positivo, acho que vai ajudar demais essa interação com a cidade.
P/1 – E como é que foi pra você dar essa entrevista da sua história de vida pra gente? Como é que foi estar nesse papel de contar a história?
R – Pra mim é uma experiência nova mas bastante agradável porque vocês fazem a entrevista correr de forma agradável, a capacidade de estabelecer empatia e passar essa percepção de estar sendo ouvido facilita o diálogo, né? Então, facilita falar.
P/1 – Que ótimo! Eu queria agradecer a sua participação que foi muito boa, foi muito legal, obrigada!
R – Eu que agradeço. Uma boa tarde e um bom trabalho pra vocês.
FINAL DA ENTREVISTA
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