Identificação[Nasci no] município da cidade de Muriaé, eu nasci no dia 5, mas fui registrado no dia 15, 15 de maio, mas eu nasci dia 5, na Zona da Mata, Minas Gerais. Muriaé Quando eu conheci Muriaé, quando criança, que eu freqüentava a escola, trabalhava na fazenda um pouco distante de Muriaé, era uma cidade que não tinha... as ruas principais eram calçadas com paralelepípedos, aquelas pedras que eles cortavam antigamente. Era uma cidade já mais bem adiantada, a situação do café lá era muito forte, Muriaé foi o segundo produtor de café da Zona da Mata e do Brasil. O cafezal de lá era o tipo sete, vamos pegar o café do Brasil daquela época, da plantação de café. Família Meu pai era agricultor, minha mãe a mesma coisa. Trabalhavam na roça plantando milho, plantando feijão, plantando arroz, o pessoal mexia com isso. Meu pai, minha mãe era mais agricultura que meu pai, porque meu pai mexia com negócio de couro, fazendo arreata de couro, de boi, carros de boi, fazendo aquela brocha, aquele negócio do lado, arreios, laço, ele mexia mais com negócio de couro, couro, balaios, que são feitos de taquara, fazia aqueles balaios, aquelas coisas da roça, esteira... As casas não tinham antigamente, como nós temos hoje em dia, esse conforto. O mundo e a natureza mudaram muito, o pessoal mudou o mundo, então mesmo pessoa rica mandava fazer uma esteira toda trançada, esteira com taquara, com bambu etc, fazia para cobrir o teto da casa, não ficava como nós estamos aqui, uma telha, aquela coisa todinha. Meu pai mexia com esses problemas, uma parte dele era artista, na época de hoje ele seria um artista. [O nome dele era] Sebastião Ramos da Silva. Origem do nome O meu nome é um nome meio esquisito. Rosental é um nome que me colocaram. É uma história diferente, história roceira, mas história um pouco diferente. Meu pai era um homem que tinha o quarto ano primário, mas era sábio. Então minha mãe estava esperando por mim...
Continuar leituraIdentificação[Nasci no] município da cidade de Muriaé, eu nasci no dia 5, mas fui registrado no dia 15, 15 de maio, mas eu nasci dia 5, na Zona da Mata, Minas Gerais. Muriaé Quando eu conheci Muriaé, quando criança, que eu freqüentava a escola, trabalhava na fazenda um pouco distante de Muriaé, era uma cidade que não tinha... as ruas principais eram calçadas com paralelepípedos, aquelas pedras que eles cortavam antigamente. Era uma cidade já mais bem adiantada, a situação do café lá era muito forte, Muriaé foi o segundo produtor de café da Zona da Mata e do Brasil. O cafezal de lá era o tipo sete, vamos pegar o café do Brasil daquela época, da plantação de café. Família Meu pai era agricultor, minha mãe a mesma coisa. Trabalhavam na roça plantando milho, plantando feijão, plantando arroz, o pessoal mexia com isso. Meu pai, minha mãe era mais agricultura que meu pai, porque meu pai mexia com negócio de couro, fazendo arreata de couro, de boi, carros de boi, fazendo aquela brocha, aquele negócio do lado, arreios, laço, ele mexia mais com negócio de couro, couro, balaios, que são feitos de taquara, fazia aqueles balaios, aquelas coisas da roça, esteira... As casas não tinham antigamente, como nós temos hoje em dia, esse conforto. O mundo e a natureza mudaram muito, o pessoal mudou o mundo, então mesmo pessoa rica mandava fazer uma esteira toda trançada, esteira com taquara, com bambu etc, fazia para cobrir o teto da casa, não ficava como nós estamos aqui, uma telha, aquela coisa todinha. Meu pai mexia com esses problemas, uma parte dele era artista, na época de hoje ele seria um artista. [O nome dele era] Sebastião Ramos da Silva. Origem do nome O meu nome é um nome meio esquisito. Rosental é um nome que me colocaram. É uma história diferente, história roceira, mas história um pouco diferente. Meu pai era um homem que tinha o quarto ano primário, mas era sábio. Então minha mãe estava esperando por mim como nos vários outros dias de gravidez dela, estava para me ganhar. Então perguntaram, meu pai viu aquele senhor com um burrinhozinho e pensou: “mascate do interior”, que ia lá barganhar um panozinho em troca de uma máquina que ele podia consertar e vender para o dono. Aí cheio daquelas coisas velhas que ele comprava nas casas e trocava por metro de pano, aquela coisa do interior. O pessoal não sabia do valor daquilo, para ele tinha um valor, mas o pessoal fazia ponto naquela parte lá dentro, fazia o mascate. Então meu pai vendo ele em um burrinho, tendo que descer tudinho para depois abrir a porteira. Naquela época lá, quem passava pelas fazendas, queria cumprir a regra de abrir a porteira e fechar a porteira para não misturar o gado de um com o gado de outro, aquele cara não podia mais passar por lá, e ele era barrado lá dentro, mandava ele embora e nunca mais ele podia entrar naquela fazenda. Meu pai vendo ele, o sacrifício dele para abrir aquela porteira, falou assim: “Conceição, espera aí, aqui.” “O que é que há?” “Vou abrir a porteira para aquele branco que vem lá, aquele gringo lá.”. Foi lá, abriu a porteira para ele, aí o gringo achou ele interessante, por ser compreensível o modo de civilização, civilização maior, e agradeceu: “Muito obrigado, senhor Como é que você chama?” “Chamo Sebastião Ramos da Silva, e o senhor?” “Ah, eu chamo Rosental não sei mais de que lá”, meu pai achou um nome bonito e me lançou esse nome. Minha mãe, dois meses depois me ganhou, aí ele botou meu nome Rosental Ramos da Silva. Agora, foi muito questionado esse nome por causa do nome ser Rosental, então foi questionado por jornalistas aqui no Brasil, por que Rosental? Aí fizeram uma junta dos jornalistas, dos bons jornalistas daquela época aqui em Brasília, e me levaram para fazer uma fotografia, então fotografaram a parte direita e a parte esquerda para saber o por que do Rosental. Aí foram contratados por jornalistas, dos exames que foram feitos no meu rosto, que lá dentro do meu rosto, a pele já foi embora, isso é por dentro da carne do rosto, tem uma cruz, justamente basearam-se como se fosse, que todo cidadão que tem o nome de judeu, alguma coisa existe de problema. Você lê esse negócio, é um encontro que eles têm sobre esse negócio de judeu. Então aquele judeu, eu cheguei a ver no cinema, no tempo do Nasser. Todos aqueles judeus que tinham no Egito, Onassis sumiu com eles de lá; sumiu com eles do Egito, Onassis era um perseguidor de judeu, e eles tinham uma cruz no rosto. O aprendizado da cozinha Eu fui o segundo filho mais velho da minha mãe. Então enquanto ela ia para as lavouras plantar, colher, ela e meu pai, eu tomava conta da casa, olhava os meninos menores. Eu que fazia a comida, dava banho. Quando mamãe chegava, estava tudo tomado banho, tudo direitinho, muitas vezes estava até dormindo algum deles. [Eu aprendi a fazer comida] logo cedo, com oito anos já estava mexendo com isso aí. Todo dia eu via minha mãe chegar lá dentro e mexer em panela. Um dia eu tomei a iniciativa e quando eu tinha que fazer era pouco, cozinhava o feijão com uma pele de porco dentro para poder dar um gostinho, e se tivesse arroz, botava arroz, mas o que mais tinha era angu ou canjiquinha. Eu via ela fazer isso todo dia, eu pensando comigo: “Vou fazer uma comidinha aí, quando a mamãe chegar a comida já está pronta”. Tinha que chegar, esperar ela fazer a comida, e acordar aqueles que estavam dormindo porque o mingau já tinha dado a eles, o mingau de fubá, e fui lá e fiz a comida. Fiz o feijão, temperei, botei o alho que ela botava, e esqueci de uma coisa, aí a mamãe chegou: “Rosental, cadê os meninos?” “Estão descansando, esperando a senhora chegar, mamãe.”, ela foi na panela: “Você fez comida?” “Eu não fiz muito bem, mas como a senhora faz eu fiz também”, ela não falou nada. Foi lá, encontrou a comida, tudo bem, tudo bem, tudo bem. Depois ela veio falar comigo, meu pai só comia comida salgada, botava sal e botava um punhado de sal na comida, morreu com 53 anos, ele era chegado a sal, aí ela disse: “Olha, meu filho, você fez a comida, eu vou botar mais um pouquinho de sal aqui. A sua comida está boa.” Tinha lá aqueles ossos de porco, aquelas coisinhas de roça – “Aquele está tudo legal, só o arroz, o angu, precisa dar um, está sem sal. Da próxima vez você bota um pouquinho de sal, não precisa botar muito não, bota um pouquinho. Quando chegar, eu boto sal para o seu pai.”. E aí começou, aí começou a minha vida, escola, esse negócio tudinho. [Eu aprendi] só de olhar a cozinhar. Isso foi na minha casa. Depois eu parti. Primeiros trabalhos Houve uma coisa interessante que houve comigo, foi o seguinte, comecei a estudar na cidade, na escola, aquele negócio todinho, eu aprendi a vender as verduras na rua, eu fui chegando até o ponto de eu fazer... aprendi a trabalhar com padaria, aprendi a trabalhar com venda de frango, galinha etc, eu me... ia comprar jornal velho e vender jornal velho, naquele tempo da guerra, reunia todo mundo e lia, mineiros lêem muito, a gente não sabe, algumas pessoas não falam isso, os mineiros lêem muito. Aquele pessoal do interior recebe o jornal atrasado, mas ele lê muito, então como era um garoto considerado, que limpava o quintal do pessoal, eu arranjava o jornal, e o jornal era vendido para aquelas mercearias, e a menina me dava o jornal de graça e eu vendia para a mercearia. O dinheirinho que eu apanhava, chegava na mão da minha mãe. Toda a vida eu ganhei mais do que meu pai. Eu vendia laranja, vendia banana, vendia, dava tempo de goiaba, eu não perdia uma goiaba dessas que ficavam nos pés. Ganhava mais do que o meu pai porque, já tiveram diversos bate-bocas na minha casa do meu pai chegar da roça e estar tudo abastecido em casa e ele perguntar para minha mãe: “E aí, o que houve? Esses negócios tudo na minha casa Quem está dando isso aqui para encher a minha casa?” “Seu filho está ali ó.” “Mas como é que pode?” “Ele me deu 9 mil réis hoje”. Ele ganhava por semana 9 mil réis, 1500 por dia; eu ganhava 9 mil réis por dia. Mas como ganhava 9 mil réis? Eu vendia pão de manhã cedo, voltava de vender pão, vendia galinha, “Quanto é o peso da galinha, senhor José Moreira?” “Ó, essa é 2500” “Está custando muito caro” “Não, varia com ele lá dentro, se der 2300 está bom porque você tem que tirar os 10% seu, como é que você vai ficar com os 10%?” “Está bem”. Era vendida por três, eu vendia por três, galinha bonita, vendia por 3 mil réis. Tirava o dele, os 2500 dele, e ficava com a minha parte, dava os meus 10%. Chegou o ponto da minha mãe chegar no dono da padaria e o cidadão que eu vendia as coisas para ele dizer assim: “Senhor José Tavares, quero falar com o senhor.” “O que é dona Conceição?” “Tem umas coisas acontecendo lá em casa e eu não estou entendendo. Até tive bate-boca lá em casa com o pai dele por causa desse problema. Um dia chegou com 10 mil réis na minha casa, outro dia chegou com 9, e eu não estou sabendo o que está acontecendo aqui. Não quero que amanhã vá acontecer problema difícil.”. Aí o senhor José Tavares disse assim: “Olha, dona Conceição, o negócio é o seguinte, o seu filho vendeu pão na parte da manhã, ganhou tanto; vendeu galinha na parte da outra, vendeu ovos, ganhou tanto; comprou jornal para mim, ganhou tanto. Seu filho é um rapaz honesto, não precisa a senhora ter queixa dele não. Vocês devem incentivar ele cada vez para ele ir em frente.” “Ah, senhor José, obrigado, a gente não sabia.”. Ela desconfiou, chegava com dinheiro em casa e não sabia de onde tirei o dinheiro, de onde saiu esse negócio. Em casa era assim, punha avental aqui dentro, aí entrava: “O que é isso aí?” “Avental, mãe, que deu...”. Ia lá na casa da vizinha: “A senhora deu isso ao Rosental?” “Ah, aquela roupa velha, dei.”, aí ela segurava e ia embora para a casa, mas fui criado com bom exemplo. Ida para Petrópolis Mas como naquela época a cidade era muito atrasada ainda, quando eu, mas eu sonhava com coisas maiores, naquela época eu disse: “Mãe...”, o papai foi para Petrópolis na construção do Quitandinha, e não se deu bem com aquele clima de Petrópolis, voltou muito abatido, doente, muito doente. Voltou e não estava nem trabalhando mais, eu que tinha que fazer aquelas manobras, mas eu não estava dando conta mais porque tinha mudado o clima da minha terra, os preços mudaram, gente fechou, aquele negócio todinho, então eu disse: “Mãe, a senhora vai, eu vou embora para Petrópolis. O papai não se deu bem lá, mas eu me dou, meu irmão está lá e eu vou lá pra esse hotel que está fazendo obra lá dentro e eu vou pegar.”. Eu não trabalhava em negócio de enxada, sempre vendas, assim: “A laranja, olha a manga, olha aí”, na época das frutas eu estava na rua. Eu dava cinco viagens, seis viagens em um goiabal que tinha nas fazendas lá dentro, trazendo lata, aquelas latas de querosene que era antigamente. Trazia aquilo e vendia nas pensões, então eu tinha amizade nas pensões, e a dona da pensão, Augusta, eu chegava lá dentro: “Dona, a senhora, eu trouxe uma goiaba para a senhora.” “Não, menino, está vendendo muito caro” “1500 a lata, Dona Augusta, minhas goiabas são boas, e quando chegar o fim de semana venho aqui dar uma limpeza no quintal da senhora aí dentro”. Como ela tinha pensão: “Vou precisar de cinco latas”, eu dava cinco viagens lá naqueles, roubava um bocado, enchia a lata, escondia a lata, (riso) e eu me virava. Aí passava na outra casa e outra casa, fazia limpeza, aquele negociozinho, aí me davam osso de alcatra, aquele negócio tudo, todas as coisas que ia jogar fora ou senão ia dar para os cachorros, davam para mim, dava aquele negocinho, levava para casa, minha mãe: “Onde você arrumou isso?” “Na pensão logo lá, mãe, está aí o negócio da senhora.”. Nós aproveitávamos tudo, eles não aproveitavam nada. Esse pessoal, o pessoal rico da minha época, essas carnes gordurosas, eles não comiam, as ossadas que sobrava carne – não era como nós compramos agora, filé mignon, tudo era com osso antigamente – então a mãe, como pobre, botava aquilo ali, botava em um cozidinho, botava na água, botava um legume no meio, uma mandioca, um nabo, uma batata, e fazia a comida para a gente comer, eu e os irmãos. Aí, mamãe falou assim, botou o pé: “Não, você não vai sair daqui meu filho Como eu vou ficar aqui com esse negócio sozinha? Seu pai doente dessa maneira, eu trabalhando lá naquela fazenda para dar comida para os seus irmãos, você que me ajuda.”, eu disse: “Mãe, eu estou indo embora.”. Botei na cabeça do meu pai, ele disse: “Eu fui criado pelo mundo, eu fui criado pelo mundo, meu filho. Eu fui criado atravessando serras.”, meu pai fazia tocada de boi do Piauí à Boca do Mato, no Rio de Janeiro. Então falei: “Mas como o senhor andava esse tempo todinho?” Aí que ele foi explicar como chegava ao Rio de Janeiro, porque eu não sabia, ele era um cara aventureiro, foi criado pelo mundo. Fugiu de casa não sei quantas vezes, depois estacionou, mas como eu estava lhe dizendo, o pai botou na cabeça dela, e deixou. No dia de viajar foi a coisa mais interessante da minha vida, para Petrópolis, eu vendi o meu sapato porque tinha comprado um sapato, tenho o pé grandão, o sapato era 40, 41 – dormi não, é proibido dormir em entrevista – 40 (riso), aí coloquei o sapato. Chegou a hora de viajar, para mim, fui criado normal, pezão grande no chão, a moça disse assim: “Você vai para onde? Você vai para onde garoto?” “Para Petrópolis” “Dessa maneira você não vai viajar não”. E eu tinha os únicos 10 réis para poder comprar a merenda para chegar até Petrópolis. Eu chego lá, e agora? Casa São Luiz, ficava esperando alguma novidade porque toda hora parava um ônibus estava aberto, fui na Casa São Luiz, comprei um tênis, um tênis marrom, o vendedor desce de lá, desce de cá: “Esse aí cabe no seu pé”. “E agora, posso viajar?” “Pode viajar”. Era para chegar às 2 horas em Petrópolis, chegamos 9 horas da noite. Na estrada do Hotel Quitandinha norte, me deixaram. [Fui com] mais um colega meu, o Lucas, que trabalhava comigo. Era parceiro de rua, de vender as coisas junto, na rua. [Foi] a primeira vez que eu saí de Minas. Aí fomos no Hotel Quitandinha, fomos lá dentro, trabalhamos, três dias depois, dois dias depois eu estava empregado, plantando grama, gado, mexendo com terrenos do Quitandinha. Depois eles falaram para mim: “Vai plantar grama naquele lado de lá”, mas eu estava enjoado daqueles alojamentos sujos, fedidos, Ave Maria Lá dava tudo, dava até um inseto que há muito tempo ninguém fala, já ouviu falar em muquirana? É uma baratinha que dá, igual percevejo, uma imundície que dá nos lugares sujos, sujeira, e nós, se morar separados, tudo bem, mas se morar muito junto, tem uma porção de peste que retorna, uma porção de micróbios do próprio corpo da pessoa. Aí eu estava trabalhando, mas descontente, porque na minha terra eu não estava acostumado a fazer aquilo. Deitava todo dia, tomava meu banhozinho, não saía de dentro do rio, nadava muito.Sempre fui um cara que nadei demais, aquele Rio Muriaé ali, eu nadava na cachoeira. E nós levantávamos, gente abraçada comigo, era braço do lado, e eu: “Gente”, era bom dia água. Podia ser aproveitado para corredor isso; na época, a corrida que eu ganhei eu não levei o prêmio porque eu não sabia a regra. Hotel Quitandinha Chegou um homem um dia, um italiano, ia inaugurar o Hotel Quitandinha em 2 de fevereiro de 1944, na véspera de um carnaval. Eu era menor rapaz, menor ainda Estava cantando a Praça XI: “Vai acabar com a Praça XI/ larali larilala, chora o tamborim/ chora o mundo inteiro/Mangueira, Salgueiro/ Mangueira, nação bonita, guardei os vossos pandeiros, guardai/ porque a escola de samba não sai.”, Lamartine de Babo e o Vieira, o Trio de Ouro gravou essa música, Grande Otelo, isso aí foi uma parte do Grande Otelo também, teve parte nessa música. Quando chegou lá dentro o italiano. “Senhor? Senhor? Senhor?”, eu disse: “O que é?” “Estou recrutando pessoas para trabalho no Hotel Quitandinha para limpar, lavar, limpar não sei aonde. O senhor quer ir? Lá tem comida, tem tudo o que vocês quiserem, tem tudo”, e eu, naquela carência de comida também: “Eu vou para lá.”. Aí de tamanco acompanhei o italiano eu, mais meia dúzia de pessoas que estava lá dentro, ele estava chamando o pessoal, estava recrutando pessoas, então passei a mão e levei. Cheguei, o mais gozado, alto, magrinho, aí o pessoal: “É, chegou aí”, tinha um boneco, negócio de sapólio, produto de limpeza que tinha naquela época: “Olha o sapólio aí”. Aí botaram no meio do pessoal: “Chegou aí, chegou o salvador da pátria, não vamos ficar mais na sujeira aqui”, aí passaram a mão em um avental de cozinha, me deram um avental, aí o italiano entregou os cozinheiros. Lá, a parte de baixo era muito úmida, tinha que limpar aquilo e depois jogar pó de serra. A cozinha, no início, para poder apagar aquele negócio para o cozinheiro não cair. Aí me deram aquela tarefa: “Sapólio”, e gostaram do meu trabalho. Um outro me levou para descascar batata, o outro me levou para preparar legumes, e foi assim, foi muito rápido: “Menino, vem cá Vem tirar essas batatas que não servem.”, e botava lá. Dentro de 15 dias eu tirava um saco de batata em poucos minutos, brincando. “Vou aproveitar esse neguinho”, aí colocaram em tudo quanto foi parte da cozinha, eu fui aprendendo. Mas naquele momento, na hora da folga em que a cozinha não precisava de mim, eu ia lavar xícara, copo para os garçons que estavam apertados no salão de jogos, que era aquele movimento, o movimento do grill room, o pessoal, eu falei grill room, o pessoal não sabe nem o que é isso, grill room. É uma sessão do salão de jogos, para aquele pessoal cansado de jogos. Então o jogo dá esse intervalo para eles, ele vai lá descansar, depois retornar ao jogo, comprar ficha e começar o jogo outra vez, aí pára artista, pára o pessoal, é um incentivo aos homens que vão lá dentro, é um incentivo às mulheres que vão lá também, olhar os homens lá dentro. Todo mundo encosta lá dentro, artista, todo mundo quer o seu pedaço, bater um papo, sair falando dali. Então aquilo ali é de graça. O jogo é uma coisa que movimenta, dá muita riqueza, dá muitos dólares que nós perdemos com essa ignorância que nós estamos vendo e até agora não fizeram nada. Até agora não fizeram nada, botaram na Constituição do meu país fechar o salão de jogo, estabilidade, nós vivia feliz, mas por interesse pessoal de algumas pessoas ali dentro, fizeram o seguinte, fecharam o cassino, um cabeça quadrada, foi um bom governador, bom presidente, mas mandado por aquela senhora, Dona Carmela Dutra, ela desgraçou o nosso país. A cozinha do Quintandinha A cozinha do Quitandinha cabia 1500 pessoas, 2 mil pessoas, era uma cozinha muito grande, tinha a primeira cozinha, a segunda cozinha, tinha o grill do lago, que é onde eu aprendi a maior parte da minha vida. A equipe, a brigada de cozinha, como eu vou balizar? 20 cozinheiros em cada turno de serviço. 20 cozinheiros. Ora, cada parte do serviço tem o primeiro cozinheiro, o segundo cozinheiro, o terceiro cozinheiro e dois peões, dois ajudantes subalternos: “Me dá isso menino, me dá aquilo.”, passando para um e para outro. O chef, de partida, chama chef de partida, fica só sentado aqui vendo se está saindo direito, entendeu? Agora, a cozinha tem a partida: saucé, onde prepara molho; intermetié, onde prepara sopas, omeletes, purê de batata etc etc, nhoque; rotisserie, são os rotisseau, pessoas que só mexem com carne, grelhados; poissonier, só mexe com peixe. Agora vem pâtisserie, tem o padeiro e vem, há outras equipes que vêm que é o mangé, composto de seis a oito pessoas, descascador de legumes, cada legume tem nome de legume, mas cada ele tem o nome como tem que ser adaptado, o torneado dele, chuchu à noisette, batata tem mais de 20 modalidades de batata, tudo a mesma batata, mas só que tem o feitio da batata. Entendeu como funciona? Isso é uma complicação tremenda Então tem que ser, Quitandinha tinha mais ou menos o volume desse aqui, 20 cozinheiros mais ajudantes. Na cozinha, trabalhavam quase 100 pessoas na cozinha. O trabalho como cozinheiro Aí está outra coisa, lavei panela, lavei panela oito meses. Todos os meus companheiros subiram de posição, mas Rosental foi campeão lavando panela. Os outros ganhando R$ 520,00 por mês e eu ganhando R$ 412,00. Mas usei aquilo que Deus me mandou naquela época. Cada panela que eu lavava, via de onde a panela veio: “Chef?” “O que é garoto?”, eu que lavava as frigideiras dele, zelava, lavava as facas dele, eu que arrumava as coisas dele, então: “Como é que chama esse molho aqui?” “Bolognesa. Você gostou?” “Eita, é uma maravilha”. No outro dia vem o outro lá, do intermetié: “Chef, como chama esse creme aqui?” “Esse é creme de aspargo.”, rabiscava naquele menu que saía do quadro, certa hora mudava todo o menu, quando ia arrancar: “Me dá para eu ler”, passava o menu e eu fui juntando. Quando eu comecei a trabalhar, já sabia, a recordação de mais de um ano lavando panela, eu sabia o nome dos molhos todinhos que o chef tinha feito, então aí foi o teste, meu teste final. Me botaram para trabalhar na rotisserie, patisseiro, quer dizer, chapeiro, dava o nome de chapeiro. Quando chegaram lá, me testaram como chapeiro, fui perseguido para caramba, mas venci todas as batalhas. Fui muito perseguido. Eu fui perseguido desde criança, eles não queriam que eu subisse. Aí chegou um novo cozinheiro chamado Sanchas, um espanhol chamado Sanchas me deu a oportunidade, o Rosenbaum me ajudou e o velho Sanchas me ajudou. Quando me passaram para trabalhar com um italiano, ele ficou bobo, quando ele ia fazer uma coisa, já estava pronta já: “Toma, chef Toma, chef”, quando acabava uma batata: “Ei, a batata aqui vai acabar”, enquanto não chegava, eu ia ao banheiro, voltava: “Senhor Rosental, e a batata?” “Está aqui”, tudo muito preciso. Ele foi embora para a Itália porque foi liberado o negócio dos italianos retornarem à pátria. Nós ficamos com o navio completo de equipes do Quitandinha, eram nove equipes, o problema era o seguinte: nós ficamos com o navio Côte Grand, o Côte Grand estava viajando para o Brasil quando foi decretada a Guerra do Brasil contra o Hitler, né? Foi decretada a guerra, o navio ficou aprisionado no Brasil, e a equipe do Côte Grand era a equipe do maior navio do mundo naquela época, ficou toda ela armazenada no Brasil, eu cresci por causa disso, eu aprendi com, tinha cozinheiro bom no Brasil, mas igual ao Côte Grand não tinha. Os cozinheiros do Côte Grand eram os cozinheiros mundiais, os melhores do mundo, e eu aprendi nessa equipe, é por isso que eu fui lapidado, a safra foi de uma safra boa daqueles que freqüentaram naquela época, e eu fiquei com ela. Quando foi lançado o cozinheiro, aí vem a classificação de cozinheiro, eu não fui terceiro, eu fui segundo. Quando me lançaram como cozinheiro, eu fui segundo cozinheiro, segundo cumin de cozinha. Eu passei meus amigos, dei dois pulos sobre meus amigos que foram aumentados primeiro do que eu. Ganhava 900 e pouco reais por mês, era dinheiro para caramba naquela época, muito dinheiro, 900 mil réis. Trabalho como padeiro Eu já tinha ido em Minas, pulei um trecho aí, eu, quando fechou o Hotel Quitandinha pela primeira vez, que o pessoal voltou tudo para a Urca, eu fui em Minas, com o dinheiro que eu tinha ganhado naquele pulo que eu dei, que eu te falei, quando não tinha serviço eu ia lavar o copo dos garçons, eles davam moeda, enchi umas quatro latinhas de óleo Guanabara que tinha naquela época, demorei dois dias para contar isso, eu e mais um companheiro meu. Juntei o dinheiro, fui em Minas, peguei minha mãe, meu irmão, meu pai, botei tudo, levei tudo para Petrópolis. Aluguei a casa, uma casa, meu irmão atrasou ainda com uns problemas, família é um caso muito sério, fiquei desempregado, enfrentei uma padaria, até que o cassino do Quitandinha voltasse a funcionar na outra temporada, e dei a volta por cima. “O senhor sabe fazer o que?” “Mexi com negócio de padaria, entregava pão...”, aí eu estou lá um dia, vendo o pessoal trabalhar na Nova Francesa, na Avenida XV de Novembro, todo mundo trabalhando e eu na minha. Aí eu entregando pão de madrugada, no tamanco, um frio que fazia na rua, o pé sempre ficava durinho, você não sentia o pé no tamanco, andava pelos quarteirões lá, o que você toma de pão na cabeça, como se estivesse começando de novo, o Quitandinha fechou, eu não tinha outra alternativa. Um dia eu enjoei de ficar esperando o pessoal, o pessoal fazendo lá para assar, um homem enrolando o pão, enrolando e o cara não sabia puxar a dobra – os pães antigamente não eram feitos, hoje em dia não, é na placa, no peito, você enrola o pão passando na placa e sai fora, naquele tempo não era assim não – e o cara não sabia fazer aquilo, aí olhei o cara fazendo aquilo lá, peguei e falava assim: “Vam’bora, vam’bora com isso”, aí cheguei no menino e falei: “Ô garoto Ô rapaz, deixa eu puxar um pouquinho aqui.” “O senhor sabe mexer com isso?” “Sei, sei sim.”. Aí o patrão ficou olhando e eu pensei... “Desembola esse pão que está aí em cima”, desembolou, “Vai me dando aqui”, aí ficou me olhando, o patrão, na hora que terminou o serviço falou assim: “O senhor já mexeu com isso aí?” “A primeira profissão que eu entrei foi essa, agora eu estou mexendo com cozinha.”. No outro dia eu fui para a mesa, já tinha subido, já comecei a dar dinheiro maior para a minha mãe, aí ela arrumou emprego num colégio de Petrópolis. Eu fui um lutador, agora, fico pensando, como é que eu agüentei? (riso) Agüentei. Volta ao Quintandinha A temporada passou, passou uma parte do inverno porque inaugurou a classe A só, faltava a B, faltava a C, para os andares do Quitandinha voltar. Inaugurou só a classe A e a classe B, faltava as outras classes para voltar, C etc etc. Depois que voltou o Quitandinha, a primeira coisa que mandaram procurar foi o Rosental: “Aquele negão que tinha aqui dentro, aquele meninozinho, o Sapólio está aí?”, foram me buscar na padaria, e para sair da padaria foi duro o homem deixar sair de lá. Na padaria tinha comprado todo mundo, tinha ganhado todo mundo no trabalho só, meu negócio é trabalho, não brinquei no assunto não. Eu só não tive sorte porque eu não pude estudar, não pude estudar, não tive condição para estudar, como eu ia deixar a família morrer de fome? Meus irmãos todos têm muito respeito por mim, minha mãe morreu me abençoando até no último momento por causa do meu trabalho, da minha luta, eu ajudei a criar a família. Meus irmãos têm o segundo grau, eu não tenho, tenho o terceiro ano primário. Meus filhos têm o segundo grau e anda bebendo cachaça com um, fui sacrificado demais. (riso) É a vida. No Quitandinha eu fiquei uns três anos, três para quatro anos. Eu fazia as temporadas. Quando o Quitandinha fechou porque não tinha mais jogo, nas temporadas eu ia para Petrópolis, no inverno eu ia para o Rio porque ficar no Rio no inverno é uma boa, mas ficar no verão é dose. Eu gostava do Quitandinha, aquilo ali foi a primeira casa, o espaço ali é muito (forte?), e eu gostava de Petrópolis, minha mãe morava lá, arrumou uma casinha lá para morar. Mudança para o Rio de Janeiro Fui para o Rio de Janeiro, arrumei família, criei os filhos no Rio de Janeiro. Na Alameda Tabajara, em Copacabana, lá dentro, morei ali, naquela favela ali dentro, nunca tive um inimigo, nunca fui assaltado, nunca fui ferido à bala. Fui macumbeiro ali a vida todinha, bati muita umbanda ali em cima. Em 46, quando fechou os cassinos nós começou a ir para o Rio, fechou os cassinos, a gente foi embora para o Rio. A década de 50 passei toda no Rio, a maior década da nossa vida, que o Brasil teve na nossa vida. Eu fui beneficiado naquela época, foi um tempo de muito dinheiro, tempo em que todo mundo andava sorrindo, muito dinheiro, muita mulher bonita também, faz parte do jogo, da história, faz parte isso aí, muitas festas, muito baile, todo cidadão andava decentemente. Isso aqui, no Brasil, ainda não tinha fixado ainda não. Em qualquer casa do Rio de Janeiro, no Rio eu sou modelo. Fala assim: “Rosental está de volta no Rio de Janeiro.”, pronto, acabou. No outro dia tem nego em cima de mim Eu estou velho, não estou a fim de trabalhar mais para ninguém. Primeiros empregos no Rio Naquele tempo não tinha emprego não. Para fazer um cassino no Brasil, você fazia fila para esperar emprego lá dentro. Fazia fila para arrumar emprego, comprava o Jornal do Brasil, saía correndo a fim de um emprego, chegava lá já tinha fila. Chegava em segundo lugar, aí ia ver a casa, um português. Eu aprendi a cozinha errada, eu aprendi a cozinha clássica, depois fui obrigado a aprender a cozinha, a nossa cozinha lá embaixo, a cozinha portuguesa, que é uma cozinha boa, mas não tinha o limite que tinha naquele tempo o que era a cozinha francesa, que era a clássica, em todo o planeta era ela, em todo o planeta, cozinha francesa. Então eu tive que começar outra vez. Comecei a trabalhar com manteiga no lugar tive que passar para óleo ou gordura de porco, banha. É muita diferença uma coisa para outra. Fui trabalhar com leite, trabalhava com creme de leite, mais ou menos, é um princípio, mas trabalhar com creme de leite é completamente diferente, o sabor é outro, você pode fazer aquilo que você quer fazer, mas você trabalhar com leite ou creme de leite de segunda categoria não presta, trabalhar com água só no lugar do leite, não tem condição. Então eu aprendi a cozinha, cheguei ali assim, o português chegava, olhava para a cara de todo mundo: “O senhor trabalhou aonde?” “Trabalhei...” “Sai você Entra Você, sai” “Ô senhor Manoel, mas e aí? Pôxa, eu cheguei aqui às 6 horas da manhã, como é?” “A casa é minha, eu boto na minha casa quem eu quiser, passa em outra oportunidade, procura outro lugar”. Comprava o Jornal do Brasil várias vezes, na Rio Branco ficava esperando um chamado para você arrumar emprego, chega na última hora, era assim. Eu comecei, veio uma luz, veio iluminando, começou a abrir outras casas no Rio de Janeiro, aí abriu o Atlântico, o Icaraí, lá em Niterói, saí do Icaraí arrumei na Boate Casa Branca, uma das primeiras boates do Rio de Janeiro, a Boate Casa Branca. Da Boate Casa Branca fui para o Atlântico, uma casinhazinha que era do Vítor Costa, ele já tinha passado para a Rádio Nacional, o Vítor Costa já me conhecia, que era o diretor da Rádio Nacional antigamente, me arrumou uma francesa eu fui trabalhar naquela casinha. Dali veio abrindo outras casas, veio abrindo muitas casas como a dele, por exemplo, abriu o Corsário, na Barra da Tijuca, abriu muitas casas, o restaurante Papagallo, na Padre Junior,daí eu corri, comecei a correr casa. Eu trabalhei seis meses em uma, seis meses em outra, oito meses na outra, aí quando me lapidei, me lapidei e já não era aquele Rosental mais, comecei a chefiar cozinhas. Trabalhei no Vogue, a melhor casa do Rio de Janeiro. Hotel Vogue, pegou fogo, lá na Rainha Elizabeth. Trabalhei no Amigo da Onça, era um bar no Leme, aí eu compliquei o negócio todinho. Trabalhei no Corcovado, lá em cima, no Restaurante do Corcovado, onde encontrei com o Caetano. A primeira cozinha que eu acompanhei foi uma cozinha Pensão das Moreninhas, em Paquetá. Rodei muito, rodei muito. Aquele Rio de Janeiro rodei toda ela, no subúrbio não, aí aprendi, aí que eu vi chegar o nível da minha cozinha que eu aprendi antes no Quitandinha. Quando eu cheguei no Vogue comecei a recordar os pratos que eu fazia no Hotel Quitandinha. Entendeu como foi minha profissão? Aprendi no alto, caiu ela todinha, fui aprender aquela que eu deveria ter aprendido quando entrei para a cozinha, que é baixinha, o dia-a-dia, até chegar no auge outra vez. Quando cheguei lá, aí foi fácil, aí encontrou as duas, pronto, acabou. É só fazer lapidação. Por que eu fui o melhor paladar? Melhor paladar da noite do Rio de Janeiro? Porque sei intermediar uma coisa com a outra. Sabedoria na cozinha Não tem uma cozinha primeira? Tem uma debaixo, ela não chegou até o ponto certo e a outra não desceu até o ponto dela também. Se você botar duas coisas diferentes uma da outra. Nós temos uma matemática, no seu corpo você tem uma, ele tem a dele e eu tenho a minha. Você come, mas para você saber o que você está comendo é como dividir aqui no gogó, aqui divide, o cérebro divide. Engolindo a saliva você sabe se a comida está com sal, sabe se ela está salgada, sabe se ela está estragada, dá a visão tanto do cérebro, é um caso sério. “Eu sou cozinheiro.” “Sabe dividir no gogó?” “Que negócio de gogó é esse, Rosental?”, então para mim não é cozinheiro mais. O que é isso aí? Isso aí você sabe o que está fazendo, porque ele acusa imediatamente, você tem que lembrar no cérebro se algum dia você comeu aquilo, se estava o mesmo paladar. Você tem que recordar, comida é uma coisa que você faz hoje e daqui a 100 anos se você estiver vivo você vai fazer, ela tem que sair igual. E o cérebro acusa isso. 60 anos depois vai fazer uma comida que você fez quando você tinha 14 anos ou 15 anos, ele vai te cobrar ela: está ácido, está suave, está salgado ou está cortando. Você fez ela com alho e cebola, ela levava gengibre, cadê o gengibre? Ele te acusa, te chama a atenção na hora. Conclusão de cozinheiro, às vezes tem esse problema. Hoje em dia não ando cobrando nada de ninguém, eu fui um chef muito exigente, mas por isso não tenho nada a queixar não. Eu tenho sido de cozinha razoável, não falo que fui o melhor, só tenho uma coisa a dizer que é muito importante: para chegar a ser classe A em clube é difícil. No clube você é dono – eu sou dono, ele é dono, todo mundo é dono – só tem dois clubes no Brasil que tem classe A, só tem dois clubes no Brasil inteiro, Iate Clube do Rio de Janeiro e Iate Clube da Bahia. Com a graça de Deus fui eu. Essas coisinhas, essa história de Rosental é uma polêmica, essa cozinha, difícil, mas também estou quase indo embora agora, estou feliz. Deus é mais, mas eu estou aí batalhando, correndo atrás. Trabalhos no Rio Trabalhei nas grandes casas do Rio de Janeiro. Eu tenho ainda amizade por elas, que ainda, se eu pudesse renascer novamente, e renascer essas casas também, eu gostaria de trabalhar nas mesmas casas que eu trabalhei. Eu trabalhei nas melhores casas do Rio de Janeiro. E uma das melhores casas foi o hotel Vogue, o Sachas. É uma recordação forte pela elite e o tipo de freguesia que vivia aqueles momentos. O Sachas freqüentava as melhores freguesias do Brasil. No Vogue, freqüentava a melhor freguesia do Brasil. No Vogue, aparecia Adhemar de Barros, Chico Monte, lembra desse pessoal? Ludovico, uma das grandes personalidades noturnas quando você ia no Rio de Janeiro, quando o Rio de Janeiro era a capital. E outros mais, pessoas mais influentes. Os artistas internacional. Madame Pompadour... É forte, é forte. Lucília, Alicinha Diniz. E outros mais, personalidades, que agora minha memória não da pra lembrar.Não, peraí. O Eli Kan, passou no Vogue e também no hotel Panorama Palace Hotel. São personalidades dos homens da noite e das mulheres da noite. Quando falamos das mulheres da noite, não é só as mulheres da noite... Os homens... Você entendeu o que eu falei com você? Os homens da noite. Ali no Vogue foi onde começou a carreira do grande jornalista... Pra mim ele foi um grande, se ele não foi, a popularidade dele, isso não me interessa. Pra mim ele foi um grande e foi um grande amigo também: Ibrahim Soares. Que me ajudou muito, quando eu tive alguma queda, alguma coisa ia caindo em cima de mim, Ibrahim metia a cabeça lá dentro e no outro dia tava aliviado. Não que eu fizesse coisa errada, não matei, não roubei, não fiz nada, mas ele levantava meu astral. Ibrahim, companheiro, onde estiver andando, não esquecer que o Rosental ainda está vivo nos dias de hoje, mas pedindo a Deus que rogue por ele. Deu uma bronca no Antonio Maria uma vez, porque Antonio Maria me saiu uma vez... Fiquei zangado com ele Eu fui no enterro dele. Ele de uma hora pra outra resolveu ser repórter policial. O meu irmão arrumou uma briga, lá do morro onde meu avô morava, e fez, e o cara agarrou numa cachorra que ele tinha, deu três tiros na cachorra, matou a cachorra. O cara era sargento do exército e deu parte criminal. Mas disse assim pra ele: “ó, o irmão dele é gente boa, nunca fez nada no morro, mas é irmão dele, né?”. E rolou entre ele e o meu irmão, que já foi embora também, que Deus mandou chamar. E o Antonio Maria, um repórter policial, que lançou o Rosental. Sabe não é perigoso, mas chegou um dia, “Rosental, arruma o número do Chateaubriand”. “Oh, Antonio Maria, que negócio é esse, você diz que é meu amigo, mas me bota de vingança no jornal”. “Ah, Rosental, num sei tantos nomes que...” “Bom, mas no Rio de Janeiro, só tem o meu filho, que eu botei o nome nele, mas não tem mais ninguém”. “Ah, rapaz, mas aí...” Tentou se justificar, mas não se justificou. Ah, jornalista... Essas pessoas, é interessante... Getúlio Vargas Getúlio Vargas eu tive uma sorte. Rapaz, eu sou premiado por sorte. Uma vez na minha terra, eu não me lembro o ano, se você me perguntar o ano agora é difícil, ele teve na minha terra, em Muriaé, no tempo das vacas gordas. Ele foi recebido no colégio, em Muriaé. Eu tive com ele na prefeitura municipal de Muriaé. Estive com ele, todas as crianças estavam, eu também estava. Tive a sorte de estar com ele. Depois, como cozinheiro, eu fui servir ele e a senhora Darci, aquele governador da República Dominicana. Tá vendo que eu não caduquei ainda? República Dominicana. Aquele que disse lá: “um poquito menos que você matou na parte de lá”. Vou falar pra você. Porque os jornalistas americanos perguntaram a ele, naquela época, que tinha matado um monte de gente na revolução dele, “quantos você matou na República Dominicana?”. “Um pouquito menos que mataram os americanos naquela época”. Assim dizendo ele. E os rádios, ó, tudo fora do ar (risos). Eles investigam os assuntos, entendeu? E aí, continuando no meu papo, os políticos, os políticos mais que eu recordo deles com grande amor... Bom, Getúlio Vargas. Foi um cidadão, que eu tive duas oportunidades com ele. Em criança, em adulto. Em criança, porque conheci ele em criança. Em adulto, nos últimos dias do governo do Getúlio Vargas, eu fiz um coquetel dele na Barra da Tijuca, um corsarium. E ele, dali, foi a um treinamento militar, que ele foi lá, quando saiu um canhão, no Brasil, saiu um canhão que furava o carro de assalto. O desafio dos americanos da guerra, porque um canhão não furava um carro de assalto, e esse canhão foi desenvolvido no Brasil e furou o carro de assalto. E mais outras coisas, o que eu me lembro, não sei se foi verdade, se foi mentira. E o tiro que dava os avião quando passava na meta, tinha uma placa grande atrás dele, tudo voando ali, e acertar naquilo ali. Foi a última vez que vi Getúlio Vargas em público, em público. E pra segurar o Getúlio Vargas foi muito difícil. A segurança dele era muito forte. Aquele gauchão forte. E era difícil de segurar. Eu fui no enterro dele. Daí pra frente veio esses problemas todinho. Houve esses problemas com ele todinho. Perseguições. Ele sabia que na democracia, ele tinha que pagar o que ele fez na ditadura. Cobraram dele caro, mas cobraram. Ninguém vai falar mal de Getúlio Vargas. E cobraram dele aqui o que eles acharam que eles tinham que cobrar. Então, nada contra. Eu não sei nada de política, nem sei do que eu estou falando. O churrasco do Getúlio era um caso muito sério. Era Oswaldo Aranha. Eu acho que nem os gaúchos sabem o que o Getúlio gostava de comer. O churrasco Oswaldo Aranha. Isso uma brincadeira, entre eles lá dentro inventaram esse prato. Ah, não sei, entre eles... O churrasco Oswaldo Aranha é um dos melhores churrasco que pode existir. Você pega um contra-filé, faz ele grelhado ou frito, como achar, o normal dele. Corta o alho bem fininho, bota numa frigideira com óleo ou azeite, bota o bife dentro dele, e você já tem uma batata preparada que é uma batata portuguesa, cortada arredondada, junto cebolinha muito bem... quando o alho tá dourando, joga a cebolinha junto, aí joga o bife dentro, aquela batata, farinha de mesas. Um churrasco misturado, né? Doutor Osvaldo Aranha gostava de comer, e um dos maiores brasileiros que também nós tivemos no nosso país. Eu alcancei uma pontinha dele, mas alcancei ainda. O Getúlio não tinha assim uma preferência assim, o sistema dele sempre foi gaúcho, todos os banquetes dele ele dava um gaúcho. Um gaúcho legítimo merece descansar em paz, um cidadão brasileiro, né? Que fez muita coisa pra gente que não tinha nada. Juscelino Kubitschek Ah, rapaz, eu conheci muitos políticos. Cada um de cada vez. Os melhores que nós tivemos no Brasil, os melhores que nós temos no Brasil. Eu tive contatos, e por um caso, não que eu fosse importante para poder resolver os problemas dele. Mas eu tive a oportunidade, Deus me ajudou. [O Juscelino gostava da] minha comida que eu faço todo dia. Arroz, feijão, arroz, feijão, tutu à mineira, lingüiça, lingüiça, torresmo à vontade. Ele não tinha colesterol, né? Graças a Deus. O Juscelino é outra história. Você não tem nada pra me perguntar, você me perguntou essa, tô respondendo. O Juscelino é outra história. O Juscelino, o Juscelino, grava essa, tá sendo gravado, mas grava mais uma vez, o Juscelino é o símbolo do Brasil, da brasilidade, de todos nós. Aquele cara... Porque o brasileiro, o que eu conheço, muito, no dia-a-dia, ele não tem preconceito, ele é gente comum. O brasileiro é uma pessoa ótima. Eu viajei muito, eu deparei com muito preconceito nesse meu mundo, mas o brasileiro não... Tem uns bobão que nem sabe o que é preconceito. Por isso que às vezes a mulher deixa ele e vai morar com um criolão pretinho de pé no chão. É burro porque ele não sabe o efeito. Outras mulher perdem o marido pra morar com uma negona do lado de cá. Você que eles não estão preparados pra discutir preconceito, por que preconceito? Qual a continuação? Por que saiu fora do ritmo? Isso é pro americano discutir, é ele que vai saber disso, onde estão os racistas? Se é eles, se somos nós. E nem o americano tá ligando pra isso não. Americano: “Siga Vá em frente”. Inglês tá fazendo a mesma coisa: Vá em frente Brigar por que? Conservação de coisa mais clara, coisa mais preta. Deus quer andar direito com a nação, é branco, andou, é preto. Então, somos duas cores, somente é isso, acabou o problema. Você tem que obedecer o seu país. O restante, cor... Nunca chegaram, não naturalizaram que... O ser humano não tem diferença? Já chegou a esse ponto, num já? Acabou o problema. Não tem nada a ver o problema que ocorre. Acabou. Eu sou igual ao senhor. Por isso que eu ando direito, pro senhor andar direito também, acabou o problema. Nós somos fechados juntos a todos, ao que vem da vida, é isso aí. O bom exemplo é o que nós fazemos, é tomar uma champanhe, tomar uma cerveja, tomar vodca, tomar uma champanhe Dom Pérignon. Juscelino era somente um homem popular. Ele não tinha preconceito, não tinha... Era igual. Como estou aqui com o senhor aqui dando essa entrevista pro senhor, ele era a mesma coisa se estivesse sentado aí, as perguntas seriam as mesmas e as respostas seriam grosseiras, como a que eu estou dando para o senhor. Juscelino sabia lidar com o ser humano. Em 46, fecharam os cassinos, o Pampulha fechou também. O cozinheiro de Juscelino Kubitschek de Oliveira começa com cozinha. Como Roland é mineiro, era mineiro, conhecia Juscelino, e disse: “eu tô com um problema. De cozinheiro. Seu cozinheiro do Pampulha era bom cozinheiro, mas deixou a Petrópolis pra mim. Juscelino, imediatamente mandou o ministro, esse escuro, então ele veio falar com vocês, um cara vivido, né? Aí, eu fui pra Petrópolis, e eu, naquela fase minha, tava aprendendo cozinheiro, tava na praça ajudando ele e por um acaso... Juscelino era um cara assim amigo de cozinheiro e garçom. Era um cara que nunca ia morrer envenenado por ninguém. Porque todo mundo adorava, Juscelino era uma criança de berço pra todos nós de hotelaria. Aí chegou, foi visitar o ministro, atrás do cozinheiro do Pampulha.“O, ministro...”, falava grosso, né? Aí, “Oh, seu Juscelino...”. Aquela alegria todinha do Juscelino visitando o ministro na cozinha.Tinha um estrangeiro lá que era chefe da cozinha geral e disse: Ai, o meu Pampulha tá aí Chamava eu de Pampulha, né? Tava ensinando, ia me fazer igual ao Pampulha. o Juscelino: Como é que você se chama? Me chamo Rosental. “Ah, Rosental Rosental Siga o conselho desse homem, porque você vai longe”. Só falou isso comigo. Quando eu vim reencontrá-lo, ele já era presidente da República. Eu estava lá em Botafogo, não me lembro, no cercante, no Morro da Viúva, uns parentes que eles tinha por ali, conhecimento de políticos, que ali é um lugar que sempre foi armazenado políticos do Brasil inteiro. O Morro da Viúva naquela parte do Botafogo, aquela parte de cá. Ligando o Flamengo, passa, beira o Oswaldo Cruz, aquilo ali é o Morro da Viúva. Então, lá pra casa do Arthur Bernardes, acho que era Arthur Bernardes. Eu tava servindo um banquete, um homem que está aqui no senado agora, um dos melhor banqueteiros do Brasil, aí eu tava subindo o banquete, mas eu não tava sabendo o que tava acontecendo, quem era convidado, quem não era convidado. Eu estava sentado, eu estava... Aí ele chegou, aí o pessoal me disseram assim, Rosental, olha quem tá atrás de você: o presidente da República, rapaz. Ô, Juscelino Olhei assim... Imediatamente: Vossa Excelência, boa noite Aí ele disse assim: Quem fez essa comida toda aí? Eu virei pra ele assim: Vossa excelência, não fui eu somente não. Foi aqui a equipe que eu trabalho com ela. Você sabe fazer essa comida toda? Sei, sim senhor. Aí ele virou assim, simplesmente: “tô fazendo uma cidadezinha aí, se eu precisar de você, você vai lá me atender?” Eu disse: “ah, vossa Excelência, com todo prazer, excelência”. E esse foi papo que nós tivemos. Daí foi a ligação, quando foi... Aí eu dei o endereço de onde eu tava trabalhando. Então, quando tinha a primeira chamada que eu tive, foi que alguém me procurou, e disse: “olha, o presidente mandou você ir lá fazer um serviço. Você pode fazer isso?”. “Posso, sim senhor”. Aí nós começamos o nosso primeiro contato. Não é que eu vim pra cá ser cozinheiro do Catetinho não. Isso aí é mentira. Tô falando aquilo que foi de fato... Eu vim fazer serviço em Brasília, mas foi um serviço clandestino, não clandestino, um serviço particular, da entidade de presidentes. Nós fazíamos o seguinte, pegava o avião no aeroporto Santos Dummont, ia Vitória, depois, Belo Horizonte, Belo Horizonte, Anápolis. Construção de Brasília Tudo era mato, rapaz. Não dava pra você parar o jipão das picadas que fazia para chegar nos acampamentos onde ia ser realizado. Ponte nesses riozinho por aí a fora, foi tudo madeira. Foi um caso muito forte, depois que começou a mexer mesmo lá no centro, em Brasília, fizeram os primeiros pousos de avião, aquele negócio todinho... Demorava... dormia, acordava tava no meio do caminho... (risos). Isso aí foi alguns dos banquetes do serviço. Ah, vinha tudo do Rio. Nós temos um gelo, chamado gelo congelado... Gelo seco. Conserva muitos dias. Pra presidente tem negócio tudo bom em todo lugar, rapaz, só num tem pra mim (risos). Isso, sem dúvida. Se inventa, e dá tudo certo. Num tinha esse negócio de luxo não. Tinha um negócio... mesa de presidente é mesa de presidente. Vinha a equipe, muita gente. Alguns caras já morreu, outros tá vivo. O problema de Juscelino, doutor Juscelino, é que ele tinha um modo de tratar as pessoas cativante. Você não via ninguém fazer nada atrás de dinheiro. Naquela época não, na época dele, a gente vinha por gentileza, em pagar aquilo que as pessoas te oferecia. Não tinha interesse duplo, dinheiro, não. Hoje em dia, trabalhando, os que estão nos governando agora, pagando, pagando a gente já não tá com vontade de fazer o serviço. Enquanto ele não apresentar o serviço que ele apresentou. Depois veio a presidência. Não aproveitei nada, nada, nada. Não arrumei emprego público. Nunca liguei também pra esse negócio de emprego público, esse negócio... Eu sabia que a minha condição de profissional era boa. Mas, é... Um conselho para esses jovens de hoje em dia: Estuda Se tem oportunidade, não perca a oportunidade de estudar. Eu cresci, tendo uma honra tremenda de trabalhar, mas tendo vergonha de mim mesmo de não ter estudo. O senhor entendeu, agora? Uma honra tremenda de trabalhar, mas uma vergonha tremenda de não ter estudo. Foi isso que me arrasou. Outra vergonha que eu sempre tive: pedir. Detesto pedir. Se alguém tá vendo a minha situação... como eu faço para com os outros, que me ajude. Eu faço a mesma coisa com as pessoas que estão precisando de mim. Mas o ser humano é uma coisa muito ingrata, ele não pensa da maneira que eu penso. Portanto, se eu penso dessa maneira, o sacrificado sou eu. Eu nunca deixei o Rio de Janeiro pra vir pra Brasília. Eu fiquei no Rio de Janeiro trabalhando. Eu vinha pra cá fazer o meu serviço, quando era convocado. O resto eu fiquei no Rio de Janeiro, ele tirou o governo dele todo. Não vim no governo, não...Não, ele foi deposto. Quando ele foi deposto, eu estava viajando. Não, eu estava no Brasil. Depois que ele teve em Portugal, ele voltou, ele foi deposto. Em 68, eu não em lembro bem, em 68 ele teve inaugurando a Ponte do Tejo, em Portugal. Foi antes? Não, 64. Eu não me lembro bem. 64 foi a Revolução. 64, 58, 51, 62... Quando ele teve em Portugal, quando eu viajei, depois ele foi cassado, não retornou ao Brasil. 64, ele foi cassado, quando ele tava em Portugal, ele tinha sido cassado. Foi quando eu viajei, em 65 eu viajei pra Inglaterra. Copa do Mundo de 66 [Eu vi a final]. Eu tava atrás daquele gol que não foi gol. No estádio de Wembley, tava ali, a bola bateu, eu vi a bola batendo, foi gol. Bateu assim e espirrou pra lá. Nunca mais esqueci daquilo. Hoje não posso confirmar mais, porque tá em reforma o estádio de Wembley, né? Tem dinheiro às pampas. Preferências culinárias Normal. O que faz de comida eu aceito. Não sou muito de fã de escolher não. Lá uma vez ou outra, eu gosto de comer um frango, lá uma vez ou outra um peixe ensopado, um bacalhau, de vez em quando... Não tenho aquela tara de comer bem. Eu gosto de comer bem quando vou ao Rio, comer um cozido, à moda portuguesa, aquela moda mesmo, não quero que modifica nada pra mim comer... aquele peito gorduroso, aquele negócio todinnho. A feijoada do Rio. Vou explicar porque a feijoada do Rio... Era muito mais saborosa, mas ninguém faz feijoada como o carioca. Feijoada é uma coisa que ela é feita, pra ser gostosa, tem que ser feita como é feita no Rio de Janeiro. Agora se começar com modernizar ela... Feijoada você come ela, procura descansar, toma bastante limão, com bastante caipirinha... quem gosta de beber a cachaça, que beba suas cachaça, porque ela é perigosa. Experiências na Bahia Olha, foi o seguinte o maitré do Hotel do Iate Clube do Rio de Janeiro, foi influenciado, e foi embora pra Bahia. Quando nós já tínhamos cinco estrelas, o clube... Aí, ele disse: “vou pra Bahia, fazer meu nome lá na Bahia”. O único cozinheiro seria aquele, ele trabalhava no hotel da Bahia. Então, ele mandou falar comigo. Fez meu nome lá com os homens. Como o Iate Clube ia inaugurar a segunda fase do clube, me fizeram uma oferta. Então, eu fiquei estudando a oferta deles, até que eu decidi... despejar pra Bahia. Então, chegando na Bahia, fui fazer uma entrevista com o senhor Luiz Marques. Aí ele disse assim: “o senhor é das cinco estrelas do Iate Clube do Rio de Janeiro, tô com esse clube aqui, com esse empregado aqui, antigo de casa, nunca sai aqui uma muqueca, num sai mais nada. O senhor não dá um jeito nisso aqui?”. “Vim pra cá pra isso aí”. “Em quantos meses o senhor acha que pode dar um jeito nessa casa” Eu virei pra ele assim: “Doutor Marques, não é mês, não é ano não, é mês. Depende da casa me dar condição”. “Então, o senhor já ganhou. O senhor vai estar com isso aí. Vamos ver que prazo o senhor vai me dar”. “Três meses e meio é o que eu posso fazer, se o senhor tiver, o que eu falar com o senhor, o senhor me dá na minha mão”. “Não, já tá dado”. Então, a secretária dele tava lá dentro. Formada em administração, falando francês e inglês. Fui falar com ela: “Fala com a secretária”. Fui falar com ela. Ele falou: “Dona, atende esse cidadão aí dentro, turma nova e tá querendo falar com a senhora”. Aquele bahiano arretado como eles são. Ela perguntou: “Quantos idiomas o senhor fala?” “Nenhum. Falo português muito mal”. “O senhor fala francês?” “Não, senhora”. “Sabe falar inglês?” “Não, senhora”. “Qual idioma o senhor fala?” “O que eu aprendi até agora, no terceiro ano primário. Algumas vezes eu erro, algumas vezes eu acerto”. “Como é que o senhor vai assumir uma cozinha dessa aqui na Bahia? Isso aqui é a elite”. Eu digo: “ó doutora, eu vim de uma elite, chamada Iate Clube do Rio de Janeiro”. E homem ali dentro ouvindo a entrevista que ela tava me fazendo. “Olha, senhor, eu não mandei chamar um doutor no Rio de Janeiro pra consertar a cozinha da Bahia, não, mandei chamar um cozinheiro. Não, essas perguntas não faz não, assina os papéis aí, manda o nome dele aqui e pronto, acabou os problema Não vamos fazer mais pergunta não”. Ele não mandou chamar um doutor, mandou chamar um cozinheiro. Cozinheiro é diferente de doutor, não tenho nada a ver com isso E agora? Me entregaram uma cozinha, e lá dentro, toda obra, toda casa, mesmo uma uma cozinha de família, terminando ela, tá tudo bagunçado. Aí foi que eu dei a primeira aula do Clube. Me deram a cozinha, foi adiada duas vezes a inauguração da casa. Na terceira vez foi que eles conseguiram inaugurar a casa. Aí eu mandei, tantos peru, tanto isso, tanto isso... Convidados do Rio, de São Paulo, de toda parte foram convidados. Autoridades, Antonio Carlos Magalhães, Luiz Vilela, aquele pessoal Vilela. Aí eu comecei a trabalhar. Uma semana comecei fazendo os pedidos, temperando, guardando no frigorífico. Aí é o seguinte: rapaziada, o que vocês são? Tá aqui o peru do senhor, tá o peru, tá aí, tá o peixe, tá o filet mignon pra você limpar, o teu strogonoff pra não sei quantas pessoas. Entreguei tudo e fui mexer nos molhos que era o principal. Uma hora depois, eu voltei, pra ver o que é que esse pessoal tá fazendo. Passando a mão no peru, abriram ele pelas costas e era pra ser assado. Eu disse: “Pára Rapaz, você não disse que era açougueiro? Isso aí é modo de limpar peru?”. “Não, senhor...” “Deixa isso aí” Tive que voltar de praça em praça ensinando o que ia fazer. Eu tô perdido nesse negócio, deu vontade de comprar uma passagem, não tinha dinheiro aquela hora, vontade de comprar uma passagem e partir para o Rio de volta correndo. Eu fui só com um cozinheiro para me auxiliar, fiquei sozinho. Aí, tô perdido. Aí mandei o serviço, eu mesmo levantei o serviço, o que tinha que fazer... Botei lá. Cortei um papelão, fiz tudo direitinho, bonito. E tinha que ser. Tinha a festa. Eu não tô mentindo pra você não. Lá no Iate Clube tem a festa da inauguração da parte nova do Iate Clube. Aí eu comecei, aí não tive mais sossego, deixei a mulher pra trás, sozinho morando lá perto da casa do falecido Rui Barbosa. Eu aqui tô lascado do mundo Aí começamos o trabalho. Tudo bem, após no outro dia, a casa não trabalhou. No outro dia, tinha fila como daqui na esquina, a fama que eles lançaram no jornal. E agora? Uma vontade de fazer xixi e não podia fazer xixi, porque não tinha tempo de fazer xixi. Aí foi. Um menu desse tamanho assim que o homem botou na casa. Nos últimos dias, ele falou: “é, mas o serviço tá atrasando muito”.”Tá atrasando muito não Vai atrasar muito mais Você vai ficar sozinho aqui”. “Mas por que?” “Eu vou embora. Eu tenho um relógio aqui que ainda vale minha passagem da Bahia até... Eu vou sem comer por essa rua à fora, nem os dias que eu trabalhei eu quero”. “Mas o que você quer que eu faça?” “O que você faz? Amanhã, esse menu, você manda queimar ele no rabo daqueles que fizeram esse menu”. “Isso não é menu, rapaz. Uma casa desse tamanho... Cozinheiro nenhum aqui sabe nada, rapaz, é tudo burro Tá saindo serviço pra fora porque eu tô mandando. Amanhã vai sair isso, isso e isso, quatro pratos”. “Mas não posso fazer isso”. “Pode fazer sim Você quer mais serviço? Esse tá pronto, esse tá pronto, esse tá pronto e essa é a minuta”. Aí comecei. “Rosental, mas eu vim pra cá...” “Você veio fazer o nome de maître de Hotel, besta, besta, mas não veio fazer serviço de cozinha”. Cada dia aumentava dois pratos, cada dia aumentava dois pratos. Até o pessoal ia apanhando prato. Depois eu completei o menu que deveria ser da casa. Aí ele conseguiu. Mas você não me deu uma carta pra eu montar essa casa aqui agora, cem pessoas agora até a meia-noite, até as onze horas da noite não tem condição. Aí eu consegui ludibriar ele, as jornalistas sempre em cima, a Zilda Menezes. O restaurante do iate Clube tá mais ou menos. O restaurante do iate Clube começou a desenvolver. O restaurante do Iate Clube tem reclamação. Aquela coluna social, que não te perdoa em nada. Até um dia, ela disse assim: até que enfim, a cozinha do Iate Clube mudou o cardápio da Bahia. Eu tô acompanhado ela. O Iate Clube melhorou muito. Eu tô aí. Até que ela deu a nota final. Menos de três meses e meio. E antes de três meses, quando faltava uns 20 dias pra tirar os três meses ela deu a nota total. Eu tinha conseguido A Quatro Rodas foi lá e registrou e não pode sair disso, porque tá na Quatro Rodas. Experiências em Brasília Vim como cozinheiro mesmo, trabalhava no Itamaraty. Vim com o José Fernandes trabalhar no Itamaraty. Trabalhava no Itamaraty. Levei de lambuja. Eu ia fazer um banquete pra rainha, Itamaraty, isso pra mim é lambuja. Então, era assim, isso pra mim é lambuja. Pra profissional, não existe coisa difícil. Existe sim, combinação e ver se você arranja uma equipe pra fazer esse serviço com você. Eu tinha dito no início, tem uma matemática do cozinheiro. O restante é a garganta... E você ser enérgico, você não pode ser um fracassado. Você tem que lutar Você não tem que pensar que você vai matar, que o cara vai te dar uma facada porque você tá falando com ele o que é verdade. Você vai em frente Isso aqui não é assim Não faça isso Jogue isso fora Essa porcaria não vale nada Bota lá fora É assim É serviço braçal, você não pode ter medo Você não tá com caneta na mão pra tomar nada de ninguém não. Você tá ali com energia pra fazer o serviço. Tem gente te esperando pra comer naquela hora certa Você entendeu como é que é o negócio? Tem que gastar nervo, gastar força, de expressão e tudo. Alguns palavrão também sai nesse meio tempo também. E num fica com medo de dar as costas e levar uma facada, não é todo mundo que tem coragem de dar uma facada no outro pelas costas. É uma arte, mas é uma arte perigosa. Quero ver cozinheiro enfrentar cozinheira com uma panela, uma frigideira cheia de banha quente saindo fumaça. E mandar ele botar em cima do negócio. Não, vamos conversar. Bota em cima, vamos conversar. No outro dia, mandar ele embora. Deus me livre. Deus me livre. Uma moça outro dia aí dentro, veio trabalhar aqui, sem experiência, ela me queimou aqui, me queimou aqui. Outro dia, ele jogou uma couve ali... Vem cá rapaz, vem cá meu filho, não é por aí. Você não joga aí, você não vai queimar só eu não, vai queimar você também. Você bota o alho na frigideira com óleo, mas não vai jogar uma couve cheia d’água em cima, porque ela vai pegar fogo, vai espirrar e vai queimar a sua cara e vai queimar o meu braço, como a outra queimou. Tá vendo aqui? Vê em quantos lugar queimou. Restaurante Rosental Aqui é o seguinte, o senhor tá vendo o restaurante Rosental? É o seguinte, eu tinha um barraco de tábua, lá embaixo, um anexo do Brasília Palace Hotel. Como nós fomos desapropriados lá e ganhamos a posse dessa casa que nós tamos tendo aqui, eu não tinha lugar pra ir, pra montar um restaurante. Como eu precisava ganhar a vida, o que eu tinha que fazer? Aceitar o que o destino mandou. Eu tinha feito isso aqui, eu tava com a idéia de comprar um carrinho pra mim, toda vida possui meu carrinho e hoje em dia tô sem carro. Num sei, mais de cinco, seis anos atrás. Então, fiz isso aqui de um depósito como garagem. Mas como eu não tinha lugar pra ir, resolvi fazer assim, eu já sabia o seguimento do pessoal, que era um restaurante. Boteco Classe A, apelidaram, não fui eu que botei o apelido. Fui dono de forró em Brasília, fui dono de tudo. Mas o meu boteco, vou levar meu boteco lá pra cima. Aí vim aqui, botei aqui um pedreiro, falei assim, quero fazer isso, isso e isso. Aí eu comecei, com umas cadeirinhas velhas que eu tinha. Comecei, botei, coloquei, esses... esse restaurantinho aqui. Mandei botar umas ferragens aqui dentro, desenhei um negócio e deu certo O pessoal sempre querem me prestigiar, personalidades de Brasília. E não tinha outro lugar melhor pra comer do que aqui. Graças a Deus, eu conheço, tô cansado, tô doente, num tô numa boa, mas tô aí. Não deu pra ficar rico, não deu pra ficar nada, devendo a cabeça do corpo, mas eu estou, sem dúvida, tô em guerra ainda, saber como é que eu vou sair dessa. Brasília é o seguinte, quando tem esses movimentos, esses eventos, essas coisas tudinho, Brasília sobe. Brasília sobe. Quando vem essa que veio aí agora, essa rebordosa, ano, férias, recesso, carnaval. Quem mantém isso aqui são os fregueses que vem comer. Se eu não tenho fregueses aqui, se perdeu tudo. Você não tem outra opção... Se eu vendesse cachaça, num boteco ali na esquina, talvez teria mais dinheiro. Teria. O pinga-pinga deixa dinheiro, você tem dinheiro todos os dias. Mas não sendo assim é difícil. O Brasil pra viver é difícil. Conselho a um jovem cozinheiro Tenha muito cuidado porque vai lidar com uma coisa muito responsável, com vida. Porque ele lida com as comidas perigosas, que ele deve saber lidar, as primeiras instruções, peixe, camarão, porco, geladeira, tomar muito cuidado com esses problemas. As comidas indigestas, palmito, isso aí todinha tem que ter um controle muito sério e fiscalizador, não poupar patrão não, jogue fora o que estiver podre Pode atrapalhar a carreira dele e matar gente. Ele tem uma responsabilidade com o estômago do pessoal, é muita responsabilidade ser cozinheiro, muita responsabilidade mesmo. E pergunta a ele próprio se ele gostaria de ser envenenado sem saber, ou sua família ser envenenada sem saber, não está nem esperando nada, chega ali: “Me dá um pratinho de sopa, aí” e lá na esquina cai duro Alimentação, pela boca, ninguém escapa. As leis nacionais e a minha lei umbandista dizem assim: “Pela boca ninguém escapa”, se é pela boca ninguém escapa, você ingeriu e você vai pagar. É só isso que eu peço, só isso, tenha cuidado, não é o patrão, é a consciência dele ou a permanência dele nesse planeta que chama-se Terra. Senão joga tudo fora, toma cuidado rapaz, que o negócio não é fácil não, você tem que jogar. Bem cedo quando chegar na sua cozinha, olhar ela, bem cedo ver se a geladeira não dormiu desligada, ver como está a mercadoria dentro da sua geladeira, não é só pela narina que você sente se a comida está ruim ou não, prova você mesmo. Provando ele sabe, porque às vezes no ar, completamente a comida deteriorada. Camarão, peixe, tudo que é peixe, marítimo, do mar, é muito perigoso trabalhar com isso, ostra etc, marisco, é coisa perigosíssima. Eu já passei meus apertos, agora, procura usar muito o citrão. Citrão quer dizer limão, esse negócio de peixe, camarão, ostra, sempre com muito limão, limão e conhaque. Para camarão, o melhor remédio para camarão é o conhaque. Depois que você flambar ele, você bota primeiro no fogo, bota o conhaque em cima, ele encharca e pega fogo. Nesse momento é a hora que você eliminou o micróbio dele, isso aí dentro. “Você bota um tanto de conhaque” Aí, nas casas que eu trabalhava, o dia que eu queria tomar um veneno de conhaque para ficar bem altinho, dizia para o garçom “Conhaque Camarão americano.”. O português é miserável, cada – ele não deixa a garrafa na cozinha – cada dose vai uma porção de camarão, interessava de vender, eu sabia que ele gostava de vender, ele botava o vidro de conhaque, camarão americano. O restaurante sabia lá, mas eu colocava, tomava, e já usava essa malandragem porque o português é duro na parada, ele é bom patrão, mas é duro na parada. Ele não quer ser malvado de maneira nenhuma, o problema é que ele não dava canja para você. Então estudava como ele iria reagir vendo você fazer, para poder livrar ele. O português não pede nada. Ele não pede nada, ele vem para o Brasil, cinco anos ele está rico Já monta um restaurante como o meu aqui, cinco anos ele está rico. Machismo na cozinha No momento agora está existindo chefs de cozinha, são mulheres; mas naquela época, do machismo, não existia mulher na cozinha. Eu conheci, por exemplo, uma cozinheira, que era mulher do chef de cozinha meu, uma polonesa que ela dava o recado. Mas agora o homem mesmo e a mulher, ela não misturava no meio de homens naquela época. A cozinha sempre foi ao contrário, rolou um machismo na cozinha total, mulher não trabalhava com homem e homem não gosta de trabalhar com mulher, por causa da pornografia dos homens. Não foi o português que trouxe para cá, foram os portugueses e os espanhóis, o palavreado deles da cozinha. Isso é uma questão de cozinheiro entrando na profissão: “Porra, mas aquilo, aquilo outro...”; o espanhol assim: “Cago isso, cago aquilo caga naquele outro, caga na horta...”, como diz, porque eles cagam em todo mundo. Cagar, como nós conhecemos no Brasil, é pornográfico. O palavreado de cozinha é pesado, ele não tem um pingo de boa maneira, ele diz logo um palavrão, então isso foi muito criticado. As mulheres não misturavam na parte de homem. Eu estava na Pensão Amarelinha na ocasião, e a dona Adélia, que é a nossa patroa, a casa cheinha, sai uma comida não sei o que, sai uma pescadinha, sai outro à escabeche, e eu estava lá fazendo tudo e a dona Adélia começou a apressar, não podia apressar, não tinha jeito, casa cheia, sábado e domingo, Paquetá lota de gente assim, e eu disse um palavrão. Nunca mais essa mulher entrou na cozinha. Uma portuguesa daquela conservadora, de igreja, aquele negócio todinho, nunca mais ela entrou na cozinha. Não agüentei mais, eu disse: “Bis...” e ela se mandou da cozinha e deixou a cozinha funcionar. Nunca mais, trabalhei tanto tempo com eles, saí em paz com eles, mas nunca mais entrou na cozinha. Aquela mulher histérica, fala alto, e queria que enchesse a bola dela como as cozinheirinhas dela, e eu levantei a voz, nunca mais, graças a Deus, que ela não se meteu na cozinha. Fogão à lenha, lágrima descendo com aquela fumaça que sai do fogão, aquele fogão de ferro antigo, Ave Maria. Aquilo ali é 200, 300 pessoas por dia no sábado e domingo, aquelas escolas de samba pesadas, e eu abri a boca, falei uns palavrões e no momento ela saiu da cozinha e se mandou. Porque não dava, estava todo mundo trabalhando, mas não podia sair além. E um garçom que tinha, era um gaúcho, enchendo lá, você via cheio de cana, enchendo, enchendo o saco lá dentro, quando ele não podia com a gente porque a gente enfrentava ele, ele jogava em cima da velha, da dona da casa. A velha vinha, todinha o veneno que ele botava e jogava em cima da gente para segurar ela, aí não agüentei mais, falei uma meia dúzia de palavrão lá dentro, ela pegou e se mandou, nunca mais veio na cozinha, graças a Deus. Essas coisinhas, isso é normal. Agora, as mulheres voltaram ao bom senso de aprender a cozinha; cozinha de mulher é cozinha de mulher, cozinha de homem é de homem. Então ela quis entrar agora e entrou para a cozinha dos homens, com umas receitas iguais, fazendo aquilo que o homem faz na cozinha, perdendo o preconceito, são pretensiosas as cozinheiras, as cozinheiras são cheias de pretensão. No momento agora começou a entrosar, tem um monte de mulher formando em chef de cozinha, não é só aqui no Brasil, é no mundo. A grande chef de cozinha da França agora, não é mais cozinheiro, as grandes chefs são mulheres, assumiram o posto dos homens no momento agora, mas em toda classificação as mulheres tomaram a posição delas. Aquele tempo em que a homarada trabalhava um em cima do outro era difícil, não podia eu já estava acostumado a trabalhar, por isso. Eu trabalhei em um navio e no navio sueco tem muitos bons cozinheiros, muitos bons patissier, muito bom pessoal de frios, muito boa, formada, em universidade, não é uma pessoa qualquer não, não é cozinheiro sem primário que nem eu, não; doutores, você faz universidade e depois da universidade que ela vai continuar a profissão. Ela faz a teoria e depois ela vem fazer a universidade, aí que ela vai juntar uma coisa com a outra para poder ser razoável. Avaliação Contei um pouco da minha história. Minha história é muito longa e a vida é assim mesmo. Eu agradeço tudo isso, abaixo de Deus, minha companheira também me acompanha a 30 e poucos anos, quase 40 anos, e tolerar esse gênio, a rebeldia que eu sou, aquelas coisas todinhas, aos meus cunhados que de vez em quando (riso) eu agradeço isso a quem eu devia agradecer, mas agradeço porque tiveram paciência comigo até agora. Nossas fases mais duras como a que estou passando agora, bastante eu posso agradecer a ela porque também é uma batalhadora, lutadora, isso é muito importante, você está terminando a carreira, e não largou dos amigos, porque a gente... Eu ouvi falar uma palavra, não gosto nem de pronunciar ela não, mas ela, o repentista fez bem, não é reverenciar não, é dizer: “Olha aqui, amigo é bom, mas amigo é bem pouco”. As pessoas que a gente conta com eles, pede, eles esquecem. Eu nunca fui beneficiado por uma das pessoas que eu fiz o menor favor, ou que me dediquei a eles. Uma que eu não gosto de pedir, eu acho, eu lembro de um poeta, poeta muito interessante, foi um cidadão da sua época e da minha época, Nelson Cavaquinho: “Quando depender de me ajudar, me ajuda agora, não depois que eu for embora. Me homenagear depois que eu for embora? O que tem que me dar, me dá agora, não depois que eu for embora dizer que eu era bom”. Mas não me deu aquilo que eu precisava agora, precisava um cigarro agora, não dá, pra tomar um conhaque não dá, pra tomar uma cerveja não deu, depois que eu for embora: “Ele foi uma linda pessoa”, isso é muito fácil falar, mas cadê? Se tiver que me dar alguma coisa, me dá agora, acabou o problema. A maioria do meu povo, que eu passei pelas mãos dele, pode ser amanhã ou depois, não fizeram nada por mim, a verdade é essa. Interessante, eu passei, estou passando por essa crise da minha vida sem uma ajuda de ninguém. Lutando, quando eu não posso lutar sozinho, luto com ela, nunca ninguém fez nada por mim, e tenho amigos poderosos, amigos na palavra de dizer. Eu, uma vez, a minha reclamação, queixa, é essa aí, quanta gente do ministério vem na minha casa, tanta gente aposentando aí com aposentadoria milionária, quando o Rosental, que cuidou do estômago dessa gente, essas décadas todas nunca houve envenenamento, nunca houve um distúrbio qualquer sobre alimentação nas minhas mãos. O cozinheiro não é como eles pensam, o cozinheiro, abaixo de Deus, ele cozinha, ele cozinha, nós lidamos com vidas, vidas. Eu encontrei uma vez, no Iate Clube do Rio de Janeiro, um doutor lá dentro, todo lugar tem uma pessoa mais influente ou mais, “Doutor aqui sou eu, o senhor aqui para mim não é doutor.” “Ah, por que?” “Porque eu sou doutor. O senhor é doutor, mas quem lida com a sua vida aqui dentro sou eu, eu lido com a sua alimentação.”, fechou, não falou mais nada. Então eles não dão valor a esses trapos de gente que chamam-se cozinheiros.
Recolher