IDENTIFICAÇÃO Ronaldo Cevidanes Machado. Nasci em Cachoeiro de Itapemirim, no Espírito Santo, em seis de julho de 1929. INGRESSO NA PETROBRAS A minha relação com a Petrobras antecede a criação da própria Petrobras. Porque, no fim da década de 40, eu era estudante de direto &nd...Continuar leitura
IDENTIFICAÇÃO Ronaldo Cevidanes Machado. Nasci em Cachoeiro de Itapemirim, no Espírito Santo, em seis de julho de 1929.
INGRESSO NA PETROBRAS A minha relação com a Petrobras antecede a criação da própria Petrobras.
Porque, no fim da década de 40, eu era estudante de direto – não concluí o curso, mas era estudante de direto – e naquela ocasião, como estudante, estava fortemente envolvido com o projeto “O petróleo é nosso”, um programa da defesa do petróleo. Logo na virada dos anos 50, a Petrobras ainda não estava criada e eu fiz a opção que era e sempre foi a minha vocação de ir para o mar. Eu fiz, então, o curso da Escola de Formação de Oficiais e, ao término do curso, fiz a opção de embarcar nos navios da Fronape. A Petrobras, nessa ocasião, tinha cerca de um ano e poucos meses que havia sido criada e essa opção causava estranheza porque a grande pedida era embarcar em navios do Lloyd que freqüentavam o norte da Europa, Mediterrâneo, Estados Unidos, Canadá etc. Então, eu ingressei já como Oficial, não considerando o meu período de embarque na Empresa como aluno da Escola, que era ligada à Marinha, então não conta. Logo em abril de 1955, embarquei no navio da primeira geração da Empresa que havia sido construído antes – porque a Fronape precedeu a própria Petrobras – e, desde então, não tive, antes nem depois, nenhuma atividade que não fosse ligada em caráter oficial ou oficioso à própria Petrobras.
TRAJETÓRIA PROFISSIONAL Eu passei a exercer uma atividade profissional com característica extremamente específica, longos afastamentos do País, mais de um ano e meio. Naquele período, nós recebemos uma frota de navios muito grande, muito acima da Petrobras que, com um ano, não tinha nada ainda a não ser a refinaria de Mataripe operando e o consumo também era muito pouco, não havia produção a não ser uma pequena produção lá da Bahia. Então, nós ficávamos fretados a companhias de estrangeiros lá fora. Viajávamos muito do Golfo Pérsico para a Austrália, fazíamos a volta por Suez – ainda estava aberto –, íamos para o norte da Europa, abastecíamos no Ceilão ou Sri Lanka e vínhamos, descíamos a costa da África, sempre já levando a bandeira da Petrobras. É uma carreira em que você não tem uma atividade política, até pelo afastamento, vive confinado, é uma sociedade isolada, longe de tudo e de todos, sobretudo naquele período, sem comunicação, sem médico a bordo – até hoje não existe. Com humor, nós falamos que por isso o navio se chama embarcação e, não, “embarca doente”. Porque não existe médico a bordo. Eu já tive morte a bordo como comandante. Minha carreira dentro da Empresa foi rápida, porque em 1964, ainda com a carta de Oficial encarregado de navegação, fui promovido ao quadro de comandantes da Empresa. Era um caso raro. E daí eu passei, tive a felicidade de sempre trabalhar com equipe e essas equipes embasaram o meu trabalho. E o atingimento de propósito fez com que, na década de 70, eu fosse convidado para ser o primeiro a receber o primeiro navio que nós chamamos Very Large Cargo Carrier, navio de mais de 200 metros. Para quem não é do mar, o comprimento dele corresponde a um edifício de 113 andares, embaixo d’água ele tem mais do que um edifício de sete andares, a largura dele é mais do que um edifício de 22 andares, em cima do leme dele cabiam 56 Volkswagen. Eu recebi esse navio, fui designado, fiz cursos na Europa, nos Estados Unidos, no Japão. Em terra, a minha primeira função, aceitando o convite, cargo de confiança, fui ser o superintendente geral da Fronape. Eu dirigi a Fronape de 1995 até 2000. Então, com a Transpetro criada, eu era o superintendente geral da Fronape. Servi, portanto, ao primeiro presidente da Transpetro. Posteriormente, houve uma mudança, assumiu a presidência o Dr. Mauro Ouro Fino e permaneci. Então, fui convidado e vim para o gabinete dele numa função que é equivalente a chefe de gabinete. Fiquei também com o atual presidente, o Dr. Sérgio Machado, até alguns meses atrás quando, então, nossa relação de trabalho foi mudada: hoje sou consultor do presidente e faço tarefas que ele determina. Por exemplo, acabei de escrever um livro que vai ser publicado no fim do ano, resgatando toda memória do transporte marítimo, da Petrobras, da Transpetro. E nesse trabalho, até por sugestão dele, nós não começamos no momento da criação da Fronape, nós partimos num passado que seria 1500, a nossa descoberta, e fizemos uma rápida passagem pela história do transporte marítimo no Brasil através do século, rapidamente até o século XX, quando a Fronape foi criada.
É uma vida dentro da Petrobras extremamente gratificante para mim, seja no mar, seja em terra e é um privilégio continuar ligado a ela, já com 75 anos e trabalhando normalmente. Em seguida, eu vou criar aqui em cima – já está tudo acertado e assinado – o museu da Transpetro, que seria da parte de transporte marítimo e a parte de dutos e terminais. É a próxima tarefa que eu vou ter pelos próximos meses.
CONSTRUÇÃO NAVAL O navio transportava minério para o Japão, eventualmente Filipinas e trazia depois petróleo do Golfo para o Brasil. Na entrega, ele era o terceiro maior navio do mundo em porto e, em seguida, nós construímos mais dois no Japão e esses só petroleiros. Com o desenvolvimento, na década de 70, da construção naval no Brasil, nós construímos mais quatro aqui. Todos eles hoje continuam prestando serviços a Petrobras, mas foram transformados em FPSO, estão na bacia de Campos. O meu é o Petrobras 35, antigo José Bonifácio. E o navio passou a ser uma família, nós viajamos, comandamos o navio, estivemos ligados a ele por 20 anos na nossa atividade profissional e nele permanecemos até o nosso afastamento do mar.
CONDIÇÕES DE TRABALHO É muito diferente, vamos falar em relação ao trabalho. Naquele período você viajava muito. Por ano, você só tinha 20 dias de férias. E como, vamos dizer, a burocracia em terra era demorada, você usufruía livre mesmo da Empresa somente 16 dias. Todos os funcionários da Empresa, em determinado momento, logo no início da Petrobras, passaram a ganhar a periculosidade. Nós não ganhávamos quando estávamos fora do navio. Então, a funcionária que me atendia nos escritórios da Fronape ganhava periculosidade, mas eu não ganhava porque não estava a bordo. O 13º salário, quando foi criado, era recusado ao quadro marítimo. Uma arbitrariedade.
Foi toda uma luta muito demorada dentro da estrutura da Empresa. Porque, por ocasião das discussões salariais, as pessoas, por mais isentas que tentem ser, são profissionais dessa área, são pessoas excepcionais no trato dessas discussões, eles não deixam de ser beneficiados. Mas o marítimo não, ele assina um contrato à parte, o acordo do trabalho dos marítimos. Aquele que discute para o quadro de terra não tem nenhum interesse, é um corpo estranho falar em marítimo. Então, é uma dificuldade que demorou um pouco mais. Hoje não, hoje é uma integração muito grande, mas num passado que não vai muito distante era um trabalho muito árduo e nós fizemos uma greve.
SINDICATO Logo no início, me sindicalizei no Sindicato dos Marítimos. Na época, se chamava Sindicato dos Oficiais de Náutica, porque havia uma explosão, não me lembro se 13 ou 17 sindicatos do padeiro, do marítimo, do taifeiro etc. Eram todos sindicatos sem nenhuma expressão, sem nenhuma força de argumentação, de pressão e, bem recentemente, com a direção atual do Sindicato, foram juntando os sindicatos para dar maior poder de negociação.
Não cheguei a exercer nenhuma função no Sindicato dos Marítimos. Eu fui presidente por quatro mandatos do Centro de Capitães da Marinha Mercante, que é um órgão de classe do trabalho, mas não é um sindicato. Mas eu só exerci a função de presidente enquanto eu aguardava o regresso do meu navio, eu nunca me desliguei do mar para exercer mesmo a função da presidência do Centro. Não dava tempo e a minha opção sempre foi o mar. Fui um marinheiro vocacionado.
Sou um marinheiro vocacionado.
Era um outro período e isso antecedeu a Revolução de 1964. Durante a Revolução, houve a nomeação no órgão de classe de pessoas estranhas e, depois, de um comandante que se identificava como peleiro, porque não podia deixar de ser. E ele, dentro das limitações da época, nunca deixou de ser alguém preocupado com a classe, só que a área de manobra era muito pequena e nós entendíamos essa situação. Depois da abertura, houve inicialmente alguns caminhos sem rumo, mas felizmente a atual direção unificou os sindicatos, o presidente do Sindicato é o presidente da Confederação também, a Federação trabalha integrada e isso, então, deu um grande poder de argumentação – eu estou fazendo observações da ordem trabalhista.
PETROBRAS / RELAÇÃO COM O SINDICATO Foi muito bom, eu sempre tive plena negociação com as lideranças, como sindicatos do mar. E esse, então, era muito fácil, porque eles me conheciam. Algumas lideranças foram muito difíceis para eu entender a linha de ação superior, eu discordei muito, daí eu ter saído da superintendência. Poderia ter ficado porque, administrativamente, nós pegamos a Empresa numa época em que não havia receita, era a Petrobras que estabelecia a receita na cabotagem, era simbólica. Eu recebi a Fronape com 203 milhões de dólares no vermelho, na superintendência.
GREVE Em um determinado momento que havia uma discriminação tão grande, um desrespeito tão grande, os oficiais fizeram a greve isoladamente. Pouco antes da derrubada do Goulart. Naquele período, depois de dois meses e tanto, todos nós em greve, nós fomos demitidos. Todos, porque contavam com a Marinha para ocupar os nossos lugares. E o que mais se conseguiu foi uma readmissão, mas mudando a data de admissão que você tinha anteriormente. As férias, no meu caso, que venciam em abril, passei a tê-las a partir de agosto, porque foi quando eu e todos os demais oficiais foram readmitidos. Aperfeiçoou muito, porque os órgãos de classe todos hoje são muito atuantes.
E o grupo do mar também alcançou peso, densidade, e isso facilitou. Eu lembro que, quando eu assumi a superintendência da Fronape, o que me passava a função reuniu as lideranças sindicais, FUP etc, e eu disse a eles que, no meu passado, eu fiz greves e acabei com greves também. Depois foi: “Pôxa, você falou que fez greve?” Eu falei: “Ué, eles sabem mais do que você que eu fiz greve, quem eu sou.” E é verdade. Então, não é nenhum pecado no currículo - vitae de ninguém, é um direito de você exercer essa ação de ser grevista.
FRONAPE Na superintendência, nós recebemos a Fronape com 203 milhões de dólares no vermelho, depois de ter sido feito uma extraordinária administração pelo meu antecessor, que era um engenheiro. Em seguida, quando passei a função, eu passei com 13 milhões no verde. Então, foi um trabalho muito grande em cima de custos, porque a receita era uma coisa muito pequena e muito simbólica também. Mas esse período foi da minha passagem por lá muito gratificante, como também na administração, em todas as funções que eu exerci na Empresa. Tanto que, recentemente, eu gravei um programa, “Os 50 anos”, que passou até outro dia – eu aparecia fardado –, aquilo saiu espontaneamente porque eu sempre fiz do meu dever o meu prazer e isso facilitou muito o atingimento das minhas propostas de trabalho, projetos de vida.
A Fronape era um órgão que era diferente dentro da Petrobras. Era a única Empresa de navegação que a Petrobras tinha. A formação do seu quadro superior, que eram os oficiais, diferia da formação superior dos demais engenheiros, geólogos, médicos, advogados, economistas da Empresa, era um grupo diferente. E, sobretudo, porque durante 40 anos ela foi dirigida por militares. O primeiro superintendente da Fronape foi um coronel do Exército. Essa história é longa e está tudo no livro. E nós iremos ser muito longos aqui para falar. Durante 40 anos eles permaneceram, estranhamente, muito antes do movimento militar. Obviamente, permaneceram no período militar e, depois do País democratizado, ainda permaneceu a mesma ligação umbilical com a Marinha. Isso só terminou na década de 90, quando, em julho de 1991, esse engenheiro assumiu e depois, pela primeira vez, assumiu um funcionário da Fronape, que fui eu. Depois, com a inserção dela a Petrobras – a Fronape tem essa característica, ela antecedeu a própria Petrobras –, seus ativos ajudaram a criar a Petrobras posteriormente e, mais do que isso, quando a Transpetro foi criada, foi também o primeiro negócio da Transpetro, que tem dois negócios: dutos e terminais e transportes marítimos – começou também pelo transporte marítimo. Na Fronape, marcantes foram dois aspectos: um foi o término do déficit tradicional que a Fronape trazia; o segundo foi um trabalho de equipe, o reconhecimento. Sempre trabalhei assim, você aprende no navio, não basta você ter tripulação, você tem que ter equipagem, do que essa palavra traz de trabalho de equipe.
Em terra, procuramos trazer esses mesmos, não trouxemos ninguém de fora, utilizamos toda a mão-de-obra da própria Fronape. O próprio quadro reduziu muito, com a participação de todos os gerentes. Teve gerente que abriu mão e ele próprio sugeriu o fim de sua divisão – na época, era divisão. Então, nós enxugamos muito. Pela primeira vez, criamos uma área na Fronape chamada planejamento, uma área comercial também – estranhamente não tinha, porque ela tinha cordões umbilicais com outras áreas que faziam isso por ela – mas, vamos dizer, aquele feelling do negócio de transporte marítimo.
TRANSFERÊNCIA DA FRONAPE Nós tivemos uma presença muito forte no Caju. Nós éramos cercados por 11 favelas, com todas as ameaças. Eu fui muito contra a saída do Caju, então, para eu sair do Caju, primeiro me tiraram a superintendência, porque eu lutava muito contra. Porque eu achava, primeiro: lá era um custo afundado; segundo felizmente, a casa Petrobras tem uma presença forte no corpo de engenheiros, isso é uma grande vantagem, mas eles são, como todo engenheiro por formação, lógicos, são racionais por serem matemáticos, a analise é feita em cima daquilo que é mensurável, era muito difícil quantificar a integração do homem do mar à Empresa, porque era o caminho que ele ia da casa dele para embarque, embarcava lá na Fronape, saía, passava na Fronape. Então, ali os marítimos se reencontravam. Pouco antes das lanchas saírem nos vários horários, havia um conglomerado grande de marítimos que se integrava com o pessoal de terra também e pela facilidade eles subiam. Eu chegava muito cedo lá, às cinco e meia, aí o comandante sabia que eu chegava a essa hora e estava lá querendo falar comigo e eu o recebia a partir dessa hora. Havia essa integração do homem do mar aos propósitos da administração, você falava diretamente com eles, eles freqüentavam, almoçavam junto. “Ah, vamos almoçar, almoça aí.” Essa era uma das coisas que facilitava, porque você, até hoje, tem coisas da Fronape que permanecem lá, como almoxarifado.
PROGRAMAS SOCIAIS Nós tínhamos uma área de adestramento que era padrão, com auditório para 150 pessoas, o custo era afundado e nós desenvolvemos programas sociais muito fortes na região exatamente pela periculosidade, além de ser obrigação social da Empresa. Nós chegamos a ter mais de 200 crianças que entravam às 7:15h e saíam ao fim do dia – a pobreza desse grupo era total. Nós criamos lá, a pedido, no alto do morro, uma escola de circo que leva o meu nome até hoje. Eu inaugurei a escola.
RELACIONAMENTO COM A COMUNIDADE DO CAJU Eu levava a todo o momento, subia com convidado para mostrar a escola, nunca tivemos um dissabor com a Fronape – o arsenal de Guerra foi assaltado, o depósito da Aeronáutica foi assaltado mais de uma vez, todas as indústrias e empresas na área, nunca a Fronape. Tinha posto de banco lá dentro, nunca sofreu uma agressão da “bandidagem” local. Tanto que, quando um deles morreu, o diretor da Petrobras me perguntou assim: “Mandou botar bandeira a meio pau, né?” Você tem um bom relacionamento. Eles eram agradecidos e eu mandava uma assessora, a Sônia, uma belíssima senhora, ela adentrava qualquer favela daquela, era chamada de tia Sônia, quando eles requisitavam um dos alunos para virar soldado, eu mandava e ela levava meu pedido de que eles liberassem para ele voltar à escola, eles nunca deixaram de liberar: “Diz ao homem que ele amanhã tá lá.” Então, eu acho que essa presença nossa lá era muito forte. Eu fiz seminários internacionais em que o general da área era convidado, tinha lá o Arsenal de Guerra, e ele me perguntava: “Quer que eu mande tropa?” “Não, não, não manda não que é até acintoso, eles tratam tão bem a gente que não vai acontecer nada”. E saíam senhoras, nove, dez horas da noite do Caju. Eu chegava de manhã, cruzava com as seguranças deles lá armados dentro de carros e eles sabiam quem eu era, nunca fizeram nada com nenhum do nosso grupo. Era um local de trabalho tranqüilo, até na hora no almoço você estava no próprio local do trabalho, o refeitório era muito bom, o sistema de cozinha também era muito bom.
APOSENTADORIA Nós tínhamos um programa em que era uma festa, uma vez por ano, era o dia do aposentado, desde cedo eles compareciam para tomar o café da manhã e saíam ao fim do expediente, com vários eventos que eram programados, sempre tinha uma palestra minha no auditório e compareciam 600 a 800 aposentados. Então, mantinha aquele espírito e eles se sentiam lembrados. Eram pessoas que haviam prestado serviço e que estariam descartados e esquecidos da Empresa. Era todo um clima, porque eu defendia a nossa permanência lá, em cima de resultados, não estava deficitário nem nada.
TRANSPETRO Mas as coisas evoluem, a Transpetro veio para melhorar, hoje é uma grande Empresa. Eu vi também essa outra Empresa nascer, eu servi aos três presidentes dela, o primeiro ainda como superintendente, aos outros dois no gabinete. De modo que eu sei a luta que ela está vivendo hoje. O primeiro presidente criou do nada a Empresa, eu participei de todo grupo que criou a Transpetro. Posteriormente, o segundo presidente consolidou a Empresa com a aquisição desse imóvel, com os ativos que ela passou a ter com a transferência dos navios, então houve uma consolidação e o terceiro que tem dois desafios grandes: um deles é a integração entre os dois negócios da Empresa e isso já está ocorrendo e é o desafio maior, é a construção de navios.
CONSTRUÇÃO NAVAL Hoje, nós estamos lutando para construir 42 navios, para o último ser entregue em 2015. Isso, na realidade, nos traz à nossa capacidade de transporte em 1996.
Hoje, a Transpetro transporta apenas 17% da carga da controladora, da Petrobras.
Porque, em 1994, quando ela tinha em torno de, praticamente, seis milhões de toneladas de capacidade de transporte, a Petrobras tinha uma produção ainda muito reduzida e um refino proporcional a um consumo do País. A partir daí, a Petrobras começou a crescer muito e nós começamos a dar baixa em navios. Foi somatório, aumentando a capacidade de transporte, nós reduzimos a capacidade de transporte em cima do que já existia e, sobretudo, com acréscimo felizmente do aumento. Navio é uma coisa muito diferente, ele tem um custo inicial elevadíssimo, uma manutenção significativa e uma vida útil de apenas 25 anos.
Então, o custo de um navio, se aplicado numa indústria, que vai atender algumas gerações dos seus controladores, um navio acaba com 25 anos. Gerenciar navio é gerenciar contra o relógio, cada minuto perdido você não vai mais conseguir.
Navio parado não rende frete, que é a mercadoria. Quer mais é ganhar frete, seja de quem for. São características muito peculiares, o próprio homem do mar ele traz, historicamente, até por hábito, procedimentos que não são usuais, nós somos um grupo muito disciplinados, até por formação militar – são quatro anos em terra como Oficial, para então ele sair e depois voltar para fazer curso para Capitão também –, e isso redunda que até o grupo que trabalha com a Fronape sente isso nos funcionários de terra. O próprio engenheiro Arnaldo, que é o atual gerente geral, antigo superintendente, ele comentou comigo, falou assim: “Fiquei impressionado como é que é um grupo disciplinado, engenheiros são todos disciplinados.” Não é que não sejam disciplinados em outros lugares, mas é todo um esquema de um grupo que, vamos dizer, uma parte ponderável dela, que são os Oficiais, tem formação militar e durante 40 anos foram chefiados por almirantes ou comandantes. Tudo isso criou uma estrutura, mas todos são sindicalizados, todos participam, todos reivindicam, questionam e isso vai ser pelo tempo afora.
HISTÓRIAS / CAUSOS / LEMBRANÇAS São muitas as histórias, e eu tenho já material para publicar um terceiro livro que são estórias, sem “h”, as estórias da Fronape. Algumas até interessantes que não devem ser contadas nem no livro, porque são amigos, conhecidos e tripulantes que estão aí. Mas eu lembro que, em uma ocasião, um dos grandes comandantes – eu servi com ele na primeira geração do navio e depois na segunda geração também –, felizmente vivo, mas hoje em cadeira de rodas, foi obrigado a sair do mar, mas é uma pessoa tão ligada que deixou com a família o pedido de ser sepultado com a bandeira da Fronape, um espírito que adquire. E ele, em determinado momento da vida, virou espiritualista, kardecista. E eu estava no Golfo Pérsico comandando um navio, esse navio grandão, e o Harbour Master descendo comigo, em determinado momento falou: “Aquele comandante da Fronape que é maluco.” Eu falei: “Maluco não, nós não temos nenhum maluco no comando.” “Não?” O muçulmano falava firme: “É um maluco.” Eu falei: “Maluco? Não.” “É, um navio igual ao seu.” Eu falei:
“Mais ainda seria a Empresa de dar um navio de um porte desses a um maluco.” Aí ele falou: “Não, o nome dele é estrangeiro.” E citou o nome dele. Eu falei: “Mas por que está afirmando isso?” Ele falou: “Nós estávamos os dois aqui, com temperatura de 52o C lá fora, a porta fechada do camarote, com ar condicionado para tornar menos insuportável o clima da região, ele levantou, pediu licença, foi à porta, eu vi ele conversando, aí bateu a porta e veio andando em minha direção e conversando com o vazio do lado dele, aí fez assim com a cadeira, sentou e falava inglês comigo, pedia licença e falava em português com a cadeira. Ele é maluco” Eu falei: “Ah é, é maluco.” Eu não ia nunca fazer um muçulmano entender o kardecismo do outro. Então, foi mais simples eu concordar com ele que o comandante era meio maluco. Eu também lembro, como comandante, numa ocasião que eu estava com uma pessoa e a preocupação era que esperava morrer a qualquer momento, não comuniquei a Empresa que eu ia arribar em Colombo, no Sri Lanka, para deixar alguém que estava a bordo passando muito mal, porque a decisão de você arribar o navio é sua, do comandante, nem o comandante da Petrobras pode interferir, é lei marítima, é decisão única, técnica do comandante. Mas no dia seguinte... É decisão importante, porque implica em custos elevados. Eu recebi a cópia de um telegrama que o superintendente da Fronape havia mandado para o agente em Colombo, que recebeu um rádio meu, dizendo que eu possivelmente deixaria no amanhecer do dia e não entraria no porto porque eu não tinha carta, não queria nem me aproximar muito, dizendo que já havia encaminhado uns 100 mil dólares solicitados e que atendesse o comandante em tudo que precisasse, inclusive dinheiro sem limites. Então, são coisas que você não esquece.
De outra vez, durante a guerra do Irã, em Israel, eu comandava nessa época o (navio) “Presidente Washington Luiz”, de 53 mil toneladas, estava lá dentro, o (canal de) Suez fechado, tropa de um lado e do outro, zona de guerra, então eu não podia nem largar a âncora do navio porque lá embaixo eram as redes, eu não podia fazer nada no porto,
e quando o navio carregou... Uma rede submarina para combustível de carga e eles sabiam que eu estava lá. Tocaram o black-out, eu falei: “Não, não apaga o navio. Israel está vendo. Nossa bandeira está em cima que nós não...”, aí nós ficamos acesos, mas era exercício apenas. Eu não sabia o que ia dar aquilo, navio carregado é morte certa. No dia seguinte, quando ele, o Harbour Martin desatracou, o navio encalhou. Depois de eu usar todos os recursos e marinheiros para tirar o navio, eu comuniquei ao Rio que estava encalhado e eu só recebi um rádio da superintendência da Fronape, “Agibessa” quando você decodifica, nós temos um código, o comandante tem no cofre um código e que dizia assim: “Agir de acordo com decisões do comando.” Não falaram nada e, nessa condição também, não fiz consulta nenhuma. Eu afretei o único navio da marinha egípcia, petroleiro que estava lá, para me aliviar para eu poder sair do encalhe, não houve água aberta, não houve nada, era fundo de lama, e depois eu lembro quando terminou tudo, depois do terceiro dia acordado, o agente que estava a bordo falou assim: “ Tu quer sair a que horas?” Eu: “ Ah, eu vou sair agora.” Ele falou: “ Agora não, porque o senhor vai levar tiro. O senhor tem que avisar para os dois lados a hora que o senhor vai suspender a âncora para sair de viagem.”; aí eu falei:
“Então, seis horas da manhã”, porque já estava clareando, ficava mais seguro. Foram mandadas as mensagens para o lado em que estavam as tropas de Israel e para os egípcios, e nós então seguimos viagem. As histórias são muitas. Essa é muito longa. É muita história, deve sair um livro –o livro não é de história, mas não deixa de ser. Alguma coisa que eu incluí é que o Brasil, até a Segunda Guerra Mundial, era um arquipélago, ele era ligado pelo navio. Então, o navio tinha um poder integrador fantástico, porque o governador de qualquer estado vinha à corte no início ou vinha à capital Rio de Janeiro de navio, não existia outro meio. O deputado, o senador de férias ia também de navio. E a presença do navio na economia era tão importante que, mesmo onde não havia porto, ele fundeava em frente à foz dos rios, normalmente, que eram séries de grandes municípios que adentravam interior sem ferrovias e sem rodovias e captava o que o interior produzia que descia pelo rio e que chegava ao seu costado em barcaças e descarregava aquilo que a população daquele trecho do Brasil necessitava. Um passado em que todos nós usávamos, quase como primeira roupa, uma fardinha de marinheiro. Fazia parte da indumentária de qualquer garoto brasileiro ter uma roupa de marinheiro, tal a interface entre navio, marinheiro e sociedade. Quando o meu neto nasceu, coincidentemente, eu era diretor da Petrobras no maior grupo internacional de seguro ligado a navio e a cada três meses tinha uma reunião no exterior. Essa era em Paris e a minha mulher estava comigo, a primeira tarefa era procurar uma roupa para o neto que ia nascer e a roupa era certamente de marinheiro que nós estávamos procurando, não encontramos em Paris, lugar nenhum. E, depois, descobrimos que não encontro em lugar nenhum, nem no Rio você não encontra. Se você quiser, tem que mandar fazer, não pode encontrar em casa simples.
ACIDENTE Esse comandante sofreu um grande acidente no Golfo Pérsico, o outro navio afundou, morreu a tripulação toda do navio, então nunca se ficou sabendo porque ele; eram duas horas e pouca da manhã, ele havia acabado de descer da ponte de comando e estava imaginando que ia descansar um pouco, quando o outro navio que vinha entre o nosso e um navio americano, corroboraram as declarações nossas, ele ficou com medo e cruzou. Era um navio coreano, no início que a Coréia começou a ir para o mar, ficou com medo e cruzou perigosamente a proa e os navios abalroaram. O navio dele afundou, morreram todos os tripulantes, comandante, todos, e o comandante subiu e viu o navio dele em chamas, deu ordem de abandono, mas ele não abandonou o navio, foi para o meio do navio que, erroneamente, muitos chamam meia-nau, mas na posição era meio-navio, mas meia-nau é qualquer parte eqüidistante das bordas e meio-navio é a parte eqüidistante da proa e popa, onde não havia fogo e ficou sentado lá e um outro oficial ficou com ele, kardecista também, que foi meu oficial. E, por sorte dele, então, nesse momento se aproximou um rebocador de alto mar que era especializado em combate a incêndio e o comandante queria que ele passasse para o rebocador e ele, a bordo do navio em chamas, começou a discutir os termos de salvamento. Ele só aceitaria que tentasse salvar o navio se fosse na condição “no cure, no pay” – não salva, não paga. “Tá tudo certo, mas vem para cá.” Então, o próprio comandante dele ficou impressionado pelo fato de o comandante estar a bordo, aí salvaram os outros que estavam em baleeiras etc, não morreu ninguém dos nossos e a Fronape ficou muito reconhecida, o navio ainda continuou prestando, foi recuperado e durante muitos anos permaneceu prestando serviços à Empresa, um navio de mais de 100 mil toneladas. Depois de tudo, ia voltar para comandar, estava muito marcado, muito traumatizado, a Petrobras, a Fronape demonstrando, vamos dizer, um grande prestígio que ele tinha, fez questão de nomeá-lo para render as férias do comandante que então comandava o navio de maior prestígio. Então, ele era uma prova. São essas relações, esses reconhecimentos que eram muito comuns.
PROJETO MEMÓRIA PETROBRAS Eu gostei das duas coisas, ainda que não participasse. Mas eu acho que essa Empresa é tão importante, é uma coisa difícil de se dissociar Brasil e Petrobras, Petrobras e Brasil, porque eu acho que a pessoa participar, ao mesmo tempo, é benéfico para aquele que participa, como é benéfico para aquele que está trabalhando e sabe que um dia também vai, em determinado momento da vida, resgatar uma história que está aí para permanecer. A Petrobras é uma coisa muito para todos nós. E, felizmente, hoje ela é vista como tal, houve muita contestação, mas hoje ela é vista como tal. Então, eu acho extremamente meritória e, para mim, é um privilégio também acrescentar e deixar aí na memória a longa experiência, sabedoria da experiência feita, porque foi isso que foi importante na vida.Recolher