Projeto Conte Sua História
Depoimento de Camila Tedeschi de Toledo Tápias
Entrevistada por
São Paulo,
PCSH_HV845 _ rev.
Realização Museu da Pessoa
Transcrito por Ana Carolina Dias
Revisado por Paulo Rodrigues Ferreira
Edição: Jonas Samaúma
P/1 - Camila, começar da ma...Continuar leitura
Projeto Conte Sua História
Depoimento de Camila Tedeschi de Toledo Tápias
Entrevistada por
São Paulo,
PCSH_HV845
_ rev.
Realização Museu da Pessoa
Transcrito por Ana Carolina Dias
Revisado por Paulo Rodrigues Ferreira
Edição: Jonas Samaúma
P/1 - Camila, começar da maneira mais clássica possível. Seu nome completo, local e data de nascimento.
R - Meu nome é Camila Tedeschi de Toledo Tápias, nasci em São Paulo, em 2/10/1971.
P/1 - Camila, seus pais são de São Paulo?
R - Não. Meu pai é de Minas, ele nasceu numa cidade chamada Baependi, e minha mãe nasceu em Campinas e viveu a vida dela em São Paulo.
P/1 - E seus avós, vamos falar primeiro dos seus avós paternos, depois dos maternos. Você conheceu os seus avós paternos?
R - Conheci, tanto os maternos quanto os paternos.
P/1 - E os paternos faziam o quê? Eles são de Baependi, os dois?
R - São de Minas. Meu avô paterno tinha uma fábrica de laticínios e se meteu também um pouco em política, mas a atividade dele, realmente, era a fábrica de queijos. E a minha avó era dona de casa, ela teve... Eram oito filhos, meu pai o penúltimo, e então ela ficava em casa cuidando dos filhos.
P/1 - E seu pai nasceu em Baependi?
R - Meu pai nasceu em Baependi.
P/1 - E você chegou a conviver com os seus avós em Baependi? Você ia para lá?
R - Eles depois se mudaram. Eles viveram um período em São Paulo. Até, quando meu pai era jovem ainda, eles saíram de Minas, foram para... Vieram para São Paulo e depois voltaram para Minas. Então, quando eu nasci, eles já estavam em Minas, de volta, e aí era uma cidadezinha perto de Baependi, bem pertinho mesmo, a uns 10 minutinhos de Baependi, chamada Conceição do Rio Verde. E aí eu passei a minha infância indo, todo Natal a gente ia, uma vez em julho e uma vez no final do ano. Natal, a gente passava lá com eles.
P/1 - E seus avós maternos?
R - Os meus avós maternos, o meu avô era médico e clínico geral, e minha avó não trabalhava, era dona de casa também. E eu passei a minha infância também, muito, muito em contato com eles. Ele tinha uma fazenda, meu avô, que na verdade era herança da minha avó e ele é quem cuidava, ele sempre gostou de fazenda, então quando casou com a minha avó ele assumiu a fazenda e largou a Medicina para cuidar da fazenda. Exerceu a Medicina durante muito tempo e quando eu nasci, ele já não clinicava mais. E a gente passava as férias... Quando a gente não estava em Minas, a gente estava na fazenda e a fazenda é no interior de São Paulo, em Planalto, que é perto de São José do Rio Preto.
P/1 - Camila, e você sabe como o seu pai e a sua mãe se conheceram?
R - Eles se conheceram em São Paulo, na Faculdade. Eles dois fizeram Sociologia Política e... A minha mãe no Instituto Sedes Sapientiae e ele também estudava... Ele acabou não se formando, mas os dois se conheceram lá na Faculdade e na época de muita... 1964, quando havia um país muito turbulento, os dois estudantes de Sociologia, então era um período interessante para se conhecer.
P/1 - O que eles contam desse período? Eles te contavam histórias desse período?
R - Eles contam pouco. Eles contam que a atividade estudantil era muito perigosa, eles tentavam não se envolver com política estudantil, apesar de terem se envolvido, eles... Eles dois muito politizados, Sociologia Política, eles estavam no meio, estavam lá no olho do furacão, mas procuraram não se envolver de maneira intensa com a política na época, pelo perigo que isso representava. Meu pai tem um primo que foi assassinado na época, então era um... Era muito receio de acontecer alguma coisa com a vida deles mesmo, então se mantinham afastados.
P/1 - E aí eles se casaram, acabaram a Faculdade e se casaram? Como é que foi?
R – Isso. Logo depois da Faculdade, eles se casaram e foram morar em Recife; meu pai assumiu a direção de um jornal em Recife. E a minha mãe foi com ele - nessa época ela não trabalhava ainda - e foi com ele, eles moraram... Eles ficaram cinco anos sem ter filhos. E aí... Cinco não, acho que uns... É, quase cinco anos sem ter filhos e voltaram para São Paulo. Quando voltaram para São Paulo, aí que eu nasci. E o meu pai nessa época, quando eles voltaram para São Paulo, o meu pai trabalhava no Moinho Santista, ele era diretor de marketing. Aí mudou totalmente a carreira, saiu...
P/1 - Mas ele fez Sociologia e foi abrir um jornal... Foi ser diretor de um jornal?
R - Foi ser diretor de um jornal. O meu pai teve uma carreira muito...
P/1 - Como é que ele foi convidado, você sabe? Como que ele virou diretor?
R - Eu não sei. Não sei.
P/1 - Que jornal que era?
R - Chamava-se Jornal do Comércio. O jornal eu sei pouco, não existia ainda, ele conta que um amigo dele gostava muito das coisas, dos textos que ele escrevia. Meu pai quis ser ator, meu pai tinha um jogral - um grupo de jogral - então fazia recitais e jograis. E o meu avô não deixou ele ser ator, ele tem uma veia artística frustrada. E conhecia muita gente, ensaiava peça com Tony Ramos, era da época do Tony Ramos. E aí conhecia muita gente, e esse amigo gostava dos textos dele porque ele escrevia não só textos, como poesias também. E aí, esse amigo o convidou para ir para Recife dirigir esse jornal, aí ele foi. E a minha mãe, nessa época, não trabalhava e o acompanhou.
P/1 - Ela conta alguma coisa dessa época? Eles? Que tenha marcado?
R - De Recife? Não, o que a minha mãe gostava muito... Ela só conta que gostava muito da vida lá, que era uma vida, assim, imagina, Recife há... 40 anos? Na verdade, 50 anos atrás, não é? 50 anos atrás, que eu ainda não existia. Era o fim do mundo para quem morava em São Paulo, quem sempre viveu em São Paulo como ela, ela conta que a família ia visitar, que era um acontecimento quando ela recebia o pessoal daqui de São Paulo, ia a caravana de São Paulo visitá-los em Recife. Ela gostava da vida lá, achava que era uma vida diferente, calma, tranquila, fez alguns amigos lá. Ela disse que gostava, mas conta pouco, não conta muito não, não tenho muitos detalhes.
P/1 – Aí seu pai recebeu esse convite?
R - Recebeu o convite, voltou para São Paulo e foi trabalhar com marketing. E também não sei como foi essa transição dele, é interessante, eu devia perguntar mais, a gente quando começa a falar, não é? Fala: "Eu não tenho os detalhes". E aí ele foi... Ele se envolveu muito com o Moinho Santista e foi durante muitos anos, a minha infância, assim, eu pequena, lembro-me dele trabalhando muito, muito. Ele era executivo de uma empresa grande, como hoje eu sou. E a lembrança que eu tenho é de que ele tinha muitos eventos da empresa, muitos. Jantares, viagens, e a minha mãe ia muito acompanhá-lo. E eu tinha um caderninho que eu anotava e falava assim: "Olha, vocês estão saindo demais". Primeiro eu não tinha o caderninho. E eu falava: "De novo? De novo? De novo?" E eles falavam: "Não, mas a gente não está saindo tanto assim". E aí eu peguei um caderninho e comecei a anotar "Olha, está vendo? Aqui: vocês estão saindo muito, sim" (risos). E então era essa a lembrança que eu tinha, dele trabalhar demais, ele trabalhava demais. E eu e as minhas irmãs ficávamos em casa.
P/1 - Quantas irmãs vocês são?
R - Somos três, três mulheres.
P/1 - Você é a mais velha?
R - Eu sou a mais velha.
P/1 - Como é o nome delas?
R - A do meio Veridiana e a mais nova Marília.
P/1 - E como é que era a sua casa de infância? Em que bairro você morava?
R - Quando eu nasci, a gente morava no Sumaré. Aí, quando a gente... Quando eu tinha acho que dois, três anos, a minha mãe estava grávida, a gente mudou para o Butantã, meu pai comprou uma casa bem maior no Butantã, que também a minha mãe conta que o Butantã naquela época era afastado, a família toda da minha mãe morava no Sumaré e quando a gente mudou para o Butantã foi uma coisa assim: "Nossa, vocês vão morar longe". E aí, mudamos. A minha mãe estava grávida, eu me lembro... Daí eu começo a ter mais lembranças, não é? Com três anos, eu começo a lembrar mais da nossa vida lá, o nascimento da minha irmã naquela casa, e é a casa em que a minha irmã hoje mora. A gente... Cada uma... Eu e a mais nova saímos, e a minha irmã mais velha... Não, do meio, hoje mora lá com o marido e o filho. E a minha infância lá foi boa, foi uma infância... Apesar do Butantã ser um bairro mais distante e mais tranquilo do que é hoje, eu não tive uma infância de rua, de brincar na rua e tal, era de quintal, a gente brincava muito no quintal, com algumas crianças que moravam ali em volta. E no clube. A gente viveu muito uma vida de clube.
P/1 - Como era esse quintal, essa casa?
R - Era uma casa... É uma casa... A gente ainda vai muito lá por causa da minha irmã. É um sobrado, tem um quintal gostoso e a gente brincava bastante no quintal, bicicleta, corda, pulava elástico - eu adorava pular elástico - e três meninas, não é? Então, a gente estava sempre com essas brincadeiras de menina, eram brincadeiras mais de menina mesmo.
P/1 - E como eram o seu pai e a sua mãe? Quem exercia autoridade na casa?
R - Meu pai. Meu pai sempre exerceu autoridade, ele sempre teve uma personalidade... Tinha uma personalidade muito forte, muito autoritária e muito bravo, comigo principalmente. Porque eu fui abrindo o caminho para elas, com elas ele já foi muito mais tranquilo, muito mais... Eu era o foco da atenção dele, depois ele acho que percebeu que não ia dar tanto problema assim e foi afrouxando um pouco, mas comigo ele sempre foi muito bravo, muito rígido.
P/1 - O que é ser muito rígido? Você tem lembranças de um momento em que ele tenha...?
R - Ah, ele tinha horário para tudo, proibia, não me deixava... Eu convivi a minha infância... Eu tinha primos mais ou menos da mesma idade, tinha quatro primos, dois... Quatro irmãos - dois homens, duas mulheres - e elas eram mais ou menos da mesma idade minha e eles mais velhos, mas a gente vivia junto. E os pais deles eram muito liberais, era uma prima da minha mãe e eles, portanto, meus primos de terceiro grau. E eles eram muito liberais, podiam tudo. “Ah, vai assistir um filme que era já proibido para 12, 13 anos, eles iam e eu não podia ir, meu pai proibia. Ah, vamos no domingo fazer alguma coisa que já é mais no finalzinho da tarde: ‘Ah, não pode, final da tarde tem que estar todo mundo em casa’. ‘Ah, vamos numa festa que vai acabar 11 horas da noite’. ‘Ah, não pode, porque festa não... Muito tarde, já não vou te levar, porque daí eu também vou ter que te pegar, daí eu não vou te pegar muito tarde’”. Então, era sempre muito... E a minha mãe não, minha mãe muito liberal, mas como ele era a autoridade, ela acabava falando: "Está bom!".
P/1 - E como é que você ficava nisso?
R - Mal. Eu... Tentava argumentar, tentava convencê-lo, muitas vezes brigava com ele, algumas vezes convencia, conseguia, e ia abrindo os caminhos, aos pouquinhos eu ia, mas eu fazia muito menos do que eu gostaria de fazer. Hoje eu até entendo, eu acho que ele... Algumas coisas, realmente, têm. Pai tem que falar: "Não!". Então, hoje, eu falo: "Não!", para os meus filhos, para muitas coisas. Outras coisas eu acho que era exagero, acho que ele não conseguia equilibrar adequadamente e falava não. Era mais fácil falar não do que tentar ajustar, ajeitar, entender, saber com quem, porque, era o não de cara. E a minha mãe, em vez de tentar convencê-lo, ela também deixava ele guiar.
P/1 - E essas férias de Baependi? O que você lembra? Era... Já não era Baependi.
R - Era Conceição do Rio Verde. Conceição e Baependi ficam muito próximos de Caxambu, e Caxambu fica no Circuito das Águas, tem o parque. A minha lembrança maior é o Parque das Águas, então a gente vinha com aquele copinho, aquele que fecha e abre, sabe? Que caía assim e ia passando de fonte em fonte, bebendo aquelas águas, comendo balinha de leite, com aquele açucarzinho em volta, muita bolachinha, quitutezinho, muitas... As minhas tias, irmãs do meu pai, sempre cozinharam muito bem, sempre. Então, tinha sempre muita coisa gostosa para comer. E os meus primos, do lado do meu pai, daí também iam passar o Natal lá e era aquele monte de primo, era sempre muito gostoso passar o Natal lá.
P/1 - Vocês ficavam todos na mesma casa?
R - Todos na mesma casa, na casa do meu avô.
P/1 - Como é que era?
R - Aí, era gostoso. A gente... Era uma casa que não tinha quarto para todo mundo, tinha... Eram quatro quartos, então os adultos ficavam nos quartos, os meus tios com as mulheres, minha mãe com meu pai, e os primos todos na sala, a gente punha um monte de colchão no chão e ficava dormindo aquele bando de primo amontoado. E era gostoso, porque acordava, dormia e acordava junto, o tempo inteiro, ali nas férias. E aí, a gente... E tinha um clube também, um clube da cidade, que a gente ia, passava o dia no clube nadando, jogando bola, uma infância bem, bem gostosa.
P/1 - E você lembra de algum Natal específico que você passou lá? Você tem alguma memória, uma lembrança?
R - Ah, eram todos muito... Todos muito parecidos, não é? A rotina era sempre aquela de acordar os primos, passear na cidade, ir para o clube, eu não tenho lembrança de um Natal específico que tenha acontecido alguma coisa muito diferente, era rotina de cidade do interior, tranquila, sempre a mesma coisa. E a gente... Até era engraçado, porque a gente falava assim: "Ah, sempre a mesma coisa, sempre igual, e a gente sempre gosta, não é?" Era gostoso. Aí, quando começa a ficar mais velha, começa a não gostar tanto, não é? Chega uma idade em que a gente já quer alguma coisa diferente, já não tem mais tanta vontade de ir, mas eram poucos dias na verdade, não passava... A gente ia mais para a fazenda, daí na fazenda é que a gente passava mais tempo, que daí era no interior de São Paulo. Em Minas, era mais a época do Natal mesmo e um pouco nas férias de julho.
P/1 - Você lembra das comidas de lá?
R - Lembro. Tinha algumas coisas que eu adorava, que eu esperava para comer aquilo no final do ano. Então tinha a empadinha, que a minha tia fazia e a gente ajudava a fazer; tinha as forminhas de fazer empadinha e a gente ajudava a arrumar a massa na forminha; tinha um doce, que a minha avó fazia, que era de abacaxi com coco ralado, era um sabor que nunca mais eu comi isso, também era uma delícia. Tinha um outro que era de coco com ovo, também muito gostoso, que minha avó fazia. Tinha milhões de rosquinha, rosquinha mineira. Tinha uma, que até fui procurar a receita e faço aqui de vez em quando, na fazenda, daí eu faço, e chama pé de galinha, porque ela tem um formato de pé de galinha. E que é como um sequilho. Essas coisas, sempre doce. Eu sou meio formiga, então adoro doce. Essas eram as comidas que mais a infância traz o sabor.
P/1 - E na fazenda da sua avó?
R - Na fazenda da minha avó, eu passava mês. Aí era, realmente, a minha infância, eu ficava o mês inteiro lá. Meu avô já não clinicava mais, então ele passava o mês inteiro com a gente lá - ele e minha avó - meus pais trabalhando em São Paulo e deixavam a gente lá com meu avô e minha avó.
P/1 - Você e suas irmãs?
R - Eu e minhas irmãs.
P/1 - E tinha primos lá também?
R - Tinha primos, mas mais do que primos tinha... Esses quatro primos iam.
P/1 - Os de lá também?
R - Muitas vezes os de São Paulo iam para a fazenda, mas tinha os filhos dos colonos da fazenda, e a gente convivia muito com eles. E eu ia para a escola da roça lá da fazenda, e assistir a aula com eles era uma diversão. Imagina, em São Paulo, a gente não queria ir para a escola para estudar e lá era diversão, não é? Porque era diferente. E eu pegava, de vez em quando, o finalzinho da aula, o comecinho da aula, do mês, e conseguia pegar um pouco da aula deles lá na fazenda. E ia de charrete. Então pegava, subia aquela criançada toda e ia até a escolinha de charrete, com a criançada da fazenda. E as brincadeiras eram todas com... Acho que mais com os filhos dos colonos da fazenda mesmo, dos trabalhadores da fazenda do que com os meus primos, porque os meus primos iam e voltavam, a gente é que ficava o mês inteiro lá. Era uma delícia.
P/1 - Você e suas irmãs?
R - Eu e minhas irmãs. E acordava cedíssimo, meu avô acordava a gente às cinco da manhã para ir tomar leite no curral. Acho que o sabor que eu mais lembro da fazenda é o leite do curral, tirado ali na hora, a vaca, cheio de espuma, quentinho, uma delícia.
P/1 - E como é que era... Você falou que você assistiu um pedaço da aula deles um período. Por que você ia?
R - Porque... Eu, para falar a verdade, eu não lembro por que eu pegava, porque eram férias, não é? Eu não sei se eles tinham aula até mais para frente de dezembro e minha aula acabava logo no finalzinho de novembro, e eu ia já tinha... Eles ainda estavam em aula. Alguma coisa acontecia que eu pegava, de vez em quando, a aula deles. E aí eu chegava lá, eles iam para a aula e eu não tinha o que fazer, eu ia junto. Então... E eu muito novinha, e as escolas de São Paulo muito mais avançadas do que a escola deles. Lá eram várias idades dentro de uma mesma casinha, com uma professora só para várias turmas, e eram... Não turmas, porque eram poucas crianças, mas eram várias idades. E eu me lembro de que eles ficavam espantadíssimos, as crianças ficavam... Achavam que eu era um gênio (risos), porque eu era pequena e sabia, sabia muito mais do que eles, o nível era outro. Eu, desde aquela época, comecei a perceber a diferença, o 'gap' que existia entre uma criança que estudava em São Paulo e uma criança que estudava na fazenda. E, para mim, era uma diversão, porque era fácil e eu estava ali brincando. Na verdade, eu estava... Eu sentia que estava ali brincando com eles, não estava estudando, era uma brincadeira para mim. Eu tenho bem essa lembrança de charrete, de chegar lá, de ver como eles viviam, de... Tudo fácil.
P/1 - Mas você sentia, quando era criança, nesse período, que existia uma diferença entre você e eles?
R - Muita. Muita. Ah, para começar eles viviam descalços, eles pulavam no cavalo sem medo, que eu, quando chegava na fazenda, toda vez eles tinham alguma coisa que eu não tinha também. Então era muito diferente a vida deles da minha. Eles subiam na árvore e eu não subia, eles me ensinavam também muita coisa que eu não fazia em São Paulo, não sabia fazer. E eu ensinava também a eles, assim... Sabia coisas que eles não sabiam. Eu sabia... Eu falava de vez em quando coisas que eles não tinham na vida deles. Escada rolante, elevador, eles nunca tinham visto.
P/1 - E aí você explicava como é que era?
R - Eu explicava, eu lembro de desenhar, de explicar, a gente muitas vezes ficava brincando de pintar, de desenhar, e eu tentava explicar para eles, e eles ao mesmo tempo... Eu aprendi a andar de bicicleta lá, na fazenda. Em São Paulo já era perigoso, eu não tinha onde aprender a andar de bicicleta, então eu aprendi na fazenda, com eles. Tinha uma troca. Eu percebi que tinha uma diferença muito grande das experiências que eu tinha para as deles, não é?
P/1 - Era fazenda do quê?
R - Tinha café.
P/1 - Era? Ela existe até hoje?
R - Existe, existe. ela está com a minha mãe hoje. E naquela época, café e gado tinha também, o meu avô... Era gado de corte e leite também. E depois, um pouco antes do meu avô morrer, ele plantou laranja, tinha laranja também, vendia para a usina de laranja.
P1 - Quando ele morreu, a fazenda ficou para quem?
R – Para a minha mãe e para a minha tia. Na verdade, a minha avó ficou com usufruto e dividiu a fazenda para minha mãe e para minha tia, e aí elas... Os maridos que passaram a cuidar. Meu pai e o marido da minha tia passaram a cuidar da fazenda e eles iam daqui de São Paulo, cada um tinha a sua profissão, não é? O marido da minha tia, médico, o meu pai ainda... Daí meu pai já estava na Santista, estava fazendo outra coisa. E eles iam fim de semana cuidar da fazenda. E hoje... Daí a minha tia e a minha mãe separaram do meu pai, e aí hoje a minha mãe é quem cuida da fazenda... Não do meu pai, do marido dela, não é? (risos) E aí, hoje, a minha mãe é quem cuida da fazenda.
P/1 - É mesmo? E vamos voltar um pouco para a sua casa aqui do Butantã. Com quantos anos você foi para a escola?
R - Ah, desde muito novinha, não é? Desde... Acho que dois anos de idade, eu já fui para a escola. Dois anos, eu fui para o maternalzinho, para uma primeira escola, que eu nem me lembro o nome, e dai eu fui para uma outra que me marcou muito, que se chama Samambaia. Chamava, nem existe mais também. E ela ficava ali, na Cidade Jardim, era uma casa gostosa, bonita, pequena, e eu passei ali dos três aos seis anos, fui alfabetizada ali. E a minha alfabetização foi uma coisa que me marcou muito, porque era com... Era um método que se chamava "a casinha feliz", e tinha fantoches, era uma alfabetização com fantoches. Então a professora entrava no... Era um... Bem de fantoche mesmo, sabe? De teatrinho? Ela entrava e falava assim: "Agora, eu vou para a casinha feliz". E entrava lá e falava: "Ah, vou visitá-los", tal. A família da casinha feliz. E tinha a história da casinha, e através da história da casinha, a gente ia aprendendo o som das letras. E cada personagem tinha um som, quando eles se encontravam fazia a junção do som. E a minha mãe ficou impressionadíssima porque... Sei lá, em dois meses eu estava lendo tudo, escrevendo tudo, porque, realmente, era uma coisa que interessava às crianças, não é? Era um método lúdico, que dava muito certo, eu não sei por que mudou, para falar a verdade. Depois, quando eu tive os meus filhos, eu falei assim: “Gente, eu preciso achar onde está esse método para explicar para eles, porque esse aí não está... Não é tão fácil assim". (risos) Esse método construtivista, de que hoje em dia gostam tanto, o fonético era muito melhor na minha opinião. Mas marcou muito, me marcou muito, eu adorava aquela escola.
P/1 - E as suas irmãs também estudaram lá?
R - Também. As duas.
P/1 - E também aprenderam?
R - Super fácil. Super fácil. Era, realmente, muito gostoso, e até hoje eu tenho cartilha, eu a guardo lá com o maior carinho. É muito, assim, muito interessante, e uma pena que eles não usem mais.
P/1 - Você se lembra de alguma professora dessa época?
R - Lembro. Lembro da Mara. Foi a professora também que me marcou, eu adorava ela. E depois essa escola, as diretoras dessa escola recomendavam duas escolas, porque ela só ia até o pré-primário, que alfabetizava, e daí acabava a escola. Não tinha o primário. E aí elas recomendavam o Nossa Senhora das Graças, o Gracinha, que foi para onde eu fui, e o Santa Cruz. Só que o Santa Cruz tinha que prestar um vestibulinho e o Nossa Senhora das Graças, não. E a minha mãe falou: "Eu não vou submeter minha filha a vestibulinho com seis anos de idade, não quero que ela passe por isso e o Gracinha parece ter muito mais a ver com a minha cabeça, com a minha forma de pensar". E me colocou no Gracinha. E lá eu fiquei dos sete aos dezessete.
P/1 - Como era o Gracinha, na época em que você entrou?
R - Eu lembro... Eu não fiz vestibulinho, mas eu lembro de fazer um teste para ver o meu nível, assim, para ver se eu já estava alfabetizada, se não estava. Eles tinham três classes e, dependendo se a criança já lia, já escrevia, ela ia para uma ou para outra. Eu já estava lá dentro, eu só precisava saber em que classe que eu ia ficar. E eu lembro desse primeiro dia, eu usava bota ortopédica e a Samambaia, que era a outra escola, era pequenininha, uma casa bonita, cheia de árvores e tal. E o Gracinha era feio, árido, uns corredores longos, compridos, e eu entrei naquela escola, aquela bota ortopédica, e rangia. E estava no intervalo, sei lá, não tinha ninguém naquele corredor, e eu lembro de eu ir ao banheiro e aquela bota rangendo, eu falava: "Meu Deus, que coisa horrorosa isso daqui, não é? Estou saindo de uma escola que é uma delícia, toda cheia de árvores, de plantas, tal, e estou vindo para esse lugar horroroso". Não gostei. A minha primeira sensação no Gracinha foi muito ruim. Mas depois adorei. Nossa, me encontrei lá, adoro o Gracinha, minha história lá foi super boa, apesar da escola ser uma escola que, assim... Esteticamente, não era uma escola... Não é um... Hoje faz tempo que eu não vou, mas acho que ela nunca foi... O local não é bonito. Mas é uma... Sempre foi assim, eu me encontrei porque a forma de pensar dos professores, dos orientadores, da direção, sempre foi muito alinhada com o que eu sou, com o que eu penso, muito preocupada com a formação, não é? Mais do que informação. Também informação, mas muito a formação dos alunos. E isso sempre me deixou muito à vontade e muito interessada na forma como eles sempre ensinaram. E aí, sim, um construtivismo desde aquela época, de ir levando a criança entender o porquê, os porquês, estimulando sempre perguntas e procurando fazer com que os alunos realmente se interessassem pelo que estavam fazendo ali e aprendendo.
P/1 - Quando você estava nesse Fundamental, no começo do Fundamental, do que você mais gostava na escola?
R - Você diz em termos de matéria, ou de tudo?
P/1 - De matéria... Dos dois.
R - Ah, eu sempre tive muita facilidade na escola, nunca tive dificuldade em nenhuma matéria, sempre fui muito boa aluna. Então assim... Estudar, para mim, sempre foi fácil, sempre foi tranquilo, nunca foi um peso. Sempre gostei de estudar, não era assim: "Ai, amo estudar, vou querer estudar para o resto da minha vida". Mas sempre foi natural. Sempre tive muitos amigos, tinha bastante entrosamento com todo mundo lá: gostava de esporte, então lá tinha esporte, eu jogava handebol, tinha um time de handebol, de que eu fazia parte; cantava no Coral, então tinha esse lado também mais da Arte; fazia teatro, então tinha também ensaios do grupo de teatro; havia um equilíbrio, tanto Esporte quanto a Arte, quanto a vida acadêmica, os amigos, a vida social, eu sempre encontrei tudo de que precisava lá. Era o pacote completo, ali no Gracinha.
P/1 - Você gostava de teatro? Lembra de alguma peça de que você participou?
R - Eram peças... Não tinha nenhuma peça já escrita, pronta, eram peças que a gente mesmo criava. O Gracinha sempre teve isso, eram aulas de teatro que a gente fazia depois do horário escolar. E aí, a gente inventava histórias e atuava, nada especial, mas a gente fazia tanto que a minha irmã do meio gostou tanto, que foi ser atriz, ela é atriz. E eu acho que muito por influência do que a gente viveu no Gracinha.
P/1 - E seu pai incentivava? Ele não queria ter sido ator?
R - Queria, e... Eu não acho que foi pelo incentivo dele não, foi porque ela é mesmo. Ela nasceu assim (risos). Ela tem isso desde que nasceu. E ele apoiou, ele... Ele apoiou, mas deixou ela ter a vida dela, sem influenciar: "Vai por aqui, vai por ali". Ele deixou. Ele não guiou o caminho dela, como tem muito pai que faz hoje, não é? Não, ele deixou ela fazer o caminho dela.
P/1 - E como era na sua casa para fazer a lição? Os seus pais cobravam, você fazia sozinha?
R - Sempre fiz sozinha. Sempre, a minha mãe e o meu pai nunca... Nunca, é uma coisa que eu falo até para os meus filhos hoje... Eu via muitos amigos, os pais sentando do lado, fazendo junto, cobrando, perguntando: “Fez a lição?” A minha mãe nunca me perguntou: "Você fez a lição?". "Cadê a nota?". Nunca, nunca teve isso na minha vida, eu sempre fiz, sempre fiz sozinha. E para falar a verdade, quando eu estava no Samambaia, que era a outra escola, eu me lembro da minha mãe, quando era lição assim de recortar e colar, que a gente tinha muito isso - recortar e colar, hoje em dia é a Internet, é bem diferente, dos meus filhos eu já não recortei e colei, talvez do mais velho um pouco - mas, é, isso ela fazia um pouco comigo. Mas, de resto, eu sempre fiz sozinha, nunca precisei que ela estudasse comigo, meu pai, Nossa, nem pensar, não tinha esse... Ele estava sempre trabalhando.
P/1 - E eles contavam... Quando você era pequena, eles contavam histórias, você tinha contato?
R - Muito, muito. A minha mãe. O meu pai não, mas a minha mãe sim, muito, lia muito para a gente, dava muito livro, a gente tem... Eu tenho até hoje todos os livrinhos, e os meus filhos aproveitaram. A gente tinha muito livro e ela contava muita história para a gente, muita. Ler, sempre fez parte muito da minha vida, eu sempre li muito.
P/1 - E ela trabalhava fora? A sua mãe?
R - A minha mãe quando... Eu não lembro, exatamente, que idade que eu tinha, se eu já tinha nascido... Eu acho que já tinha... Quando eu nasci, ela já trabalhava. Ela trabalhava em agência de pesquisa, ela fazia pesquisa de mercado. E fazia grupos de discussão e pesquisa qualitativa. E aí ela trabalhou até a minha irmã nascer, integral, depois quando a minha irmã nasceu ela passou a trabalhar meio período - a do meio - e aí, quando a minha irmã mais nova nasceu, ela parou de trabalhar. Aí, três filhas, ela falou: "Vou ficar". E parou. Quando a gente já estava com... Nós, já um pouco mais velhas - acho que a minha irmã mais nova já tinha lá seus sete anos, por aí - ela voltou a trabalhar de novo, com pesquisa de novo. Ela ajudou o meu pai, porque daí ele tinha um Instituto de Pesquisa, ele abriu um Instituto de Pesquisa. Ah, essa história... Quando o meu pai saiu da Santista, ele foi... Ele abriu uma fábrica de jeans, porque ele tinha o background da Santista. Ele abriu uma fábrica de jeans e uma consultoria, ao mesmo tempo. Então, ele trabalhava nas duas coisas: uma consultoria, também para empresas têxteis, e fazia as duas coisas. Só que ele dava muito mais atenção para a consultoria e foi deixando a fábrica. E aí a fábrica... Ele tinha um sócio, não deu certo, o sócio não cuidou direito, roubou, sei lá, não lembro - eu era mais nova naquela época, não me envolvi muito - mas faliu. Aí, a minha mãe ajudou muito ele a sair do buraco lá da fábrica e ele ficou com a consultoria ainda um tempo. Depois, fechou a consultoria e abriu um Instituto de Pesquisa. E foi isso que ele fez durante muitos anos. Fazia pesquisa de mercado e fazia a pesquisa política. E a minha mãe trabalhava com ele em determinados projetos do Instituto de Pesquisa.
P/1 - Qual era o nome do Instituto?
R - Toledo e Associados. Ele é o Toledo.
P/1 - Que tem até hoje?
R - Tem até hoje. Tem até hoje, só que aí agora quem cuida é a segunda mulher dele. Eles se separaram.
P/1 - Nessa época?
R - Eles se separaram no ano em que eu casei. Foi em 1996.
P/1 - Por que eles se separaram?
R - Eles se separaram porque ele conheceu essa segunda mulher dele, e dai ele se apaixonou e saiu de casa.
P/1 - E como é que foi?
R - Um drama (risos). Um drama porque era... A gente não esperava, nem ele esperava, na verdade. foi um... Aconteceu, não é? Ele e minha mãe, apesar deles terem, assim... Dele ser autoritário, da minha mãe muitas vezes parecer que não era tão feliz, eles tinham um bom relacionamento, era um casal que não se esperava que se separasse. E aí ele conheceu essa moça, que é mulher dele até hoje, ele conheceu e eles se apaixonaram, ele ficou uns quatro meses tendo esse caso com ela, sem ninguém saber, e aí ela... Finalmente, a minha mãe descobriu, foi aquele drama todo na família, filhas, imagina, três, três mulheres na casa, três filhas, no ano em que eu ia casar. Foi assim... Eu nunca imaginei que eu fosse sofrer tanto, eu sofri muito, muito, muito, foi realmente um sofrimento. E eu chorava, chorava, chorava, achava que o mundo ia acabar (risos). E aí... As minhas irmãs também sofreram muito e, principalmente, assim... Eu já estava saindo de casa, já tinha minha profissão, já ia montar a minha família e, mesmo assim, eu sofri muito. A minha irmã do meio pirou. Pirou total, foi morar com a minha avó, ficou bem mal, e a minha irmã mais nova talvez ela tenha sido a que mais sofreu, porque ela ficou com a minha mãe ali, vivendo aquilo, não é? Então foi um período muito, muito difícil, a minha mãe ficou muito mal, porque a minha mãe... Daí ela não tinha... Ela perdeu o marido e ela perdeu... Ela trabalhava com ele, ela não tinha mais também de onde tirar dinheiro, não tinha, não é? Ela perdeu tudo. E aí, ela... Até se restabelecer, se recuperar, começou a trabalhar de novo com os contatos que ela tinha, até se colocar de novo no mercado, levou um tempo.
P/1 - Mas seu pai parou de...
R - Não, não, aí meu pai dava mesada, tudo, meu pai deu todo o apoio, ele foi morar com a... Se casou, se casou, com a outra moça.
P/1 - E sua mãe parou de falar com ele?
R - Parou. Parou. Até hoje a minha mãe não fala com ele direito. Fala, mas assim, sabe, de um jeito... E a gente também ficou muito, muito magoada, muito... Atingiu, realmente, todas; nós três ficamos muito mal. E aí... Isso durante uns seis meses, mais ou menos. Aí eu casei e, depois de um ano do meu casamento, eu fui morar em Washington.
P/1 - Ele foi no seu casamento?
R - Foi.
P/1 - Entrou com você?
R - Foi, entrou comigo, tudo. Com ele eu convivia, mas eu não queria olhar para a cara da moça, não é? Eu falei: "Não, ela é o que representa o fim da família", não sei o quê, então com ela eu não quero contato, por enquanto. Mas ele foi no casamento, ele tratou tudo super bem, entendeu? Então, ele dava a mesada, ele sustentava todo mundo, menos eu, porque eu já não precisava mais, mas ele continuou mantendo tudo e foi correto, tudo. Só aconteceu, ué! Se casou, se apaixonou, casou com a outra e foi embora. E ela tem, ela... É só, acho que, dois ou três anos mais velha do que eu. Então, para a gente, também era uma coisa, assim... Um choque, não é? Como assim, ele vai sair, morar com uma mulher que é da nossa idade? E aí, quando eu, um ano depois, fui morar longe, em Washington, ele falou: "Eu vou lhe visitar, só que eu vou com ela e você vai ter que aceitar, você vai ter que aceitar ela visitando também". E aí eu falei: "Ou eu vejo o meu pai ou eu não vejo". Com ela, não é? Eu tinha que tomar uma decisão ali, aí eu falei: "Ah, tá bom, vai. Chega, passou, vamos virar essa página, pronto". E a partir dali, eu passei a conviver com ela e hoje a gente convive normalmente, aceitamos, todas aceitaram, e ela é uma ótima pessoa, não temos problema nenhum hoje. Minha mãe que não... Minha mãe não convive, ela até hoje não parece ter aceitado não.
P/1 - Camila, vamos voltar lá para o Gracinha. Como é que foi a passagem do ensino Fundamental para o ensino Médio?
R - Foi tranquila, foi também tranquila. Eu... A minha mãe fala que eu não tive, assim, uma adolescência turbulenta, nada, foi tudo muito tranquilo. Nos estudos, eu sempre, realmente, fui muito bem.
P/1 - Tinha uma matéria de que você gostava mais?
R - Não... Eu gostava de tudo, eu ia bem em Matemática, Física, Química, nas Exatas eu ia muito bem, e também ia muito bem nas Humanas. Ia melhor nas Exatas para falar a verdade, eu ia melhor nas Exatas. E tanto que minha mãe, quando eu falei que ia fazer Direito, a minha mãe falou assim: "Direito? Como assim?". Eu falei: "Mas, mãe, o que você achou que eu ia fazer?" Aí ela falou: "Sei lá, Física Nuclear" (risos). Eu falei: "De onde você tirou Física Nuclear, mãe?" Ai ela: "Sei lá, você vai tão bem nas Exatas. Por que você vai fazer Direito? Direito?" Ela falava assim para mim, com um desprezo. Mas eu sempre... Eu nunca imaginei, nunca na minha vida, imaginei fazer alguma coisa ligada a Exatas. Então, no Colegial também, fui sempre muito bem e fiz intercâmbio. E isso foi também uma coisa que me marcou muito, eu sempre soube que eu queria falar Inglês, sempre, sempre gostei de línguas, línguas era uma coisa que me atraia. Inglês, eu sempre quis falar Inglês bem. E aí eu falei para minha mãe: "Mãe, eu quero fazer intercâmbio". E fiz tudo sozinha, também. Fui, arrumei, arrumei o intercâmbio, escolhi, e aí a minha mãe, ela ia deixando, ela ia falando "Tá bom, então já que você arrumou, já que você... Tudo bem, faz, faz, faz". Aí fui, fiquei um ano nos Estados Unidos e aprendi a falar Inglês bem. E quando voltei, voltei para o Gracinha também, fiz o segundo colegial inteirinho nos Estados Unidos.
P/1 - Como é que foi lá essa experiência? Onde que você foi morar?
R - Eu morei... Era para eu ter morado um ano inteiro em Lexington, em Kentucky. Mas um mês antes de eu ir, eu convidei as minhas amigas para ir para a fazenda, para despedir, para fazer a despedida. E a gente foi para a fazenda e... Cinco meninas, as minhas melhores amigas. E aí a gente comeu, provavelmente - é o que a gente hoje acredita que tenha acontecido - a gente comeu naqueles carrinhos de lanche, de sanduíche. E a gente, quatro das cinco, só não pegou hepatite a que já tinha tido, quatro pegaram hepatite, uma hepatite brava, porque aqueles carrinhos não têm água encanada, nada, é tudo lavado mais ou menos ali e tal, então, provavelmente - o médico falou – “provavelmente, foi ali que vocês pegaram”. Porque todo o resto que a gente comeu foi na fazenda, na casa da minha avó, a minha avó tinha uma casa na cidade, em Mirassol, que era perto da fazenda. E aí nós pegamos essa hepatite e eu tive que postergar a minha viagem seis meses para os Estados Unidos. Então, o intercâmbio que seria em Lexington, durante um ano, acabou sendo de seis meses. Só que daí eu não me conformei, eu falei: “Não vou ficar só seis meses, eu me planejei para ficar um ano, eu vou ficar um ano”. E aí, a minha mãe falou assim: "Bom, o que a gente faz então? Por que você não pergunta... Eu tenho primos que moram lá". Eu falei: "Mas eu nunca vi seus primos na minha vida". Aí eu falei: "Não, então eu vou mandar uma carta para eles perguntando se eu posso morar com eles" (risos). Aí, a minha mãe falou: "Tá bom, faz o que você quiser. Vamos ver se eles aceitam". E eles aceitaram. Então eu fiquei seis meses com o intercâmbio mesmo e seis meses morando com esses primos da minha mãe, que eu nunca tinha visto.
P/1 - O intercâmbio o que era?
R - O intercâmbio? Onde? Era em Lexington mesmo, eu fiquei lá, eu morei com uma família que o intercâmbio arrumou e ia para o Colegial lá, para escola perto da casa da família. E depois, esses primos da minha mãe moravam no Texas, aí eu fui para o Texas e fiquei seis meses no Texas com eles. Também daí ele me arrumaram uma escola, e aí o interessante foi que eles são protestantes, eu ia na escola da igreja, e eles me arrumaram... Ai, foi também uma experiência totalmente diferente, porque os primeiros seis meses eu ficava numa escola bem típica americana, bem de filme americano mesmo, High School típica, e os outros seis meses eu fiquei nessa escolinha pequena, "Bible Church", que era a igreja, e "School Church", que era a escola lá da comunidade que eles frequentavam, e que também foi uma super experiência interessante.
P/1 - No intercâmbio mesmo, quando você foi para a primeira cidade, como foi a sua primeira impressão quando você chegou lá? Conviveu com essa família? O que você sentiu?
R - Eu cheguei e falei: “Nossa, tive sorte, caí numa família boa, numa família... Numa casa boa. Era tudo... Tudo parecia bom. Mas aí foi passando o tempo e eu vi que não era tão bom assim (risos). Era tudo aparência, nada era de verdade. Bem americano, sabe? Beleza americana? Bem aquilo. Eles eram o pai, a mãe e uma filha da minha idade e eles não se davam bem entre eles, depois eles acabaram até, no ano seguinte, se separando. Eu sai e eles se separaram logo em seguida, a filha se dava super mal com o pai, não conversava com o pai, era um clima bem ruim na casa, não tinha... Eles nunca tinham refeição juntos, nenhuma refeição eles faziam juntos, não conversavam, era muito esquisito, tudo muito esquisito, muito diferente do que era a minha vida aqui no Brasil. E então eu senti muito, era difícil, não era fácil não. Tanto que... Mas eu sempre... A minha personalidade sempre foi essa, eu nunca me conformei com as coisas, então, do mesmo jeito que eu falei: “Eu quero ficar um ano e não me conformo, vou achar algum jeito de ficar um ano”... Quando eu comecei a perceber que essa família não era muito... Que não ia ser muito legal, eu falei: "Vou me virar". E aí, eu fui conversando com as pessoas na escola, conheci um menino que tinha... Que falou assim: "Ah, tem uma brasileira na minha igreja". Nessa época, não tinha contato nenhum com igreja nenhuma. Aí: "Ah, tem uma menina que vai na minha igreja, no domingo, que é brasileira". Aí, ele me deu o telefone dela. Eu liguei e comecei a conversar com ela, por telefone, e ela começou a me contar que, na igreja, eles faziam um monte de atividades. E eu só em casa, eles não faziam nada, não saiam, não passeavam, eu ficava trancada naquela casa, com aquele clima horroroso daquela família. Aí, eu falei: "Vou dar um jeito de ir nessa igreja dessa menina aí, dessa brasileira, porque ela faz um monte de coisa legal, não é? Vai no boliche, vai nadar, vai isso, vai aquilo, eu preciso fazer alguma coisa". Aí eu fui, isso eu tinha 15 anos. Fui e comecei a frequentar a igreja, e aí chegou num ponto em que estava tão chata a família, que o pessoal da igreja, um casal da igreja, me convidou para morar com eles os últimos dois meses de intercâmbio. E aí eu falei com o intercâmbio, falei: "Olha, não está dando para morar com essa família por causa disso, disso e disso". Expliquei e tal. Quando eu mudei para a casa do casal, eu liguei para a minha casa, no Brasil, e falei "Olha, mudei, viu?" (risos). Porque - eu falei - não vou... Minha mãe não pode fazer nada no Brasil, de longe. Então, eu já vou chegar com o negócio pronto. Já cheguei e falei: "Olha, estou já na outra casa, está tudo bem". E morei esses dois meses com esse casal da igreja. Então, eu já comecei aí a frequentar uma igreja protestante também, antes de ir com os meus primos para o Texas. Quando cheguei no Texas, eu já estava um pouco mais ambientada com um ambiente de igreja que eu nunca tinha frequentado. Apesar do meu pai ser católico - da família do meu pai ser muito católica – inclusive, ele tem uma freira, Carmelita, eu nunca tinha convivido, nunca tinha tido uma vida de igreja. E lá eu tive, eu ia todo... Eu ia bastante para a igreja, tanto nesses dois meses quanto nos últimos seis meses, que eu, na verdade, estudava, e domingo ficava o dia inteiro na igreja.
P/1 - Você se achou na igreja naquela época?
R - Me achei. Me achei. Assim, foi um misto. Primeiro porque eu não acreditava em Deus, passei a acreditar. E acho que até por necessidade, não é? Uma coisa... Eu estava precisando de uma força que não tinha ali naquele momento, nada que me amparasse, então eu fui buscar e achei. E segundo que a igreja realmente te acolhe, a igreja me acolheu ali e eu aceitei. Então, eu me achei, realmente, ali naquela comunidade, na igreja.
P/1 - E como foi sair dessa casa? Como é que eles te tratavam individualmente?
R - A primeira casa?
P/1 - É.
R - Não tinha nenhum problema, mas não tinha nada, assim, de relacionamento. Então você falava: "O que eu vim fazer aqui?" Eu achei que ia ter um relacionamento com eles, achei que ia ter uma família americana. E não tinha. Eles me tratavam bem, mas com distância, me tratavam melhor até do que a filha deles (risos), mas isso não bastava, era muito pouco. A gente sempre tem que querer mais, não é? E eles não tinham mais para dar. E aí eu falei: não é aqui que eu vou ficar.
P/1 - E como é que eles receberam essa notícia? Como você falou?
R - Que eu ia sair? Ah, não receberam bem. Não receberam bem. Engraçado, não é? Em vez de eles receberem como um alívio, porque eu até sentia, assim, que era um peso para eles, e até depois perguntei para eles, perguntei, e eles não conseguiram me responder, mas a orientadora do intercâmbio depois me contou que eles já estavam tendo problemas entre eles e que eles acharam que, trazendo uma intercambista, talvez ajudasse a resolver o problema deles, imagina? Que peso isso numa menina de 15 anos, não é? E aí eu falei: "Eu vou falar para eles que eu vou embora e eles vão falar: ‘Tá, tá bom, que bom, graças a Deus, vai com Deus', né?’". Mas não, Porque é um fracasso também para a experiência que eles queriam, imaginavam que eles teriam. E então, eles me trataram com muito: "Ah, é? Então é isso? Então, está bom, então, tchau". E fui, também, sem muito drama. Não receberam bem, mas também não fizeram drama nenhum, deixaram, e eu fui. E aí fui morar com esse casal, que eram dois amores, era um casal novo, sem filhos, e que me acolheram muito, me fizeram filha deles durante aquele período.
P/1 - Você tem contato com eles ainda?
R - Tive contato com eles durante muito tempo, agora faz tempo que eu não falo com eles, mas tive, sim, contato com eles. E eles também, depois, passaram por muitos problemas entre eles, e aí também distanciou pelos problemas que eles tiveram lá entre eles, mas tive bastante contato com eles sim.
P/1 - E como é que foi a reação dos seus pais aqui quando você mudou, saiu de uma casa e foi para outra?
R - Levaram um susto, não é? Mas eles sempre souberam que eu... Assim... Eles sabiam que eu era assim, que quando eu queria, eu fazia. E que eu ia resolver por minha conta. E sempre confiaram muito em mim. Então, quando eu falei: "Olha, está tudo bem, mudei, mas está tudo bem, a família é legal e tal". Está bom. Eu fico imaginando hoje, que a gente tem todos esses recursos - celular, Skype - você vê a cara da pessoa está lá, naquela época não tinha nada, nada. Eu me lembro que foi o aniversário do meu pai e a ligação internacional era carérrima, e aí eu tinha falado com ele dois dias antes. Falei: "Não vou ligar". Porque era aniversário dele, mas é muito caro, então não vou ligar, aí meu pai ficou mal porque eu não liguei. Então é assim, é tudo muito... Era muito mais difícil. E tudo dava certo, eu sobrevivi e tal. Hoje, a gente fica ligando para o filho a toda hora, quando está distante, não sei o quê, tal. Não, eles estavam lá, eu estava vivendo minha vida lá e eles aqui, e deu tudo certo.
P/1 - E vocês se falavam por telefone, tinha carta postal?
R - Muito. Isso foi uma coisa também, que a minha mãe... Olha, incrível a minha mãe. Todos os dias, eu chegava da escola, praticamente todos os dias, tinha uma carta dela. Quase... Olha, era raro não ter uma carta dela. Então, era aquele... Sabe aquela caixinha de correio bem americana mesmo? Eu chegava da escola e abria a caixinha de correio, tinha carta dela, sempre, ela fez assim durante o ano inteiro e contava - ela escreve muito bem, a minha mãe, e com muita facilidade - então era uma coisa, para ela, que ela vivia no correio, todo dia colocava a cartinha dela no correio, porque ligar era muito caro. Era muito caro. Era muito gostoso, eu tenho as cartas até hoje todas guardadinhas lá (risos).
P/1 - E como foi a mudança aí dessa casa para os seus primos?
R - Foi, assim, tudo novo. Mudei de estado, tive que pegar um avião sozinha, me virar. Eu me lembro da sensação de ter que ir de um estado para o outro nos Estados Unidos, sozinha, num país que não é o seu, e ainda nova, não é? A gente pensa, 15 anos, ainda é muito nova. Mas foi bom, eles me acolheram super bem, eu morei com um primo... Eram três, são três irmãos, dois moravam na mesma cidade, em San Antônio, e uma morava em... Onde que ela morava? Numa outra cidade lá do Texas. E desses dois que moravam em San Antônio, eu fiquei com o meu primo. E a mulher dele não trabalhava, e ele trabalhava em casa. E eles me acolheram super bem, tinham dois filhinhos - uma menina de três e um menino de 6 meses - eu sempre gostei de criança, então eu os ajudava a cuidar das crianças, tal, e eu adorava, adorava, adorava. Assim... Me dei super bem com eles, eles também, queriam que eu ficasse lá depois, que eu morasse lá, e foi bem gostoso o período em que eu passei lá, foi tranquilo.
P/1 - E na escola, você tinha amigos? Como é que era?
R - Tinha, era também... Era engraçado, porque era parecido com a escola da fazenda. Era uma classe com várias idades diferentes e o professor dava... Porque era muito pequenininha, era igreja, e então o professor dava matéria por idade, para cada um, diferente. E eu também era boa aluna, conseguia acompanhar super bem, mesmo sendo em outra língua. E tinha amigos, era gostoso, era bom. Mas engordei muito, o que, assim... Também marcou muito essa minha... Esse meu ano nos Estados Unidos foi que eu não fiz esporte. E aí os meus hormônios também, bem nessa idade de 15 anos, sem esporte, comendo aquele monte de comida americana, tudo meio desregulado, eu engordei 16 kg. 16 quilos. Virei... Cheguei e não me reconheciam (risos). Aí cheguei e... Isso foi uma dificuldade, porque daí eu fui fazer os exames e estava tudo desregulado, um monte de hormônio tudo bagunçado, mas também daí fui, tomei remédio, e foi voltando, fui fazendo esporte e tal, foi voltando normalmente.
P/1 - E lá, você percebeu que estava engordando, ou quando você viu já...?
R - Ah, fui percebendo, mas é aos pouquinhos, não é? Durante o ano vai engordando, engordando, quando você vê, já está... É uma sensação ruim, mas... Mas também lá você está longe da sua vida, de quando você... Do que você era. Então, também não é uma coisa, assim, não tem ninguém te falando "Nossa, você está engordando". A minha mãe estaria buzinando no meu ouvido, mas não tinha ninguém me falando: "Você está engordando, para com isso, presta atenção". Não tinha, então foi indo, foi indo... Sem perceber.
P/1 - E quando você foi morar com esses primos, você sabia que eles já frequentavam igreja?
R - Sabia. Sabia.
P/1 - Aqui no Brasil você já sabia?
R - Já sabia, a minha mãe já tinha me falado "Olha, você tem uns primos lá que frequentam uma igreja. E a gente não convive com eles, você nem os conhece, mas pode tentar morar com eles, sei lá como vai ser. Será que vai dar certo?" (risos). Então eu sabia, sabia.
P/1 - Mas isso te preocupava ou não era uma questão?
R - Não, eu queria tanto ir que não era uma questão. Eu falei: "Ah, vai dar tudo certo".
P/1 - E lá você começou a frequentar a igreja?
R - Comecei a frequentar a igreja já com esse... Ainda em Kentucky, e... Que era uma igreja metodista, e depois essa outra igreja, que esses meus primos frequentavam, chamava "Non denomination church", era "Bible church", eles não seguiam nenhuma linha, seguiam a Bíblia. Mas protestantes, também se consideravam protestantes. E aí eu achei bom, porque já na igreja anterior, em Kentucky, aí eu já estava acreditando em Deus, eu já estava lendo a Bíblia, eu já estava totalmente enturmada, então quando eu cheguei lá, já estava ótimo, já estava tudo certo (risos). Já estava bom.
P/1 - E você tem alguma amiga ou amigo desse período, que tenha lhe marcado? Além dos seus... Da sua família?
R - Ah, eu tenho... Em Kentucky, quem mais me marcou foi a brasileira que me levou para a igreja, foi essa que eu comecei a falar no telefone e ela me levou para a igreja, e que ela hoje mora em Curitiba... Não, Londrina. E a gente se fala pouco, mas ela me marcou muito porque foi a minha amiga daquele período, foi meu porto seguro ali, inclusive ela também foi morar um pouco com esse casal. E lá no Texas, nessa igreja, nessa escola da igreja, tinha uma que se chamava Jennifer, e que era a da minha idade, porque eram... Assim... Tinha uma da minha idade, que fazia as aulas comigo, o resto era tudo... Eram todos de outras idades. Até os pequenininhos. Então, a Jennifer era a minha amiga, eles me acolheram todos muito bem.
P/1 - As suas irmãs foram para lá? Fizeram intercâmbio?
R - A do meio não, e a mais nova sim, ela foi para Utah. E daí o intercâmbio dela foi diferente, ela ficou um ano na mesma família, o que deveria ter sido comigo. E ela teve sorte, ela ficou com a mesma família e aí, com a família dela, a gente teve muito mais contato, porque ela ficou o ano, deu super certo e tal, até hoje a gente tem contato com a família dela, eles vieram para cá, eu e o meu marido fomos para lá, ficamos hospedados, e a gente tem contato até hoje com eles.
P/1 - E quando chegou a hora de voltar? Você queria voltar, já tinha essa expectativa?
R - Eu tinha dúvida, eu tinha dúvida se eu devia voltar para o Brasil ou não, mas... Eu até prestei o SAT, que é o tipo do vestibular lá deles e acabei... Passei, fui aceita lá numa Universidade e tal, mas eu queria voltar, eu queria voltar. Eu tinha dúvida, mas eu queria voltar. Acabei voltando e rapidinho também me integrei na cultura brasileira, cheguei procurando uma igreja, quis achar uma igreja aqui, mas acabei não achando, fui em umas duas ou três igrejas, não era aquilo que eu queria. Acho que era outro momento da minha vida, não fui mais em igreja, nunca mais.
P/1 - E o que os seus pais achavam em uma igreja de protestantes?
R - Uma coisa esquisitíssima. Meu pai católico, não entendia direito, falava "O que é isso? Por quê?" Eles achavam que ia passar, e minha mãe tudo bem, para ela... A minha mãe não acredita nem em Deus, então ela não entendia muito, mas também ela sempre foi muito liberal, então tudo bem, faz o que você quiser. Minha mãe sempre foi muito liberal, mesmo. E passou. Passou. Mas não passou a minha fé, a minha fé não passou. Passou a minha... Assim... Eu não vou à igreja.
P/1 - E quando você voltou para o Gracinha, você se enturmou rapidamente, os amigos eram os mesmos de quando você tinha deixado? Como é que foi essa volta?
R - Os amigos eram os mesmos, foi estranho, mas... Foi também tranquilo, sem solavanco, sem drama, sem nada. Eu fui... Na medida em que eu fui perdendo peso, eu fui me integrando de novo (risos), na mesma velocidade. Era o terceiro colegial, era um ano importante, de decisão, de estudo também, eu tinha que estudar, eu já sabia o que eu queria, eu sempre soube que eu quis Direito, então eu já estava tendo que me preparar para o vestibular. E aí me integrei de novo, foi tranquilo.
P/1 - E teve alguém, alguma influência? Você queria Direito de onde? De onde veio essa vontade?
R – Então... Não sei. Não sei. Eu tenho... Os dois irmãos mais velhos do meu pai fizeram Direito, mas não acho que tenha sido por isso não. Não foram eles que me influenciaram, eu sempre soube. Não sei. Eu sempre vi filmes de tribunal, tudo que dizia respeito a isso me interessava. Não tem uma explicação.
P/1 - E quais eram os seus hábitos de jovem? Tinha lugares que você passeava, da cidade, ouvia música? Como foi a sua juventude?
R - Eu ia muito em casa de amigos. Os meus amigos todos moravam ali em volta do Gracinha, no Itaim, e a gente ia muito na casa um do outro, eu morava no Butantã ainda, minha mãe morava lá no Butantã, mas a gente estava sempre ali no Itaim, sempre rodando ali na casa de... Saía da casa de um e entrava na casa de outro, estava sempre por ali. E muito violão, muita música, música popular brasileira, Caetano Veloso e Chico Buarque (risos). O meu marido tira sarro que era poncho e conga, era sapatinho chinês, saia indiana, era bem o clima Gracinha mesmo. Cabelão, eu tinha um cabelo crespo bem Maria Bethânia (risos), era bem Gracinha. E a gente ficava, não tinha... Assim, a gente ia viajar, viajava bastante, tinha uma amiga que tinha casa em Passa Quatro, a gente ia para Passa Quatro; tinha uma amiga que tinha casa em Ubatuba, a gente ia para Ubatuba; e fazíamos sempre... Sempre em turma, sempre esse tipo de coisa.
P/1 - Vocês não namoravam?
R - Não. Tinha vários casinhos, várias coisinhas, eu ia muito para Mirassol, que era a cidade perto da fazenda, e lá em Mirassol tinha aquela vida de interior, de balada de interior, de boate, de festa, virava a noite, ai lá eu namorava mais. E eu sempre namorei, sempre, sempre mais velhos, homens mais velhos. Quando eu tinha 15 anos, lá em Mirassol, eu arranjei um namorado de 25. Meu pai quase surtou, quase teve um infarto. Proibiu, falou que de jeito nenhum, onde já se viu, ele era divorciado ainda por cima (risos). E ele falava: "Como que uma menina de 15 anos vai ficar com cara de 25, o que ele viu em você? Um pedófilo" (risos). Ai eu falava "Não, pai. Não é, está tudo certo." Ai, ele proibiu, proibiu o namoro. E a minha mãe sempre falava "Não, tá tudo bem, vai dar tudo certo". Ela nunca proibia nada. Minha mãe sempre... Para ela, tudo podia. E aí a gente namorou um pouquinho e tal, eu sempre com namorados mais velhos, mas sempre namoros curtos. E até o Colegial mesmo, sempre casinhos bem... Bastante Mirassol, vários casinhos eu tive em Mirassol, e os meus amigos do colégio eram amigos, eu não tinha namorado, nunca namorei ninguém da minha idade do colégio, eles eram muito amigos, até hoje são muito amigos mesmo.
P/1 - Desde aquela época.
R - Desde aquela época. Esse ano a gente fez 30 anos de formado no Colegial e aí a gente fez um churrasco e foi uma delícia ver todo mundo, a gente é amigo até hoje. A gente convive até hoje, conhece os filhos, tudo. É muito gostoso.
P/1 - E você fez cursinho?
R - Não. Não, eu passei direto no vestibular.
P/1 - Na São Francisco?
R - Na São Francisco.
P/1 - E como é que foi entrar na São Francisco?
R - Ah, maravilhoso. Maravilhoso. Eu me lembro... A perspectiva era de que eu não passasse, não é? Porque... Eu sempre fui muito boa aluna, realmente eu sempre fui uma das melhores alunas da classe, mas eu tinha passado um ano fora, o segundo colegial inteiro eu fiz fora e não repeti, eu voltei, já fui para o terceiro. Então, eu tinha perdido a matéria inteira do segundo colegial.
P/1 - Porque não tinha equivalência.
R - Fiz... É... Não, era completa... Lá nos Estados Unidos, Nossa Senhora, era uma coisa ridícula, era... Eu fiz... Não, era muito fácil. Não dá nem para explicar o que era aquilo lá, era bobagem. Muito fácil mesmo. Eu fazia Coral, fazia aula de culinária, fazia essas coisas e tinha quatro matérias: História, Química, Física e Matemática. Era isso que tinha. E aí eu falei: "Bom, provavelmente não vou passar". Então o que eu estudei, quando acabou o... E o Gracinha não dava ênfase em vestibular, ele nunca foi um colégio que focava no vestibular, que focou no vestibular. Hoje talvez um pouco mais, não sei, mas naquela época, de jeito nenhum. Então, acabou o terceiro colegial, e eles não acabavam antes, tem muito colégio que acaba antes. Não, acabava certinho e tal, final de novembro. Aí, dezembro eu estudei, eu falei: "Vou pegar esse mês e vou estudar". Aí, passei na primeira fase. Eu falei "Nossa Senhora, se eu passei na primeira fase, vai que dá, não é?". Aí, peguei janeiro inteiro e estudei janeiro inteiro. E passei. Aí passei. Foi uma sensação maravilhosa de falar: "Meu Deus, fui capaz de fazer isso". Isso foi assim... Eu senti que foi a recompensa pelos anos que eu levei de forma séria os meus estudos. E aí entrei na São Francisco, e foi a melhor fase da vida. Faculdade é... E a São Francisco, meu pai falava: "Você não entrou numa Faculdade, você entrou num clube, você entrou num parque de diversão" (risos). Porque é festa o tempo inteiro. Ai também eu já entrei para o time de handebol e muita festa, muita, muita, super animada, a São Francisco. Realmente, é uma delícia, foi uma delícia. Daí fiz muitos amigos também, sou amiga até hoje, a gente fez 25 anos de formados, a festa foi sábado agora. E muito, muito divertido. A Faculdade... Aí a Faculdade mesmo, assim, eu sentia que deixava a desejar. Os professores faltavam, coisa que a gente não tinha no colégio particular, o Gracinha não era dos mais fortes, mas era sério, era um colégio sério. E aí, você chega na Faculdade, professor não vai, não dá matéria, não prepara, aula aí fica seis meses dando a mesma matéria, esquece que deu, daí no dia seguinte dá a mesma coisa, no outro dia enrola mais um pouquinho. É uma palhaçada. Então, você vai aprender Direito mesmo, trabalhando. E aí, eu percebi... Que eu falei: "Se eu não for trabalhar, eu não vou aprender nada". Então, no final do primeiro ano, eu falei: “Não, preciso trabalhar porque senão eu não vou evoluir”. E aí eu comecei a fazer estágio no segundo ano.
P/1 - Onde você foi fazer estágio?
R - O meu primeiro estágio foi num escritório bem pequenininho, lá do lado da São Francisco mesmo, era um escritório de cinco amigos recém-formados e cada um fazia uma área do Direito. E eu era a única estagiária. E aí, foi excelente, foi um super aprendizado, porque eles iam cada um me ensinando um pouquinho da sua área, então tinha um que fazia Penal, um que fazia Família, um que fazia Civil, um fazia Tributário, e aí aprendi um pouquinho com cada um. E era ótimo, adorava.
P/1 - E você já tinha assim, uma tendência: eu gosto mais desse tipo de Direito? É criminal, é contencioso?
R - Não, por causa... Eu sempre gostei de Inglês, línguas, e aí eu falei... “Ah, todo mundo entra achando que Direito Internacional é o auge... Ah, vou fazer Direito Internacional!". Então eu tinha, também, esse sonho. Não era bem um sonho, era uma ideia. E gostava de Penal, sempre gostei de Penal. Mas a vida leva. Não adianta você planejar muito, a não ser que você seja obstinada, o que não era o meu caso. Eu nunca fui obstinada, eu sempre fui buscar as coisas, mas não de maneira obstinada. E não com ideias fixas. Eu sempre fui aberta para ir deixando as coisas acontecerem, e daí, na medida em que elas iam acontecendo, eu ia ajustando. Então, o que aconteceu? Depois desse primeiro estágio, eu fiz alguns outros e acabei caindo em telecomunicações. Um escritório em que eu fui trabalhar tinha um cliente super importante, que era a MCI, que era uma gigante de telecomunicações nos Estados Unidos. E aí, eles me convidaram para ir trabalhar lá, em Washington. A minha carreira foi para a área de telecomunicações, e até hoje eu estou.
P/1 - Mas ai você se formou?
R - Aí eu me formei, eu fiz vários estágios, e, quando eu me formei, eu estava em Tributário. Na verdade, a minha OAB, a minha prova da OAB, foi em Tributário. E eu achava que ia fazer Tributário, mas quando... Nessa época, eu estava trabalhando nesse escritório, com Direito Tributário.
P/1 - Mas como estagiária ainda? Ou já estava contratada?
R – Aí, eu fui contratada. Como que foi? Não... Na verdade, eu não estava nesse escritório. Quando eu prestei a OAB, eu estava numa consultoria que se chamava Bolsinhas e Campos. Trabalhando com Direito Tributário, Consultoria e Auditoria. E prestei a OAB, passei e fiquei lá. E aí, um amigo meu falou: "Camila, eu vou estudar na França, você não quer vir trabalhar neste escritório aqui, no meu lugar? Eles estão precisando e tal". E eu já estava um pouco cheia da Bolsinhas, falei: "Tá bom, vou". E comecei a trabalhar lá, com Tributária. E o sócio do escritório viu que eu falava Inglês bem e me colocou para atender esse cliente, que era a MCI, numa coisa que não tinha nada a ver com Tributário. Era Direito de Telecomunicações, ia ter a privatização do sistema Telebrás. E a MCI estava interessada no Brasil, em entrar no Brasil, então precisava entender a legislação brasileira para poder entrar no leilão do sistema Telebrás. E eu era a que melhor falava Inglês no escritório. E aí o sócio ia viajar - ele tinha muitos outros clientes - e me deixava lá. E eu recém-formada, e ele me deixava lá atendendo esse cliente enorme, gigantesco, querendo participar do leilão da Telebrás. E aí eu fazia de tudo para estudar a legislação, não é? Começando a ter mais contato com esse tema e tal, estudava, estudava, estudava, e aí o meu marido - nessa época eu já era casada - o meu marido quis... Queria... Ele não falava Inglês. Bem, não é? Falava um pouquinho, mas não falava como eu. E ele começou a querer falar Inglês e tal, e eu falei: "Sabe o que a gente vai fazer? Eu vou prestar uma bolsa de estudos, vou ganhar uma bolsa" (risos), eu já...”. "Vou ganhar uma bolsa, porque a gente não tem dinheiro para ir morar fora, então eu vou ganhar essa bolsa. Com o dinheiro da minha bolsa, você vai comigo, você estuda em Inglês e aí a gente fica lá um tempo, você aprende Inglês e a gente volta". Aí, eu comecei a buscar essa bolsa, prestei a prova de Inglês, passei, comecei a fazer o projeto para aplicar e tal, nesse... Enquanto eu estava fazendo isso, esse cliente virou para... E eu contei isso para a advogada de Washington, do cliente, e aí ela falou assim: "Ah, você está querendo vir morar nos Estados Unidos?” “Ah, a gente pode pensar em alguma coisa para você, porque a gente precisa de alguém, a gente está interessado no leilão, a gente precisa de alguém que fique 100% aqui com a gente, estudando e nos ajudando aqui a montar o 'business plan' do leilão". E aí me fez uma proposta e eu falei: "Ah, isso é muito melhor do que a bolsa, não é? Não tem nem comparação". E aí, fui - eu e ele fomos - e aí, a gente morou lá dois anos. Trabalhando, e daí o que eu fiz? Eu trabalhava. Acabou comprando - a MCI acabou comprando a Embratel- e aí eles queriam que eu voltasse. E eu falei: “Não, agora vocês me falaram para eu ir, agora eu vou ter que ficar o tempo que vocês me falaram, que é um ano (risos), então pode aguentar a mão aí. E aí acabei ficando dois.
P/1 - E como é que estava, qual era o cenário das telecomunicações naquele momento?
R - Era o Sérgio Motta, o ministro na época, e ele era um visionário; todo mundo dizia que ele era um visionário. Eu não... Eu estava entrando, na verdade eu não era nem do setor, eu era Tributário. Então, eu não tinha contato nenhum, o que aconteceu é porque eu falava Inglês e tinha facilidade na comunicação com eles, e eles acabaram me levando para lá. Então, eu tive que mergulhar no... Estava tudo conversando, não tinha Lei - a Lei é de 1996, a lei era recém- editada, quando eu fui. Eu fui em 1998, a Lei era recém-editada, estava todo mundo ainda entendendo a lei, toda a regulamentação do setor estava sendo planejada, editada, e eu, portanto, peguei o comecinho todo, esse início da restruturação do Sistema Brasileiro de Telecomunicações, eu peguei ali estudando desde o início e fui morar lá para isso mesmo, para estudar tudo isso. E daí a privatização acabou sendo um sucesso e a MCI acabou comprando a Embratel mesmo.
P/1 - E você participou disso.
R - Participei disso. Estava lá no dia do arremate. Estava lá em Washington, junto com quem falava para dar o lance, com o chefão lá que falava para dar o lance, e a gente acabou levando a Embratel, que era o que eles queriam mesmo.
P/1 - Que papel você teve nesse trabalho? O que você fez?
R - O que eu fazia? Eu tinha, na época, 27 anos, e estudava dia e noite a regulamentação. Tinha uma equipe, que era a equipe de estratégia, que tinha que calcular o valor do lance para saber quanto a empresa valia e quanto a MCI daria de lance para levar ou não a empresa. E o valor dependia muito da regulamentação, porque a regulamentação podia ser tão ruim que não valesse a pena. E eu é que falava o que a regulamentação dizia, o que podia, o que não podia, como que seria a vida se eles comprassem de fato e como, para fazer o BP – o Business Plan - eu é quem dava as orientações. Então, esse era o meu papel, eu sabia assim de cor a regulamentação, sabia tudo, tudo, tudo, tudo, sabia as vírgulas da regulamentação. E estudava muito, o dia inteiro, o dia inteiro. Esse era o meu trabalho.
P/1 - E aí você estava no dia?
R - Estava, estava no dia. Foi emocionante, eu lembro direitinho, foi...
P/1 – Como é que foi?
R - Ah, foi aquela expectativa, você ter trabalhado... Eu tinha trabalhado seis meses, dia e noite, para isso, e a gente levar. E, ao mesmo tempo que era a expectativa, eu queria ver o que ia ser da minha vida, porque no momento em que comprasse, eu falar: "E agora? Eu fico aqui, não fico?". Eles tinham me contratado para um ano lá e o leilão foi com seis meses, então eu falava: "O meu marido ainda não acabou o curso dele". E aí, nesses seis meses, o que aconteceu? Eu fui atrás de um LLM, que é um tipo de um MBA em Direito. E o meu marido também, então nós tínhamos começado... Acabado de começar o curso. E eles estavam pagando metade, a MCI. Então, quando comprou, eles falaram: "Bom, agora você vai para o Rio, vai morar lá no Rio de Janeiro". Eu falei: "Não, vocês estão me pagando metade do LLM, acabei de começar. Não, não vou. Pelo menos esse um ano eu quero ficar aqui". E aí eles falaram: "Não, está bom. Então você fica, faz o seu LLM, termina o seu LLM, e daí você vai". E foi o que eu fiz. Então, eu fiquei seis meses só trabalhando, fazendo o Business Plan, e mais um ano e meio terminando o LLM. Então, eu fiquei, ao todo, lá em Washington, dois anos.
P/1 - E o seu marido?
R - Comigo. Daí ele fez... Os seis primeiros meses ele fez curso de Inglês, só. Os outros... O outro período ele fez o LLM.
P/1 - Também.
R - Também. E aí, durante esse período em que eu fiz o LLM, já tinha a Embratel, a gente já tinha assumido a empresa. E aí eu ia e voltava, era uma loucura. Foi o período mais pesado da minha vida. Porque... Aliás, um dos. Porque, o que acontecia? Eu tinha que trabalhar e fazer o LLM. Ninguém que faz LLM, assim, que você conversa, trabalha e LLM, você só faz isso da vida. Porque é muito pesado. Mas eu fazia as duas coisas. Então o que eu fazia? Eu fazia aula só sexta-feira, eu pus todos os meus créditos na sexta feira, o que já era uma loucura, não é? E aí eu pegava o avião domingo à noite, em Washington, descia segunda de manhã no Rio. Ficava segunda, terça, quarta, quinta à noite eu pegava o avião no Rio e chegava sexta de manhã no aeroporto de Washington, assistia aula o dia inteiro, ficava sábado e domingo na minha casa lá, o meu marido lá, estudando sem parar; domingo à noite eu pegava o avião, vinha para o Rio, trabalhava a semana inteira. Se eu pulava uma semana, era muito. Passei seis meses fazendo isso, os seis primeiros meses.
P/1 - A empresa topou.
R - Topou. Aí... Bom, topou porque eu fazia quatro dias para eles e um dia só que eu não fazia.
P/1 - E eles pagavam a despesa.
R - Pagavam toda a despesa. Pagavam toda a despesa.
P/1 - E você já ganhava bem lá?
R - Ganhava bem. Aí... Eu falei: "Eu vou enlouquecer". No começo, eu falei: “Eu vou enlouquecer, vou enlouquecer, chorava, se eu não tivesse o meu marido ali do lado eu acho que eu teria desistido, ele foi super importante nessa fase, e ele é muito calmo, e ele falava: "Não, você vai conseguir, calma, você vai conseguir". Aí ele cuidava da casa, cuidava de tudo. Eu só trabalhava e estudava, trabalhava e estudava, trabalhava e estudava. Ai, passaram-se seis meses, eu consegui tirar as notas que eu tinha que tirar, fechei os créditos, tudo, e ai eu falei para eles, falei assim: “Não dá para acumular todos os créditos num dia só da semana. Impossível. Não tem aula só na sexta feira, impossível isso. Eu vou ficar dez anos fazendo isso. Vocês têm que me deixar ficar um pouco em Washington, porque dai eu faço à noite... Vamos fazer assim: eu faço à noite, trabalho daqui de Washington durante o dia, faço à noite os créditos e, um dia da semana, mais aulas. E termino mais rápido isso”. E aí foi o que eu fiz, eles deixaram. Fiz um semestre assim, então eu fiz um semestre desse jeito maluco, um semestre desse outro jeito, e depois eu fiz um intensivo nas férias, dois meses intensivão, tirei um mês de férias e mais um mês, e foram dois meses de... Nas férias de agosto - de julho a agosto - que é férias lá, e aí consegui terminar o LLM. Cumpri todos os créditos que tinha que cumprir, fiz as provas, tudo, e aí vim para o Rio. Fui morar no Rio, trabalhando na Embratel.
P/1 – E, na Embratel, nesse período, você foi crescendo, sua carreira?
R - Aí foi crescendo.
P/1 - Mesmo fazendo essa loucura de ir e vir, você foi subindo.
R - É. Aí quando eu cheguei na Embratel... Na verdade, desde o início, na Embratel, eu já assumi uma área. não existia uma área jurídico-regulatória na Embratel. Não existia uma área com advogados especializados em Direito de Telecomunicações, isso era no novo, porque era o sistema Telebrás, era tudo estatal, então não tinha advogados que fizessem isso. E aí eu criei essa área, e eu, lá de Washington, contratei advogados que eram meus, da minha equipe, eu era chefe deles e ficava trabalhando de Washington. Então, eu tinha uns quatro ou cinco advogados que trabalhavam no Rio, sob minha coordenação, e lá eu era Gerente Geral dessa área. Aí, fiquei esses três anos na Embratel, e na Embratel fui crescendo, peguei a área concorrencial também, na Embratel passei a cuidar da área concorrencial, que é tudo que é (card?). A gente dava muito trabalho para a Telefônica aqui, toda hora a gente entrava com alguma ação na Justiça, (risos) perturbava a cabeça aqui da Telefônica, entrava contra eles. E aí o vice-presidente, que estava na cadeira em que hoje eu sento, falou: "Hum, quem sabe eu trago ela para cá?". Porque ele sabia que eu tinha vontade de voltar para São Paulo, eu não queria mais morar no Rio, porque, nessa altura, eu já tinha o meu primeiro filho.
P/1 - Ele nasceu lá no Rio.
R - Ele nasceu lá no Rio. E ele nasceu prematuro. E aí eu deixava ele sozinho com a babá o dia inteiro. E eu falava: “Não, isso não é bom, eu quero que ele cresça com família em volta, a minha mãe pode ajudar muito, mas ela está em São Paulo, eu não tenho família no Rio, não tenho nada no Rio, eu quero voltar para São Paulo.
P/1 - E o seu marido?
R - Estava na Embratel também. E aí, ele... Ele, quando eu fui... Quando eles me levaram para a Embratel, eles precisavam muito de advogados e ele também é advogado. Ele também tinha feito LLM nos Estados Unidos, e aí ele foi para uma outra área do Direito, mas foi também para a Embratel. Aí, trabalhou na Embratel junto comigo e o vice-presidente aqui indicou- o para o diretor - o vice-presidente jurídico daqui. E aí eu fiz a entrevista com o vice-presidente de regulamentação e ele fez entrevista com o vice-presidente jurídico, e nós dois fomos contratados aqui. Aí, nós dois viemos para cá. Juntos. E foi uma decisão super difícil, super difícil, porque eu já tinha uma história lá na Embratel, com o grupo também, lá nos Estados Unidos. Eles gostavam muito de mim, eles me ofereceram mundo e fundos, bastante dinheiro, e me ofereceram eu poder morar em São Paulo, inclusive, e ficar indo para o Rio. Mas eu sabia que esse negócio de morar em São Paulo e ir para o Rio, ia acabar na ponte aérea. E eu não queria isso, eu queria ficar com meu filho, eu já tinha ele, não era isso que eu queria. E aí eu acabei aceitando vir para cá. Chorei, chorei, chorei na despedida lá, e vim. Aí, vim para cá.
P/1 - Como é que foi essa... Sair dos Estados Unidos e ir morar no Rio de Janeiro, como é que foi essa chegada lá?
R - Ai, muito diferente, não é? Muito diferente porque eu era mulher, engenheira... Não, advogada, nova, e vindo de quem estava assumindo a empresa. Encontrei lá engenheiros da idade do meu pai, todos tinham assumido lá as cadeiras deles no ano em que eu nasci. E estavam sendo comprados. Todos homens. Todos, todos, todos. E aí eu cheguei lá já com um posto de executiva, que sai mandando. Então foi muito difícil, eles olhavam para mim e falavam "Quem é essa pirralha querendo mandar aqui na gente?". Então, foi interessante o período, mas deu certo. Eu acabei me dando muito bem com eles, deu super certo. Gosto de todos eles, até hoje converso com eles, tenho um carinho grande pela Embratel e pelo pessoal com o qual eu trabalhava lá, na época. E o Rio de Janeiro, muito diferente de Washington. O americano é muito diferente do brasileiro, e muito diferente do carioca, mais ainda. O americano é muito seco, muito frio, o carioca muito... O carioca é o carioca, não é? É muito aberto, expansivo, físico. Bem diferente.
P/1 - Camila, e quando você voltou, que você já assumiu cargo de chefia lá, já num comando mais adiantado, você tinha uma coisa em mente? Assim... Eu quero ir galgando, eu quero chegar à presidência de alguma empresa?
R - Não.
P/1 - Dessa empresa?
R - Não. Nunca tive isso. Eu sempre gostei muito de fazer o que eu fazia, sempre gostei muito do meu trabalho. Nunca tive, assim, ambição: "Ah eu quero chegar lá, eu quero assumir". Eu sempre... Sempre gostei de orientar, de decidir, de fazer, de fazer, sempre pus a mão na massa. E eu acho que foi isso que foi me levando. Muito mais do que uma ambição ou do que um plano já pré-definido. E aí foi dando certo, foi dando certo. Cheguei aqui, também foi crescendo, foi um crescimento sendo construído com o tempo. Não foi rápido. Eu cheguei em um cargo alto muito cedo, e aí foi crescendo aos pouquinhos. Crescendo, crescendo, crescendo, e hoje ele é maior, bem maior do que... Eu faço muito mais do que eu fazia na época em que eu assumi, apesar de já ter um cargo lá com 27 anos, já era alto mesmo.
P/1 - Quando você estava na Embratel, você disse que tinha várias... Chegou até a ter essa relação aqui mais próxima com a Embratel.
R - Com a Telefônica.
P/1 - Com a Telefônica. E foi aí que nasceu, também, essa relação de te trazerem para cá? O que acontecia naquele momento? Que relação você tinha de lá com aqui? Como era o contexto das teles?
R - O que aconteceu foi que a regulamentação estabelecia que uma não podia entrar no território da outra durante dois anos. Tinha uma reserva de mercado já pré-estabelecida, definida, e para você poder entrar na área da outra... Então... Para a Telefônica poder prestar serviços de longa distância, que era o que a Embratel fazia, ela precisava cumprir metas. Passar um determinado tempo, e além de passar esse determinado tempo, tinha que cumprir metas. E tinha lá detalhes na regulamentação que eu percebi que a Telefônica não tinha cumprido e que eu ia conseguir, se eu entrasse na Justiça, impedir que ela alegasse que poderia prestar longa distância e competir com a Embratel. E ela estava trabalhando loucamente para competir com a Embratel, para poder entrar no mercado de longa distância, prestar o serviço de longa distância, e eu frustrei esse plano dela (risos), porque a gente entrou... A Embratel acabou entrando, eu montei uma ação judicial para impedir que ela fizesse isso. E deu certo. Então, eu frustrei os planos da Telefônica, quando eu entrei aqui eles tinham uma raiva de mim, porque (risos), falavam: "Você, então, foi quem fez aquilo?", e tal. E eu falei: "É, fui eu". E aí eu falei: "É, vocês não conseguiram me vencer, vocês me chamaram para cá, não é?" (risos). E aí eu vim para cá e logo depois eles conseguiram cumprir a meta e fazer o que tinha que fazer e tal, mas eu atrasei... Atrasei a entrada deles no mercado de longa distância - eu e a equipe, não foi uma coisa só minha, mas eu e minha equipe lá.
P/1 - E com as outras operadoras? Como elas foram entrando depois no mercado?
R - Foi aos poucos, outras competidoras foram entrando e a regulamentação foi permitindo essa entrada paulatina. Durante um tempo tinha essa reserva, depois foi um duopólio, entraram as “espelhinhos”, e depois das espelhinhos abriu o mercado para quem quisesse entrar.
P/1 - O que é espelhinho?
R – Como é que foi planejada a abertura do mercado? Privatizou e, durante um tempo, era monopólio; então, só as empresas do sistema Telebrás, mas já privatizadas, poderiam prestar o serviço. Porque tinha que dar um retorno para quem tinha comprado, então para garantir esse retorno ninguém mais podia entrar, tinha que ser... Era garantido que só quem comprou no leilão ia ficar prestando serviço para ter esse retorno. Depois, a regulamentação previa que iam entrar em empresas espelho, que em cada uma das regiões das empresas Telebrás - porque o Brasil foi dividido – então... Em cada uma das quatro regiões ia haver uma empresa espelho para competir, então ia ficar um duopólio na região da Telesp, um duopólio na região da Brasil Telecom, um duopólio na região da Telemar e um duopólio na região da Embratel, então iam ficar oito empresas, e as que entrariam depois... Essa segunda, para competir, era chamada espelho, empresa espelho. E depois entraram as ‘espelhinho’, que daí eram as pequenas que iam competir. E aí, depois, abriu o mercado total. Então foi tudo planejado, foi uma entrada que a regulamentação, isso tudo a regulamentação ai que definiu. E tudo isso, a regulamentação funciona dessa forma, a lei geral estabelece que tem que haver consulta pública, a gente tem que comentar, a gente tem que fazer análise de impacto, impacto financeiro, impacto social, impacto... Se a regulamentação está certa, está errado, o público comenta. E isso aqui é uma das coisas que eu faço aqui hoje, na Vivo.
P/1 - Bom, você viu toda a história então.
R - Vi toda a história, desde o início.
P/1 - Você viveu toda a história, desde o início da privatização.
R - Desde o início.
P/1 - E como é que era a sua relação? Você tinha relacionamento direto nos Ministérios?
R - Sim.
P/1 - Como foi assim? Conte alguma passagem.
R - Ah, tem passagens... Tem... Nossa, tem muita história. Tem... Desde noites e noites que a gente ficava negociando, temas com o ministério, com os ministros. O marido... Como chama o marido da Gleisi? O ministro... Quando ele era Ministro das Comunicações? Teve uma vez em que a gente estava negociando com ele e ele quase infartou de tanto nervoso, porque a Dilma tinha colocado um prazo para ele fechar essa negociação de banda larga nas escolas e não fechava, e não fechava, e a gente há semanas em Brasília, e aquele negócio ia, ia e não fechava, ele estava tão nervoso, tão nervoso, porque a Dilma estava botando pressão nele, que ele quase infartou, teve que ir para o hospital. (risos) Então, tem umas histórias, muita história, muito detalhe.
P/1 - Por que estava demorando essa negociação da banda larga nas escolas?
R - Porque as empresas estavam trocando obrigações por banda larga, obrigações que elas tinham em telefonia fixa por internet nas escolas. E não é uma obrigação colocar internet, banda larga. E então, não é uma coisa que o governo pudesse impor. E, portanto, uma negociação. E qualquer negociação é estressante, não é? Quando as duas partes têm que negociar. E aí, ele estava com a Dilma, e a Dilma dizem que... Eu nunca tive contato direto com a Dilma - ela sempre falava - e daí o ministro com quem a gente tinha contato, executava, botava muita pressão, muita pressão, que ela era terrível. E aí eu acho que ele estava muito estressado (risos). Muito estressado, quase infartou.
P/1 - E com o Sérgio Motta, você chegou a ter contato?
R - Não. Com Sérgio Motta, quando ele estava... Quando ele morreu, a gente estava num Seminário, na Argentina, e as regras do leilão estavam sendo estabelecidas. E ele nem viu o leião, ele foi antes. Então eu não tive contato, eu morava em Washington. Eu ainda morava em Washington.
P/1 - E aí, quando você veio para cá, o que mudou na sua vida em relação à vinda da Embratel aqui, para a Telefônica? No momento em que você chegou, como é que estava a Telefônica?
R - Aí, era muito diferente. Porque eu cheguei, a Embratel era uma empresa controlada por americanos no Rio de Janeiro, então cheio de carioca. Eu vim para uma empresa controlada por espanhóis em São Paulo, então cheia de paulistano. Muito diferente, muito diferente. A MCI é uma empresa muito mais liberal, deixava muito mais as coisas na mão da administração local. Já a Telefônica, muito controladora, muito controladora, um controle das finanças, dos números... Assim, muito estrito. E o carioca e o paulistano são muito diferentes, não é? Então, uma coisa muito mais tensa aqui do que no Rio. No Rio tudo muito mais relaxado. Então senti muito, eu senti bastante a diferença.
P/1 - Qual era o desafio quando você entrou? Qual era o desafio que estava colocado para você e para a própria Telefônica?
R - Bom, para mim especificamente, o meu chefe na época falou: "Eu quero que você crie a mesma estrutura que você criou na Embratel, eu quero que você crie aqui uma equipe igual, boa, de advogados que consigam atazanar como você atazanou a gente (risos), então, eu quero que você faça isso". E esse era o meu desafio. E para a Telefônica, a Telefônica tinha que crescer pelo Brasil, porque a gente estava só restrito a São Paulo, e a gente só prestava telefonia fixa e banda larga em São Paulo. Aí, a gente depois comprou a Vivo, que é móvel. Comprou... A gente tinha já uma participação na Vivo, mas a gente daí adquiriu o controle da Vivo. A gente não prestava TV, a gente passou a prestar a TV, então a gente... Essa aquisição, esse aumento do escopo dos serviços, das atividades da Vivo, tudo isso eu passei aqui dentro. A aquisição dessas empresas todas eu passei, e com muita responsabilidade, porque todas as aquisições têm que passar pela ANATEL e pelo (Card?), e tem que ter uma aprovação - não é só informar - a gente tem que aprovar, e a aprovação, a responsabilidade, é da minha área.
P/1 - O que significou naquele momento... Quer dizer, entrar no mercado de telefonia móvel? Como estava o Brasil em relação ao mundo? O que transformou isso?
R - O móvel transforma a vida das pessoas, não é? A telefonia móvel realmente... Da mesma forma que a banda larga transforma, o móvel também, pela mobilidade. E a banda larga pelo alcance que te dá, das coisas do mundo. E eu acho que isso vai acontecer - mais um salto desses - esse salto que aconteceu com a telefonia móvel quando ela surgiu, com a banda larga quando surgiu, vai acontecer agora com o 5G, com a internet das coisas. A gente vai ter um grande salto agora que vai revolucionar de novo toda a nossa relação com as telecomunicações. A gente vai ter muito mais aparelhos conectados, cirurgias feitas através de aparelhos conectados a distância, transporte, educação, tudo. O 5G vai trazer muita inovação, muita revolução. Da mesma forma que, naquela época, o móvel trouxe para a vida das pessoas.
P/1 - Camila, você foi vendo essa transformação assim, na prática, com o seu trabalho.
R - Fui. Fui vendo toda essa evolução e na regulamentação, porque quem vê a evolução na prática, também não vê tudo que tem por trás, tudo o que a gente tem que brigar com o órgão regulador, tudo o que a gente tem que negociar, tudo o que a gente tem que mudar na regulamentação e na legislação para que isso possa avançar. Porque a regulamentação e a legislação, muitas vezes, são amarras, as empresas querem fazer, fazer, fazer, e a regulamentação é antiquada e puxa para trás. Então, a gente tem que destravar tudo isso através do trabalho da minha equipe aqui, das equipes das empresas, equipes semelhantes, que tem, à minha, nas outras empresas; a gente vai destravando e isso muitas vezes não aparece.
P/1 - Qual foi uma negociação assim, uma marcante, assim, que te deu... Que você falou: "Nossa, eu consegui"?
R - Essa da banda larga nas escolas foi uma enorme. O PLC 79, que passou agora, esse foi, realmente, também um marco grande, que a gente trabalhou nele cinco anos, foi muito grande. Ele altera artigos da Lei Geral de Telecomunicações, que vão permitir que a gente pare de investir em telefonia fixa e passe a investir em banda larga, que hoje em dia não tem mais sentido a gente deixar os orelhões na rua quando o que as pessoas precisam e querem é banda larga. Então, era uma lei antiquada e que depois de muito, muito trabalho, muita negociação, a gente conseguiu finalmente... O setor, muita gente trabalhando, conseguiu destravar. Porque aqui no Brasil, as coisas não são fáceis, não é? É inacreditável nosso sistema legal, o nosso sistema do legislativo, é inacreditável. A gente não entende como que o país ainda caminha. Muito, muito entrave, muito interesse pessoal, muito jogo de poder.
P/1 - Qual é o país mais avançado?
R - Em telecomunicações?
P/1 - Em telecomunicações.
R - Olha, o país... Os países que mais têm avançado? A gente pode falar China. China, é impressionante o avanço da China em telecomunicações, eles têm... Agora, recentemente, eu assisti a uma apresentação, você fica realmente impressionado com os avanços deles, e muito do governo mesmo botando incentivo público para que as telecomunicações avancem, porque eles perceberam que telecomunicações é a base para o desenvolvimento de um país.
P/1 - Camila, e você fica em contato com o mundo inteiro?
R - A gente tem... A Telefônica tem investimentos em vários países da América Latina, na Alemanha, na Inglaterra e na Espanha, então a gente tem contato com todos esses países e troca experiências.
P/1 - Camila, deixa eu voltar um pouco lá atrás, no Rio de Janeiro. Como é que foi a sua experiência de ser mãe? O que mudou na sua vida?
R - Ah, muda tudo, não é? (risos). Muda tudo, a gente passa a ver as coisas com outra perspectiva. Passei a ter medo de avião, medo de morrer e deixar a criança, e de falar ‘meu Deus’, tem tanta coisa ainda para ver, quero ser avó, quero ser bisavó, e é tão bom, tão gostoso. E você tem uma outra relação com as coisas a partir do momento em que você põe uma pessoinha no mundo. Mas foi muito bom. É muito bom, tanto que eu tive mais outros dois, depois (risos).
P/1 - Você tem três?
R - Tenho três.
P/1 - Como se chamam seus filhos?
R - O mais velho se chama João Pedro; o do meio, Luiz Felipe e a menor, Ana Helena.
P/1 - Qual é a diferença? Quantos anos eles têm hoje?
R - O João tem 18, ou Lipe tem 16... Não, 15, e a Ana tem 12.
P/1 - E como é a convivência com eles, seu marido, esse trabalho? Como vocês conciliam?
R - Ah, é gostoso. É duro, não é? Porque não é fácil trabalhar e cuidar de tudo, de três filhos, marido, casa, e eu também, porque também não pode largar (risos). Mas é muito bom, acho que tenho... O que eu sempre tento fazer é ter uma vida equilibrada, equilibrada. Tento não ser workaholic, tento não ser uma mãe estressada com eles, uma mulher estressada, não ser também estressada comigo mesma. Equilíbrio, eu acho que é a chave de tudo.
P/1 - Como é que você busca esse equilíbrio? Como você consegue? O que você faz fora do trabalho?
R - Ah, esporte. Eu acho que eu me equilibro através do corpo, do meu bem-estar físico, então eu corro, eu jogo tênis, eu nado, eu faço musculação e todo dia de manhã eu acordo às 5h15min, e aí... Todo dia assim... Quando eu não vou para Brasília as 5h15min da manhã (risos). Mas quando eu não estou em Brasília, quando eu não tenho uma reunião assim, eu estou... Cedinho eu vou para o clube, vou para a academia, e faço um desses esportes. E fim de semana também, no sábado geralmente eu jogo tênis, e isso descansa a minha cabeça, acho que isso deixa o meu corpo saudável, acho que ter um corpo leve e saudável me ajuda a enfrentar o dia a dia pesado. E me relacionar com eles também, porque eles gostam muito de esporte, meu marido gosta de esporte e eles, os meus três, nadam, são nadadores, nadam bastante mesmo. E eu acho que isso aproxima, um interesse em comum aproxima e a gente encontrou, acho, que essa aproximação através do esporte, do físico, de cuidar do físico. Então, a nossa vida gira bastante em torno do esporte, o meu marido nada maratonas aquáticas e eles três também. O mais velho agora prestou vestibular e ficou um tempo meio afastado da natação, mas agora voltou também, está na Faculdade já, então já entrou no time de natação, já está voltando.
P/1 - Ele entrou para qual curso?
R - Está na GV. Está em administração, na GV. E então ele... O do meio ainda está no primeiro colegial e a mais nova está no sexto ano.
P/1 - Camila, como foi o convite para você ser embaixadora do Museu da Pessoa?
R - Foi... Eu conheço o Ricardo Levisky já há muitos anos, ele é muito amigo da minha irmã mais nova, e ele, acho que teve essa ideia, sabendo da minha atividade aqui na Telefônica, ele pensou em mim e me convidou. E eu achei superinteressante, porque ele me contou um pouco, depois a Karen veio aqui e me contou um pouco mais. E eu achei interessante, a vida das pessoas me interessa, eu sempre gostei de histórias, de casos, de biografias, e achei um projeto interessante, rico, rico. A vida das pessoas é rica em detalhes, em histórias mesmo, a gente aprende muito. Eu sempre gostei muito de ouvir, eu acho que aprendi isso muito da minha mãe, minha mãe sempre ouviu muito, foi muito aberta a ouvir. E eu vi nesse projeto essa possibilidade.
P/1 - Camila, olhando sua trajetória... Quer dizer, a gente deu umas pinceladas aqui, porque imagina, com essa história eu já vou fazer o convite para continuar, porque tem muita porta que se abriu e a gente vai deixá-la aberta, não vai fechar, porque você realmente é um livro (risos). Com tão pouca idade, é um livro aqui. E você faria alguma coisa diferente do que você fez?
R - Não. Não tem nada que eu tenha feito e de que eu tenha me arrependido, nada. Também penso, assim, nada que eu... "Ai, devia ter feito e não fiz". Geralmente, o que eu quero, eu faço. Geralmente, o que eu tenho vontade, eu vou lá e consigo. Eu não fico parada, não... Me dá nervoso quando eu vejo que uma coisa vai acontecer diferente do que deveria, ou que não vai acontecer, então eu vou lá e faço. E eu acho que, por isso, eu não me arrependo, porque a gente acaba não... Se arrependendo mais do que não fez do que fez, e eu, graças a Deus, posso falar que está indo tudo bem. Está indo tudo bem, eu estou super feliz, meus filhos estão bem, meu marido... Meu casamento é super feliz, eu faço o que eu gosto, eu gosto do meu trabalho, eu gosto do ambiente em que eu estou, da minha equipe, e então está indo tudo bem (risos).
P/1 - Quais são os seus sonhos hoje?
R - Meus sonhos? Eu gosto de fazer muita coisa, não é? Eu gosto de... Eu gosto do esporte, eu gosto de cantar, eu gosto de tocar - eu tocava violão - eu cantava em Coral, eu tenho... Eu me aproximei da Fundação Telefônica agora, há pouco tempo, projetos sociais me atraem muito. Eu fui responsável pela Fundação Telefônica durante um ano e meio, agora não mais, mas fui a responsável. E então eu... O que é meu sonho? Eu quero terminar o projeto de telecomunicações aqui da área regulatória bem-feito, tem muita coisa ainda para acontecer nos próximos... Até 2025, que é um marco que a gente tem, até um pouco mais, 2027 mais ou menos, eu imagino que ainda tem bastante coisa para fazer nesse setor. Depois disso, eu gostaria de poder fazer essas outras coisas de que eu gosto, entendeu? Projetos sociais. E essas outras coisas, que eu deixei de fazer e que eu gostaria de voltar a fazer: estudar Alemão, eu falava Alemão, eu fiquei dois meses e meio na Alemanha, adorei, hoje nem falo mais Alemão direito, devia falar, não é? Porque eu falava e não falo mais. Voltar a estudar línguas, voltar a tocar violão, voltar a cantar, quem sabe aprender um novo instrumento, quem saber fazer outras coisas, coisas diferentes, eu tenho vontade de fazer. É meu sonho. E ver meus filhos realizados, bem, cada um na sua profissão, no seu caminho, meu marido também. É isso. Viver bem.
P/1 - Qual você acha que é o principal desafio, ou os principais desafios, e o futuro da Telefônica?
R - É se reinventar. Na verdade, é conseguir, num mundo que está mudando muito, a gente conseguir se manter nesse mercado em transformação, através da sua própria transformação. A gente tem que estar sempre atento ao que vem pela frente e não ficar preso ao serviço dos antigos, a um mundo antigo. Que já foi, que já era. E o nosso tamanho, nós somos muito, muito grandes, e isso atrapalha, não é? Atrapalha, porque mudar o custo de um Transatlântico é muito mais difícil do que um barquinho, e quando a gente nasce desse tamanho é muito difícil a gente competir com quem já nasce digital. A gente nasceu analógico e a gente tem que se transformar em digital, os sistemas todos são muito pesados, são muito antigos, já tem muito cliente, já tem muita coisa no mundo antigo que a gente tem que mudar com o barco andando. Então, esse é o nosso desafio. E atender bem o cliente com o barco andando, não é? Você não pode parar, arrumar tudo e começar. Então, os clientes reclamam e a gente fica, a gente... A gente fala, a gente gostaria de atender, não é? A gente quer atender bem, só que é difícil. É difícil, não é? Então é atender bem e encantar o cliente. Esse é o desafio.
P/1 - Camila, o que você achou da experiência hoje, de contar a sua história?
R - Ai, interessantíssimo, não é? Porque você começa a pensar em coisas que não... Apesar de você ter vivido, você não pensa no dia a dia, tem que buscar lá no fundo da memória e do coração também. É interessante, muito interessante.
P/1 - E o que você acha de ter agora a sua história registrada no Museu da Pessoa, que é um museu digital?
R - É legal. A perspectiva de você ser objeto de museu (risos).
P/1 - Digital.
R - Digital ainda por cima, é verdade. É muito legal. É única. Gostei muito.
P/1 - Queria agradecer, maravilhosa a sua entrevista.
R - Obrigada.
P/1 - Fiquei emocionada.
R - Ah, obrigada. (risos)
P/1 - É privilégio, hein? Nossa.
R - Imagina. Agradeço eu a vocês.
P/1 - Entrevista linda.
R - Obrigada a vocês, é uma oportunidade.
P/1 - Estou até emocionada. Aprendi muito. Eu falo que cada entrevista, uma dessas, é um privilégio, é um MBA que eu fiz aqui.
R - Não, imagina. É uma delícia a gente pensar assim, quanta coisa que a gente vive, não é?
P/1 - Nossa.
R - Todo mundo, todo mundo. Eu li o livro que a Karen me deu, aquele livro que tem algumas histórias.
P/1 - Ah, dos 25 anos ou o azul?
R - O azul. O azul. É uma delícia você ler as histórias das pessoas, como as pessoas são interessantes, não é? Cada história...
P/1 - A gente vai convidar... A gente vai fazer o lançamento do filme que a gente foi selecionado para Mostra, o filme "Pessoas".
R - Ah, que legal.
P/1 - Aí são os trechos dos livros, são cinco autores que se debruçaram sobre o acervo do Museu da Pessoa e fizeram uma leitura, sua leitura do acervo. Então essas histórias são tão fortes, porque são histórias, independente...
R - É, também achei superinteressantes as introduções. A forma como cada escritor...
P/1 - É, porque foi um escritor famoso quem fez a história de um anônimo.
R - Famoso pegou a história de um anônimo e... Não tão anônimo, tem o Raí ali.
P/1 – Então... Mas ele foi um concurso. Então assim... Foram... Dos 20 anos, foram 19 famosos comentando a história de anônimos, e do Rai foi um anônimo comentando a história de um famoso. A gente inverteu e fez um concurso.
R - Ah, entendi. Não, é superinteressante.
P/1 - É uma delícia. Bom, eu sou suspeita para falar. Eu saí do Museu da Pessoa e voltei. Eu falei: "Você sai do Museu, mas o Museu não sai de você" (risos).
R - Não sai, não e? Legal.
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