P/1 – Leninha, bom dia.
R – Bom dia.
P/1 – Leninha, pra gente começar, eu gostaria que você dissesse o seu nome completo.
R – Heleneide Alves Cordeiro Carneiro.
P/1 – E o local e a data de nascimento?
R – Nove de setembro de 1968, em Iguatu, Ceará.
P/1 – O nome dos seus pais?...Continuar leitura
P/1 – Leninha, bom dia.
R – Bom dia.
P/1 – Leninha, pra gente começar, eu gostaria que você dissesse o seu nome completo.
R – Heleneide Alves Cordeiro Carneiro.
P/1 – E o local e a data de nascimento?
R – Nove de setembro de 1968, em Iguatu, Ceará.
P/1 – O nome dos seus pais?
R – Pedro José Cordeiro e Maria Socorro Alves Cordeiro.
P/1 – E o que seus pais faziam?
R – Meus pais eram agricultores.
P/1 – Eles eram de Iguatu?
R – Iguatu.
P/1 – Eles nasceram ali na região?
R – Não nasceram no Ceará mesmo, eles são todos cearenses. Meu pai pernambucano e minha mãe cearense.
P/1 – E eles se conheceram como?
R – No Iguatu, lá onde a minha mãe morava, meu pai foi pra lá e se conheceram lá mesmo.
P/1 – E como eram seus pais?
R – Hoje eu só tenho meu pai, minha mãe já faleceu. Meu pai tem 65 anos, é pedreiro e aposentado. E mora lá no Iguatu mesmo.
P/1 – E como seu pai e sua mãe eram quando você era criança?
R – Olha, meu pai e minha mãe tiveram dez filhos, eu sou a mais velha das mulheres e era uma vida difícil, que trabalhava na lavoura pra sustentar a família porque muito filho, antes não tinha todos os benefícios que têm hoje, e isso era muito complicado pra minha família, meu pai sustentar todo mundo, que só ele trabalhava. Como eram todos crianças, só meu pai trabalhava pra sustentar a casa. Era uma vida bastante difícil.
P/1 – E você ajudava em casa?
R – Desde pequena, uma coisa que me marcou, eu com três anos lavando prato enquanto minha mãe tinha ganhado neném. Tava na cama e eu ajudando a lavar prato, a fazer comida. E isso me marcou, eu não sei porque, eu não esqueço disso. Desde criancinha eu ajudo dentro de casa, posso dizer que meus irmãos foram criados por mim, os irmãos mais novos.
P/1 – São quantas mulheres em casa?
R – São seis mulheres e quatro homens.
P/1 – E você passou toda infância em Iguatu?
R – Isso. A gente morou um tempo em Fortaleza, mas depois voltamos a Iguatu, até meus 18 anos morei em Iguatu.
P/1 – Mas por que vocês foram pra Fortaleza?
R – Devido à dificuldade lá meu pai resolveu arriscar pra passar um tempo em Fortaleza pra ver se melhorava a vida da família. A gente passou uma temporada em Fortaleza, depois, por causa do falecimento da minha avó, a gente voltou pra Iguatu.
P/1 – Vocês tinham parentes lá em Fortaleza?
R – Não, tinha não. Os parentes estão todos no Iguatu.
P/1 – Você lembra de Fortaleza, quando você foi nessa época?
R – Lembro pouco porque como eu era muito criança eu só lembro da escola. Lembro quando uma vez a gente voltava do colégio, um bocado de cachorro correndo atrás da gente, essas lembranças de criança (risos). Lembro pouca coisa de Fortaleza.
P/1 – Então você chegou a estudar em Fortaleza?
R – Estudei. Uma coisa que meu pai, minha mãe sempre faziam questão era que os filhos estudassem. Ela nem ler sabia, como meu pai também não sabe, mas faziam questão que os filhos estudassem. Muitos não quiseram. Eu mesma, quando eu vim embora pra Bahia, eu não tinha terminado a oitava série, aí terminei quando eu cheguei aqui na Bahia.
P/1 – Quando você veio pra cá?
R – Eu vim pra cá com 18 anos.
P/1 – Antes da gente entrar nessa história eu queria que você me dissesse como era a escola lá em Iguatu.
R – A escola de lá, eu tinha muito parente lá, ajudava minha mãe a levar os pequenos pra escola, cuidava deles. Comecei a trabalhar fora muito nova pra estar ajudando dentro de casa, com 13, 14 anos a gente já começa a trabalhar pra poder ajudar dentro de casa.
P/1 – Você começou a trabalhar de quê?
R – Eu trabalhava em casa de família e depois eu comecei a trabalhar numa lojinha, como vendedora.
P/1 – E quando você começou a trabalhar, o que você sentiu? Essa experiência de sair de casa.
R – A gente sente que a gente tá podendo ajudar a família da gente a ter mais um pouco, na melhora de vida, porque criar dez filhos era muito difícil e tudo que viesse pra ajudar dentro de casa era bem vindo. A gente começou a trabalhar pra poder ajudar meus pais em alimentação para os irmãos. Porque antes, hoje não, hoje tá muito fácil, mas antes se comprava uma roupa duas vezes por ano, comprava roupa em São João e no fim do ano. Aí ia comprando aquelas roupas que iam servindo pros irmãos mais novos. Antes era assim, hoje não, hoje é muito mais fácil.
P/1 – E você tem alguma lembrança da escola, lá em Iguatu?
R – Tenho sim. Eu gostava da escola. Lá tinha um rio muito grande, uma vez eu quase morri afogada (risos).
P/2 – Conta como foi!
R – Uma vez eu quase morri afogada, saí com minhas primas pra ir tomar banho no rio e o rio tava cheio. Aí, eu desci na água e minhas primas ficaram, tinha um buraco, aqueles buracos que têm em rio, e eu desci. E as meninas ficaram lá em cima. E quando me avistaram eu estava lá embaixo já, morrendo afogada.
P/1 – E quem te salvou?!
R – Rapaz, é um mistério! Porque até hoje eu não esqueço disso, que quem me salvou, eu vi um pescador me salvando com a rede de pesca e me colocando do outro lado, na areia do rio. E quando as meninas chegaram que eu tava lá eu mostrando, o pescador já tava do outro lado e ninguém via esse pescador, só eu enxergava. É um milagre de Deus que me salvou naquele dia, porque não era minha hora de morrer. Eu digo: “Olha lá o rapaz, o pescador lá. Aquele homem barbudo” “Não tem homem ali não, Leninha, tu tá é delirando”. E eu vendo a pessoa e elas sem ver. Mistérios da vida (risos).
P/1 – Você tinha quantos anos, mais ou menos?
R – Eu tinha uns nove pra dez anos nessa época.
P/1 – Ah, era pequena.
R – Pequena. E danada.
P/1 – E a escola lá como que era?
R – As escolas lá, antes, escola normal, estadual, não era escola particular que a gente toda vida estudou em escola estadual ou municipal. As escolas com os professores, que antes só era um professor pra todas as matérias. Hoje, que cada matéria tem um professor. E cuidava bem dos alunos, lembro que tinha dentista na escola, tinha flúor que colocava nas crianças, na boca. Uma escola normal.
P/1 – Você tem alguma lembrança de alguma professora?
R – Não. Professora assim não.
P/2 – Você fez até o oitavo ano nessa escola?
R – É. Lá na escola estadual fiz até a oitava.
P/2 – Cada ano da série era um professor que você teve?
R – É, cada ano é um professor.
P/2 – Até o oitavo ano.
R – Até o oitavo ano.
P/2 – Só tinha um professor.
R – Só era um professor em cada sala.
P/1 – E depois como surgiu essa ideia de vir pra Bahia?
R – Olha, não gosto muito dessa história de como eu vim pra Bahia, isso me deixa triste. Foi um trauma na minha vida porque eu estudava, trabalhava. Estava estudando à noite e tinha um namorado, jovem, tinha meus 17 anos e aconteceu de eu ficar grávida desse namorado e minha mãe não aceitava. Minha mãe não aceitou quando descobriu que eu tava grávida.
P/1 – Era o seu primeiro namorado?
R – Era o meu primeiro namorado, aí não aceitou. O que aconteceu? Pra dizer que foi uma única vez, praticamente forçada, e aconteceu de eu ficar grávida. Minha mãe não aceitou isso. E isso me machucou porque ela disse que eu não era mais filha dela, que eu tinha que sair de dentro de casa. Eu com 17 pra 18 anos, nem sabia, porque antes não tinha a forma de hoje de todo mundo saber como é que, não tinha conversa com a mãe. E ela não tinha isso conosco, não só comigo, como com minhas irmãs, não conversou sobre essa situação. E aconteceu que eu engravidei. Aí eu falei isso pra ela, ela disse que eu não era mais filha dela, que eu não podia ficar dentro de casa para não dar mau exemplo às filhas dela. E me expulsou de casa. Meu pai tava trabalhando numa cidade vizinha e eu fui lá falar com ele o que tava acontecendo. Ele me apoiou, disse: “Não, você vai ficar dentro de casa, onde come 10 come 11, você não vai”. Mas a forma como ela me tratou, já tinha me machucado, me magoado e eu não quis ficar. Eu tinha uma tia que morava aqui e eu vim pedir a ela pra ir me buscar. Essa tia é irmã de meu pai, tinha vários anos que não ia lá no Iguatu. E um ano ela resolveu aparecer lá e deixou o endereço. Aí eu escrevi pra ela pedindo pra ir me buscar. Ela foi me buscar, aí eu vim embora com ela pra cá. Eu cheguei aqui, tive minha filha que faleceu, eu acho de trauma, de tanta machucação, ela acabou falecendo.
P/2 – Bebezinha?
R – Bebezinha, morreu com 21 dias. Se ela estivesse viva, hoje ela estaria com 25, 26 anos, mais ou menos. Aí eu fiquei aqui, não voltei mais. Passei cinco anos sem voltar no Iguatu.
P/1 – Aqui que você diz é Serrinha?
R – Nova Fátima.
P/1 – Nova Fátima.
R – Onde minha tia morava.
P/1 – E veio pra cá com expectativa de morar com a sua tia. Você já conhecia aqui?
R – Não.
P/1 – Não? Como foi?
R – Eu nunca tinha saído do Iguatu, tinha só passado algum tempo em Fortaleza, mas nunca tinha saído do Ceará.
P/1 – Como foi a viagem? Você tem lembranças?
R – Eu me lembro que a gente veio de carona com um conhecido dela, de caminhão. A gente veio e eu fui morar na casa dela. Depois que eu tive a criança eu fui ajudar ela, trabalhar como vendedora e fiquei. Aí, passei cinco anos sem voltar no Ceará. Com uns três anos que eu estava aqui morando mais ela, eu conheci o meu marido.
P/1 – Como você o conheceu?
R – Eu trabalhava num local lá em Nova Fátima, ele trabalhava num posto de gasolina, aí a gente se conheceu.
P/1 – Você passava pelo posto.
R – É. A gente se conheceu nesse intervalo aí. Aí fui morar com ele, depois de um tempo a gente resolveu morar junto. Estou há 25 anos morando com ele. Moramos juntos sem casar, tem dez anos só que a gente casou de papel passado.
P/1 – Vocês fizeram festa?
R – Não. Eu não queria nem casar, ele que quis, o pessoal que quis, pode dizer que me casaram à força (risos). Eu digo a ele que me casaram à força, eu não queria, por causa de direito, de filho, de tudo isso. Aí a gente casou. Mas a vida é difícil, tanto ele como eu não tínhamos condições, pessoas simples. A família dele, o pai dele tem 16 filhos com uma mãe e mais dez com outra, é o garanhão da cidade.
P/1 – E você foi morar com a família dele?
R – Fui morar com a família dele. Eu me lembro, a gente não tinha casa, era igual àquela música, não tinha nada. A gente foi morar num quarto pequeno que tinha na casa dele. Nos primeiros dias a gente dormia no colchão porque não tinha cama, não tinha nada. Depois ele começou a trabalhar numa firma, compramos uma cama, fomos comprando as coisinhas. Depois eu me desentendi com a família e eu disse: “Olha, vamos procurar um lugar pra morar porque morar de bolo não dá certo”. Como sempre, homem não queria, não queria, não queria. Aí tinha o irmão dele que tava morando na cidade vizinha e a casa dele tava desocupada. Eu fui lá, pedi a casa dele pra morar lá. Ele deu, aí no dia ele saiu pra trabalhar na firma, eu fui, fiz uma feira, comprei um fogãozinho – o dinheiro que ele ia me dando eu ia guardando. Comprei um fogareiro só de uma boca, assim. Fui pra lá, limpei a casa, arrumei a casa, fiz o almoço. Quando ele chegou pra almoçar na casa da mãe dele, procurou... Porque lá só eu que tinha que fazer, como sempre o povo gosta de se aproveitar de outros. Eu disse: “Se você quiser almoçar comigo a partir de hoje, vai almoçar lá na casa de Ivan, o almoço tá pronto lá”. Depois desse dia ele arrumou um carro, pegou a nossa cama e a gente foi morar lá nessa casa. Depois que o irmão voltou a gente foi morar de aluguel, moramos de aluguel por mais de dez anos, juntando um pouquinho conseguimos comprar uma casinha. A casinha lá em Nova Fátima. Eu me lembro como se fosse hoje, a gente juntou três mil reais, que era muito dinheiro há 15 anos atrás, e compramos essa casinha. “Vai comprar essa casa velha?”, eu digo: “Vamos comprar essa casa velha, mas eu vou parar de pagar aluguel”. Entramos pra essa casa.
P/1 – Já tinham filhos?
R – Tinha, tinha meus dois filhos.
P/1 – Qual o nome deles?
R – É Eusimar e Estéfane Roberto. Eusimar tem 22 anos e Estéfane tem 19.
P/2 – Quando eles nasceram vocês estavam na casa que vocês pagavam aluguel.
R – É, quando nasceu, nasceu na casa que pagava aluguel. E antes, entre Eusimar e Estéfane eu tive outro filho que faleceu também.
P/2 – Com poucos dias?
R – Na hora que nasceu, faleceu. Então eu tive quatro filhos, dois faleceram e tem dois vivos. Hoje. Aí nós compramos essa casa e a gente entrou pra dentro, fomos morar lá dentro. O pessoal reclamando da casa velha, eu digo: “Não, um dia a gente reforma ela, quando puder a gente reforma”.
P/2 – Quando você entrou na casa, você lembra desse dia?
R – Ah, eu lembro. Lembro como se fosse hoje. O dia que a gente entrou dentro de casa, com a conquista da gente...
P/1 – Leninha, você tava contando pra gente quando você entrou na sua casa.
R – A casa é uma casinha de dois quartos, sala, cozinha e um banheirinho. Toda casinha velha, velha mesmo. Mas no dia que eu entrei dentro de casa, uma conquista nossa, depois de muitos anos pagando aluguel, com humilhação, o dono pedindo onde você tá morando, você ter que sair. Uma vez mesmo morava de aluguel teve um cara lá, o dono da casa, achando que a casa era dele, veio com ousadia comigo, e isso a gente nunca esquece. E aí o dia que eu entrei dentro de casa, muito bom, fiquei muito feliz. A gente chamou a família pra mostrar, mas o povo reclamando da casa velha (risos). “Não, pra mim ela é nova. Ela é nova e vai continuar nova até eu poder reformar”. Morei nela velha mesmo, mas com aquela opinião de querer reformar ela. E o dinheiro que eu pagava de aluguel eu continuei juntando, em vez de pagar aluguel continuei juntando. A gente passou dez anos assim, nessa casinha velha. Meus filhos cresceram, aí teve uma vez que chegou na cidade um programa do governo, Pronager (Programa Nacional de Geração de Emprego e Renda), pra dar ajudar as famílias carentes e pra criar cooperativa, pra dar emprego pra esse povo. Eu lembro que eu tava dentro de casa assistindo televisão e o carro de som passou anunciando que ia ter uma reunião no clube, que era pra formar cooperativa pra ensinar o povo a trabalhar. Tinha cursos de corte e costura, de laticínios, de defumados, vários cursos. Eu levantei e disse: “Deixa eu ir lá ver o que é isso”.
P/1 – Você já trabalhava?
R – Não, só dentro de casa e na roça com meu marido. Levantei e fui. Pra quê? (risos) Desde que fui nesse dia não parei mais dentro de casa. E ói que eu não era de sair, como não sou, quando eu estou dentro de casa é só dentro de casa. Aí cheguei lá, um monte de gente, mais de 500 pessoas, cada um direcionando pra que você ia fazer. Eu fui fazer o curso de laticínios, de iogurte, queijo, fui fazer esse curso.
P/2 – Você escolheu esse?
R – Eu escolhi esse, não sei porque. Aí fui fazer esse. Fiz, depois que terminou o curso: “Agora vamos formar a cooperativa”, o Pronager formou a cooperativa. Da cooperativa, vamos tirar os coordenadores, aí eu já saí como coordenadora do curso do laticínio pra ir pra cooperativa.
P/2 – Como foi essa indicação? Escolha?
R – Todo grupo tem uma pessoa que se destaca mais no que faz, na organização, no que produz. E como lá era em torno de umas 20 mulheres, no curso de laticínios, eu que organizava, eu que via a questão de comprar os produtos, ver o que tava precisando. Foi um curso de 45 dias, aí eu que organizava, comprava as coisas e saí como coordenadora desse curso.
P/1 – Mas o curso era o dia todo ou nos finais de semana?
R – O curso era à tarde. Porque tinha vários blocos, vários cursos, o meu era à tarde. Aí vamos fundar a cooperativa, aí formamos, a Cooperfátima, que é a cooperativa lá de Nova Fátima, que na época foi formada com 70 e poucos sócios fundadores com vários cursos de produção. Nós tínhamos nove cursos de produção dentro da Cooperfátima. Aí, a Cooperfátima começou, formamos, construímos lá a nossa sede com a ajuda dos próprios sócios.
P/1 – Vocês trabalhavam só com laticínios?
R – Não. Com laticínios, corte e costura, defumados, avicultura e jornalismo comunitário. Aí tinha temperos prontos, eram nove linhas de produção.
P/2 – Leninha, quem promoveu esse projeto?
R – Esse projeto foi promovido pelo governo federal.
P/2 – Que ano foi, mais ou menos?
R – Tem 13 anos.
P/2 – Quem tava na presidência, você lembra?
R – Era Lula na época. Que foi praquela questão de erradicar a pobreza, questão de Bolsa Família, aí várias cooperativas foram criadas. A cada 45 dias eles estavam no município. Na nossa região aqui foram criadas 23 cooperativas desses cursos em 23 municípios. Várias dessas cooperativas acabaram morrendo. A cooperativa tá fundada, aí eu fui fazer parte do conselho administrativo. Desse conselho, não tava dando certo porque não tinha comercialização, comercialização tava parada. Aí vamos criar junto com as mesmas pessoas que vieram formar as cooperativas, vamos formar uma associação para comercializar os produtos de vocês. Em todo o país foram fundadas 26 Arco Sertão, foram fundadas as Arcos do país, em cada estado foi criada uma para estar indo nos estados e essas cooperativas que foram fundadas pelo Pronager irem para esses Arcos pra poder comercializar a produção.
P/2 – O que quer dizer Arco?
R – Quer dizer Agência de Comercialização, mas Arco quer dizer juntar, unir. Aí uniram essas cooperativas. Aqui na Bahia foram unidas as 20 do projeto, em 2002 isso. Eu fui pra Arco Sertão como conselho fiscal, saí da Cooperfátima, fui como conselho fiscal participando, porque pra participar da Arco Sertão você tem que estar vinculada a uma cooperativa. Em 2002 o presidente da Arco Sertão não deu início, as coisas ficaram difíceis, paradas e eu representando a Arco lá fora.
P/1 – Quais eram as dificuldades? Por que ficou parado?
R – Porque faltava incentivo dos próprios sócios, os próprios cooperados não acreditavam, achavam que não ia dar certo. Como foram 26 Arcos criadas, dessas 26 que eu saiba só existia a nossa, só existe a nossa da Bahia.
P/2 – Leninha, você que tá desde o início, você consegue dizer o que acontece que as cooperativas não vão pra frente? Você falou, os cooperados às vezes não acreditam. Mas o que faz eles não acreditaram? O que você acha?
R – O que faz eles não acreditarem, Márcia, é a questão do, eles têm vontade de fazer a cooperativa dar certo, mas quando eles encontram a burocracia que é para constituição de uma cooperativa, porque é muito burocracia, impostos muito altos. Hoje os impostos que nós pagamos, tanto cooperativa como a própria pessoa particular mesmo, é muito alto. Se a gente beber um gole d’água a gente paga imposto. E isso dificulta porque a agricultura familiar, como nós sabemos, é ela que abastece o país, mas não é valorizada, os atravessadores é que ganham. E quem produz sempre ganha menos, nunca é o suficiente para ele bancar aquela cultura dele. A burocracia, a má gestão de vários programas que têm, que só visam o lucro e não o cooperativismo, o associativismo. Isso emperra de muitas cooperativas darem certo, e muitas vezes união dos próprios sócios. Quando vê que começa dar certo, aí fica criticando. E isso não leva a nada, você tem que fazer as coisas às claras, demonstrar sempre o que você tá fazendo pra que todos tenham confiança em você. Através da Cooperfátima eu vim pra Arco Sertão, aí vim como suplente fiscal do conselho fiscal da Arco Sertão. Eu comecei a representar a Arco Sertão lá fora, no estado. Ia pra Salvador, porque os presidentes não queriam ir, eu dizia: “Eu vou”. Aí comecei a ser reconhecida pelo trabalho que a gente tava fazendo. De 2002, quando a Arco foi fundada, até 2006, foi aquela coisa parada, poucas ações, pouco movimento, pouca comercialização, só participação em feiras e eventos lá fora, que a gente participava e participa muito. Mas o foco em si não saía, o que a gente queria não saía.
P/2 – O que vocês queriam?
R – A comercialização, buscar, comercializar em grande escala, ter produção pra comercializar em grande escala, ser reconhecida, que você é capaz de fazer aquela comercialização.
P/1 – E na Arco Bahia, o seu trabalho no conselho fiscal, qual era o teu papel?
R – Fiscalizar as ações dos presidentes e, na maioria das vezes, participar de feiras, levar os produtos dos sócios pras feiras em eventos, participar do Fórum de Economia Solidária, das ações. Isso em parceria com o MOC e com a Unicaps que apoiava e apoia o serão.
P/1 – O que é o MOC?
R – O MOC é o Movimento de Organização Comunitária. É uma ONG que nós temos aqui no estado que ajuda nos empreendimentos em organização. Eles não dão dinheiro pra você, eles dão ajuda, capacitam, buscam projetos pro empreendimento e isso melhora a vida daquela produção, daquele agricultuor. E a Unicaps é a União Nacional das Cooperativas. Tem a Unicaps Nacional e a Unicaps Bahia, em todo o estado tem a Unicaps Bahia, que também é uma de nossas parceiras aqui.
P/2 – Leninha, você foi indo. Você saiu de dentro de casa, você estava vendo televisão, foi parar no conselho fiscal.
R – Isso, da cooperativa.
P/2 – O que vai acontecendo? Não precisa ser com tantos detalhes, mas o que vai acontecendo pra você fazer essa trajetória?
R – Fiquei como conselho fiscal da cooperativa por dois anos. Na próxima gestão eu já fui pra presidência da cooperativa.
P/2 – As pessoas te escolhiam, como é essa eleição?
R – É escolhida, eleição normal. Na hora tem assembleia, chamava os sócios, tinha as chapas e indicava. Muitas vezes a gente já ia indicada pelos próprios sócios que viam o trabalho que a gente vinha desenvolvendo naquela ação, e eles acreditavam. Hoje eu já estou há três anos na presidência da cooperativa, saí um vez, entrou outra, aí não deu certo, foi tirada e voltei novamente. Hoje a nossa Cooperativa de Nova Fátima, nós acessamos projetos do governo, acessamos CA, acessamos PENAI e temos um projeto com o BNDES, que vair vir agora para construção de uma agroindústria de polpa de fruta lá. Temos um projeto com o governo do estado que é pra construção de um laticínio lá também, pra poder viabilizar a comercialização, e comercializamos com o PENAI de Nova Fátima, Capela e aqui de Serrinha, através da Cooperfátima. A produção lá nossa, nós produzimos polpa de fruta, bolo, sequilhos, biscoito, artesanato, vários tipos de produção lá dentro da cooperativa.
P/1 – Quantas pessoas têm hoje na Cooperfátima?
R – Hoje, atuante, atuante, nós temos 30 cooperadas.
P/2 – Mulheres?
R – Mulheres. Temos alguns homens, mas que atua, atua mesmo são as 30 mulheres. São dois grupos, um grupo na sede e um grupo na zona rural, o núcleo que nós temos da Cooperfátima na zona rural, que produz o sequilho, produz bolo, lá na zona rural e traz pra sede pra ser comercializada.
P/1 – Leninha, o curso que você fez de laticínios, você acabou utilizando esse conhecimento pra cooperativa?
R – Sim. A gente trabalhou vários anos na produção do iogurte. Hoje ainda faz iogurte, mas como nós não temos ainda o local adequado pra continuar produzindo, nós não podemos por causa de certificação. A certificação não pode produzir os produtos em local não adequado. Eu ainda atuo no curso de laticínio, mas menos do que era necessário por falta do local, dentro da cooperativa.
P/1 – E o seu marido participa também?
R – O meu marido não, ele não participa. Hoje ele é autônomo, além de trabalhar na roça ele trabalha instalando antenas parabólicas.
P/1 – Você falou que ele era agricultor quando você começou a participar do projeto.
R – Ele ainda é agricultor.
P/1 – E o que ele planta?
R – Ele planta feijão, milho, aipim, que é a mandioca, lá na zona rural.
P/1 – Vocês têm terras?
R – Em comodato com a do pai dele, não é nossa, é do pai dele.
P/1 – E como ele vê toda essa sua inserção nesse movimento de cooperativas?
R – No começo foi difícil porque nenhum homem quer que sua mulher saia todo santo dia, ou passe semana fora. Mas ele teve que aceitar porque eu falei: “Ou você aceita, ou então a gente vai ter que separar. Porque eu não vou ficar a minha vida toda dentro de casa, olhando pra sua casa, pras quatro paredes ou indo pra roça, sem progredir”. Aí foi um tempo, ele viu que dava certo, eu comecei a ajudar dentro de casa, começou a melhorar o nosso padrão de vida, ele se conformou. E hoje até me ajuda. Tem hora que eu preciso dele pra vir aqui trazer algum produto lá da cooperativa, ou levar em Salvador, em Feira, ele vai e faz isso. Ou então eu to aqui, ligo pra ele e digo: “Ageu, vá na cooperativa e peça pras meninas fazerem isso”, ou “Leve isso, vá buscar isso”, e ele vai e faz. Hoje ele já compreende que as formas de vida que a gente escolheu pra estar vivendo.
P/2 – Leninha, você disse que começou a levar um recurso pra casa, uma renda. Isso demorou muito?
R – Demorou, Márcia, demorou. Porque a comercialização em si é pouca. O nosso trabalho é voluntário, ele não tem ajuda de custo, o que a gente leva é aquilo que a gente produz; se você produzir você tem, se você não produzir você não tem. Porque cooperativa é assim, diretoria não tem salário, não tem renda fixa, é o que você produz, é o que você busca pra comercializar pra produzir. E eu encontrei na Arco Sertão a forma de aumentar a comercialização lá da minha cooperativa, pra minha renda poder aumentar um pouco.
P/2 – E a dos cooperados.
R – E a dos cooperados também. Graças a Deus, hoje, as cooperadas que passaram muitos anos trabalhando sem ganhar nada, trabalhavam, quando chegava aqui e repartia não sobrava nada pra pagar imposto, pagar contador, pagar tudo, não sobrava nada. Hoje a renda dela, cada uma delas tira mais de um salário mínimo por mês, dentro da própria cooperativa. Produzindo e comercializando. Eu não to no dia a dia da comercialização, mas eu tenho uma parte porque eu faço trabalho de comercializar, não to na produção em si, mas no dia que aperta e tá precisando a gente vai, todo mundo pra meter a mão na massa, como diz o outro.
P/2 – E demorou pra acontecer? O tempo que levou pra elas chegarem a receber.
R – A cooperativa nasceu em 2002, pra elas terem um salário digno levou oito anos, dez anos. Quando a Arco Sertão deslanchou foi que eu pude levar mais comercialização pra elas. E nisso aumentar a renda dela. Pra isso a gente teve que batalhar muito. Porque em 2007, quando a gente quis, de 2004 a 2007 o nosso sonho era ter um local de comercialização e nós não tínhamos, nós fícávamos em Valente, num local cedido de uma das nossas filiadas, uma salinha. E lá não dava certo, quando a gente ia pras feiras, que pegava a produção de todos os cooperados pra levar pra essas feiras, pra exposições, participar dos eventos lá em Brasília, em São Paulo, a feira de agricultura familiar que tem todo ano, pelo MDA e a gente participa. Mas era assim, aí, em 2007: “Não, a gente tem que ter um local nosso”, eu já tava na presidência da Arco Sertão, fui eleita. Eu lembro como fosse hoje, teve gente que falou que eu ia pra Arco Sertão e ela ia acabar porque não acreditava no potencial. Eu digo: “Não é porque eu sou uma doutora, não tenho um doutorado, não tenho especialização que isso não vai dar certo. Você vai ver que vai dar certo. O meu foco hoje é fazer a Arco dar certo”. E comecei, a gente começou participando, tinha as assessorias que nos ajudavam, nos orientavam, mas você sabe que sempre tem aquelas pessoas que querem mostrar que sabem mais do que a outra. Aí ficavam as assessorias brigando entre si pra fazer a Arco dar certo.
P/1 – Mas quais assessorias?
R – E não dava. Aí teve uma vez que eu cheguei pras duas assessorias e falei: “Ou vocês se unem pra fazer a Arco dar certo, ou então não precisa” “Não, Leninha, você tá radical” “To, porque eu to vendo que o que está emperrando é a forma de vocês estarem agindo. Não é porque vocês são doutoras, especialistas, que vai fazer dar certo. A gente tem que se concentrar no foco que nós temos. Ou um sai ou outro sai”. Eu sei que uma assessoria se afastou.
P/1 – Mas era de uma organização?
R – De organização. Teve outra que tinha um assessor que não fazia as coisas funcionarem. Aí eu cheguei pra própria entidade e disse: “Ou você troca o assessor lá da Arco ou então não tem como a gente continuar com a parceria com vocês porque não tá dando certo, está atrapalhando muito, está desfazendo o que a gente tenta fazer”. A pessoa olhou pra mim e disse: “Agora eu acredito que a Arco vai dar certo. Porque você está enfrentando”. Que eram pessoas grandes, de ONGs grandes, botavam assessores que só atrapalhavam e não ajudavam. E chegar para o presidente de uma ONG e dizer: “Ou você tira aquelas pessoas de lá de dentro ou então não quero mais”, o pessoal me chamava de louca, dizia que eu era louca. Eu digo: “Sou, mas eu vou fazer assim”.
P/1 – E como eles atrapalhavam, era o quê?
R – Porque se vêm projetos pra você dar assessoria você tem que orientar como aquilo vai ser executado. Você como assessor tem que fazer isso: “Você tem que ir por aqui, por aqui, vamos fazer assim ou assado pra ver se dar certo”. Eles não faziam, chegavam e faziam de qualquer jeito. Ia empurrando com a barriga, como diz aqui na Bahia, pra fazer aquilo dar certo. E nunca dava. Aí é preciso a gente tomar algumas decisões, mesmo que vá nos prejudicar, mas que nos beneficie mais tarde. E foram essas ações que eu fui tendo dentro da Arco Sertão, fui cortando algumas coisas que eu tava enxergando, mesmo sem ser especialista em nada, mas eu enxergava que não era por ali. E consegui melhorar a forma de gestão da Arco Sertão. Agora o que a gente vai fazer? A gente vai buscar projetos pra gente ter a nossa sede. Porque eu não quero ficar para sempre dentro de um quartinho aqui cedido por uma filiada, bora buscar recursos. Como? Nesse tempo eu já participava do Fórum Baiano de Economia Solidária, o nacional e o baiano. Participava da Unicaps buscando ações lá dentro, participava dos conselhos lá em Salvador, ir pra reunião da Conab, várias reuniões de vários órgãos buscando melhorar aqui as ações. Participava do Codes, já com o Codes Sisal, que o Codes tem o conselho territorial, que tem nos estados, aí participava aqui e via que não era da forma que eles estavam dizendo, a gente tinha que mudar a forma de ação da Arco. Eu me lembro que um dia teve uma reunião do Codes aqui em Serrinha, uma conferência. Aí a gente veio, quando eu cheguei aqui tinha a diretora do Fucep aqui em Serrinha. Eu conversando com ela eu disse: “Mara, o que a gente precisa é de um local pra colocar a produção da Arco Sertão. A gente não pode continuar do jeito que tá, tem como você ver em algum órgão, uma forma da gente ter uma espaço nosso?”. Ela disse pra mim: “Tem sim, eu vou ajudar vocês. Me faça um projeto da construção que eu vou tentar botar pelo Fundo de Combate à Pobreza pra construção de vocês e pela Sudic. A Sudic tem essas construções que constroem os galpões pras entidades produzirem”. Eu digo: “É?” “É”. Aí sentei com o assessor e bora fazer o projeto. “Como é que você quer?” “Eu quero assim”. Antes disso chamei a assembleia da central da Arco Sertão, explicar tudo como é que ia fazer, se eles concordavam, se era isso que eles queriam.
P/2 – Quantas cooperativas nessa época?
R – Nessa época nós tínhamos 30 cooperativas. Cooperativa e associação. Como a Arco Sertão é uma associação, ela tanto pode ter cooperativas como associações. Aí expliquei tudo a elas, conversando: “Não, bora, vamos atrás. Você tem todo o nosso apoio, o que você puder fazer pra nos ajudar” “Vamos fazer”. Fizemos um projeto, levamos pra ela, ela disse: “Agora você vai levar esse projeto pra Sudic, pedir à Sudic pra Sudic fazer”. Aí a Sudic: “Sim, a gente vai fazer como a gente”, mas ela já deu o ok, ela já liberou o dinheiro pelo Fucep. Libera do Fucep, leva pra Sudic, é quem constrói? Aí agora a gente precisa montar a planta física. “Como é que você quer?”. A gente foi dizendo: “A gente quer assim, desse jeito, eu quero um auditório pra receber minhas cooperativas, quero um local pra comercializar, uma cozinha” “Vamos montar o projeto”, foi feito o projeto. E isso aí saiu a presidente da Sudic (risos).
P/1 – E como vocês fizeram então?!
R – Aí parou tudo. Parou tudo. Aí eu fui atrás novamente, fui começar tudo de novo, explicar o que era, conversar como tava o processo, o dinheiro já tava na conta da Sudic.
P/2 – Em Brasília isso?
R – Não, aqui. Que tinha que fazer. O pessoal: “Mas não vai dar certo, não vai fazer”, eu digo, “Vai sim”.
P/1 – Você diz aqui, é na esfera do município?
R – Não, lá no Estado. “Ah, vocês precisam de um terreno” “A gente arruma um terreno”. Voltei pra cooperativa: “Como é que a gente vai fazer pra conseguir esse terreno?” “A gente toma empréstimo no banco, na cooperativa de crédito aqui e a gente compra o terreno”, isso lá em Valente. Aí procuramos o terreno, escolhemos o terreno, mandamos pra Sudic, ele aprovou o terreno, agora bora tentar comprar. O terreno custava 25 mil reais. E aí pra tomar empréstimo de 25 mil reais pra construir? A gente pede, a cooperativa: “Não Leninha, a gente dá um jeito e a gente faz o empréstimo pra vocês irem pagando”. Foi lá, quando fomos procurar o dono do terreno, que o terreno tinha que ser legalizado no nosso nome, pra depois a gente passar pro nome da Sudic pra Sudic construir. A prefeitura disse que não tinha posse do terreno, não podia fazer isso, não podia nos ajudar. Passaram alguns meses, eu com cabeça quente, tinha uma reunião, eu encontrei o prefeito daqui, de Serrinha. Aí conversando isso dentro da reunião do Codi, ele disse: “Leninha, você quer ir pra Serrinha? Quer ir pra Serrinha eu lhe dou o terreno”. Eu disse: “É? Osni, eu não vou lhe dar a resposta hoje não porque não sou eu quem decide, são as cooperativas e associações”. Chamei uma assembleia, expliquei a eles o que estava acontecendo e eles: “Não, a gente disse, o que você fizer a gente apoia”. Eu voltei pra Osni: “Osni, a gente quer o terreno, você vai dar?”, ele disse: “Dou” “Agora tem que ser assim, assim e assado” “Não, a gente passa o terreno pra Sudic, a Sudic vai e constrói”. Aí passou o terreno pra Sudic pra fazer. Antes disso teve a questão a Sudic não ia construir nada, nem um galpão desses porque tinha construído muitos e estavam todos fechados, não tava tendo vantagem. Aí, eu vou pra Secretaria de Agricultura do Estado, converso com o superintendente de agricultura lá.
P/1 – Você vai a Salvador.
R – A Salvador. A minha vida é em Salvador, de secretaria em secretaria lá (risos).
P/2 – E é fácil chegar nas pessoas?
R – Não é fácil, não. Se você não tiver contato.
P/2 – E como você faz?
R – Mas é justamente isso, eu consegui porque eu comecei mostrar o que era Arco Sertão, comecei a participar dos espaços lá em Salvador, comecei a participar das reuniões, dos conselhos, e levando sempre a Arco Sertão. Isso eu comecei a ficar conhecida lá dentro. Aí quando eu chegava, pegava telefone do povo, ligava. E ajuda também do MOC que tem as assessorias, que tem o conhecimento, eles também levavam a gente pra isso. Aí, lá dentro da secretaria o Wilson foi vender o armazém pra Sudic poder construir, porque disse que não podia construir, o superintendente da agricultura familiar. Quando ele chega lá: “E é o que, Daniel?” “Armazém. O dinheiro já tá na conta da Sudic” “Tem que fazer, é assim e assim. É um galpão da Sudic”. Aí ele foi. Agora eu já pedi muito. O galpão que a Sudic faz é metade desse, aqui são dois galpões pra Sudic, não é um só (risos). Aí ele lá, eu: “Não, Arco Sertão”, e eu fui contar a história toda lá pro presidente novamente, falei como era. Daí a pouco o Wilson me liga: “Leninha” “É o quê, Wilson?” “Tu me mandou, eu vim aqui defender a construção do armazém, do galpão, quando eu chego aqui tá dizendo que é dois galpões?”, eu digo: “É! Não é um só não, um só não dá, são dois” (risos) Ele é um galpão duplo pra poder abranger todo. “Mas por que tu não disse? “, eu digo: “Wilson, eu falei, você que não escutou. Não quero nem saber, defenda aí!” (risos).
P/1 – Você já tinha um projeto pronto?
R – O projeto já tava pronto, já tava a planta feita, tava tudo lá. Só que eles não queriam mais construir. Ele depois disse: “Graças a Deus, conseguimos passar, vai construir”. Aí veio, construiu, passou quase um ano construindo aqu pela Sudic, a prefeitura doou o terreno. Isso de 2007 pra 2011, viu, essa lambança toda!
P/2 – Enquanto isso as cooperativas produzindo.
R – Enquanto isso as cooperativas produzindo aquele pouquinho, comercializando aos pouquinhos e vendendo aos pouquinhos.
P/1 – E vendendo nas feiras.
R – Vendendo nas feiras. Aí botamos naquilo, conseguimos construir. Quando foi em fevereiro tava pronto, janeira, fevereiro de 2011 tava pronto o galpão.
P/2 – A construção até que foi rápida.
R – A construção depois de toda a confusão foi rápida. Pra poder construir tá bom, bora construir. E pra botar lá dentro, como vai botar? Sem dinheiro, sem nada, como a gente vai montar os equipamentos, botar as coisas lá dentro? E lá vai eu pedir novamente. Fiz projeto, botei na secretaria de agricultura, botei na CA e na Setre, nas três secretarias.
P/2 – Sempre entrega na mão de alguém.
R – Sempre chegava lá, antes de botar o projeto já ia vender o que era, conversar, explicar. Dentro da Setre a gente conseguiu uma parte do recurso pra comprar os equipamentos. Dentro da Suaf a gente conseguiu a outra parte. Aí, o que foi que fizemos? Agora quem tem que comprar os recursos tem que ser pela CA, que a secretaria e a Setre não poderiam comprar esse tipo de equipamento. Eu falo: “Não, a gente passa pra CA e a CA compra”. Fiz o projeto pra Setre, pra Suafi e o pra CA pra comprar. Aí o projeto de equipamento dessa estrutura aqui foi 250 mil reais. O projeto pra compra dos equipamentos, de tudo. O projeto pra construção em si foi 850 mil reais, pra construir isso aqui, fora o terreno, aí já vai um milhão e pouco. Aí o Wilson disse: “Não, tá certo”. Botaram o dinheiro pra CA, a CA liberou o projeto, a gente foi comprar os equipamentos, tal. Tava em janeiro pronto, a gente queria inaugurar e tem que correr pra poder comprar, mandar fazer, comprar tudo. Isso eu não ia mais nem em casa (risos).
P/1 – Isso foi o que, em 2013?
R – Em 2013. Não, 2012. Em 2013 fez um ano. Nós estamos em 2014.
P/2 – Nós estamos em 2014.
R – Agora em março ele completou um ano de inaugurado aqui. A gente conseguiu o projeto pra compra de equipamento, onde a gente também comprou um carro pra estar levando a produção, o carro é pequeno. E tudo o que está aqui dentro, de insumos, que foi 250 mil reais, aprovado através de muita luta, de muita batalha, de muita ida a Salvador, de muuuita, arriscando a vida, como tinha dia que eu saía de Salvador meia-noite pra chegar em casa, já dormi em rodoviária por causa disso.
P/1 – Você ia de ônibus.
R – Ia de ônibus. Já dormi em rodoviária, já dormi em aeroporto vindo de Brasília.
P/2 – E sempre você, Leninha?
R – Sempre eu.
P/2 – Você acabava indo sozinha.
R – Acabava indo sozinha. E várias vezes, graças a Deus até hoje nunca fui assaltada, mas já passei por várias complicações de viagem. Aí sim, vamos inaugurar. Inaugurar isso aqui vai ser quando? Eu digo: “A inauguração vai ser em março”. O Wilson, que é o superintendente já tava amigo da gente, já foi nos ajudando, bora levar governador, ver governador, ver a...
P/2 – Quem era essa pessoa?
R – O Wilson, ele que é o Superintendente de Agricultura Familiar da Bahia. Aí, vamos levar o governo. Eu sei que veio governador, veio presidente da CA, presidente da Setre, veio todo mundo pra inauguração aqui em março. Eu disse: “Eles vêm no dia sete” “No dia sete eles não podem vir”, eu digo: “Olha, eu agradeço muito a ajuda deles, a parceria de todos vocês aqui, agora a gente não vai desmanchar a nossa inauguração não. Se eles quiserem vir, vêm, se não, vamos inaugurar do mesmo jeito” “Então no dia sete nós não podemos, vamos no dia nove. Vamos remarcar pro dia nove”. Desmarcou a agenda do governador não sei de onde pra estar aqui no dia nove. Eu sei que no dia nove eles vieram, mas pra nós a nossa inauguração é no dia sete, a gente abriu no dia sete. Teve muita gente, muita festa. Bora trazer as coisas, os produtos pra cá. Antes disso, de todo esse balabadá, nós tínhamos que constituir uma central de cooperativas, que nós éramos associação e associação não pode comercializar.
P/1 – Mas isso é o que, uma legislação?
R – É, legislação do país, que associação não comercializa.
P/1 – Interessante. A gente vai voltar pra esse ponto porque esse ponto é importante pra gente poder entender.
P/1 – Leninha, você tava comentando da criação da Central, que as associações não poderiam comercializar, só as cooperativas.
R – Isso. No nosso país tem leis que a associação não é de comercialização, ela é associação de organização, dos agricultores fazer as melhorias deles, não de comercializar. E nós tínhamos que criar a central de comercialização. Aí lá vai eu novamente (risos) atrás das cooperativas pra poder ser fundada essa central.
P/2 – Cooperativa pode comercializar.
R – Cooperativa pode, mas eu não queria criar uma cooperativa, queria criar uma central porque eu não tinha só uma cooperativa, na Arco tinha várias cooperativas, como é que eu ia criar só uma cooperativa pra pegar a produção de todos esses empreendimentos? Tem que ser a Central. Aí fui pra Brasília, lá pra Unicaf, saber o que era uma central, buscar ajuda, ter conhecimento do que era uma central, como tinha que ser feito, fui buscar outras experiências por fora pra poder implantar aqui dentro. “Vamos criar a central”. Aí chamamos uma assembleia só das cooperativas, aí a associação não iria, pra estar fundando essa cooperativa. Em 2012 fundamos a Central de Cooperativa da Agricultura Familiar e Economia Solidária do Estado da Bahia, Arco Sertão Central. Fundamos essa cooperativa em 2012. Aí com a fundação a gente já podia ter o processo de comercialização. Mas como ia fazer se isso tinha sido construído através da associação e não da central? A situação que eu achei foi
o quê? A associação iria fazer um comodato, uma doação pra Central fazer a comercialização, a gestão dos produtos através da cooperativa, a Arco Sertão cedeu o espaço pra cooperativa ser a gestora de comercialização. Tudo isso através de muita experiência, buscando parceria, buscando ajuda lá fora pra poder fazer isso dar certo.
P/1 – Agora Leninha, a Central de Cooperativas foi criada pra fazer a gestão desse espaço aqui, somente?
R – Não.
P/1 – Não?
R – Ela foi criada uma central de comercialização, ela não foi criada só pra esse espaço. Nós aqui como central temos várias cooperativas filiadas, não só aqui, a Arco Sertão é mais focada aqui na região do Sisal, Bacia do Jacuípe e Portal, que são os três territórios daqui, mas a Central é Bahia, é Brasil. Ela começou sendo Bahia, aí agora, na última eleição, a gente mudou o estatuto pra ela ser Brasil. Porque não são apenas as cooperativas daqui da Bahia que são filiadas a ela, nós temos cooperativas de Sergipe que traz a produção pra botar aqui dentro, aí a gente não poderia limitar a Bahia. No país tem várias centrais, mas nenhuma legalizada como nós, nós temos essa teimosia a mais, vamos dizer assim, que nós já estamos legalizados, já temos CNPJ como Central de Cooperativas.
P/1 – E como essas outras cooperativas de outros estados conheceram o trabalho de vocês? Como elas foram se agregando à Central?
R – Através da divulgação da Arco, através dos espaços que nós participamos. Porque não podemos ficar parados, mesmo sendo uma Central nós temos que ser itinerantes, nós temos que levar o conhecimento, a divulgação das ações que nós fazemos lá pra fora.
P/1 – E como vocês fazem essa divulgação?
R – A gente faz através dos eventos que nós participamos, através do Fórum de Economia Solidária, do Fórum de Agricultura, do Conselho de Economia Solidária, do Conselho do PA, tudo isso nós temos que estar lá dentro, através do Codes. Aí lá vai muitas pessoas, muitos empreendimentos, para participarem desses eventos, dessas ações e conhecem a história, aí começa a querer participar. Aqui hoje, esses produtos que estão aí, vêm de Abaíra, a quase 600 quilômetros daqui. Temos da Coopercuc, que é a Cooperativa de Uauá, de Embu, que é a 400 e poucos quilômetros e os produtos deles vêm pra cá.
P/2 – Agora você não tem mais atravessador.
R – Não. Os atravessadores não, fazemos o contato direto com a cooperativa. A cooperativa manda a produção. Quando é cooperativa pequena, aqui mais próxima, pra poder viabilizar a comercialização a gente vai lá e traz o produtos deles praqui. Quando é uma cooperativa maior, elas mandam os produtos, mas sempre chega. Essa semana, quando for amanhã, vai chegar quase seis toneladas de produto aí de Coopirece, produto pra gente estar ofertando ao Fenae.
P/2 – Que seria o programa da merenda.
R – É, o programa da merenda.
P/2 – Quem promove esses Fóruns de Economia Solidária?
R – Quem promove o Fórum de Economia Solidária. O Fórum Nacional de Economia Solidária é que promove as ações de economia solidária. E cada estado tem o Fórum Estadual. A gente vai pra dentro do fórum pra poder buscar as informações.
P/2 – E quem promove o Fórum Nacional?
R – É o Ministério de Desenvolvimento que promove o Fórum Nacional em parceria com o Paul Singer, que é do Fórum de Economia Solidária, o pessoal lá que promove essas ações. Vai ter a conferência nacional agora, em agosto, nacional de economia solidária, onde a gente vai estar lá (risos), como sempre.
P/2 – Quando você fala que vocês participam de todos esses espaços qual é o movimento? Os organizadores convidam ou vocês que vão atrás?
R – Os organizadores convidam. Antes nós íamos atrás, hoje não, hoje nós somos convidados a participar. Antes de nós sermos conhecidos, a gente ficava correndo atrás pra participar das ações, pra poder ser reconhecido. Hoje a gente tem que, muitas das vezes, rejeitar alguma participação por falta de tempo porque é muita coisa pra participar e pouca gente pra estar representando. E Central hoje ocupa um nível grande que o tempo é pouco pra tantas ações que têm dentro da Central.
P/1 – Vocês têm um calendário de eventos que vocês participam? Que vocês já sabem, mês tal tem essa feira, por exemplo.
R – Tem. A gente tem a Feira de Economia Solidária, a Feira de Santa Maria que a gente vai também. A gente tem as atividades do Marista, que é vinculado ao Consulado que participa. As ações do estado, feira de agricultura familiar, de economia solidária que a gente participa. Além das próprias feiras que nós promovemos. Através de projeto a gente promove uma feira aqui, dentro do armazém, de agricultura familiar e economia solidária e nossas filiadas que têm por fora também, nos municípios que fazem feira, que a gente tá participando lá dentro.
P/1 – Pra entender um pouco até o papel que a Central vem fazendo, Leninha, houve uma sobreposição das atividades que a Arco já estava tentando fazer com a comercialização?
R – Não, a gente dividiu. A Arco Sertão vai ficar com processo de capacitação, de formação, de busca de projetos pros empreendimentos e melhoria na produção das cooperativas e associações. E a Central vai comercializar. Ficou decidido assim, uma organiza a base, vamos dizer assim, busca a melhoria de cada uma delas e a outra comercializa. A Central, depois que a gente vê que a nossa base tá pronta, pra poder os produtos virem para cá a gente teve que fazer curso de capacitação dos empreendimentos, melhoria de produção, de gestão, pra eles poderem chegar e saber o que é isso aqui, onde é que eles estão pisando, pra poder não ter problema. A Arca é uma coisa e a Central é outra, não, é uma coisa só, mas com papéis diferentes, uma organiza e a outra comercializa.
P/1 – E se uma cooperativa quer trazer sua produção aqui pra Central, ela tem que pagar alguma taxa?
R – Ela tem que se filiar à Central. Nós não trabalhamos com pessoas individuais, trabalhamos com cooperativismo e associativismo. Aí tem cooperativas que dizem: “Como é que eu vou estar botando os produtos dentro da cooperativa? Nós temos uma associação pequena, somos um grupo pequeno, não podemos comercializar”. Aí, o que a gente faz? Ela se filia à Associação Bahia, que é filiada à Arco Sertão Central, como a Central, e pode estar comercializando os produtos, praquele empreendimento não ficar solto, não ficar sem uma assessoria, sem uma entidade de referência no seu município. Nós temos hoje na Central 25 cooperativas filiadas, cooperativas. E na associação, entre cooperativa e associação são 35. Então, hoje eu tenho quase 60 empreendimentos nesta rede.
P/2 – Se é cooperativa vai direto pra Central.
R – Vai direto pra Central.
P/2 – Se é associação...
R – Vai pra Associação. É a rede que nós formamos pra poder estar ajudando todos os empreendimentos, todas as cooperativas da nossa região. Eu liguei ontem pra Cooperativa em Irecê pra mandar os produtos que a prefeitura me solicitou, a prefeitura me solicitou quase cinco toneladas de produtos. Além disso a gente tem parcerias com a Faeb daqui, nós fazemos os kits de alimentação da agricultura familiar e economia solidária pra distribuir aos pedreiros das cisternas que vão construir as cisternas de produção daqui da região. É muito complexo o trabalho, não é pouca coisa não, a gente tem muito trabalho, muita divulgação e pouca gente. Porque como a gente tá no nosso trabalho aqui, o funcionário que eu tenho aqui, eu tenho quatro funcionários que são bancados por projetos. A Central não pode bancar ainda pessoas, como nós só temos um ano, pra poder nos bancar aqui vai ser pelo menos depois de cinco anos, pra poder ter uma referência pra estar nos bancando.
P/1 – Uma sustentabilidade.
R – Uma sustentabilidade, exatamente.
P/2 – Legalmente.
R – Legalmente. Hoje nós trabalhamos com parceria com projetos, nós temos uns projetos que é com o governo, que eu falei, que além do projeto dos equipamentos que a gente botou aqui, eu tive que fazer outro projeto com a Setre pra estar bancando as pessoas que vinham aqui pra dentro. Aí eu tenho um projeto de Fundo Rotativo também pra estar me ajudando com os empreendimentos. Os empreendimentos precisam de alguns produtos, equipamentos, pra poder botar produção aqui e não tinha como comprar. A Bahia teve que ir atrás de projeto pra comprar esses equipamentos pra esses empreendimentos, pra eles poderem produzir os produtos pra estar colocando aqui pra Central. É uma rede, é uma coisa organizada em rede e muito trabalho e muita persistência pra poder estar aqui hoje.
P/2 – Você disse que tem quatro funcionários. E quantas pessoas, além dos quatro funcionários, trabalham nisso tudo com você, Leninha?
R – Tenho quatro funcionários. São dois estagiários aqui, o menino que me ajuda na administração e o outro técnico agrícola que busca os empreendimentos. Além disso eu tenho uma parceria com a prefeitura, que tem uma funcionária da limpeza aqui dentro, a prefeitura aqui do município, e o vigia. Aí fico eu e mais duas diretoras que vêm também aqui uma ou duas vezes por semana pra estar dando plantão aqui dentro.
P/2 – Quem são, como elas chamam?
R – Hoje quem vem aqui são a Marina, que eu mandei pra Brasília (risos), a Márcia, que eu mandei pra Brasília (risos), eu não posso ir e boto o povo pra ir, e tem a Fefeu que é diretora também, que vem. E a Arlete. São essas quatro diretoras que me ajudam aqui, na hora que o bicho tá pegando eu peço pra elas virem me ajudar, porque esses são voluntários, não têm salário, só tem salário pros funcionários. Eu mesma não tenho salário aqui dentro, é tudo voluntário. Quando a comercialização da cooperativa der certo que a gente tem alguma ajuda.
P/1 – E qual é a rotina aqui? Vocês abrem a semana inteira, final de semana?
R – Aqui nós abrimos de segunda a sábado, de sete e meia da manhã às cinco e meia da tarde. E no sábado até meio-dia. Além disso, você tá vendo aqui, mas o foco nosso não é o mercado em si, não é a venda aqui em si, o nosso foco é o Pnae, o programa de merenda escolar. Nós participamos de licitação nas prefeituras pra poder comercializar a produção da agricultura familiar. Aí participamos das chamadas daqui de Serrinha, da chamada de Nova Fátima, de Pé de Serra, de Olindina, das mais próximas daqui pra poder comercializar. E aí ganhamos a licitação, nós entramos em contato com os empreendimentos pra começar a produção. E uma coisa que nós tivemos que fazer também como eu falei, foi a unificação da produção. Eu não posso pedir, ‘bora quero 500 quilos de sequilhos’, aí vem um sequilho de um jeito e um de outro pra mesma prefeitura, tem que vir tudo unificado. E isso, todos os processos nós fizemos aqui dentro, unificamos a nossa produção pra poder estar levando um produto de qualidade pra merenda escolar.
P/1 – Atualmente vocês estão fornecendo merenda para quais municípios?
R – Hoje nós fornecemos pra Capela do Alto Alegre, Nova Fátima, Serrinha, Sátiro Dias, Olindina, Teofilândia e Santa Luz, fornecemos pra sete municípios em parceria com os nossos empreendimentos. Muito da produção nós participamos da chamada lá no município. Onde tem uma cooperativa que fornece aquele produto nós não entramos com aqueles produtos, quem entra é a cooperativa e nós entramos com o que aquela cooperativa não tem. Lá ela fornece a polpa, o sequilho e o bolo, aí através da outra cooperativa a gente entra com o feijão, o arroz, a farinha, a banana, a laranja, com os outros produtos que lá não tem. E isso não cria conflito dentro das cooperativas. Porque antes eles pensavam que a Central vinha pra concorrer com eles, aí eu tive que tirar da cabeça deles através de muitas reuniões, que não, nós não viemos pra concorrer, nós viemos pra somar. Porque como eu falei, a prefeitura daqui quando pede, ela pede 16 mil unidades e um empreendimento só não dá conta. Aí a gente divide as ações pra cada empreendimento fazer uma parte, um faz cinco mil, outro faz cinco, outro faz cinco e entrega a produção.
P/1 – E o contrato é geralmente de quanto tempo, um ano?
R – O contrato, uns são de seis meses e uns de um ano. São contratos em torno de 120, 160, 200 mil reais, com vários produtos. Aí pra poder a gente estar fornecendo.
P/1 – Uma curiosidade, vocês trabalham com agricultura familiar, geralmente as cooperativas da região. Há um trabalho dentro desses empreendimentos, dessas cooperativas, de sustentabilidade, de não uso de agrotóxico, de não utilização de defensivos?
R – Sim. É uma das ações que nós fazemos. Nós temos a cooperativa aqui de Olindina, que é a que nos fornece os hortifrutis, um dos critérios pra estar aqui dentro é não ter agrotóxico dentro da produção porque a gente não trabalha com defensivos. O pessoal até brinca comigo, quando tem atividade aqui que eu boto os produtos na mesa pra eles comerem: “Essa banana vem de onde? Banana com gosto diferente”, eu digo: “Tem o quê?” “Não, tá gostosa, tá docinha”, eu digo: “É um produto amadurecido naturalmente, sem ter aquele produto que amadurece, coloca lá e ele vai amadurecer naturalmente”. E isso é o diferencial nosso, trabalhar com consciência com o meio ambiente, com consciência não usar defensivos na produção e o principal, o principal que nós temos aqui, a não exploração do trabalho, nem infantil, nem de mulher, nem de ninguém. Se a gente vê que aquela produção é grande, que vai estar explorando aquelas pessoas além do horário, nós dividimos pra mais empreendimentos pra estarem produzindo, pra não ter esse choque, não, tem que fazer porque tem que fazer. Primeiro, você tem capacidade de fazer? Tivemos que fazer um levantamento, qual a capacidade que cada empreendimento tinha de produção pra gente poder saber dividir a produção igualmente, pra não ter problema.
P/2 – Leninha, e toda essa administração financeira pra conseguir dividir depois o retorno, a receita, como vocês fazem?
R – Aqui a gente tem um programa no computador que dá as entradas e saídas.
P/2 – Programa de quê?
R – Programa de computador no sistema que dá entradas e saídas. Nesse programa as funcionárias que ficam no caixa, as duas moças, elas são responsáveis por saber o que vende de cada cooperativa. Quando cadastra, cadastra, vende uma cachaça, a cachaça é de quem? A cachaça é de Abaíra. Aí, no fim do mês eles fazem esse levantamento do que foi vendido e a gente vai e repassa o recurso pra cooperativa, é assim que a gente trabalha. A gente pega a mercadoria e no fim do mês a gente devolve o rendimento dele pra cooperativa. Além disso, a gente tem o contador que nos orienta, a gente tem que buscar, sabe que sem ser formada sem Administração, mas tenho que saber cada imposto que tem que pagar a cada mês, o que tem que tirar de funcionário, quanto tem que pagar a cada funcionário, se vai dar pra pagar esse mês. Quando chega no dia 25 eu já fico de cabeça quente porque tenho que saber, porque como eu só tenho quatro funcionários que são pagos por projeto, mas eu tenho mais duas pessoas aqui que eu tenho que estar pagando elas, que ajudam aqui também, eu já tenho que ver quando é que eu vou estar tirando esse recurso pra estar ajudando. Aí tenho que me virar em engenheira, em ser administradora, em ser dona de casa, em ser tudo pra poder fazer um trabalho desse aqui dar certo.
P/1 – E Leninha, como que entra o Consulado da Mulher? Como vocês conhecem o Consulado?
R – O Consulado. O Consulado da Mulher eu conheci através do MOC, que vinha fazendo algumas ações aqui na região e já tinha feito alguns projetos de doação pros empreendimentos e foi assim que eu conheci. Depois através de minhas idas a Brasília eu conheci Paulo, quando a gente firmou a parceria com a Arco Sertão. Aí, através do Consulado já vieram vários produtos pros empreendimentos da Arco Sertão. Teve grupo que pra poder comercializar, eles não tinham um freezer, um liquidificador, um fogão, e através disso foi que eles melhoraram. Foi através do Consulado que eles puderam estar fazendo a produção e estar colocando aqui dentro. O Consulado também nos ajudou com equipamentos para o armazém. Quando eu falei pra Paulo que ia estar construindo uma Central ele disse: “Me manda a demanda que você vai estar necessitando lá”. Aí ele nos mandou 4 freezers, geladeira, fogão, tudo pra gente estar colocando aqui dentro. Aí a parceria do Consulado pra nós é de grande importância porque os grupos já sabem, já ficam esperando abrir os editais do Consulado pra estar participando. Como é que a gente faz? Como os grupos são filiados à Arco Sertão a gente não manda projeto individual, nós mandamos o projeto através da nossa rede. Esse ano foram aprovados três projetos nossos, mandamos sete, foram aprovados três. No ano passado foram aprovados oito. Aí cada dia a gente vai mandando aqueles grupos que ainda não estão beneficiados e passamos os produtos, então na hora que chega é aquela festa, a produção.
P/1 – E esses projetos que vocês enviaram era pra quê, pra equipamentos?
R – Pra equipamentos. Desse ano foi pra equipamento e teve pra reforma. Aí vai vir um recurso pra alguma reforma. Na semana que vem eles já vão vir visitar os três empreendimentos que foram selecionados pra receber a ajuda do Consulado.
P/1 – Vocês conseguiram através de edital.
R – Através de edital. Porque tem uns editais do Consulado pra poder participar, todo ano tem. Aí a gente participa através do edital. As meninas avisam quando os editais serão lançados, nós preparamos os projetos e encaminhamos. Aí, de seis em seis meses a gente manda relatório sobre como está o grupo, os empreendimentos, onde foi que eles melhoraram, qual foi a renda que eles tinham e hoje têm, o que mais eles estão precisando. A gente tem que fazer um relatório e encaminhar pra eles de seis em seis meses.
P/1 – Vocês já receberam alguma assessoria técnica do Consulado?
R – O Consulado, eles têm a metodologia e eles repassam a metodologia do Consulado pra gente e nós aplicamos com os nossos técnicos aos empreendimentos. Uma ação do Consulado é essa, a parceria. Eles doam os equipamentos e a gente entra com a assistência técnica dos empreendimentos.
P/2 – No caso, quem faz a assessoria ou a formação dos empreendimentos é a Central.
R – A Central e o MOC que acompanha a gente.
P/2 – Vocês que escolhem o tipo de formação que vocês vão dar?
R – Não somos nós que escolhemos, são os empreendimentos que dizem o que eles estão necessitando. Se eles estão necessitando em gestão, a gente busca a questão da gestão; se eles estão necessitando questão de rotulagem, de padrão, a gente busca essa assessoria e passamos pra eles.
P/2 – Mas financeiramente quem paga essas assessorias?
R – Através dos projetos que nós temos.
P/2 – Não é o Consulado nesse caso.
R – Não, o Consulado doa os equipamentos e a parceria nossa é doar o equipamento e a gente repassar pra ele a mudança, a melhoria do empreendimento, a melhoria de vida de cada um.
P/1 – E houve melhoria com a aquisição desses equipamentos, participação nesses editais.
R – Rapaz, tem empreendimento aqui na região que devia... Eu não esqueço desse, tem um empreendimento ali em Ichu, tinha um grupo de mulheres lá, elas trabalhavam, não faziam nada, só dentro de casa, dentro de casa dá um trabalho também. Não faz nada vírgula, a gente trabalha mais do que fora. Aí, ela dizia que o sonho dela era ter uma geladeira, poder comprar uma calcinha sem estar pedindo ao marido. E através dos equipamentos que foram pra lá elas puderam fazer isso, ter sua renda mensalmente, mesmo que fosse pouca, mas tinha renda, e ir na rua comprar a geladeira porque sabia que no final do mês tinha como pagar, ter o crediário, abrir o crediário. Aí são histórias que a gente houve quando a gente tem essas capacitações que muitas vezes o povo sai chorando daqui da forma como ela diz que melhorou, da forma como as ações, com a Arco Sertão, com a parceria que nós temos aqui hoje, busca tanto com o Consulado como Marista, como Unicaps, como MOC, como as secretarias, prefeituras, que nos apóiam aqui dentro que melhora cada dia mais a vida de cada uma delas, em seus grupos.
P/2 – Só fiquei curiosa que empreendimento era esse da moça da geladeira, o que elas faziam, produziam o quê? (risos)
R – Elas produzem polpa de fruta. Essas lá da geladeira, aí tem a outra lá do fogão. Tem a outra que conseguiu comprar uma bicicleta, outra conseguiu comprar uma televisão. E são várias histórias que a gente escuta em nossas capacitações aqui, que elas dizem que antes não tinham condição, não podiam sair de casa, não podiam comprar nada e hoje, com a rendinha pouca ou grande, elas podem comprar. E hoje, pra vocês terem uma ideia, até eu mesma, eu mesma como eu falei eu tinha comprado minha casinha, passei dez anos dentro dela ruim. Depois fui juntando, consegui tomar um empréstimo na Caixa Econômica e consegui reformar minha casa. Hoje minha casa, graças a Deus, é a melhor da rua. E era a mais feia (risos). Consegui reformar minha casa. Meus filhos estudaram tudo em escola particular e hoje os dois estão fazendo faculdade estadual, mas a gente tem que bancar com lugar pra estudar, e tudo isso a gente banca com a ajuda que a gente tira do nosso trabalho. É uma conquista que a gente ganha a cada dia, é muito trabalho, é uma luta muito grande aqui dentro, mas vale a pena. Vale a pena pelas histórias que a gente ganha, as experiências que a gente ganha, as histórias que a gente escuta, o bem viver de cada uma das nossas mulheres quando elas chegam aqui dentro. Eu só queria que vocês vissem um dia quando a gente tem atividade aqui dentro, são 30, 40, 50 mulheres ali dentro, todas alegres e satisfeitas. E elas vêm, não são obrigadas não, basta eu passar uma mensagem no telefone e dizer: “Tem atividade da Arco Sertão dia tal”, e todas estão aqui. Todas estão aqui, vêm, dormem, a gente bota colchão pelo chão. E de noite é aquela conversaria, vocês sabem o que mulher faz (risos). E é muito bom, as experiências que cada uma tem a cada dia, a melhoria que cada uma conquista, a vitória que elas têm, a própria casa dela. E antes tinha marido que não deixava fazer nada e hoje elas já buscaram isso, já resolveram esse problema. Tem outra história que vocês vão ver de Ibiritinga, aquele pessoal lá. E quando veio pra Arco Sertão era Genorise, seu Jacinto e Maria, eles são quilombolas, eles começaram a participar da Arco Sertão em 2008. A gente conseguiu produtos do Consulado pra elas, foi colocado lá dentro. Só era um grupo, hoje já são dois grupos de produção, todos os dois têm produtos, colocam produtos aqui. E antes era só seu Jacinto, que era o patriarca da associação, que ia, que falava, elas chegavam e ficavam tudo quietinhas, caladinhas ali. Hoje a diretora da associação já viaja sozinha, já participa, já vem para cá sozinha, já conversa, já se expressa e antes não faziam isso. Tudo foi através do quê? Do trabalho, da consciência, do desenvolvimento que elas iam tendo. E elas se preocupavam com Marina porque Marina foi pra Brasília. E hoje eu já mandei Marina pra Salvador, já mandei Marina pra vários lugares e vai representar a Arco Sertão notoriamente bem. Não é preciso ficar vinculada a uma pessoa só, nós temos que buscar os nossos espaços, descobrir a cada dia onde é que a gente pode melhorar pra poder, se eu melhorar hoje, eu posso amanhã melhorar a vida daquela pessoa ali. E isso, hoje, graças a Deus, através da comercialização que nós temos aqui, eu sei que eu melhorei a vida de várias pessoas, eu sei que várias pessoas compraram um q a mais que estavam necessitando através da comercialização daqui. Porque o ano passado, de agosto, que a gente começou a estar buscando a chamada, pra dezembro, a gente comercializou 600 mil reais para os empreendimentos. Em seis meses é muita coisa pra quem não comercializava nada. Hoje nós já estamos com projeto, os projetos todos que nós estamos, já dão mais de 800 mil reais. Fora as escolas estaduais, fora os outros municípios que a gente é só parceiro com o empreendimento lá, não participou de chamada. E isso tudo é o quê? Confiança no que a gente vem fazendo aqui dentro. Tem dia que eu chego muito estressada, que é muita coisa pra fazer, mas depois a gente vai: “Ah Fulano, faz isso, Fulano faz aquilo”, e vai dividindo tarefa, nós temos que dividir tarefa pra uma pessoa só não ficar sobrecarregada. Aí eu tive que me afastar porque eu tive que fazer a minha cirurgia, mas eu disse: “Eu não posso ir representar a Arco na Unicaps, vai Marina. Não posso representar lá na questão do quiosque, vai Márcia”, pra pode restar fazendo esse papel.
P/2 – Leninha, você acabou falar: “A gente divide tarefas, de distribuir todas as receitas individualmente”. Nos empreendimentos, nas pequenas cooperativas, nas maiores, nas associações, tem algum trabalho com essa parte de gestão ou de valores? Que você tinha dito lá atrás: “Aqui não é individual, é coletivo”. Você percebe algum movimento nos empreendimentos em relação a isso?
R – Sim, tem sim. Porque quando o empreendimento, a gente vê, às vezes chega aqui: “Leninha, a gente tá com problema lá interpessoal. Você precisa ir lá”. Eu digo: “Não, eu não preciso ir lá. A gente precisa fazer um trabalho com vocês, saber primeiro o que é que está acontecendo, ver o problema em cada ação, em cada setor que vocês estão pra gente poder chegar e conversar” “É briga, Leninha, é briga” “Mas aí é porque vocês não estão sentando, não estão conversando. Bora sentar, bora conversar, que conversando a gente resolve tudo. Não adianta chegar aqui com a metralhadora que não vai dar certo, vai todo mundo morrer e aí? Acabou a cooperativa, é isso que vocês querem? Não é assim que a gente trabalha. Vocês estão com problema de quê, interpessoal? Bora chamar a pessoa aqui pra ver a relação de cada um de vocês”. A gente chama uma assessoria, chama um técnico ou eu mesma vou, converso com elas, explico como é que está a situação. Cada um conta o que está acontecendo. Aí depois eu procuro saber: “Melhorou?” “Ah, agora ela tá uma maravilha”. Por quê? Só porque não sentou e conversou. Acham que confusão com briga e com estresse vai resolver as coisas, e não resolvem. A mesma coisa, tá com problema de gestão, a gente chama um técnico que saiba fazer o trabalho. Se é contabilidade a gente chama o contador ali pra estar ajudando, e assim a gente vai tentando resolver o problema de cada um passo a passo. É por isso que a gente faz questão, aqui na Arco Bahia e na Central, da gente ter reunião bimestral. Mensalmente a gente tem uma reunião de diretoria e bimestralmente a gente tem reunião com o coletivo, com as nossas cooperativas. Porque se tiver alguma coisa dando errado, na reunião a gente esclarece tudo pra tentar resolver o problema que ela tem dentro da cooperativa. Respondi? (risos)
P/1 – Leninha, a gente tá chegando já no final. Eu queria que você dissesse em poucas palavras como você vê aqui a região antes das cooperativas, antes daquela primeira reunião que você comentou aqui do Pronarge. Qual foi a diferença que tem o trabalho de vocês, das cooperativas, enfim, até dessa evolução que vocês tiveram internamente.
R – O que eu vejo é que antes muitas pessoas não acreditavam que elas podem, que elas têm o poder de mudar de vida através do trabalho, através da sua busca pela melhoria. Hoje, depois que a cooperativa está aqui a gente vê que muitas mulheres aumentaram a sua autoestima, muitas mulheres que deixaram de pensar em fazer coisa errada, muitas mulheres que voltaram a estudar, que se formaram. Nós temos aqui uma parceira que tem 75 anos, e ela formou em Assistência Social com 60. Isso é o quê? Que ela viu que tem que se qualificar, que tem que melhorar. Em muitas cooperativas nossas os jovens não estudavam, hoje já estão fazendo curso técnico, já estão estudando, porque viram que a região tem potencial pra dar certo, basta só a gente investir naquilo que nós acreditamos. E a agricultura familiar e a economia solidária é a porta do mundo, a agricultura família é quem alimenta a nação. E por que a gente vai deixar isso acabar? Por que a gente vai mudar pra uma cidade grande e deixar o interior ao léu, a ver moscas sem ter uma agricultura familiar de qualidade, sem ter os produtos de qualidade? Só pra viver em shopping, em festas e esquecer da sua essência, que é a agricultura familiar? A gente tem que buscar isso, tem que cada dia mais mostrar que uma cooperativa com produtos de agricultura familiar e economia solidária dá certo. Hoje nós somos reconhecidas e sabemos que dá certo. Pra você ver, a gente levou a ideia da construção desse armazém pra dentro do Estado, o Estado apostou em nós. Apostou tanto que já informou que vai construir mais cinco desses nos territórios aqui da região. Por que? Porque tá vendo que isso aqui tá dando certo, a gente tem, eles vêm aqui saber se deu certo, nós mandamos relatório informando como está a ação aqui. Porque a gente não quer esconder, a gente quer divulgar. Isso aqui tá sendo referência dentro do Estado, referência. As faculdades vêm aqui pra poderem conhecer, ouvirem a história. A gente apresenta a nossa história em alguns seminários, em algumas conferências, a gente apresenta a história de como isso começou, como é que isso tá dando certo, pra hoje a gente poder estar aqui e dizer que dá certo, basta nós acreditarmos, sermos teimosas (risos). Acreditar e ter força de vontade, você é capaz, eu sou capaz. Eu digo hoje que eu sou capaz, eu não acreditava que eu era capaz de fazer o que eu fiz até hoje, o que eu faço até hoje. Porque ser diretora de quatro empreendimentos, como eu sou, diretora-presidente de quatro empreendimentos e ainda ser diretora de outros empreendimentos é porque eles acreditam no que eu faço (risos). Hoje, graças a Deus, quando eu ligo pra qualquer entidade, pra qualquer secretaria eles sabem quem é que está ligando, sabem e conhecem. Por quê? Porque eu me fiz ser reconhecida, fiz o trabalho acontecer. E tá acontecendo e vai continuar. Porque é esse o objetivo da Arco Sertão e é esse o meu objetivo de vida: fazer a agricultura familiar e a economia solidária darem certo, deixar de dizer que somos coitadinhos, que agricultura familiar é um povo coitadinho. Não, nós somos capazes, somos competentes e fazemos um trabalho decente.
P/1 – Leninha, você consegue imaginar se você não estivesse trabalhando com cooperativismo, com a organização dessa rede complexa onde estão envolvidas as cooperativas e associações, o que você estaria fazendo? Você consegue imaginar aquela Leninha que saiu de Iguatu e que chega aqui? Você já pensou alguma vez assim?
R – Rapaz, eu já pensei nisso e disse que o cooperativismo e o associativismo me resgataram porque eu tava pra ser aquela pessoa parada, dona de casa que ia cuidar de meu filho, minha casinha, meu marido e não ia ver o potencial, o tanto que eu já ajudei até hoje. Eu não digo que eu ajudei, o tanto de coisa que a gente já fez até hoje em melhoria de vida, não minha, mas de várias pessoas, de vários municípios, de várias ações que a gente fez através daquela minha levantada, sair da frente da televisão e ir buscar melhoria de vida minha, que foi minha e foi de várias outras pessoas, não foi só minha. O que eu ganhei não foi só pra mim, foi pra várias outras pessoas porque eu não penso só em mim. Eu penso: “Não, isso aqui vai dar certo pra Arco Sertão, vou beneficiar quem? Qual é o grupo que vai estar precisando disso?”. Tudo isso eu tenho que estar vendo. Quando eu recebo um e-mail: “Tem o edital tal que vai beneficiar isso disso”, olha, aquele grupo tá precisando disso, vou fazer eses projeto. Eu não to pensando em mim, eu to pensando no coletivo, to pensando na rede. E isso é muito bom, isso me rejuvenesce a cada dia, é muito trabalho, mas a batalha sempre tem que ter o trabalho, a conquista tem que ter a batalha. E hoje eu vejo que eu conquistei várias coisas através dessa minha luta, através da batalha do cooperativismo, associativismo.
P/1 – E quais são seus sonhos hoje, Leninha?
R – Ai, meu sonho? O meu sonho é ver outros desses em vários estados, fazendo dar certo porque hoje a gente tem que trabalhar em rede, não vamos trabalhar sozinhos, vamos trabalhar no conjunto. Não vamos pensar só no meu umbigo, vamos pensar no umbigo do próximo. Quando eu pensar que hoje eu posso estar dando um prato de alimento a uma pessoa ali que está necessitando, não penso: “Eu vou só comer”. Não. Tem outras pessoas que estão necessitando, que precisam, então vamos trabalhar no coletivo pra fazer dar certo. E o meu sonho é esse, é fazer dar certo. E uma coisa também que eu quero, que eu vou fazer se Deus quiser, é fazer uma faculdade também. Se Deus quiser eu vou fazer.
P/1 – Já pensou no curso, já?
R – Ainda não. Estou em dúvida entre Administração e Assistência Social, mas vou fazer, se Deus quiser. Eu não comecei a fazer agora porque primeiro eu vou deixar meus dois filhos terminarem pra me aliviar um pouco (risos), daí depois eu começo. Mas eu vou fazer.
P/1 – E o que você sentiu contando essa história pra gente?
R – Olha, algumas feridas abertas, que a gente sempre tem algumas mágoas, mas é bom. É bom contar a história porque aí o pessoal vai saber que não é fácil, mas que consegue. Se for persistente e se tiver um objetivo de vida que é a melhoria de vida de cada um, não só a sua, tá certo e você chega lá.
P/1 – Nós agradecemos aqui por ouvir essa grande história sua, parabéns!
R – Obrigada. (risos)Recolher