Projeto CSP
Depoimento de Antônio Ricardo Domingos Dourado da Costa Tapeba
Entrevistado por Eliete Pereira
Caucaia, Ceará, 3 de junho de 2014
CSP_HV_019_ Antônio Ricardo Dourado da Costa Tapeba
Realização Museu da Pessoa
P/1 – Dourado, bom dia!
R – Bom dia!
P/1 – Dourado, pra começar, eu gostaria que você dissesse seu nome completo.
R – Meu nome é Antônio Ricardo Domingos Dourado da Costa Tapeba.
P/1 – Você disse que recentemente conseguiu inserir o nome Dourado.
R – É, depois de 18 anos. Foi uma luta muito grande pra aprovar a questão do meu nome, que quando eu tinha dez anos, eu nem sabia que meu nome era Antônio Ricardo. Que até então, antes de eu ser registrado, que minha mãe me registrou já tinha dez ano. E quando eu fui pra escola foi que eu fiquei sabendo que meu nome era Antônio Ricardo e aí, eu não gostei do nome. Eu era conhecido como Dourado e depois de uma luta de 18 anos, eu cheguei a incluir o nome Dourado Tapeba, meu nome é Antônio Ricardo.
P/1 – Por que Dourado?
R – Na realidade, quando eu nasci, segundo a minha irmã que me pegou, na época minha irmã fez o trabalho de parto, a minha mãe me deu a luz em casa, e no terceiro dia que ela foi me banhar, antes do umbigo cair aí, ela achou que eu era um peixe, parecido com um peixe. Aí, ela disse: “Não, esse aqui vai ser o meu Dourado”. Aí, ficou, pegou. Tanto que quando eu vim saber que meu nome era Antônio Ricardo eu já tinha dez anos de idade.
P/1 – Dourado, e onde você nasceu?
R – Eu nasci aqui mesmo na aldeia, na Lagoa dos Tapeba. Eu nasci em 18 de fevereiro de 1961. Meu pai era Arlindo Domingos e a mãe, Amélia Costa. E sou o caçula da família.
P/1 – Quantos irmãos?
R – Nós éramos 13. Hoje já morreu, deixa eu ver, duas irmã, um outro irmão. É, hoje nós temos dez ainda.
P/1 – E esses irmãos eram quantas mulheres e quantos homens?
R – Na verdade, as irmã eram oito e cinco homem. Não! Sete mulher e seis homem.
P/1 – E, Dourado, o quê que seus pais faziam?
R – Meu pai sempre trabalhou na roça aqui, como agricultor, era coletor de fruta. Ele passou a vida inteira nessa luta aqui de trabalhar na roça, plantar milho, feijão, rama de batata que, às vezes, ele fala de plantar batata, mas batata não nasce, o que nasce é a rama, a mani pode ser mandioca. Então, e aí, na época das coleta de fruta ele pegava e coletava fruta pra ir vender no centro da cidade.
P/1 – Que frutas que ele coletava?
R – Caju, manga, goiaba, várias frutas que tem aqui na região. Sapoti, cajá, umbu.
P/1 – E a sua mãe, o quê ela fazia?
R – A minha mãe, ela trabalhava muito assim com renda, com aqueles bilro, fazer renda, aquela almofada de bilro. E também ela era parte parteira, parteira da comunidade.
P/1 – Ela era parteira, a sua mãe?
R – Minha mãe pegou mais de mil criança.
P/1 – Qual o nome? Ah! Você já falou, Amélia.
R – Amélia.
P/1 – Amélia, mas ela tinha um apelido?
R – Tinha não. Inclusive, as criança que ela pegava, chamava de Mãe Mélia, que era a segunda mãe. Aqui, a maior parte do pessoal aqui foi pego por ela.
P/1 – O pessoal fala também que aqui se chamavam cachimbeiras, as parteiras.
R – É, parteira-cachimbeira, mas só que ela não gostava desse negócio de ser cachimbeira, não.
P/1 – Ela não gostava de cachimbo?
R – Não. Não, ela gostava de que era parteira, mesmo, da comunidade. Porque cachimbeira era pejorativo, ela não...
P/1 – Dourado, e assim, como era o seu pai? Como que era a personalidade dele?
R – Meu pai era uma pessoa multo culta. Apesar dele nunca ter ido à escola, não aprendeu a fazer nem o nome, mas tinha um discurso, assim, que quando as pessoas vêm fazer discurso, que ele também, ele foi evangélico, sabe? Aí, ele pregava a palavra de Deus e as pessoas, sempre quando ele tava pregando, diziam que ele não tinha jeito de analfabeto. Ele era muito mais pra doutor do que pra analfabeto. E ele era muito certo nas coisa que ele fazia, também brincava muito. E eu acho que eu puxei as ideias dele, sabe?
P/1 – E a sua mãe? Como era a sua personalidade?
R – É, minha mãe também era da mesma forma, era muito bem quista na comunidade. Agora, se parece que ela tinha um prazer, que quando uma mulher aqui da comunidade tava aqui pra ter menino, às vezes, chegava de madrugada lá, com chuva, a pessoa ia no cavalo ou no jumento e eu dormir amarrado à minha mãe até mais ou menos uns 11 anos. Aí, quando o pessoal ia chamar ela, eu ficava logo zangado, porque ela saía quatro hora da manhã, seis hora da manhã. Muitas vezes, era até meia-noite, ela mandava a pessoa ir na frente: “Que eu vou atrás e bota uma água no fogo pra esquentar que eu tô já chegando”. Aí, era dessa forma que ela era aqui na comunidade.
P/1 – Você acompanhou muitos partos que a sua mãe fez?
R – Acompanhei, muito. Inclusive, ela sofreu muito comigo, porque eu tinha muita vontade de estudar e aqui não tinha aula, não tinha escola. E eu tive que fugir pra Iguatu. Que a minha irmã, diz que ela fugiu com um negro que era aqueles da RFFSA e foi morar no Iguatu. Aí, depois que ela fugiu, ela voltou pra cá uns cinco ano. Aí, depois que ela voltou, meu pai, minha mãe, aceitaram tudo, e aí, eles fizeram uma proposta de me levar pra lá, só que não levaram, me enganaram. Aí, chegou, quando eu completei 11 anos aí, eu peguei, fugi pra Iguatu, fui no trem. A minha história, é uma história meia...
P/1 – Conta essa história de quando você fugiu.
R – Pois é, eu quando eu fugi, o trem até virou nesse dia, virou lá em Piquet Carneiro. Eu conheci uma pessoa que andava mais o Gildo, que era meu cunhado, que tinha fugido com a minha irmã. Aí, ele me ajudou quando eu cheguei na estação. Eu cheguei lá, menti pra ele, eu disse que o meu cunhado tava me esperando lá na Estação de Iguatu, que era o Zé Vieira. Inclusive, já morreu o Zé Vieira, tanto o Zé Vieira como meu cunhado morreu também já. Aí, ele: “Não, pode ficar tranquilo aí, que eu”, deixou sei lá, “Eu vou até Quixeramobim, mas de lá eu passo outro guarda-freios”, guarda-freios era o pessoal que andava no trem, cortando os bilhete, furando os bilhetes na época. E aí, quando chegou este homem pra lá, eu digo, ele me apresentou o rapaz lá, que era chamado, era apelido dele, nunca sei o nome dele, ele chamava Bicho Bom, o nome do rapaz, do guarda-freio. E aí, eu, quando chegou em Piquet Carneiro, antes de Piquet Carneiro o trem virou e morreu muita gente nesse acidente lá, foi em 72.
P/1 – E você se machucou?
R – Aí, não. Os vagões que viraram, foi os três vagões que viraram era do carro do restaurante e eu ia indo depois do carro do restaurante. Eu sei que eu comecei a ir lá, fiquei aperriadinho, que eu sozinho, e aquela coisa toda, o pessoal tudo alvoroçado. Eu sei que quando o guindaste veio pra tirar os carro que tava lá, mandaram os ferido tudo pra cidade mais próxima. Quando veio o guindaste, aí conseguiram botar os trem nos trilhos, o trem era pra chegar em Iguatu três e dez, que saiu daqui cinco e dez, foi chegar lá uma hora da manhã. Aí, quando eu cheguei lá, o pessoal tudo esperando lá, se tinha algum ferido deles lá no trem. Eu perguntei ao chefe da estação, que era o Seu Bandeira, onde era que morava o Gildo, ele disse: “Bem pertinho da estação”, fui bater lá. Cheguei lá, minha irmã, bati à porta, ela ficou logo perguntando porque que eu tinha ido lá, “Não, minha mãe mandou vir, me deixou lá estação”, menti de novo. Aí, eu sei que com três meses depois, que naquele tempo não tinha carta, não tinha nada, foi que meu cunhado veio aqui e aí, foi que veio dizer pra minha mãe que eu tava lá, três meses depois. A minha mãe foi pra Iguatu, queria me trazer de volta, a minha irmã pegou e disse: “Não, ele tá estudando e tudo”. Sei que quatro ano depois eu voltei, aí, continuei meus estudo, consegui terminar o segundo grau aqui.
P/1 – Dourado, você falou que começou a estudar em Iguatu?
R – Foi. Não, eu comecei a estudar numa escolazinha aqui só que não aprendi nada, que é uma escolazinha particular numa casinha, inclusive uma casinha de taipa, era na faixa de uns dez aluno e ninguém conseguia aprender nada. Foi em Iguatu que realmente eu consegui aprender.
P1 – E você tem alguma lembrança lá de Iguatu, na escola?
R – Tenho, eu estudei lá no colégio Carlos de Gouveia, vizinho ao Alvorada. Me lembro como se fosse hoje. E, inclusive, quando eu vim de lá, eu vim em 74, não, em 75, foi na época que, em 74, o rio encheu muito e inundou muita casa lá, inclusive a nossa casa que a gente morava lá inundou também. Aí, foi a época que meu cunhado foi transferido pra Fortaleza aí, eu vim junto. Aí, pronto, eu voltei pra aqui pra aldeia, não fui morar com eles mais não. Como veio pra Fortaleza, eu vim pra casa da minha mãe.
P/1 – E como foi essa volta?
R – Aí, a volta, é uma volta, assim, meia incrível, sabe? Que eu voltei e eu tinha vergonha de voltar pra casa sem nada, sabe? Aí, eu deu uma vontade de eu ir viajar pra Salvador na Bahia atrás de emprego. Já tava com 16 ano e tudo, mas só que quando eu fui comprar a passagem aí, não venderam porque eu era de menor, tinha que ter autorização. Aí, foi o jeito de voltar pra cá. E quando voltei pra cá aí, todo mundo, eu pensando que o pessoal ia mangar de mim, que eu tava voltando, assim mas ninguém mangou. Todo mundo me abraçou aí, botaram eu pra jogar no time aqui dos índio, dos Tapeba. E eu jogava muita bola, sabe? Inclusive, eu joguei até aqui no Juvenil Ferroviário, aqui. Aí, eu jogava muita bola e pronto. A partir daí, eu me entrosei de novo aí, fomos trabalhar aqui nas pedreiras, quebrando pedra. Trabalhei quebrando muita pedra. O nosso povo, ele é conhecido como os técnicos em pedra trabalhada. Inclusive, muita gente foi embora daqui pra São Paulo pra trabalhar lá em Cabreúva, porque as pedra aqui acabou. E tem muita família nossa em São Paulo, tanto em São Paulo como no Rio, aqui em Quixadá também tem muita pedra nossa, tem muita gente nossa.
P/1 – Não tem mais a produção da pedra, então?
R – Não tem porque as pedreira encheram tudo d’água, que graças a Deus, essas pedreira encheram tudo de água, senão nós tinha morrido era de sede. Porque eu já tô com 53 ano e nunca vi essa pedreira, que tem atrás aqui, seca. Sempre cheia, ela é muito funda. Aí, daqui é que a gente tira água pra beber. Hoje não, hoje a gente conseguiu um monte de projeto através da Sesai, a época com a da Funai, Funasa e aí, nós temos água encanada, da Cagese mesmo. Mas nós sobrevivia, até uns dez anos atrás, era só da pedreira aqui atrás.
P/1 – Ela dependia da chuva pra encher ou não?
R – Ela dependia da chuva, sim. Mas, só que, os inverno bom... uma vez, passou três ano de seca, ela ficou bem rentezinha, mas conseguiu esperar o outro inverno do quarto ano. Aí, encheu de novo, pronto, eu nunca consegui ver essa pedreira seca.
P/1 – E, Dourado, como é que foi a infância aqui?
R – A nossa infância era uma infância boa, sabe? Era uma infância, assim, humilde, a gente tinha problema de questão de alimento, era escasso. E a gente não brincava, praticamente, a gente brincava trabalhando, ajudando os pais da gente. A gente ia pra roça, fazia as aposta com os outro, quem é que terminava primeiro. Aí, quem terminava primeiro ia ter que ajudar o outro. Eu era muito assim sem-vergonha aí, eu deixava pra terminar por último pra os outro me ajudar. Só que aí, depois, começaram a dizer: “Quem terminar primeiro, vai ajudar o outro, mas vai ter direito também no legume do outro”. Pronto, aí, todo mundo passava pra trabalhar pra terminar igual, era bom. Era uma infância que a gente brincava trabalhando. Uns tempo que a gente brincava assim, mais ou menos, até quando saía da roça, a gente tinha umas lata de sardinha, essas lata de leite ninho, fazia assim, enchia de areia, botava uns arame, pegava umas corda, amarrava e saía puxando, aquilo era nosso carro, nosso trem. Era dessa forma que a gente ia na nossa infância, nós não tinha como comprar bola, a gente pegava, às vez, tirava a meia do pai da gente escondido, enchia de pano, aí fazia a bola pra brincar de bola de meia. Inclusive nessa casa que tem aqui do outro lado, era o campozinho que a gente jogava, é de gol a gol, é o ‘chama’ que era de cinco em cinco minuto; em cinco minuto quem fizesse mais gol, ganhava. Terminasse empate aí, chutava tiro direto. E assim nós jogava na infância da gente.
P/1 – E você era bom em qual posição no futebol?
R – Eu era centroavante, eu fazia muito gol. Inclusive eu consegui marcar meus gol, eu fiz 780 gols, no tempo que eu joguei. Hoje eu não jogo mais porque eu quebrei o tornozelo, tive um acidente também, eu quebrei o nariz jogando pela seleção de Caucaia, quebrei esse braço. Aí, eu sei que eu parei.
P/1 – Tudo jogando bola? Quebrou o braço?
R – Jogando bola. Isso. Eu, só de cada vez, eu parei de jogar eu tinha 43 ano. Tá com dez ano que eu parei. Aí, já tô com 53 também, faço só olhar o pessoal jogar. E reclamar dos que não joga (risos).
P/1 – E, Dourado, como é que foi a adolescência aqui?
R – Minha adolescência foi essa. Que eu saí daqui, fugi, fui pra Iguatu e consegui estudar, consegui terminar o segundo grau. E aí, eu terminei o segundo grau aqui em Fortaleza.
P/1 – Em Fortaleza?
R – Foi. Eu fiz até a sexta série em Iguatu. Aí, fiz a sétima e a oitava, na época era até a oitava no Juvenal Galeno, próximo ao Liceu, que eu fui morar na casa do meu padrinho também lá, pra ele me ajudar. Trabalhava de ajudante de caminhão no carro dele e aí, ele me ajudava na escola. Lá no Carlito Pamplona. Quando eu saí de lá, fui terminar o segundo grau no Liceu, que era onde tinha o ensino médio, Liceu do Ceará. Então, às vezes, eu brinco com o pessoal aqui: “Ó, tô indo”, o pessoal reclama: “Os índio veio não sabe ler, escrever”, eu digo: “É, mas eu sou índio, mas eu terminei o segundo grau no melhor colégio do Estado do Ceará, que era no Liceu do Ceará”.
P/1 – E como que você foi pra lá, pro Liceu?
R – Rapaz, é, eu fui pra casa do meu padrinho, que morava no Antônio Bezerra. Aí, eu trabalhava até quatro, cinco hora da tarde e à noite ia pro colégio, mandava me deixar no carrinho dele lá e ia.
P/1 – Não tinha problema de matrícula, de você se inscrever.
R – Não.
P/1 – Tinha vaga, então, pra estudar na escola, nesse Liceu?
R – Não, no Liceu foi meu padrinho que conseguiu. Meu padrinho tinha, naquela época, negócio de peixada, pessoal porque trabalhou em peixada, ele conhecia o diretor lá do Liceu e ele me botou lá. Mas tinha que ter a transferência da escola, também, tinha a transferência.
P/1 – Você tem lembranças da época do Liceu que você estudou?
R – Tenho.
P/1 – Quais lembranças você tem?
R – A minha lembrança é que muitas vezes a gente chegava um pouco atrasado, tarde, a gente enchia os carro de pedra, de coisa. Às vezes, o caro dava o prego e eu ficava perturbadinho pra chegar na escola. Aí, meu padrinho ficava agoniado, ele também, porque queria tirar o carro. E muitas vez, às vez, o carro dava o prego perto, eu ia pé até a casa dele onde ficava. De lá eu pedia a alguém pra me deixar, às vez eu chegava atrasado 15 minuto, 20 minuto, era um aperreio danado, mas eu digo, mas com fé em Deus e Tupã, eu vou conseguir.
P/1 – E você estudou o quê? Era à tarde ou era de manhã?
R – À noite.
P/1 – À noite.
R – Era bom.
P/1 – E os seus irmãos, eles ficaram aqui o tempo todo? A não ser a sua irmã que estava lá em Iguatu?
R – As minhas irmã, todas elas, as mulheres tudo, não ficaram aqui não, foram pra Fortaleza. Teve uma que eu nem conheci, que era a Geralda, que ela... dois irmão meu eu não conheci: o mais velho, que ele morreu com 22 ano, parece que foi assassinado, a conversa que a gente sabe, ninguém sabe como foi a morte dele, só sabe que ele morreu, parece que o trem passou por cima, mas tem outras versões. E a minha outra irmã que fugiu também, só que ela não voltou mais. A mãe antes de morrer, ainda teve notícia dela lá pelo Canindé, mas aí, ela não viu mais. E aí, os outros meus irmão tudinho, ficaram aqui. Só teve um que foi pra Itaitinga, que é próximo daqui também; inclusive, ele agora tá com diabete, teve que amputar uma perna e mora aqui vizinho a mim, do outro lado aqui. Tudo ficaram por aqui mesmo, só as mulheres que tiveram que trabalhar fora.
P/1 – E como que era aqui quando você era pequeno, assim, antes de ir pra Iguatu?
R – Aqui não tinha cerca, tudo, aqui era aberto, muito cajueiro, manguete, coqueiro, catolezeira, que é aqueles coquinho pequenininho. Todo mundo ia, tirava, todo mundo era numa boa, sabe? Não tinha esse negócio de briga aqui. Com os tempo, foram se apossando das nossas terras, inclusive, teve algumas pessoa que trocaram a terra por qualquer outra coisa e mesmo assim, não tinha como dar a escritura e tudo, sei que o pessoal foram se apossando das terra e ficou. Ficamos praticamente encurralado. E hoje aqui, antigamente, não tinha estrada aqui, era só vareda, que a gente chamava de vareda. A gente ia pegar lenha pra fazer, cozinhar as comida, dentro do mato. E hoje, a maior parte é fogão à gás, hoje é fogareiro, mas aqui, na época que era tudo junto, todo mundo comunitário, não tinha ninguém de fora, era muito bom. Mas hoje não, hoje a gente tem uma situação muito ruim porque quantos assalto acontece aqui nessa estrada? Então, o pessoal toma as moto dos outro, às vez, vêm desovar cadáver aqui nas estrada que é vicinais, escura. Porque aquilo lá aparece, já a reportagem vem aí, faz as filmagem.
P/1 – Aqui hoje tá uma região violenta, então?
R – É, hoje, Caucaia é uma das cidades mais violentas da Região Metropolitana. Caucaia e Maracanaú, toda semana, todo dia. Todo dia você escuta no noticiário, pega o jornal, morreu um em Caucaia; morreu um, morreu dois, morreu três. Mas é assim, assassinato de bala, de faca. Agora mesmo vim, antes de vocês chegar aqui venho vindo lá do velório de um primo meu, que mataram com seis tiro, domingo à noite.
P/1 – Onde?
R – Aqui, na comunidade Jardim do Amor ali, outra comunidade indígena, daqui pra lá dá uns meio quilômetro. Eu fui ver lá que ele vai ser enterrado agora, dez horas.
P/1 – Vocês sabem quem o matou?
R – Não sabe não, foi assaltado.
P/1 – Assaltado?
R – Assaltado e mataram ele. Seis tiro.
P/1 – E, Dourado, como que eram as festas aqui, vocês faziam festas?
R – Fazia. Tinha as festa aqui, do Cordão Azul e do Cordão Vermelho.
P/1 – Como era?
R – Não chamava vermelho, Cordão Encarnado.
P/1 – Como eram essas festas?
R – Aí, era assim, tipo quermesse, que o pessoal chamava quermesse. Botava uma carnaúba em cima do pau aí, pra rodar, era como se fosse o parque. Parque – como é que chama? – parque...
P/1 – Parque de diversão.
R – De diversão. A gente botava, fazia as bandeirinha vermelha, que chamava encarnada, mesmo, encarnada, as bandeirinha azul. E o galamarte, chamava galamarte que era a carnaúba em cima dum tronco de pau. Aí, ficava duas pessoas, um do lado, outro do outro, mais era criança que fazia, as criança fica dum lado outro do outro, a gente rodava. Aí, aí quem ia pular, o pessoal, a carnaúba caía, às vez machucava a perna. Eu sei que era uma brincadeira boa, a gente fazia também um, tipo assim, o trem da alegria. O trem da alegria era um cordão e com um bocado de gente dentro, era como se fosse um trem, e saia rodando, rodando. E aí, quando era a gente ia fazer a festa, era o que chamam de gincana. Quem trazia mais produto pra dentro do cordão azul ou do cordão vermelho. Aí, o pessoal pedia batata, macaxeira, araruta, coco, tudo. Aí, quem trouxesse mais variedade é quem ganhava.
P/1 – O que é araruta?
R – Araruta é um tipo de batata, tipo mandioca, que faz goma, faz tapioca. Da goma faz a tapioca. Hoje não tem mais, tá escasso, não tem mais por aqui, não.
P/1 – E, Dourado, tinha o forró também aqui?
R – É, tinha uns forrózinho. Forro era puxado da sanfona, sabe?
P/1 – Então, vinha uma banda nesses forrós?
R – Não, no começo, do meu tempo, tinha forró com sanfona, depois o pessoal inventaram um negócio do triângulo, do pandeiro. Aí, gente aí, melhorou mais a batucada, chamava batucada. Aí: “Vai ter forró de batucada amanhã láááá casa do Seu Arlindo” “Lá na casa do seu Lindor”, era assim. Aí, o pessoal cobrava cota pra entrar. No começo cobrava também comida. Aí, depois que começou a aparecer dinheiro aí, o dinheiro mais fácil, o pessoal começava a ganhar mais, inventaram de botar dinheiro. Aí, meu pai dizia assim: “Essa coisa não vai dar certo com dinheiro”. Aí, o pai: “Não vou mais não, só se for, que dinheiro é coisa do cão”.
P/1 – O seu pai falava isso?
R – Era. Aí, o outro dizia assim, o Tio Chico, dizia: “Arlindo, se tu se despedir do cão, pois vai pro céu e me dá o seu dinheiro todinho, que vou pro inferno com teu dinheiro”. (risos)
P/1 – (risos) E, Dourado, o seu pai, ele era de qual igreja evangélica?
R – Assembleia de Deus.
P/1 – Ele foi sempre evangélico, então?
R – Não. Meu pai, ele não tinha religião. Na realidade, ele gostava dumas cachaçazinha feita por nós mesmo, que era feito da mandioca. E aí, teve um tempo que ele mesmo, ele viu o pastor vir fazer uma pregação na casa de uma pessoa que já era crente aí, ele e a mãe foram convidado e foram os dois. E lá eles aceitaram a Jesus aí, pronto, passaram mais de 50 ano, morreram na fé. Mais de 50 ano foram crente, foram evangélico.
P/1 – E ele parou de beber?
R – Parou, não bebeu mais não.
P/1 – E como que era essa bebida de mandioca? Tinha um nome?
R – Não, a mandioca a gente chama, aqui... lá na Região Norte, chama de caxiri. Aqui também tava mais um xi, caxixiri, que a gente chamava, feito da mandioca. Muitas vezes, a gente pegava a mandioca, ralava, fazia o beiju. E do beiju botava de molho e deixava ela...
P/1 – Fermentar.
R – Fermentar. Depois de uns cinco, seis dias, sete dias aí, já tava boa pra beber. Mas era mais forte do que essa de cana de açúcar, mesmo.
P/1 – Ah, era?!
R – Era.
P/1 – Então se embebedava rápido com a caxiri?
R – Era. Tanto que se você pegar, tem até tipo de mandioca que você não souber como tratar ela pra botar pros animais comer, os animais morre bêubo. Se você botar a manipueira, assim, a manipueira é a água da mandioca. Se você não ficar pastorando e deixar a cabra ou o bicho beber, ele morre bêubo, porque ela é muito forte.
P/1 – Então vocês tem esse cuidado.
R – Tinha, que hoje não tem mais isso, não.
P/1 – Não tem então essa bebida?
R – Ainda tem, mas tem mais os bicho, pouca gente tem cria. A gente cria umas galinhazinha aqui no quintal, mas hoje é como eu tava dizendo, depois que a nossas terra foram invadida por muitos posseiro aí, ficou ruim, ninguém pôde mais criar, assim, com mais tranquilidade. Aí, tem que ter cuidado, tem que cercar. Antigamente, nossos bicho tudo era solto, misturado com os outro. Quando se matava um porco aí, uma banda era pra gente, a outra banda era pra gente dividir com os vizinho. Pegava as palha de bananeira aí, cada um pedacinho, pedacinho pra um, vai pra outro e o mesmo os outro fazia. Hoje não, hoje a turma, a maior parte, nós ainda fazemos isso. Mas a maior parte de alguns aí, eles pega, mata e vai vender. Pra nós, nós tinha uma tradição, que se você matar pra vender, aí você não aumenta a sua criação. Mesma coisa é as fruta, as fruta, meu pai nunca vendeu uma fruta de nosso quintal. Ele coletava dos outro. Ele ia lá nos outro e pagava, mas de casa, seriguela, tudo que tinha dentro de casa ele nunca vendia. Ele fazia questão das pessoa vim lá e subir e comer no pé, ele dava pro pessoal levar, dessa forma.
P/1 – Dourado, quando seu pai cultivava, que você falou que ele plantava feijão, milho, batata, era só pro consumo próprio ou vocês vendiam um pouco dessa produção?
R – Não, não, tudo pro consumo próprio. O que o pai fazia pra outro consumo era a questão da coleta de frutas, também a coleta de caranguejo, que ele também ia pro mangue pescar. Ele não, a gente. A gente pegava muito caranguejo, aratu, siri, mão no olho. Aí, a gente vendia parte pra comprar farinha, feijão quando faltava. Que na época da seca a gente se virava assim. Às vez, a gente pegava, fazia um caixão grande, pegava quatro, cinco alqueires de farinha e dava pra passar o ano todo. A mesma coisa era um tambor de feijão, de milho. O milho, na época, não tinha pão, aí, o milho botava ele de barril todo dia cedo e aí, quando era de noite, botava ele pra cozinhar, o milho seco e aí, de madrugadinha, antes de sair pro roçado, passava no caco, esquentava e tomava com café. Era melhor de que pão.
P/1 – Então o café da manhã era esse?
R – Exatamente, era.
P/1 – E o que vocês costumavam comer no almoço e na janta?
R – O almoço era o tradicional mesmo, era feijão com farinha, pedacinho de toucinho, com uns peixinho também, essa forma, era assim. A gente só comia arroz e macarrão de domingo. De domingo é que se dirigia lá pro frigorífico da cidade, comprava uma carne. Mas na semana, de segunda a sábado, era feijão com farinha e um pedacinho de toucinho, uns peixe que a gente pegava, caça também, que tinha muita preá aqui.
P/1 – Preá?
R – Sim, preá, muito cassaco.
P/1 – O quê que era o cassaco? Era uma espécie de...
R – É uma espécie de rabudo que tem, que pega, que se ele desce pra um ninho de galinha, ele come os pinto tudinho, sabe?
P/1 – Rabudo?
R – É.
P/1 – Rabudo seria uma espécie de raposa?
R – Não, não, ele é uma espécie de, ele é parecido com, assim... parecido com soinho, mas não é soinho, isso ai, era um bicho grande mesmo e gordo, mas é gostoso, ele.
P/1 – O soinho seria também como se fosse um preá, então.
R – Não, não. O soinho é como se fosse um macaquinho.
P/1 – Ah! Um macaquinho?
R – Isso. Chama de sagui.
P/1 – Ah! Sagui. Então o rabudo seria também...
R – O rabudo, ele parecido assim, mas só que ele é maior e tem o focinho mais comprido.
P/1 – E era boa a carne, era gostosa?
R – É boa, é boa, gostosa. Ainda tem por aí, ainda, que é quando aparece.
P/1 – Mas vocês caçam ainda?
R – Não, a gente caça, mas não é mais por aqui, porque por aqui não tem mais. Ainda lá pra serra, no meio, a gente sai daqui pra serra, a maior parte do nosso pessoal que caça daqui, tem o Chagas bem aí que mora aí, o Flavio que, às vez, ele pega a bicicleta e vão pra serra aí, passam a noite lá, caçando. Aí, ainda traz um tatu, peba. Sempre chega, não vem com a mão abanando, não, eles sempre eles traz alguma coisa.
P/1 – Dourado, e quando você se casou, você tinha quantos anos?
R – É, quando eu me casei, não me casei, me casaram. Eu tinha 22 ano. E eu não tinha vontade de casar na época, também.
P/1 – Por que?
R – Porque, assim, eu achava tão bom a vida assim, em casa e tudo. Aí, eu namorava com minha ex-esposa, e apareceu ela grávida. Aí, meu pai e minha mãe, eles me botaram na cabeça que eu tinha que casar, que não era pra deixar assim, não sei o quê, não sei o quê. “Mas, mãe, não precisa de casar não, não sei o quê” “Precisa que agora, agora é assim, os pai da moça, não sei o quê”. Aí, eu sei que arrumaram um jeito lá e aí, me casaram.
P/1 – Ela queria casar?
R – Queria. Aí, casemo, vivemos 19 anos juntos, ainda.
P/1 – E vocês foram morar aonde?
R – Morávamos atrás da casa da minha mãe.
R – Ela tem dois filho, mas, já tem, só que eram criancinha, só que eles já tão tudo rapaz de moço.
P/1 – Dourado, a gente vai voltar agora a comentar o seu primeiro casamento. Você foi morar, então, lá atrás da casa dos seus pais?
R – Foi, a gente tinha uma casinha de taipa lá. Na época, inclusive, na época não tinha casa de tijolo, de alvenaria. Todas as casa, quem tinha uma situação melhorzinha era feito de taipo e com uma telha em cima. E no modelo tradicional era mais era casa de palha mesmo. Era casas de palha tanto a coberta como as porta tudo, era feito de, a coberta de palha, parede era tudo também de palha e a portazinha era o estalo na carnaúba que a gente fazia o portão com o estalo. E eu ainda consegui, morar ainda nessa de palha. Aí, depois foi melhorando, fomos fazendo de taipa e aí, conseguimos depois, com as melhoras também, aí, a gente conseguimos fazer uma casa de alvenaria, fizemos uma casa até grande e melhorou um pouco, só que, melhorou assim, de estrutura. Mas, na convivência pra nós, não foi boa, não.
P/1 – Por quê?
R – Eu não consigo viver essa vida assim. Que pra mim é, tá certo que é uma estrutura boa, mas na história tradicional, pra nós quebrou muito, sabe? Porque a gente não sabe, por exemplo, eu me sentia, eu nunca consegui, assim, por exemplo, tinha que me acostumar a dormir em cama, porque eu tinha problema de coluna, mas eu sempre gostei de dormir de rede. Mas com o problema da minha coluna, tem que muitas vezes dormia de cama. E aí, pra mim, foi uma, não foi bom, eu não acho essas coisa assim, sabe? Muita gente acha que não, tem que ter a favor do progresso e tudo, mas esse progresso traz muito retrocesso, também. Por exemplo, se nós não tivesse progredido tanto, talvez não tivesse hoje as mazela que tem hoje, dos assalto, o pessoal tudo querendo tomar as terra. Então, foi muito ruim, a energia. A energia passou aqui, pronto, todo mundo veio pra beira da estrada. Essa estrada aqui, na minha época, só tinha três casa desde a entrada lá de onde vocês entraram até aqui a saída, na outra BR, do outro até de lá. Era uma casinha que tinha da Nazaré por lá, a casinha aqui da Tia Zefa e bem ali do João Simão. E era só vareda. Quando foi feita a estrada, botaram energia também, aí, pronto. Aí, aqui alastrou de...
P/1 – De casas.
R – De casas. Aí, tem a maior parte que tem ali, dali, da metade dessa rua aqui pra lá, não são índio. Eles são não indígena; os índio só, dali mais ou menos, do posto de saúde até lá na saída.
P/1 – Mas eles estão em território indígena?
R – Tamo. Mas os outro lá, quando a demarcação veio aí, como eles não eram indígena aí, pra não mexer muito neles lá, ficou fora a parte lá. Aí, todo o pessoal que tá aqui tá em território indígena.
P/1 – Você lembra na época que vocês começaram a demarcar o território?
R – Bom, na realidade a nossa terra dá 36 mil hectare. E aí, de tanta invasões, hoje não passa de seis mil. É cinco mil e pouco, cinco mil, duzentos e pouco. Que aqui nossa terra ia desde a Serra da Taquara, ali perto, já no final da divisa com Maracanã e Maranguape até a Serra do Juá, aqui. Serra do Juá que fica próximo ali, à Cearense. E aí, com as invasões, praticamente, inclusive a sede do município tá lá dentro da terra. Aí, a gente teve que abrir mão de tudo isso, porque senão não ia demarcar. E mesmo assim não foi demarcado ainda. A gente tem as plotagem tudo, as coordenada geográfica, já foi identificado, delimitada, inclusive, ela foi demarcada em 97, mas o prefeito na época entrou com ação, um mandado de segurança dizendo que nós atrapalhava o crescimento de Caucaia. Só que o prefeito na época, ele é posseiro também de uma grande área, ele é posseiro da área de onde o pessoal foram gravar com a Raimunda, é quase 700 hectare lá, a área que eles reivindicam. E aí, como ele era o prefeito, ele usou o município pra dizer que a gente não tinha, que nós empatava o crescimento do município. Só que aí ele, foi revogada a demarcação da terra, quando foi feito novos estudo, porque o município não tinha participado, ele alegou isso. Foi feito novos estudo, o município foi convocado, só que nesse outro tempo, foi a mulher dele que foi prefeita. Só que ela não quis participar e recorreu de novo, dizendo que o município não tinha participado. Aí, foi feito novos estudo em 2002 e aí, foi publicado de novo em 2006. Aí, pronto, 2006. Não, foi feito em 2004. Aí, foi publicado em 2009, que aí, já foi com o prefeito atual, tem dois mandato o prefeito Washington Gois. Aí, o prefeito pegou e disse que era a favor da gente, que a gente apoiasse ele e tal, a gente foi, apoiamos. A gente, inclusive, ele criou a Coordenadoria Indígena na Prefeitura. Dentro da estrutura da Prefeitura tem uma Coordenadoria do Desenvolvimento Indígena, que é ligada à situação política, então, tem essa Coordenadoria lá e aí, ele apoiou mesmo, continua apoiando. Já foi publicado o relatório de identificação de habitação, só que eles entraram de novo, o ex-prefeito, que é da família Arruda, dizendo que a terra é deles, e tal. E agora ficou melhor pra nós fazer a defesa porque ele entrou duas vezes dizendo que era empecilho pra crescimento do município, como ele não é mais político, inclusive tem o mandato cassado. Aí, ele pegou e colocou que a terra faz parte da família dele e aí, vai ser uma contradição, que o prefeito já disse também lá em Brasília, que teve uma reunião com o prefeito em Brasília e disse não, que pra ele é um orgulho ter os índio de Caucaia, os índios Tapeba fazendo parte da cultura do município. Então, pra nos foi muito bom. E que ele tem ajudado bastante, que nós tamo ajudando bastante no crescimento do município. Inclusive, ele acha que os índio tem que crescer junto com o município, não é só o município crescer. Porque, além de nós ser indígena, nós somos munícipes também. Então, nós tem esse depoimento do atual prefeito, que vai contradizer com o que ele disse anteriormente. E fica, tá mais fácil de a gente conseguir derrubar esse recurso que eles entraram, no STJ.
P/1 – Além desse processo de demarcação daqui da área indígena, Dourado, vocês tiveram algum tipo de problema com preconceito vindo por parte da população daqui de Caucaia?
R – Preconceito tivemos muito.
P/1 – De que tipo?
R – Era assim, como a gente vivia aqui afastado, aqui é o seguinte: quem mora no sertão, do lado do sertão aí, ser índio é coisa ruim, ser sertanejo é coisa melhor. Dizem: “Ah, os índio tão lá no meio dos sertanejos, mas esses índio velho são tudo carniceiro, se cair um boi aí, na pista, eles vão lá e aproveita, não espera que o dono chegue. Aí, se cai um porco, eles levam pra casa, também vão comer o porco”. Era dessa forma. Só que muitas vezes quando, tinha muitas vezes, realmente, que os índio empurrava, viu? O nosso pessoal empurrava as vaca pro meio da pista, a pista tá dentro da aldeia. E aí, por causa da fome, faziam isso. Aí, tirava lá, cada qual levava seu pedaço pra casa e tudo. Mas aí o seguinte, a gente sempre dizia: “As vaca não pode tá dentro da nossa área, tem que tá presa”. A gente avisava. Quantas vezes avisava, várias vezes, aí, depois que entrava dentro do roçado. E pra gente não matar as vaca dentro do roçado da gente, na época também a gente não tinha gente que fosse defender a gente. Aí, muita gente empurrava pra pista. Empurrava pra lá mesmo, deixava, daí quando dava fé chegava notícia que tinham matado uma vaca, e a turma corria pra lá pra tirar, tirar o couro e trazer a carne, era uma festa danada. Às vezes, o dono vinha querer, eu digo: “Rapaz, se você vier querer aqui nós vamos avisar o dono, nós sabe quem foi o carro que matou. Vai ter que pagar prejuízo do carro”, era dessa forma. Aí os caras: “Não, deixa pra lá, seus carniceiro”. Aí, chamava, os tapebano, era dessa forma. Inclusive, a gente não podia, teve uma época aí, que a gente não podia dizer que era índio, porque se dissesse que era índio, a gente sofria muita represália. Porque o índio representava a questão da terra e muita gente queria as terra pra eles. E o índio não tinha direito à terra, índio não era pra ter direito à terra, era pra trabalhar de meeiro pros outro. E aconteceu muito isso aqui. Até um tempo aí, ainda tinha gente trabalhando de meeiro, até que pusemos a retomada da terra e os cara tiveram que sair lá de dentro, foi na época que nós trouxemos a Funai pra cá, a Funai veio. Aí, tiraram os cara, os posseiro, lá de dentro e hoje a terra tá toda aí, liberada só pros índio plantar, pra gente plantar. É plantação coletiva.
P/1 – Você lembra desse período que vocês fizeram a retomada?
R – Lembro, eu que fiz a retomada.
P/1 – Foi você que fez?
R – Foi em 94.
P/1 – Conta pra gente como que você articulou as pessoas?
R – Não, eu vejo o sofrimento de todo mundo aí, aí eu digo: “Rapaz, tá na hora de nós fazer uma retomada de nossa terra aí, que é nossa terra, o pessoal trabalhando tudo aí, na própria terra e dando pros outro? Tá na hora de nós fazer uma articulação”. Aí, eu saí falando com todo mundo, pessoal aqui da comunidade, aqui os temos 384 famílias, aqui dentro. Só que na época tinha 270, aumentou mais. Comecei a juntar gente dessa comunidade, da comunidade do Trilho, nós temos 17 comunidade. Nós fizemos a reunião grande, aí dissemos que nós ia fazer a festa da Carnaúba. Aí, virou tradicional a festa da Carnaúba, depois, a partir desse dia. Aí, o que é a festa da Carnaúba? Eu digo: “Não, vamos fazer a Festa da Carnaúba, chegando lá a gente sabe qual é a festa”. Aí, juntemos todo mundo dentro lá da área lá. Isso nós cheguemos lá na faixa de seis e meia da manhã, se juntemos aqui aí, fomos tudo pra lá. Aí, nós tinha uma faixa de umas 300 pessoa lá, 300 índio lá. Quando o posseiro apareceu: “Tão fazendo o que aqui?” “Nós que pergunta o que que você quer aqui”. Aí, cada qual catou uma foice, só que era dois irmão. Ai, “Não, mas, cadê meus trabalhador?” “Que trabalhador, rapaz? Você não tem nada aqui não”. Mas falemos, falemos, falemos sério com ele. Aí, nesse tempo, nós já tinha um celular. Eu peguei, inventei que tava ligando pra Polícia Federal. Só que eu só de h, embromando, tava aí, o posseiro, “É mentira dele”, ele é meio grosseiro. Com a foice na mão, dizendo: “É mentira”, eles tavam querendo enrolar a gente de foice e tudo aí, ele: “É mentira, é mentira, é mentira dele”. Aí, sairam. Quando saiu foi quando a gente pediu pro pessoal ligar lá pra Funai e pra Polícia Federal. Com três dia, nós fiquemos lá três dia junto, todo mundo. Fizemos um rodizio, ficava cem pessoas num dia, cem de noite, depois fazia o rodizio. Aí, chegou o dia que quando a Funai chegou, três dia depois. A Funai chegou, mandou chamar eles lá, aí, ele tinha roça já plantada lá bem boazinha de arranca já. Aí, deram o prazo de um mês pra eles tirarem toda a plantação que eles tinham lá pra gente assumir tudo. Aí, eles ficaram lá. Passou um mês eles não arrancaram a mandioca, nem as batata que tinha. O que que a gente fez? Mandemos um documento pro Ministério Publico e pra Funai dizendo já tinha passado um mês e não tinha tirado. Aí, o pessoal da Funai vieram aqui e deram mais cinco dias, aí, passou cinco dias, digo: “Pessoal, tá na hora de nós fazer o nosso jeito”. Aí, fomos lá, arranquemos toda a mandioca e foi vendido uma parte, foi feito farinha da outra, tinha uma casa de farinha aqui. Fazendo farinha da outra. E ele lá foi lá, chamou também os irmão dele, não sei, queria lá, mas é muita gente, muita gente, só é ruim pra comida pouca, mas pra uma luta dessa é boa. Aí, sei que a gente conseguiu tirar tudo de lá. E hoje ele ainda mora aí, eles sempre passam aí, sabe? Eles tinham uma terra do outro lado. E tá dentro também da terra indígena, só que não demarcou a terra ainda, a gente deixou eles lá. Porque além de ter se apossado há muitos anos de lá, eles queriam se apossar dessa outra parte. Aí, nós retomamos. Então, hoje toda essa área que nós temos aqui foi retomada, porque era tudo na mão dos posseiros, dos Guimarães.
P/1 – E esses posseiros chegaram a ameaçar vocês depois?
R – Chegaram. Já vieram medir aqui a terra uns três anos atrás, vieram medir, botaram torno aí, e tudo. Nós reunimos a comunidade e fomos arrancar os torno tudinho de novo. Teve um índio aqui que era a favor lá que o cara prometeu de fazer uma casa pra ele em outro canto e dar 50 mil a ele. Aí, nós fomos na casa dele, perguntemo, ele pegou e confessou realmente que tinha feito isso, pediu desculpa, digo; “Bom, agora a sua desculpa vai ser ajudar a arrancar os torno, onde você foi mandando botar”. Aí, pronto, arrancou, e tava achando uma situação lá, tamo pra fazer aqui 23 retomada de terra. E todas as terra que nós temos aí, na mão, foi retomada.
P/1 – E com sucesso, então?
R – Com sucesso, graças a Deus. Teve uma uma reintegração de posse que foi aqui na zero, na 222. Aí, a polícia chegou na fazenda era cinco hora da tarde, num dia de sábado, que nem era pra acontecer isso. Como ninguém queria entrar em confronto com a polícia, lá nós tinha pouca gente, nós tinha só uns 40 pessoa, a gente pegou e saiu. Isso no sábado de tardezinha. Cinco e meia da tarde nós saímos. Só que nós combinamos, fizemos uma reunião depois pra voltar na segunda. Quando foi segunda-feira bem cedinho, nós já tava todo mundo lá de novo. Aí, nós já tinha cumprido a reintegração de posse. Aí, pronto. Aí, passou de novo uns dez dias, nós de novo lá. Aí, a polícia chegou pra retirar a gente de novo. Pediu: “Cadê, (inaudível) a posse?” “Não, mas já foi...” “Sim, aquela foi cumprida, nós saímos”. Aí, eu sei que a polícia voltou, nós saímos, o juiz não deu mais porque a Justiça Federal pediu, o Ministério Público pediu pra o juiz declarar competência, porque como é terra indígena, a competência é federal. Aí, ele determinou a competência aí, pronto, tão lá até hoje. Já tá com uns 12 ano a retomada de lá. E essa aqui foi em 94, tá o quê? Com 14. Não, tá com 20 ano essa aqui.
P/1 – Então, essa casa que você mora aqui não é aquela no terreno do seu pai, então, da família?
R – Essa aqui nós fizemos aqui pra ocupa aqui pra não deixar os posseiro ocupar. Todo mundo que tá aqui dentro não deixar os outro ocupar. E as ocupações são assim, pra não, como os posseiros, eles mora, 90% dos posseiro mora em Fortaleza. Tem só a terra aí, limpa. E aí, a gente faz a retomada justamente pra ocupar o espaço que tá deixado. Nós não tá apoiando aqui uma coisa, tomando assim, porque é dos outro, não. Nós tamo pegando o que é nosso. Retomando o que é nosso. E aí, nós temos feito isso. Como nós temos garantido a nossa sobrevivência.
P/1 – Dourado, e você lembra no tempo dos seus pais se tinha essa valorização da cultura Tapeba?
R – Com certeza. Sempre teve a roda de Toré, que o Toré é a nossa dança sagrada. Roda de conversa, como que foi feita ali com vocês. Quando é numa faixa de cinco hora da tarde até oito hora da noite, fazia uma fogueira e ia conversar as coisas da comunidade, as coisa da roça. Contava história, história que o pessoal chama de Trancoso. E meu pai contava muita história, era bom.
P/1 – Que história que seu pai contava que você se lembra, que pra você é marcante?
R – É, teve uma história do lobisomem, que ele contava que tinha. A gente trabalhava no corta de palha também, que tirava corta-palha, pra gente tirar o pó. Quem tinha como fazer a cera, fazia a cera, quem não tinha vendia o pó pra quem ia cera. E a palha a gente usava pra bagana. E aí, ele contava uma história que tinha uma família que tinha medo de tudo quanto era bicho, qualquer coisinha que dava na mata, a pessoa ficava alvoroçada. Aí, diz que, inventaram que tinha um lobisomem dentro da mata, sabe o que é o lobisomem? É um homem que vira lá e faz aquelas coisa tudo e vira lobisomem, fica todo cabeludo. O o pai tinha um jumento e o jumento gostava muito de ficar rodando. Ele não parava, ele de noite. Aí, botaram um cara bem medroso pra pastorar as palha lá de noite. Pastorar as palha porque muitos lotes das palha ficava fora, alguns fora da aldeia, longe, aí para os outro não tirar, aí, botaram um cara pra pastorar lá, e muito medroso. “Rapaz, eu não vou ficar não” “Tem que ficar sim”. Aí, teve que ficar. O pai conta a história, diz que quando foi de noite ele botou um saco preto na cabeça do jumento, aí diz que o jumento começou a andar, andar, andar aí, o rapaz que tava pastorando as palha, diz que pegou, quando viu aquilo ali, saiu correndo, dizendo que era o lobisomem correndo atrás dele, andando atrás dele. Sei que parou por aí. O pai disse que quando foi na outra noite: “Quem vai constranger esse jumento sou eu. Quem vai pastorar as palha sou eu”. Só que o pai já sabia do negócio do jumento. Aí, o outro foi colocar o jumento pra correr. Quando o pai viu que o jumento vinha, o pai pegou, puxou o saco da cabeça do jumento aí, diz que: “Cadê? Esse aqui era o lobisomem? Isso aqui é um jumento”. Só que era parecido com um lobisomem. Eu sei que, nessa história o pessoal acabaram com medo de ter medo de lobisomem. Mas a história do lobisomem, diz que era verdade. Eu nunca vi ele não, mas tinha um senhor aqui que ele pegou e virou lobisomem, inclusive ele pegou, chegou a morder a testa de uma pessoa, só que conseguiram pegar ele. Aí, amarraram ele no pé do pau, diz que quando foi de manhazinha ele amanheceu todo ralado, mas diz que era verdadeiro mesmo. Eu não cheguei a ver não, mas diz que quando ele se mudou aí, porque não podia mais ficar aí, se mudou-se mesmo, nunca mais apareceu. Mas era, tinha história do lobisomem que era verdadeira.
P/1 – E, Dourado, a questão da cura, se vocês tivessem com problema, vocês iam pra cidade de Caucaia ou vocês tentavam resolver entre vocês?
R – Hoje tem esse problema aqui, negócio de qualquer doençazinha aqui o pessoal quer ir logo pro posto, quer ir pro hospital. Na nossa época, inclusive, eu nunca gostei de hospital, nunca gostei. Eu só fui pro hospital pra quando foi quebrado meu braço, a minha cara, o meu nariz, que foi feito uma plástica no meu nariz e o meu tornozelo. Mas qualquer tipozinho eu uso medicina tradicional, questão da raiz, raiz de muçambê, raiz de chapéu-de-couro. Aqui está difícil, mas a gente consegue em outras aldeia. Na Poranga tem chapéu-de-couro. Por exemplo, eu uso uma medicina que eu curo tudo, que é várias medicina junto, várias raízes junto. Tem muita gente que usa por aqui ainda, mas aí, com essa questão de criar saúde indígena, o pessoal tá aviciado em ir pro posto. É tanto que chega no posto é mesmas caras, não mudar. É muito ruim, ficou ruim em relação a isso, mas tem a questão da cura espiritual, que meu pai também era muito bom nisso, meu pai, minha mãe. Eu, através, de Deus Tupã aqui também a gente faz com a fé, a gente faz alguma cura também.
P/1 – E como vocês fazem essa cura espiritual? Vocês fazem uma reza?
R – Não, a cura espiritual é você ter fé que aquela pessoa vai ser curada e aquela pessoa também vai ter que ter fé também. Você tem as suas coisas de dizer, porque são coisas de segredo que, às vezes, não passa nem pros filhos. E aí, acontece que que muitas vezes a pessoa é curada, e é fé. E eu tenho uma pessoa aqui que ainda, essa pessoa, é o Carlinho, ele tava num ponto do ônibus pra ir pra Caucaia um dia e a Dona Maria do Beto, que já morreu, Dona Maria. Tá com bem uns 12 ano que ela morreu já. Ela chegou pra mim: “Dourado, te vi ali, eu queria ter uma conversinha aqui contigo” “Diga, Dona Maria” “Rapaz, o Carlinho tá pra morrer, o Carlinho nem se levanta mais da rede. Dá pra ocê ir lá não?”, eu digo: “Por que, Dona Maria?” “É que eu tô vendo que você tem um jeitinho que dá pra ajudar ele”. Aí eu peguei e fui. O ônibus vinha, nem o ônibus peguei e fui. Quando eu cheguei na casa dele que entrei, eu me arrepiei dos pés à cabeça. Quando eu peguei, eu olhei pra cara dele, eu botei a mão na cabeça dele aqui, perguntei pra ele, que ele tava, nem falava mais, tava nem falando. Eu digo: “Carlinho, você acredita que Deus pode te curar?”. Aí, ele olhou assim, abriu o olho. Fez só assim. Eu fui só dizer assim: “Em nome de Jesus, em nome do Deus Altíssimo você vai se levantar.”. Quando eu falei isso, eu me arrepiei todinho e a minha mão ficou pesada. Eu passei numa faixa dumas sete dia com essa minha mão pesada, mais pesada do que essa. Depois eu fui falar com uma irmãzinha também que ela tem muita experiência, fui e contei o que tinha acontecido, ela disse: “Meu filho, é porque a doença dele, o espirito ruim que tinha nele, passou pro seu braço, mas ele vai sair.” Aí, quando ela falou isso pra mim, meu braço ficou maneiro de novo. E ele hoje, tá aí, bonzinho. Quando foi no outro dia eu fui lá e ele já tava, tinha se levantado já, já tava andando normal. Eu agradeci a Deus, disso que aconteceu, então, graças a Deus, tenha feito a obra.
P/1 – E, Dourado, agora falando da organização de vocês, você hoje é cacique?
R – Não, na realidade eu represento hoje os índio da Região Nordeste, que eu sou Coordenador Executivo da Articulação do Povo Indígena de Minas Gerais e Espirito, é ligado à APIB que é a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil. Então, eu represento hoje a Região Nordeste mais Minas Gerais e Espirito Santo nessa luta todinha. Que é uma espécie assim, que muitas vezes o cacique, ele é muito limitado. E ele é uma figura política do povo que, na realidade, o cacique nosso, é o cacique Alberto. E a gente faz esse trabalho. Muita gente me chama de cacique porque vê o trabalho que a gente faz, não é um trabalho maneiro, é um trabalho muito pesado, que você trabalha com muita gente. Inclusive, quando você trabalha só pelo seu povo é difícil e é uma coisa também, é difícil. Imagine trabalhar com 146 povos, nessa região toda. Inclusive eu tava em Brasília, cheguei sexta-feira com a missão de a gente fazer uma discussão aqui a nível do Ceará pra levar pro Ministério da Saúde, pra resolver as demanda que tem aqui. Porque se a gente não fizer essa discussão todinha com os povos indígenas, só aqui no Ceará é 14, então, nós temos que reorganizar o povo pra poder levar as demandas e a gente saber o que o Ministro da Saúde vai demandar pra nós. Porque a demanda nossa é muito grande, nós sentimos que há uma discriminação de região por região, principalmente dos distritos porque a saúde é organizada em 34 distritos diferente das áreas especiais indígenas, coordenada pelos Coordenadores de Distrito e o Ministério da Saúde, e essa aqui é uma especial. Então, a gente sente que há uma discriminação pelo Estado do Ceará. E eu fiz essa colocação pro Secretário Especial, ele falou que acha que não é, não sei o que, mas que ia fazer um levantamento, pediu o levantamento de todos os orçamentos pra poder resolver o problema. Então, quer dizer, quando é Saúde tem que fazer essa discussão. A mesma coisa na Educação, na Segurança Alimentar. Hoje eu represento o Brasil no Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional que funciona no Palácio do Planalto. Agora, dia 15 e 16 já vai ter a reunião na minha diretiva e nós vamos discutir a questão da cesta de alimento. Quer dizer, é uma questão que você trabalha no geral pra todo mundo. E aí, muita gente me chama de cacique por causa dessa luta grande.
P/1 – E, Dourado, quando você começa a sair daqui da comunidade Tapeba e trabalhar essa Articulação Nacional? Quando que começou, você lembra de um fato que foi importante ou isso foi crescendo aos poucos?
R – Lembro. Foi assim, é o seguinte, como existia a questão da retomada de terra, começou nessa questão dessa luta. Por exemplo, lá em Pernambuco, tinha o povo Xucuru em Ororubá, inclusive o Chico era o cacique e foi assassinado em 98, pela luta da terra. E aí, quando foi nos anos 70, 79, inclusive foi publicado no jornal Folha de São Paulo sobre o povo Tapeba, que vivia sofrendo às margens do rio Ceará, às margens da linha Férrea. E a partir daí, a gente começou a se organizar com outros Estados. O Ceará começou a se organizar com o Estado de Pernambuco, com a Bahia, com Alagoas e Sergipe, a Paraíba com os Potiguara. E a partir daí, nesse conjunto de intercâmbio, apoiado pela Arquidiocese de Fortaleza, que era o Dom Aloísio Lorscheider, que nos anos 80 ele procurou a gente, veio e se propôs a ajudar. E dentro dessa discussão a gente fez esse intercâmbio com apoio da Arquidiocese, com passagens, a gente pegava passagem com ajuda de custo de alimentação no caminho; muitas vezes não tinha ajuda de custo, a gente se virava aqui, pegava uma lata grande daquelas de Leite Ninho, enchia de farofa com carazinho torrado, peixinho e tal e ia no ônibus. Levava quartinha cheia d’água e aí fazia essa articulação. E surgiu a proposta de criar a Comissão Leste-Nordeste, que era Minas Gerais, Espírito Santo, que praticamente é a mesma situação nossa do Nordeste, e aí criamos a Leste-Nordeste. Isso em 90 já, de 89 pra 90. Criamos a Comissão, quando foi em 95 nós fomos pra Minas Gerais, lá em Belo Horizonte e criamos o estatuto da organização, que até o momento não tinha CNPJ. Como a gente viu as siglas, pra formar a sigla, formamos a sigla APOINME, que é Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espirito Santo. O M é Minas Gerais e o E Espirito Santo, fica Apoinme. E, criamos a organização com CNPJ. De lá mesmo nós fomos pra Brasília pra criar o estatuto da Capoib, que na época era Capoib, que era o Conselho de Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Brasil. Criamos também o conselho, eu já fiquei também como representante da Apoinme no Capoib, que eram seis por região. Ficou eu aqui do Ceará, ficou o Zé Patachó da Bahia e o Toninho Guarani lá do Espírito Santo, nós três. Aí, nós participava da reunião com a Comissão Coordenadora que era de três em três mês pra fazer a demanda, as pauta da Comissão Coordenadora assumir. A Comissão Coordenadora era assim, um por região, que era o Caboclinho Potiguara da Paraíba, era o Amilton Cayowaá lá do Mato Grosso do Sul, era o Pedro Guarani lá do Espírito Santo, era o Manoelzinho Pataxó lá da Bahia e tinha outros que eu não me lembro o nome... ah, o Marcelo, o Marcelo, também Guarani, que ele era também do Espírito Santo. Essas organizações foram feitas e partir daí a gente sempre empregava o discurso. Quando alguma coisa tava ruim na Paraíba, aí Ceará, Pernambuco se articulavam, iam lá ajudar. E a partir daí, a organização indígena melhorou muito. Muitas ONGs, que vieram pra ajudar como a OXFAM, apoiou a gente durante 12 anos. Várias organizações não governamental começou a ajudar, internacionais.
P/1 – E como que eles ajudavam vocês?
R – Eles ajudavam através de projetos. Eles faziam os projetos pra articulação dos povos. Eles faziam os projeto pra, vamos supor, pra fazer assembleia, pra juntar todos os povos. Então, aí, as ONG apoiavam nas passagem, na alimentação e também eles ajudavam a fazer discussão. Também o Cimi que é o Conselho de Missionários, também fazia os projetos pra fazer mobilização em Brasília, pra reivindicar do Governo Federal, Ministro da Saúde, Ministro da Justiça, em relação à demarcação das terra. Mas a luta maior é pela demarcação. Depois dessa luta pela demarcação foi que surgiu outras questões que conciliam com a questão da demarcação, que é a questão da saúde indígena, que é a questão da educação e a segurança alimentar, que são os três ponto principal de sobrevivência nossa. E as organizações elas foram muito bem, aliás, elas hoje estão na decadência porque o Brasil passou a ser agora, passou de cooperado para cooperador, como fala que é Primeiro Mundo agora, as ONGs estão se afastando daqui do Brasil e indo pra África. E aí fica ruim pra nós, o próprio Governo não tem ajudado muito a gente, a participação nossa hoje, não vou dizer que o Governo não tenha ajudado muito, mas em relação a participação nossa, a maior parte é a nível de Governo, que nós estamo nas representações de Governo, nos conselhos e aí, as nossas passagens são bancadas pelo Governo. E nós temos feito a articulação agora através disso, ou mobilização agora em Brasília, deu mais de 500 lideranças indígenas, só que não foi muito bem articulado porque não teve um projeto específico praquilo. O Cimi se organizou com algumas organizações que apoiam, a APIB, que é a Articulação de Povos Indígenas do Brasil e nessa organização conseguiram passar pras 500 lideranças. E aí foi feita uma mobilização no Ministério da Justiça, todo mundo junto, e conseguiu uma comissão entrar lá, conversar com o Ministro e estamo aguardando agora a resposta. Foi criado também a Comissão Nacional de Política Indigenista, que é a CNPI, ligada à Funai, a Funai que é a presidente dessa Comissão, e a única coisa que a gente tem de importante... O que acontece? A única coisa de fruto que a gente sabe que saiu nessa mobilização foi que a Presidente Dilma vai criar o Conselho Nacional de Política Indigenista por decreto. Porque através projeto de lei a gente não tá conseguindo porque a bancada ruralista não tá deixando, porque o empecilho maior na nossa demarcação de terra é a bancada ruralista do Congresso Nacional, a questão do agronegócio. Quanto mais terra eles querem pra se apossar, porque a situação no Mato Grosso do Sul é muito ruim, você tem visto pela televisão. Lá no Rio Grande do Sul, aqui na Bahia, a situação é muito ruim. E nós estamo aí nessa luta grande. E as organizações indígenas também, ela cresceram, nasceu pra isso, pra mobilizar os povos, e junto com a sociedade, junto com o próprio Governo, a gente conseguir melhorar a vida dos povos e demarcar as terra.
P/1 – Dourado, e como que vocês se comunicavam entre essas pessoas que tavam aí, representantes de povos indígenas de outros Estados, muitos deles muito distantes aqui do Ceará, como que vocês se comunicavam pra fazer essa articulação?
R – Tinha as referência e tinha os apoio nos Estado. Por exemplo, aqui no Ceará, nós tinha Pastoral Indigenista que era na Arquidiocese de Fortaleza; na época era a Dona Lurdes, que inclusive ela já faleceu, ela ajudou muito o Movimento. E nessa época a gente ia pra Fortaleza, na Arquidiocese, funcionava na Praça da Sé, na Igreja da Sé, e de lá a gente ligava pra os apoio também dos Estado. Por exemplo, em Pernambuco tinha o CIMI, a gente ligava pro CIMI á e o pessoal repassava as informações. Lá na Paraíba a mesma forma, e ligava pra Funai e a Funai dava as informações. E quando a gente juntava todo mundo, aliás quando todo mundo tava com as informações pronta aí, as organizações mandavam, por escrito, pra qual dia que ia ter mobilização, articulação e aí, quantos iam participar por cada povo. Se o recurso fosse muito e desse um por cada povo, era assim, se o recurso fosse pouco nós tinha que organizar os povos e saber quem ia. E naquela época, pouca gente queria participar, disso, sabe? Hoje não, hoje a situação está tão bom que todo mundo quer ir. E acaba que a gente faz a discussão muitas vezes que o pessoal quer ir pra conhecer. E na realidade, nós queremos qualidade, que é pra ir pra discutir. Não adianta levar, gastar uma passagem e você vai lá só pra entrar mudo e sair calado. Então, nós temos essa avaliação e, pelo menos do povo Tapeba quando a gente tem vaga pro povo, que aqui nós somos várias comunidade, somos 17 comunidade, mas só 13 estão na luta. Então, essas 13 comunidade se reúne todas, se for só seis representante, a gente vai discutir quem vai. Se for preciso ir no voto, vota no voto. Mas, contato, que as pessoas que vão tem que discutir, falar, propor, formador de opinião. E a mesma coisa tem a ver nos outros povos. Nós também temos organizações a nível de Estado, que é que COPICE, o coordenador hoje é o Jorge Tabajara, já foi coordenado por um Tapeba que foi o Naildo, já foi coordenado por outro Tremembé, o primeiro mandato foi com o Fernando Tremembé e hoje é o Jorge Tabajara que coordena. Então, essa organização tem também participado de muita discussão. Agora mesmo, a COPICE tá discutindo a questão de cisterna pros povos indígenas do Estado. Ontem já teve uma articulação, com o Castro Júnior que é do SDA, que é Secretaria do Desenvolvimento Agrário, pra discutir, inclusive, parece que a Teresa Campeiro, que é a Ministra do Desenvolvimento Agrário, tá vindo aí pra Fortaleza na próxima semana e tá criando uma Comissão pra ir lá conversar com ela pra ver se as cisternas estão liberada. Quer dizer, tudo através da organização. Quer dizer, através do CNPJ a gente melhorou muito a vida dos povos, tanto na questão estadual como na questão nacional. E as questões locais através da Associação. A Associação, hoje o presidente é o meu filho, que é o Weibe, que tem contribuído bastante. Não é por ser meu filho, mas ele tem bastante uma experiência muita boa e tem conseguido muitas coisa através da Associação. Que o interessante nosso aqui é que tudo é discutido coletivo. Se tiver um projeto aí, temos que discutir coletivamente. Se não dá pra todas comunidade, nós vamos preferenciar aquelas que tão mais precisando, depois nós faz pra outra e assim vai.
P/1 – O Weibe é o presidente da Associação Tapeba?
R – Isso, isso.
P/1 – Geral daqui?
R – Isso, é.
P/1 – Que inclui essas 17 comunidades?
R – Exato, exato. E ele também é representante, membro da APOINME na Comissão Nacional de Educação Escolar Indígena, que também temos feito um monte de trabalho nessa Comissão.
P/1 – Dourado, e vocês têm, por exemplo, um site da APOINME?
R – Tem o site, só que eu não tenho decorado.
P/1 – Mas vocês conseguem também fazer essa articulação por redes sociais?
R – Faz, através de e-mails.
P/1 – E-mail, Facebook. É útil, então, essas ferramentas.
R – É, eu considero assim, mas não sou muito ligado, sabe, não sou muito ligado a computador, não. Eu eu uso computador, não gosto nem de tá lá, eu vou três, quatro vez por mês, sabe? Às vez, de cinco em cinco dia, eu tenho é raiva quando vou lá no Face, que tá lá um monte de mensagem, tem mais mensagem que no meu e-mail principal mesmo. Aí, às vezes, eu apago logo um bocado lá que eu não sei o que é, vou logo apagando, só vejo o que me interessa pra questão indígena. Tem muitas coisa que eu abro lá pra ver, mas a maior parte é só a que interessa à questão indígena. E os e-mail é assim, o meio de redes sociais, mas também estraga muito. Porque a nossa população hoje, principalmente na jovem, a juventude, eles tão muito ligado aí, e é perigoso. Tem muita gente aí, que já foi embora, fugiu aí, por causa desse negócio de Facebook, de internet. Eu não concordo muito com isso não, inclusive, eu até sempre digo, qualquer dia vai dar um blecaute geral que vai voltar tudo pra lamparina.
P/1 – Você vê então como ameaça?
R – Eu vejo. Eu vejo que o fim do planeta é isso aí, essa tecnologia, negócio desses computadores. É muita coisa. A obesidade, ela partiu dessa questão das tecnologias. Até a televisão você tá deitado num canto ali, nem tá mais pra levantar, fazer esforço pra ir lá, apertar lá o e botão e apagar a televisão. Mesmo sendo aqui, vai dormir. Quer dizer, ficou realmente, a obesidade, eu considero que é através dessas tecnologia avançada.
P/1 – E, Dourado, você lembra a primeira viagem que você fez fora aqui do Estado?
R – Olha, quando eu era criança, sete ano, mais ou menos, eu me alembro da minha vida já bem desde pequenininho. Eu me lembro que eu ia pra pista ali, pra BR, esperar a mãe que vinha da cidade com as compra, pra ajuda ela a trazer. Aí, passava os ônibus, com aquelas placa lá, eu via: São Benedito, Monsenhor Tabosa, Crateus. Aí, tinha uns que ia pra Teresina, uma espécie de ônibus, antigamente. Aí, eu dizia: “Um dia, eu ainda vou conhecer essas cidades tudinho”. E não é que, quando eu começo a ir... que essa minha história do Movimento Indígena partiu, eu não queria entrar nesse Movimento. Meu pai foi quem pediu. Eu tinha oito ano de idade quando meu pai colocou, dizendo que nós era índio e que eu ia ter que retomar a luta que ele tinha conseguido fazer. Eu tinha oito ano na época, eu era o caçula. Meus irmão ficaram com raiva porque eles eram mais velho e meu pai não falou pra eles das coisa, falou pra mim. Aí, eu sempre digo que eu fui o escolhido do meu velho. E ele colocou que ele não podia andar dizendo que era índio por aí, inclusive, meu primeiro calção, eu vesti com dez ano, foi quando eu fui pra escola aqui, que não aprendi nada. Dez ano foi que eu vesti o meu primeiro calção. Inclusive, era de de duas cor, vermelho com branco. Uns calção de fundo, de meio de rede? Aí, pra eu vestir o calção eu apanhei um bocado de vez até vestir o calção. Também quando eu vesti, passei uns 15 dia com ele. Quando eu tirei o bicho ficou em pé, de duro. A primeira viagem, é como eu tô dizendo, que eu fugi pra Iguatu, fugi de trem. Nessa história todinha, quando deu uma época, assim que eu me casei, aí eu fui pro Rio de Janeiro. Tem uma tia da minha ex-mulher que mora no rio de Janeiro, que é a tia Cecília. Aí, ela, tem muito emprego lá, na época até o governador lá era o Leonel Brizola, e tava construindo os CIEP. Eu tinha vontade de ir trabalhar fora e tudo. Aí, a tia Cecília mandou que eu fosse, eu consegui a passagem aqui e fui. Fiquei lá na faixa de 11 meses, trabalhando lá nos CIEPs. Eu pensei que ia trabalhar de servente, quando cheguei lá me botaram pra trabalhar de apontador. Melhor, ganhando mais e também, bem de boa. Foi na época que eu, isso foi em 85, no final de 85. Quando foi já, mais ou menos, maio de 85. Quando foi em junho de 86, aí, eu senti uma coisa assim que achava que ia acontecer alguma coisa com o meu pai. Eu peguei, me aperreei, na época a indústria de telefone também era muito ruim, em 86. Eu sei que ligaram pra lá, pra tia Cecília, dizendo que meu pai tava doente. De lá fui lá, me aperreei, falei com o encarregado da obra e pedi pra me demitir. Contei a história tudinha, eles me demitiram como se tivesse me botando pra fora mesmo, me demitiram normal, pagaram tudo, ainda me deram a passagem. Eu nunca tinha passado por isso. Até então, tinha botado várias empresas na justiça, essa não, essa foi muito de boa. Eu sei que vim, quando cheguei aqui, aí que eu fui visitar o velho, ele tava meio mole. Com três dias depois, eu fui lá de manhã cedo. Fui lá de manhã cedo, em junho, lembro que foi no dia seis de junho, foi no dia seis de junho, foi. Aí, eu fui lá. Quando eu cheguei lá, que ele tava lá, assim que ele me viu, abriu os olho, aí, eu peguei, ele levantou um pouquinho assim a cabeça, senti que ele queria botar a cabeça nos meus braço, assim. Eu peguei ele aqui. Aí, ele começou a falar palavras estranhas, aí ele disse que tava se batizando com o Espírito Santo. Depois que ele falou essas palavras, ele disse: “Meu filho, você se lembra da época quando você tinha oito anos. ”, digo: “Eu lembro, meu pai, que o senhor queria que eu ajudasse a resolver o problema da nossa terra” “Pois é isso, então tá na hora, que eu tô partindo”. Aí, pronto, ele deu o último suspiro, morreu. Aí, eu gritei pela mãe, a mãe tava perto. A mãe veio: “Eu tava sabendo, meu filho, que ele só tava lhe esperando”.
P/1 – E ele tinha quantos anos?
R – Oitenta e seis. Aí, morreu. Aí, pronto. Aí, as pessoas se alvoroçaram, foram chamar os filhos, tudo, e todo mundo veio. Aí eu fui contar pra mãe, que meu pai tinha falado isso, ela sabia que com oito ano ele já tinha me dito. Aí, ela me disse: “Não, meu filho, não tá na hora de você começar agora não”. Tem muito, você tem Antonio Caucaia, que é o dono dessa Cerâmica que é aqui atrás, e ele gostava de dar nos trabalhadores, ele pegava, botava os trabalhadores pra trabalhar, pagava mixaria, que era trabalho escravo praticamente, ainda dava nos trabalhadores. Aí, eu digo: “Não, mãe, mas nós tava com meu pai e eu tenho que cumprir”.
P/1 – Você fala “dava”, seria tipo, ele batia?
R – Ele batia nas pessoas.
P/1 – Ele batia?!
R – Batia, muita gente apanhava na cara dele aí, que ele só não bateu foi em nós. Mas muitas outras famílias ele batia aí. E batia na cara. Inclusive, teve um dos nosso aqui, que ele foi querer bater, ele puxou a faca lá, quando ele puxou a faca, ele correu. Só que ele chamou a polícia, a polícia veio pra prender, na época os carro daqui era jipe. Aí, a polícia veio num jipe, nós peguemos e furemos os quatro pneu do jipe quando a polícia foi atrás pra pegar o Ningó. Aí, o Ningó se escondeu, não conseguiram pegar, quando eles voltaram, olharam, passaram três dia pra levar o jipe de volta. Nunca mais entraram aqui dentro de jipe. Aí, foi assim, era assim. Aí, eu contando pra minha mãe, a minha mãe dizia: “Meu filho, não tá na hora ainda, que esse velho, se entrar em Caucaia, ele é muito”. Eu digo: “Não, mamãe, ninguém vai tomar a cerâmica dele não, nós vamos fazer um trabalho aqui de luta”. Aí, pronto. Mesmo assim, a mãe diz: “Não, não tá na hora não”. Eu peguei, fui, assumi, digo: “Não, tudo bem”. Isso em 86. Aí, quando foi em 91, a minha mãe teve, a minha mãe já tinha tido duas trombose, aí na terceira trombose ela morreu. Antes de ela morrer, ainda fui pra Santa Casa, a gente conseguiu levar pra Santa Casa, tudo. No dia que foi pra ela morrer, cheguei lá à tarde, ela pegou na minha mão e apertou. Aí, quando ela apertou a minha mão, eu senti que ela tava indo também. Apertou, assim, não querendo soltar. Ai, assim, como quem diz assim: “Não deixe eu ir agora”, ou então, me avisando que agora era a hora. Aí, pronto. Morreu, eu fui ali pela beira da lagoa, eu não chorei de jeito nenhum. Mas com cinco dias depois, que eu achei eu ela não voltava mais, aí fui pra beira da lagoa e passei um tempo todinho lá, desabafando, desentalando, eu fiquei entalado, entalado. Aí eu chorei muito lá. Depois voltei. Isso em 91. Aí, pronto, em 92 aí, a gente começou. Eu entrei mesmo na luta, porque até o começo era só aqui na área. E, a partir de 91, depois que ela morreu, que ela morreu em março de 91, a partir daí, eu comecei já a fazer a luta a nível regional e nacional. Aí, pronto, a partir daí fomos fazer a retomada, só que as retomada começou em 94, três anos depois que ela morreu. Aí, pronto aí, a gente começou a retomar, retomar, retomar. Até antes disso a nossa luta era bem fraquinha. Aí, quando eu assumi a coisa foi que... inclusive, eu sofri represália pelas lideranças antigas de dizer que eu tinha pulado de paraquedas. Aí, digo: “Não, vou contar a minha história pra vocês: meu pai é isso, isso e isso, a família mais tradicional indígena que ele, é os Domingos, que são a Tia Rita Domingos, que morreu com 110 ano, que Zé Domingos morreu com 108, que é irmão dela. Quem começou a luta aqui é a família Domingos, que é família tradicional. Que Carta de Sesmaria é em nome dos Domingos. Inclusive, não tem nenhuma terra em nome dos Teixeira, dos Nascimento, tudo é em nome dos Domingos, família tradicional”. Foi aí que eu fui ganhando respeito e ponto. Aí, chegou o momento de assumir tudo, eu digo: “Pessoal, a luta é coletiva, quem quiser trabalhar, trabalha junto, quem não quiser também eu não vou perder meu tempo discutindo coisa de pequena não, picuinha não. Vamos discutir a luta da nossa terra que é a mais importante. Meu pai pediu isso. Meu pai não pediu pra discutir com vocês, pediu pra discutir a luta da terra, agora quem não quiser, pronto”. Tanto que quando fomos fazer esse galpão aqui, eu não tenho vergonha de dizer, fizemos um projeto aqui pra fazer um projeto de medicina tradicional, onde é essa casa aí, hoje que é a casa da Ednarda, é sobrinha da minha ex-esposa. O projeto morreu, só que uns 10% do projeto, na época, era 35 mil, o projeto. Aí, temos 10% que é da organização, pra trabalhar a questão, 3 mil e 500. Aí, eles queriam dividir com as lideranças. Digo: “Não, não é por aí, não. Vamos fazer um galpão pra comunidade porque aí serve pra reunião, vamos dividir. Quantas lideranças nós temos?” “22” “Não vai dar nada”. Aí, eu peguei, eu era só o vice-presidente da associação e o presidente queria fazer isso e eu digo: “Não”.
P/1 – Queria dividir o dinheiro entre eles?
R – Era. Digo: “Não”. Eu peguei logo pro responsável pelo projeto, que era, não tô lembrado agora o nome da instituição que fez o projeto. É, era da Universidade, da Universidade Federal, só não me lembro o nome da instituição. Aí, eu sei que, aí, eu pedi pra ele mesmo comprar material, pra modo do dinheiro não chegar na mão de ninguém. Aí, compraram lá três milheiro de tijolo, mil e 500 telha, parece, que se eu não me engano, foi dez sacos de cimento. Pronto, foi isso aí, só deu comprar isso. Aí, comprou essas coisa tudinho aí. Aí, nós fomos tirar carnaúba. Aí começou do meu bolso. Carnaúba pra fazer as coluna, aí, foi feito as carnaúba. Também a coberta, foi feita com a linha de carnaúba também, a ripa aí, foi feito tudo assim. Aí, pronto. Fizemos o galpão, aqui era só um quartinho que era pra guardar as coisa. Aí, pronto, fiquemos aí, um salão pra reunião e serviu até pra escola, porque saiu debaixo do cajueiro pra vir a escola aqui. Aí, eu mostrei pra comunidade: “Isso aqui é o que a gente trabalha como coletivo, é isso aqui”. Aí, ficaram todo mundo assim, meio chateado, outros ficaram com vergonha. Aí, pronto. Aí, ganhamos os outros projetos depois com a Delco. Que a Delco já tá com 12 ano que trabalha com a gente, 12 não, 14 ano que trabalha pra gente. A Delco veio, trocou tudo o que era de carnaúba e botou a madeira serrada. Pronto, foi o que eles fizeram aqui. O resto fui eu, esse muro aqui todinho foi do meu bolso, tudo. E essa casa ali e aumentei pra trás ali, tem um muro lá pra trás, tudo é murado aqui. Aí, pronto. A partir daí, foi que o pessoal entendeum que realmente a minha luta não era luta pra mim, era luta coletiva, pra todos. Então mostrei que meu pai tinha colocado uma coisa, eu digo: “Não era o que eu queria, já disse que não era o que eu queria, se eu tô aqui por causa dele. E não vou sair não, vocês podem dizer o que quiser.” Aí, pronto. Muitos saíram daí, os que questionaram mais estavam fora da luta. Tão com mesmo de dez ano fora e não quiseram voltar mais. Em toda reunião, eu digo: “Ó, pessoal, não é porque eles... o movimento diz aqui, ele entra e sai, ele sai e entra, aqui ele é aberto. Ninguém expulsa ninguém. A hora quiser voltar, volta. Agora eu não vou é na casa de ninguém chamar, quem quiser vir pra luta, a luta tá aberta pra todo mundo”. Pros índio, agora pra quem não é índio e quiser ajudar também tá aberto. Agora, os que ao quiser ajudar, quiser atrapalhar, ninguém aceita.
P/1 – Agora, Dourado, quais seriam as maiores dificuldades que você tem, assim, como liderança, é na Articulação do Movimento Indígena aqui?
R – A maior dificuldade que eu tenho aqui é ter alguma liderança que não compartilha com o que é pra ser, o geral. Algumas liderança compartilha pela questão dos benefício, da questão da própria Funai, passemos acolá. E só vem pra reunião quando você vai trazer algum benefício. Por exemplo, uma reunião pra discutir cisterna, quem é que vai ganhar cisterna, aí aquela liderança lá daquela comunidade vai e vem, que é pra discutir benefício. Mas quando é pra discutir a questão da terra, aí um pessoal fica de fora, não quer vir, tem medo de lutar. E aí, o seguinte, e não se lembra que ocuparam, ajudaram a ocupar, tão dentro. Mas, não, mas aí, muitas pessoas vieram depois pegar pedaço de terra pra morar, depois que foi feito a retomada, nem participou da retomada. E aí, vem, participa só enquanto consegue fazer sua casa, depois que faz deixa pra lá. Mas aí, eu também não fico muito preocupado porque a gente sabe que na hora que a gente precisa deles pra algum movimento fora... vamos supor, a Funai tá com um trabalho ruim com a gente, não tá cumprindo a nossa demanda, a gente vai lá ocupar a Funai. Aí, esse grupo vai, a gente chama e vão. Pelo menos, nisto tem uma ajuda, porque você fazer números na ocupação não é ruim, é bom. A maior dificuldade que eu tenho é essa, muitas vezes vera muitas pessoas não contribuir com a luta.
P/1 – Dourado, eu queria que a gente voltasse um pouquinho e que você comentasse a questão lá da Cerâmica, que foi essa primeira luta, então...
R – A questão da Cerâmica. A minha maior revolta foi quando eu vim chegando, a mãe ainda tava viva, eu vim chegando do trabalho, eu trabalhava na Jotadois, nessa época. Jotadois era pré-moldadas aqui no Genipabu, daqui pra lá dá uns dois quilometro, mais ou menos. Aí, eu vinha chegando, e o Antônio Caucaia, que era o dono da cidade, na realidade, o nome dele era Antônio Ribeiro Batista, conhecido como Antônio Caucaia ou Antônio Batista. Aí, eu vinha chegando e minha mãe tava na beira da estrada aí, parou lá. O outro lado dessa estrada aí é da nossa família todinha. Só que quando ele comprou a Cerâmica, ele pegou e cercou o outro, nosso lado; tem a estrada, a estrada vai até o Riacho Tapeba, a terra. Riacho Tapeba que é a nossa família, mesmo, é dentro da terra de índio, mas é só da nossa família. Ele pegou, na hora que eu venho chegando ele tomou uma varinha que a mamãe tava aqui, com a varinha na mão aqui, e ele falando: “Olha”, tomou a vara da minha mãe, “A terra de vocês é só daqui pra lá, daqui pra lá tudo é meu’. E tomou. Quando eu vou chegando assim, de bicicleta aí, joguei a bicicleta assim e fui pra cima dele. Eu peguei, tomei a vara, ele pegou a Veraneio dele, na época uma Veraneio e foi embora. Quando deu mais um pedacinho aí, chegou a polícia lá em casa. E a polícia chegou com uma intimação pra mim ir no outro dia. No outro dia eu fui aí, cheguei lá contei a história, aí na época era o Doutor Amorim: “Rapaz, Dourado, ele mandou, eu sei que a terra é de vocês, uma parte aí, mas ele tem uma terra lá também”. E eu: “É o seguinte Doutor, eu só fiz, eu só avancei pra cima dele, não foi pra ver se ele não, foi pra tomar uma varinha que ele tinha tomado da mão da minha mãe, certo? Então, ele faltou com o respeito com a minha mãe, minha mãe é mais velha do que ele”, na época, ele era mais novo, agora ele já ficou velho. “Aí, ele tomou, ele faltou com o respeito com a minha mãe e eu não admito isso, não. O senhor admitiria isso, se fosse com a mãe do senhor?” “Não, não. Eu mandei chamar você aqui só pra você ficar tranquilo, na sua lá e deixa a terra dele lá”, eu digo: “Onde ele tá, ele cercou lá, mas um dia nós tira a cerca, é nosso. Ele não tem a escritura, a escritura é nossa”. Aí, dessa história todinha aí, pronto, aí passou, passou, passou, mamãe morreu. E nós gostava muito de pescar aqui na pedreira, e um dia eu ia passando com o manduá pra pegar o camarão e pescar. Tinha chegado do trabalho, aí eu já trabalhava de vigilante, eu trabalhava uma noite, outra não. De dia, um pedacinho a gente ia pescar pra pegar o tempero do almoço. Aí, eu ia chegando bem aqui na curva da pedreira, perto da Cerâmica, ele parou o carro bem em cima de mim. Aí, já foi botando a mão aqui. Põe a mão assim, um poste pra trás, eu peguei uma pedra, fui lá pra cima dele também. Quando peguei a pedra, que ia jogar, ele tava só com esse gesto, não tinha arma. Aí, antes de ele ir pra polícia, fui logo lá, aí denunciei ele. Aí, foi que o delegado pegou e no outro dia, eu fui e ele não foi. Aí, o delegado, o mesmo delegado ainda, ele veio dizer que ele não foi porque tinha problema do coração. Aí, eu digo: “Ele tem problema do coração pra agredir os outro, querer bater bater nos outros, e não tem pra vir aqui. Porque quando o senhor mandou me chamar, que ele deu parte de mim, eu vim. E agora?” “Não, rapaz, fique tranquilo” “Tá certo, doutor”. Voltemos, arranjei um grupo aqui, arranquemos a cerca todinha, fora a fora. Isso foi só 20 pessoas que fez isso, ficou aberto. Aí foi lá denunciar. Quando ele denunciou a polícia veio de novo pra botar cerca no canto, só que quando a polícia chegou a Funai chegou atrás. Aí, era eu não to lembrado do nome do capitão vinha, aí, quando o Edmilson da Funai chegou com a prancheta: “Quem é o comandante aqui?”, ele disse: “Não, rapaz, viemos aqui só guardar a integridade física do pessoal”. Disse: “Não, pode deixar que a Funai guarda a integridade física dos índios”. Aí, pegaram as viatura e foram embora, eram umas quatro viatura que veio. Aí pronto, tirou a cerca, pronto, até hoje. Nós conseguimos. Agora a Cerâmica ainda tá aí, ainda tem gente daqui que trabalha lá. Nós demos parte no Ministério do Trabalho, ele teve que assinar a carteira do povo, que antigamente não assinava. O pessoal do Ministério do Trabalho vinha e ele mandava o pessoal se esconder no forno, o pessoal com medo, se escondia. Aí, eu fiquei e descobri. Fui lá no Fiscal do Trabalho, na época o gerente lá do Ministério do Trabalho, era o Alberto Teixeira, ainda, eu conhecia ele. Fui lá e fiz um documento, disse que o pessoal tava, quando ele chegasse lá fosse direto pro forno, que o pessoal tava lá dentro. Assim ele fez, quando chegou lá, pegou 29. Dos 48 que trabalhava lá, ele pegou 29. Aí, só que ele fez pergunta pra uns trabalhador, pessoal disseram e ele mandou notificar pra assinar a carteira em 48 horas. Pronto, a partir daí nunca mais ninguém trabalhou sem carteira assinada aí. Todo mundo recebe os direito e, às vezes, ele manda me chamar, quando o pessoal fica reclamando lá, a gente conversa, eu vou lá falar com ele aí, ele: “Não, Dourado, eu tô pagando direitinho o pessoal”, eu digo: “Mas seu Antônio”, eu respeito, “Seu Antônio, o abono não pode ser descontado “Eu sou sindicalista, você sabe. ”. Digo; “Sei, você é da CUT”, eu fui da CUT também, lá pelo sindicato”. Aí, ele: O abono salarial é independente, não é pra descontar o INSS do pessoal, do abono das criança, não, isso não existe”. Aí, ele: “Não, rapaz, é a mulher que tá fazendo errado” “Então, depois acerte, pague retroativo o povo, senão nós vamos de novo lá pro Ministério do Trabalho”. Quando ele vai botar alguém pra fora, ele manda me chamar lá, pra dizer porque ele tá botando pra fora. Ele já fez umas três vez isto.
P/1 – Dourado, e como começou a sua história no Movimento Sindical? Como vigilante?
R – Foi. Aí eu entrei no Movimento Sindical. Foi numa época que houve uma greve, com três dia que eu tava de vigilante houve uma greve. Aí, eu sou meio desmantelado, eu peguei, digo: “Vou fazer essa greve também, que eu não vou, tô entrando agora, será que eu tô entrando agora por causa da greve?” Aí, eu peguei, conversei com os pessoal dos postos tudinho. Eram 12 postos de trabalho lá na, eu trabalhava na UFC, era pela Serval. Eu cheguei, conversei com pessoal, digo: “Pessoal, é o seguinte, eu tô entrando agora, mas eu tô vendo o sofrimento de todo mundo aí, já tá um ano defasado o salário e eu tô aí. Se vocês for pra greve eu vou também. Vocês são da antiga e eu sou novato. Não estou nem aí se perder o emprego, não”. Nessa história eu conversei com todo mundo e conseguimos fazer parar 90% dos posto, e só durou um dia e meio a greve. Quando durou um dia e meio a grave eu, pronto, não senti um nada. Quando foi bem uns 15 dia depois, no mês seguinte depois, veio o pagamento, o pagamento era mensal. Aí, chegou o supervisor, ele chegou: “Ricardo”, o nome do fiscal era Ricardo. “Ricardo, e a greve como é que foi?”. Eu digo: “Tu também ganhou, não foi, o aumento da greve?” “Ganhei” “Foi boa, não foi?”. Pronto. Ele queria que eu dissesse que eu tinha participado, só que eu desconversei, ele também tinha ganhado o aumento, eu falei: “Foi boa” “Foi, foi”. Nessa história eu passei três ano, aliás, eu passei um ano, aí foi a eleição do Sindicato. Como eu liderei essa questão lá, mandaram me chamar pra participar da chapa. Botaram eu como Diretor de Patrimônio. Eu fui participar da chapa, ganhamos a eleição, tomemos, nós era oposição. Aí, fiquei como Diretor de Patrimônio e fui liberado pro Sindicato. Aí, pronto. Aí, fiquei pela Serval. Quando terminou o mandato de três ano, concorremos de novo, só que a Serval não queria mais que eu, ela queria me demitir. Só que pela lei não podia demitir, porque eu tinha estabilidade. Aí, que que acontece? Eles pegaram, fizeram um acordo, o Sindicato foi lá conversar com eles lá e o acordo, porque tava falindo, quebrando a Serval. Pronto, aí, eles pagaram as conta, assim, a metade porque já era pra pagar. Porque na realidade tinha quem pagar mais um ano de estabilidade. Aí, pagaram seis mês e pagaram as conta. Aí eu fiquei no Sindicato como vigilante do Sindicato, saí da Diretoria. A oposição lá fora, querendo... a Diretoria esse momento tava ruim também, que eu ajudei a eleger. Estava ruim, eu peguei e fui trabalhar com a oposição, mesmo sendo vigilantes do Sindicato. Aí, eu digo: “Ah, eu tenho que voltar pro trabalhador que tá na mão dos empresário, tudo”. Aí, o presidente do Sindicato na época era o Ferreira, me botou pra fora do Sindicato, que eu já tava do lado da oposição.
P/1 – Dourado, você tava comentando sobre o Movimento Sindical.
R – Isso. Aí, eu fiquei fora, como a empresa que eu trabalhava, a Serval, faliu, fiquei como vigilante. Como eu já coloquei anteriormente, que o presidente do Sindicato, como eu estava defendo o lado da oposição, que tava mais certo, ele me demitiu. E aí, eu fiquei, mas mesmo assim fiquei ajudando o pessoal na luta, mesmo sem tá empregado como vigilante. Só que aí apareceu uma licitação pra contratar vigilante pros postinho de saúde, foi aí que eu entrei de novo, mas aí eu entrei pela Segnorte. Quando eu entrei e com três meses que eu tava na Segnorte, foi formada a chapa. Aí eu entrei na chapa de novo, só que eu entrei na chapa, o pessoal, me colocaram como Tesoureiro, já era o Geraldo na chapa, só que a empresa que eu tava na chapa, recorreu, me demitiu. Quando me demitiu, eu fui no Sindicato, peguei a declaração do Sindicato, dizendo que eu tinha estabilidade, estável, e eu estava concorrendo à uma chapa no Sindicato. Aí, o dono lá pegou e disse: “Não, vou demitir, quem manda na minha empresa sou eu” “Então, demita”. Aí, o pessoal do Sindicato entrou com uma ação na Justiça e com 15 dias mandou a Segnorte me reintegrar. Aí, fui reintegrado. Só que eu trabalhei só mais uma semana e eles entraram com um mandado de segurança, só porque eu fiquei, mandado de segurança demora aí, pronto. Concorremos à eleição, ganhamos a eleição, do mesmo pessoal. Ganhamos a eleição e fiquei como Tesoureiro. Nessa história aí eu fiquei dois mandato, inclusive terminou em 2008. Dois mandato. Estava na Justiça, aí perdi a causa na Justiça, mesmo quando faltava dois meses pra terminar o segundo mandato. Aí, o pessoal queria que eu continuasse, que o Estatuto do Sindicato garantia que eu continuasse e mudariam o Estatuto, que eu não concordei com essa história de mudar o Estatuto. Quer dizer, a pessoa desempregada estar no Sindicato? Não pode, você tem que ter vínculo empregatício primeiro. Eu fui contra isso e digo: “Não, não vou aceitar isso não”. Aí, pronto, o mandato terminou em 2008, só que eu saí em 2006, mas foi bom. E aí a oposição já, esse que eu ajudei a eleger se corrompeu de novo com os patrões, inclusive, com Edmilson de Oliveira, pessoal dono da COFA lá, que é o Edmilson de Oliveira. O pessoal pediriam a minha ajuda, eu contribuí até com dinheiro também, eu dei 500 reais pra ajudar no combustível pra fazer a mobilização, a articulação com os vigilantes. E até conseguimos ganhar de novo a eleição, tomemos do Geraldo Cunha, que nós ajudemos. Agora é o Daniel, que assumiu agora, assumiu em fevereiro, foi de 195 votos a diferença. E o interessante dessa história é que nas greves que a gente fez, eu lá como diretor, a gente conseguiu mobilizar as família dos vigilantes indígena e botaram na greve. Aí, o pessoal chegou até a denunciar que a gente tava botando gente infiltrada na greve, nós fizemos uma entrevista, o Ministério do Trabalho veio, nós tava o grupo todinho lá. Aí, foi perguntado de um a um quem era vigilante. Aí, não, não sou, não sou, não sou. Aí, eu digo: “Não são, mas são da família dos vigilantes, tão defendendo o salário dos seus pais que tão lá. ”. Aí, até que foram perguntando: “Quem é esse?” “Sou filho do vigilante, sou filho do vigilante tal, sou filho do vigilante tal”. Aí, mostrou que realmente não tinha ninguém infiltrado na greve, então era a família dos vigilante. O interessante foi esse: nós conseguimos botar na faixa de 200 índio lá na greve. Aumentou o número de gente.
P/1 – Quando foi essa greve?
R – Essa greve foi em 2004.
P1 foi a maior greve que você participou?
R – Não, a maior greve que eu participei foi em 2006, que a gente conseguiu, foi quase 15 dia de greve, mas furamos muito pneu de carro-forte, quebremos muito retrovisor de carro-forte. Foi muita gente presa, eu fui preso também. Só que eu fui detido, duas hora depois que eu tava preso, o delegado soltou. É, mas nós passemos por muita coisa.
P/1 – E hoje, Dourado, você tá como? Você deixou de ser vigilante e ser do Sindicato, também?
R – Hoje eu sou, na realidade, vigilante mesmo no posto, eu só trabalhei praticamente três ano, o resto foi no Sindicato. Aí, hoje eu tô como Assessor do Controle da Saúde Indígena. Digo, de profissão, de trabalho. É pelo Imip, o Instituto Materno Infantil de Pernambuco, que é uma ONG que assume a gestão das equipes de saúde indígena. Contrata médico, enfermeiro, os agente de saúde, os técnico de enfermagem, tudo a questão da equipe. E aí, dentro da estrutura tem o assessor, porque antes não era, o Imip entrou agora, antes mesmo era a Copice que ganhou o convênio aqui, que era a nossa organização a nível de Estado. Aliás, além da Copice ainda tinha a Amit, que era a Associação Missão Tremembé, trabalhava com os Tremembé de Almofala, aí assumiu a saúde. Aí passou pra Copice, a Copice veio da missão Cayowaá, que é lá no Mato Grosso do Sul aí, agora tá com o Imip.
P/1 – Que que é a Copice?
R – Copice é a Coordenação dos Povos Indígenas do Ceará e a Amit é a Associação Missão Tremembé, que é uma ONG, ela não é indígena não, ela trabalha com os índios, os Tremembé de Amofala. E a Missão Cayowaá também é uma ONG que trabalha só com a saúde indígena. O Imip também e essa outra, só que a Cayowaá ganhou as concorrência, mas como o Imip é uma parceira deles, eles liberaram o Nordeste pra eles. E aí, nós tamo contratado pelo Imip.
P/1 – E a renda que você recebe como assessor é suficiente pra você conseguir sustentar sua família? Que hoje você separou da sua primeira esposa. E você teve quantos filhos?
R – Quatro. São dois casais.
P/1 – Dois casais?
R – É. Esse aqui é o caçula, vai fazer 20 anos agora em setembro.
P/1 – E qual o nome deles pra gente registrar, Dourado?
R – Esse aqui eu botei o nome em homenagem ao avô dele, eu botei o nome dele de João Casemiro Nascimento Neto, o avô dele é João Casemiro Nascimento, aí eu aumentei o Neto pra homenagear o avô dele. Aí, o nome do meu filho mais velho é o Ricardo Weibe Nascimento Costa. Aí, a outra mais encostada do Weibe, que é só 11 mês menor do que ele, é a Antônia Leidiane do Nascimento Costa, que tem uma filhazinnha agora, vai fazer um mês. E essa minha filha que chegou agora que é Naiara Nascimento Costa, que também já tem seu companheiro.
P/1 – E já tem neto?
R – Tenho dois neto. Tenho um neto que é o filho do Weibe, aquele que tá na foto e a que vai completar um mês agora. E, assim, meus filho já tão tudo maior, esse aqui é o mais novo que vai fazer 20 ano agora.
P/1 – Ele mora com você?
R – Ele mora com a mãe dele. Ele tá fazendo a faculdade Engenharia Agrícola Ambiental. Já tenho uma filha formada em História, que é a Leidiane, já fez pós-graduação. O Weibe, mais velho, tá terminando Direito próximo ano e a Nayara é formada em Educação Física.
P/1 – Todos os filhos então tiveram acesso ao Ensino Superior?
R – Todos.
P/1 – E eles estudaram aqui?
R – Estudaram. Estudaram na escola indígena aqui, começou na escola indígena, terminou na escola indígena. O meu filho foi professor voluntário, a minha filha também, só que a minha filha é professora, só que ela tá de licença-maternidade e agora é coordenadora pedagógica da escola.
P/1 – E, Dourado, pra gente voltar um pouquinho, eu queria que você comentasse a sua experiência no exterior também, que você viajou fora.
R – Olha, isso foi no ano 2000, a gente participou da Conferência Nacional dos Povos Indígenas, que foi em Porto Seguro, na Bahia. Lá, foi uma batalha muito grande, nós éramos três mil índio, total do Brasil inteiro contra seis mil policiais da Bahia. E aí, o negócio pesou, porque o Movimento Sem Terra se misturou no nosso meio e aí, a polícia pegou e foi pra cima também. Aí, nós sofremos as represália porque as bomba bateram em mim, por exemplo, ainda tenho marca de bomba aqui, nas minhas perna, aqui, estourou aqui nas minhas perna lá. Isso no ano 2000, tá com 14 ano. Aí, a gente sofreu esses atentado, entramos na Justiça, na Procuradoria, inclusive eu fui até depor na Procuradoria. Sei que até agora não saiu nada ainda, não sei se engavetaram ou arquivaram. Nós denunciamos o Governo da Bahia pela questão da repressão policial, sem a gente ter feito, ido pra agressão. Aí, quando eu voltei de lá, fiquei, que nós passemos cinco dias lá na Bahia. Pra nós foi uma repercussão boa, que mostrou que os povos indígenas, não fomos comemorar os 500 anos, nós fomos comemorar 500 anos, mas de resistência, mas não de coisa boa. Fomos lá, colocamos que nós não tamo comemorando 500 anos de existência, mas sim de resistência, que foi os 500 ano do Brasil. Aí, nós derrubemos lá uma estátua de Cabral, que tinha lá em Santa Cruz de Cabrália, por isso que o pessoal começaram a ir pra cima da gente, que nós derrubemos a estátua de Pedro Álvares Cabral. Que pra nós o Brasil não foi descoberto, o Brasil foi invadido. Porque já tinha gente aqui, que era nós, nossos antepassados, nossos ancestrais. E aí, nós fizemos toda essa... o Weibe tinha 16 ano na época, eu me preocupei muito com ele, que ele adolescente e tudo, no meio lá, mas ele foi pra cima também. Aí, hoje ele é uma grande liderança também, a nível nacional.
P/1 – De filho, só o Weibe que foi com você?
R – É, porque na época o João Neto era novinho ainda. Foi só ele mesmo, que já tinha 16 ano. E a gente fomos em três ônibus daqui do Ceará, que foi os povos daqui, cada povo foi uma representação dos 14 povos, foram três ônibus daqui. E na volta a gente tinha uma reunião com um pessoal da Alemanha, que eu não me lembro mais o nome desse rapaz ali, que tá comigo ali. Então, saiu nos jornais aí, da Alemanha, eu tinha os recorte, acho que a Fábia guardou e não sei onde ela botou. O que escapou foi essa foto. Aí, na Alemanha, nós fomos discutir a questão da agressão dos direitos dos indígenas no Brasil. E tinha uma reunião lá pra discutir a nível internacional. E daqui do Brasil fui só eu, representando o Brasil, foi tirado na Conferência o nome, eu foi eleito lá, representando a Capoib, que era o Conselho da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil. Aí, coloquei lá a questão da agressão dos direitos indígenas, que não tá sendo respeitado, a Convenção 69, que precisava ser ratificada, inclusive, foi só ratificada só em 2010, pelo Governo Lula, Presidente Lula. E a gente tava sofrendo muitas represália na questão da demarcação da terra. Fiz a denúncia ao Governo Brasileiro sobre tudo isso. Que naquela quem tava no Governo era, eu acho que o Fernando Henrique Cardoso, ainda. Era, Fernando Henrique Cardoso. Fizemos a denúncia. Fizemos a denúncia sobre o Decreto 1775 que demarca as terras indígenas, que ele criou esse decreto, o decreto era o 22, foi revogado. A gente lutava pra que o decreto não fosse revogado, então denunciamos. Porque o decreto criava a indenização pras terras indígenas aos posseiros que nunca fizeram nada pela terra e tavam recebendo indenização pela terra. Na realidade não é pra ter indenização, era pra eles desocupar e, na realidade, a indenização era só de boa-fé, porque ele plantou, as cerca, essas coisas. Fizemos todas essas denúncias. E a experiência foi boa, só que eu achava que, eu sou muito calorento, e quando eu cheguei, achava que não ia sentir frio lá. Cheguemos lá, tava sete grau abaixo de zero. Aí, precisou o representante lá da Organização lá, comprar aquela capa preta pra mim vestir. Eu dava graças a Deus quando chegava no hotel, que no hotel não era ar condicionado, era o aquecedor. Dessa história, passei sete dias lá, quando a gente saía de manhã, o asfalto era coberto de gelo, parece que o asfalto era branco. Mas a experiência foi boa, eu conheci cinco cidades, foi Kassel, Goch, Munique, Frankfurt e Colonia, já na divisa com a Bélgica. E lá foi onde eu descobri que as organizações aqui do Ceará estavam fazendo coisas que não era certo, lá pra nós. Porque as ONG, elas queriam participação indígena nos projetos e nós tava sabendo que não tinha projeto pra nós, que na época, a Pastoral Indigenista, que não era mais a Dona Lurdes, que ela tinha morrido, era outro lá na ordenação, era a Ana, e a Missão Tremembé que era a Maria Amélia. Tinha uma ONG que financiava, e a Miserium também. Aí, eu fui nas duas organizações, quando eu cheguei lá, eles perguntaram como é que tava a história no Ceará. Digo: “Ó, tá muito ruim, justamente eu estou aqui pra articular e ver se vocês conseguem aprovar algum projeto lá pros povos indígenas do Ceará” “E vocês não participam dos projetos lá não?” “Não, até agora não” “Não, pois já tá aprovado dois projeto, um da Pastoral Indigenista e o da Missão Tremembé. Quer dizer que vocês não participaram do projeto?”, digo: “Nunca participamos” “Pois tem várias assinaturas de vocês aqui. Como é seu nome?”. Eu digo: “Antônio Ricardo, tal”. Aí, ele olhou lá, tava lá meu nome, e vários outros nome das liderança. Quer dizer, pegava as assinaturas de reuniões que eles faziam e mandavam pros projeto. Aí, eu digo: “Não, eu não participei de reunião de projeto, não. Participei de reuniões, sim, das discussões da comunidade, mas não de projeto, de elaboração de projeto”. Aí, cancelaram os projetos, em vez de eu ajudar, eu fui pra atrapalhar. Mas não ia mentir, não sabia como funcionava as coisas aí. Voltamos pra cá, quando a gente voltou, pedi uma reunião de emergência pra discutir, porque eu voltei muito puto da vida mesmo. Aí, pedi pra Ana fazer uma reunião pra discutir. Aí, na reunião ficou lá: “Quer o quê?” “Não, pra discutir a questão da comunidade”. Aí, chamemos um pessoal, as liderança, chamemos os Pitaguary, os Jenipapo-Kanindé, que é os três povos que eles trabalhavam, aí coloquei. Menina, quando eu fiz essa fala a Ana ficou, digo: “Não, Dourado, é porque não dava tempo de reunir vocês, não sei que”. Digo: “Mas lá, eles disseram que tem que ter a participação nossa. E aí?’. Aí, eu disse pra ela, o que eles disseram, que iam cancelar o projeto. Realmente, eles mandaram comunicado dizendo que iam cancelar o projeto. Aí, num instante eles souberam reunir nós tudinho pra ir pra lá pra Arquidiocese, pra elaborar um novo projeto, só que não foi aprovado mais não. Aí, passou três ano pra poder ser aprovado um projeto com a nossa participação. Quer dizer, o pessoal, ninguém sabia quanto é que entrava.
P/1 – E vocês não tinham controle da entrada de dinheiro?
R – Eu não tinha, inclusive, muitas vezes eles faziam, era obrigado a dizer que: “Ah! Vocês, além de tá participando das coisa aqui que a gente tá dando, ainda ficam reclamando”. É que a gente reclamava do lanche, essas coisa. E a gente achava que era mesmo lá da Igreja, que a Igreja tava ajudando, mas era o projeto feito em nosso nome.
P/1 – E essa organização lá a Alemanha era uma Organização Católica, então?
R – A organização cooperadora.
P/1 – Cooperação internacional?
R – Cooperação internacional, exatamente.
P1 – E os projetos, geralmente, era relativo a quê? Que vocês produziam junto com a Igreja, com a Arquidiocese de Fortaleza?
R – Era relativo à questão da luta da terra. Você articular pra fazer mobilização e trabalhador da terra. Que inclusive, as retomada tinha que ter o apoio, a gente fazia uma retomada e alguém ajudava. A Funai ajudava em nome da Apoinme, que era a nossa organização, mas aí, o Centro de Defesa lá, através da Pastoral Indigenista, ajudava na alimentação.
P/1 – Eu tinha te perguntado antes de a gente começar a gravar, você acha então que vocês tavam sendo usados?
R – Exatamente. Nós tava sendo usado e até porque, depois dessas questão todinha, nós descobrimos que os salários deles eram pagos com esses projetos que eles faziam. Elaboravam os projeto, investiam em algumas reuniões, nas comunidade, que eles andavam nas comunidade, são três povos, no caso, os Pitaguary, Tapeba, que é nós e Jenipapo-Kanindé de Aquiraz. Então, tinha um carro que era pago com esses projetos, o carro da Arquidiocese, tinha o nome lá Pastoral Indigenista, e que levava a coordenadora da Pastoral pra participar das reuniões e levar nossa demanda. Muitas vezes a gente fazia as denúncia a nível nacional, a nível de Estado na Justiça Federal e protocolava, ele mandava o carro pegar aqui duas, três liderança pra levar pra Arquidiocese. Mas só que a gente entendia que a Arquidiocese fazia isso lá, a Pastoral fazia isso com recurso dela lá própria. A gente não sabia que tava sendo usado pra isso, quer dizer, os nossos nome tava lá. Quando a senhora lá pegou a lista lá e perguntou como era o meu nome, quando eu coloquei meu nome, Antônio Ricardo, tava na lista como se eu tivesse participado da elaboração do projeto. Então, quer dizer, nós fomos usados, o salário deles, que inclusive, era um salário bom. Na época, era três mil reais que ganhavam. Tinha um advogado também que era pago com esse projeto, que na época era o Doutor Aécio, não, primeiramente o Doutor Sérgio Leitão. Aí, depois veio o Doutor Aécio, depois o Doutor Gomes, depois o Doutor Giovani. E agora é o Lucas, sempre tem um advogado.
P/1 – Isso foi quando?
R – Isso foi em 2000.
P/1 – Em 2000. Foi no mesmo ano dos 500 anos, então?
R – Exatamente, no mesmo ano.
P/1 – E, depois, como ficou essa relação com a Arquidiocese, houve uma ruptura?
R – Não, não houve ruptura. Houve só que mudou a estrutura do Centro de Defesa e acabou a Pastoral Indigenista. Aí, virou Sede de Defesa da Arquidiocese de Fortaleza. Aí, a temática existe dentro do Centro de Defesa. Formaram outra equipe, que hoje é a Keylane, que por sinal, trabalha muito bem. O Weber, que era chefe da Funai aqui, chefe não, ele era auxiliar administrativo da Funai, ele saiu da Funai porque a demanda lá também, ele não tava conseguindo ver as coisa acontecer. Inclusive, ele tava muito acarretado de muita luta, de muito trabalho, quer dizer, lá tem 18 servidores, mas ele fazia o trabalho pros 20, que os outros ficava só. Aí, ele resolveu sair, que foi convidado. Ele ajudou a elaborar um projeto pela Petrobrás, pro Centro de Defesa, esse projeto aí, é de um milhão de reais, é um projeto de intercâmbio das comunidades indígenas. Aí, ele foi ajudar a coordenar lá, então, ele tá no Centro de Defesa agora, o Weber, junto com a Keylane. Ele tem feito um bom trabalho, ela tem feito transparente, ela tem feito reuniões com o pessoal. No intercâmbio, quando ela não vai, ela manda alguém pra ir acompanhando. Que o intercâmbio agora não é mais praticamente local, é mais interestadual. Já foram pra Bahia, já foram pra Sergipe, já foram pra Pernambuco, já foram até pro Mato Grosso do Sul. Então, eles estão fazendo um trabalho mesmo, bem bom, de articulação, de intercâmbio cultural, intercâmbio intercultural.
P/1 – O quê que acontece no intercâmbio?
R – Intercâmbio é o pessoal levar a experiência daqui, a cultura, os rituais também, lá pra os outros estados. E lá, eles também trazem. Tanto que aqui, às vezes, eles incorpora alguma coisa dos outros estados aqui.
P/1 – Vocês já receberam quais povos aqui?
R – Aqui, nós, a nível de estado, nós recebemos gente do Mato Grosso do Sul, Xavantes. Recebemos, deixa eu ver, acho que foi só esses mesmo.
P/1 – Os Xavantes?
R – É. Mas daqui recebemos outros povos aqui do Estado: Tremembé, Pitaguary, Tabajara, Potiguara lá de Crateús, Novo Oriente. Só que eles têm ido muito pros outros Estado. É porque o projeto daqui, ele é pra sair daqui. E os outros lá talvez não tenham pra poder eles vir pra cá.
P/1 – Às vezes, não tem o financiamento pra vir.
R – Exatamente.
P/1 – Tá certo. Dourado, vocês tiveram algum tipo de impacto aqui na terra de vocês com as obras do Pecém, com o Complexo?
R – Com certeza! O impacto ambiental é muito grande, inclusive com mortes. Aqui, a BR-020, que ela passa direto pro Canindé, mas ela, 222, que vai direto pro Pecém. Com a questão das obras do Pecém, quantas pessoa nossa já morreram ali atropeladas na passagem. Caminhão, carreta, bicicleta. Inclusive, o próprio caminhão passar, carro pequeno passar e ser barroado, um acidente que entre os veículo. Então, o impacto é muito grande, inclusive pros Anacé, mais pros Anacé, que os Anacé que tão sofrendo. Inclusive, os Anacé do lado de lá, tão saindo; o Governo comprou uma Reserva, eles entraram na Justiça e tudo, só sei que os índios aceitaram. São 642 hectare, se eu não me engano. Eles vão sair lá do Matões e Bolso que fica em São Gonçalo e vão pra uma Reserva, tá quase certo, já. O dinheiro já foi liberado e o impacto é grande porque eles tão saindo de uma área pra outra. Quer dizer, mexe com a questão do habitat natural. Agora, nós aqui, mexeu também com o impacto, com a construção da BR também, com o alagamento também, mexeu com a questão das caça que desapareceram. A questão aqui no Rio Ceará, o crustáceo que era a alimentação das comunidade de lá, do Rio ceara, na ponte aonde o pessoal foi gravar lá. O caranguejo também sumiu e diminuiu de tamanho. Então, tudo são impactos que acarretam também na questão da alimentação dos índio, do nosso povo. E, nós vamos ter o quê? Vamos ter compensação por isso, mas essa compensação não devolve a gente perdeu.
P/1 – Vocês vão ter uma indenização?
R – Vamos ter uma compensação pela área de servidão. Pela questão da...
P/1 – Da rodovia?
R – Isso. Aí, já foi feito um projeto de compensação ambiental, que é feito pela Funai junto com a empresa que vai fazer as obra, e vai ter vários benefício que vai vim em troca dessa servidão.
P/1 – Que tipo de benefício?
R – Vamos ter melhorias nas estradas, a proposta de ter um ônibus pros índio deslocar. Nós vamos ter também quadras esportivas, já foi colocado só projetos que ficam permanente na comunidade. Então, vai ter essas melhorias. Onde não tem energia, vai se pedir energia. Eu sei que tem muita coisa que vai acontecer. Por exemplo, na 020 lá, que vai pra Canindé, nós conseguimos, 27 família que tavam em casinha de taipo, inclusive, casinha com papelão, conseguimos 27 casa de alvenaria, já estão feita, 27 casa, onde entrevistaram o cacique ontem. Foram lá não, entrevistar o cacique?
P/1 – Sim. O cacique Alberto.
R – Isso. Pois é, perto daquele viaduto onde passa o trem? Ali tem aquelas casas, foram conquistadas através dessa questão da compensação ambiental. São 27 casas de alvenaria. O projeto lá foi 900 mil reais, isso coordenado pela Associação aqui do povo Tapeba. E conseguimos fazer, com prestação de conta tudo aprovado, não houve... porque tem muita gente que diz que os índio não tem competência pra assumir as coisa, coordenação de tudo aí, ele não queria assumir, não. Na reunião com o Governador lá, o Governador pegou, gostei, pelo menos, a primeira vez que eu gostei do Governador foi dessa vez que ele disse: “Vamos fazer. A associação tá em dia?” “Tá” “Então pronto, vamos passar”. Ainda quiseram botar algum obstáculo, sei que o Weibe resolveu na Receita Federal algumas pendências que tinha, algumas certidões. Acertou e pronto, já prestou conta de tudo. E aí tá as casa, os índio já tão morando lá.
P/1 – E, Dourado, você lembra o dia quando você soube aqui da construção do Complexo, assim, que vem com o porto, siderúrgica e refinaria?
R – Lembro.
P/1 – Como foi, assim?
R – Essa questão, a gente foi muitas vezes a Brasília, lá pra falar com o ministro da Justiça pra empatar. Nós entramos com uma ação na Justiça Federal, através também do Centro de Defesa de Direitos Humanos, que o nosso advogado trabalha com a gente, através da Funai. E fomos pra Brasília várias vezes com a presença da Funai também. Mas, mesmo assim, não conseguimos muita coisa, que quando é uma obra que é pra desenvolvimento, eles sempre colocam acima de tudo. Como a questão de Belo Monte lá no Pará. A única coisa que a gente conseguimos voltar a ter um ganho, foi que nós conseguimos que eles parasse as obra um tempo pra poder fazer o estudo de impacto ambiental que tá sendo feito. Quando se faz o estudo do impacto ambiental, se faz as compensações pelo impacto que vai ser, tudo que vai ser impactado a favor dos índio. Que se nós não tivesse feito isso, nem isso nós não tinha ganhado. Então, foi uma luta grande, nós fomos várias vezes a Brasília para conseguir isso.
P/1 – Vocês resistiram, então?
R – Resistimos.
P/1 – À chegada do Complexo?
R – Exatamente. Inclusive, quando foi na época, eu até assumi a Funai um tempo aqui, fui chefe da Funai aqui no Ceará durante um ano. E, na época, eu assumi a Funai só pra reconhecer os outros índio, que nos só era reconhecido quatro povos, que era o Tapeba, o Pitaguary, o Jenipapo-Kanindé e os Tremembé. Nós temos 14 povos, desses 14 só quatro era reconhecido a nível de Funai. E aí, quando eu assumi a Funai, já tinha acontecido essas coisa tudo. Aí, digo: “Pelo menos eu vou fazer raiva aí, aos órgãos estaduais que dizia que os índio não era reconhecido, nem nada. ”. Porque quando eu assumi a Funai eu fiz um ofício pra Funai de Brasília solicitando o estudo preliminar das comunidades indígenas que faltava reconhecer. Aí, mandaram o Robert, ele veio, andou em todos os município, que é 18 município, os seis que já tinha reconhecido, e mais os 12 que faltava, eram mais dez povos de 12 município. Então, foi feito todos os estudo e, graças a Deus, todo mundo é reconhecido pela Funai, todo mundo recebe os benefícios que a Funai tem.
P/1 – E quais são os benefícios?
R – Os benefícios é a questão da cesta de alimentos, a questão do produtivo, como já veio curso da Funai de Brasília pra coordenação aqui, eu sei que isso é dividido através de per capita, cada povo. Aí, os recursos é pra comprar enxada, foice, semente pra plantar, carro de mão, essas coisas; até trator foi comprado, agora nesses últimos tempo, então foi um avanço. Porque os povos eram reconhecidos por nós, mas não eram pelo órgão oficial, então, foi um grande ganho que a gente teve através dessa minha participação como chefe da Funai aqui no Ceará. E também foi bom porque os município começaram também a ter a sua participação nas questões onde iam ter impedimento em suas terras. Como lá em Monsenhor Tabosa, (inaudível). Então, com o reconhecimento deles, já pode reivindicar o que for afetar na comunidade deles. O interessante foi isso.
P/1 – E, Dourado, eu tô vendo aquela foto ali que você tirou com o Lula, conta como que foi.
R – Na realidade, a minha indicação pra Funai partiu do Governo Lula. Que foi em 2003, primeiro ano de mandato dele, na época era o José Dirceu que hoje tá na Papuda, que eu considero essa coisa do Mensalão como uma coisa que se fosse pra prender, tinha que prender também o Fernando Henrique Cardoso, que ele vendeu o Brasil todinho e não teve nada. E aí, a indicação minha pra Funai, foi através do Zé Dirceu. E o Lula, eu já conhecia ele antes de ele ser presidente, muito tempo. No Movimento Sindical, conversa da CUT lá em São Paulo, no Ibirapuera, teve um encontro lá da CUT, eu conheci o Lula ainda em 93. A primeira candidatura dele foi em 89, inferiu o PT em 89, foi na primeira candidatura dele. E no congresso da CUT a gente ficou no mesmo hotel. E lá, a gente conversou muito sobre a questão indígena, inclusive do Chicão Xucuru, lá do Pernambuco, que ele era muito ligado lá, que ele é de lá, Garanhuns. Em 98, foi no ano que o Chicão Morreu. Aí, eu fui pra Pernambuco participar lá do velório, participar do cortejo lá do enterro do Chicão Xucuru, com outras lideranças também do Nordeste. Infelizmente ele tá lá no céu e, graças a Deus, o filho dele assumiu também como cacique, agora, o Marquinho Xucuru. E aí o Lula esteve presente, veio de jatinho até Arco Verde, eu fui receber ele em Arco Verde, e a gente teve essa convivência antes de ele ser presidente. E aí, nos evento, assim, que a gente participou, todos os evento eu sou convidado pra participar, era convidado pra participar lá quando a gente discutia a questão indígena. Por exemplo, ali é em Brasília, ali nos tava lá, na Presidência da República, ali foi pra aprovar o Decreto de Criação da Saúde Indígena, e foi, acho que foi 2008 ou 2009. É 2009? Foi, 2009. E ele aprovou lá. Aqui foi quando da pedra fundamental da refinaria. Eu fui convidado. Aliás, eu cheguei na prefeitura e perguntei como é que ia ser a participação dos índio na refinaria. Ela disse: “Dourado, a Comitiva do Presidente Lula já mandou colocar o seu nome como participante lá na Comitiva Oficial”. Aí, eu digo: “Não, mas nós vamos levar, não é só eu que vai não, nós tem dois ônibus aí, já alugado pra ir”. Aí, diz; “Não” “Tem dois ônibus, tem os Anacé e tem o nosso pessoal. Quem vai ser afetado vai tá lá”. Aí, mesmo assim, nós mandemos os ônibus. Ai, na hora de entrar, não queira deixar entrar, eu fui lá na Comitiva, passei lá por todo mundo lá. Aí, liberaram pra entrar 60 pessoa. Aí, eu digo: “Mas, 60 é muito pouco, só os Anacé tem 60 e os Anacé são os mais afetado. Aí, vamos fazer o seguinte, vamos botar 50 Anacé e mais 50 do povo Tapeba, dá cem?”. Eles pegaram, foram falar, quando voltaram: “Não dá pra cem não, mas dá pra 80”. Aí, pronto. Aí, nós negociemos lá com os Anacé e entrou 40 e 40. Aí, pronto. A participação foi muito boa lá. Aí, o Lula, no discurso dele, quando terminou o discurso, ele me chamou pra frente, foi justamente ali, como tá ali aí, e mandou o Governador e o Prefeito: “Ó, cuide muito bem desse rapaz aqui, que é a liderança, ele vai ajudar muito vocês, mas preciso de vocês ajudar os povos também, ajudar a crescer. Tem que crescer junto com vocês”. Aí, foi, diz isso, mas não aconteceu nada aí, o Governador, ele só quer tirar nossos direito. Inclusive, a demarcação da terra, ele entrou com uma ação de contestação, o próprio Governador. Essa coisa é ruim.
P/1 – E, Dourado, quando vocês foram pra lá, pra esse evento, que foi o lançamento da pedra fundamental da Refinaria da Petrobrás, vocês foram pra protestar ou pra participar desse evento?
R – Nós fomos pra protestar e colocar também que tavam tirando os índio de seu habitat para dar lugar a uma refinaria que tá longe de substituir vidas. Fomos colocar isso, lá. Mas, como já tinha sido feita a discussão, nós fizemos esse protesto, colocando isso: “Infelizmente, nós tamo saindo pra dar lugar à refinaria que só é benefício pra quem tem carro, benefício pro rico, pro pobre, pro índio, não tem benefício nenhum. Mas, mesmo assim, em nome desse progresso, nós estamo aqui pra colocar o que é que nós vamos ter de direito em relação ao local que vai ser usado a refinaria”.
P/1 – A esse impacto?
R – Aos impactos ambientais.
P/1 – Então vocês já estavam aceitando como um fato consumado?
R – É, porque ou nós aceitava com essa proposta de criar a reserva, o Governo do Estado comprar o local, esses 600 e pouco pra criar a Reserva, ou eles ia passar o rolo compressor de qualquer jeito.
P/1 – Certo. Dourado, a gente já tá encerrando, eu gostaria que você comentasse um pouco como que você imagina essa área daqui a 20 anos.
R – Eu imaginava, logo, antes mesmo de eu entrar nesse Movimento, eu imaginava que nós ia ter essa terra demarcada bem rapidinho. Eu imagino que daqui 20 ano, imagino, eu gosto de ser otimista, mas nesse momento, eu imagino que daqui 20 ano, acho que ainda vai ter mais problema. Porque nós tamo num local muito próximo das áreas urbana, praticamente aqui já é urbano, que desmataram nossa mata toda, praticamente. E, a questão das droga, questão da violência tem se alastrado muito, descendo pra banda de cá, pra essas áreas. Então, se essa terra não for demarcada logo com a proteção da Funai e da Polícia Federal, que é quem dá proteção às terras indígenas, a gente vai tá numa situação mais pior, mais calamitosa. Porque é muito ruim você ver, você tá dentro da sua casa e escutar os papoco de bala, os traficante de droga tirando os filho das suas casa pra trabalhar como avião, como o povo chama. Então, eu acho que se não demarcar essa terra o mais rápido possível a gente vai tá numa situação mais ruim e não é nem daqui a 20 ano. Talvez daqui a uns cinco ano, o negócio fica ainda mais pior. Isso, se não demarcar a terra. Então, é preciso que a sociedade como um todo, já sabe que não tem como voltar mais atrás, dizer, até dez anos atrás, dizia que não tinha mais índio em Caucaia. Hoje é sociedade já entende que os índio tá aqui, que os índio são chamado pra inaugurar o shopping. Inclusive o nome do shopping de Caucaia foi dado em homenagem ao povo Tapeba, e quem inaugurou o shopping foi nós. Então, a sociedade já entende isso, agora, falta que os político, as pessoas que tão aí no poder, também reconheça e possa também garantir e ajudar a garantir esses direito. Porque a questão não é só expulsiva, é a questão da judicialização das terra. O Poder Judiciário demora um tempo pra poder julgar os processo. E muitas vezes ainda julga o processo dos posseiros, nós tem que entrar com recurso e assim, a gente vai perdendo muito tempo nessa questão. Aí, o prefeito aí, mesmo numa situação hoje, não tá muito bom, mas o prefeito garantiu seu apoio, tem dado o apoio. Mesmo assim, ele teve que contestar também uma parte, que na realidade, nessa parte ele tem razão, porque na época que foi feito o levantamento, essa área que ele tá contestando agora tava fora. E nós concordamos que na contestação possa tá fora, que é lá onde ele quer fazer o Complexo Administrativo, Conselho Administrativo do Município. E a gente concordou que ele fizesse isso e ele tá apoiando. Ele apoia a gente, inclusive, ele é inimigo político da família Arruda, que não quer que a família Arruda entre, quer que a gente assuma as terra que é nossa de verdade, que os Arruda saia das terra e que a gente assuma. Então, pelo menos isso, nós tem isso ao nosso favor. Mas, já o Governador do Estado, ele pediu foi pra que o estudo todinho fosse refeito. E é muito tô ruim, só que eu já conversei com o pessoal da Funai em Brasília e já disseram que não vão refazer o estudo porque o Governador assinou dizendo que aceitava a demarcação do jeito que tava e depois a contestação seria abrir um espaço pra entrar o Pecém, pra entrar pro Pecém. E essa parte ele ia recompensar em outra área. Foi o que nós negociamos. Então, isso pelo menos deixou a gente pelo menos mais calmo. Mas aí, enquanto isso as coisa não anda, o Ministério da Justiça tá muito ruim, inclusive a Ana, a Maria Augusta Assirati que é a nova presidente da Funai, ainda tá como interina, agora em junho deve tá fazendo um ano que ela tá interina. Então, o Ministro não... amarra, engessou a Funai. Quer dizer, se ela tá interina não tem autonomia de fazer tudo, de publicar. Tanto que esse mês de abril, que é o mês que publica as terras indígenas, em homenagem aos índios, não publicaram uma terra sequer. Então, a gente sente uma coisa que não vai ser muito bom. O Governo Dilma foi o pior governo pros povos de todos os tempos, sendo do PT eu digo isso, porque eu não posso mentir, eu não posso me omitir da situação que tá hoje. O Presidente Lula, ele homologou a terra indígena dos Tremembé, no Córrego João Pereira, aqui no Ceará, a única terra homologada. E a Dilma, não homologou nenhuma e nem demarcou nenhuma. Então, pra nós, é o pior governo até hoje. Fernando Collor de Mello conseguiu ser melhor governo pros índios, que ele demarcou metade das terras indígenas em dois anos, que ele foi impeachmado com dois anos. Se tivesse ficado quatro, talvez tivesse demarcado tudo. Mas, infelizmente, não aconteceu. E o pessoal coloca que ele é corrupto, tudo e tal, mas pra questão indígena ele trabalhou. E a gente até tem pensado em fazer o Movimento Volta Lula, sabe? Porque o Lula foi um dos que melhorou, quem nem, a história, dos povos indígenas. Criou a Secretaria Especial de Saúde Indígena, a CNPI. E a Dilma criou o que? A Dilma criou a Mesa de Diálogo, inclusive, eu faço parte dessa Mesa, que esse diálogo não sai. Em vez de diálogo é negociar. E no entendimento que eu tenho e que muita gente tem é que nós não negocia direito, porque tava lá dentro da Constituição, tem que ser feito, tem que ser cumprido. Aí tem uma bancada, um grupo da bancada ruralista, que criou uma PEC 215, inclusive, foi instalada a nível de, na Comissão de Constituição e Justiça, de tirar a demarcação de terras indígenas do Executivo pro Legislativo, isso é um retrocesso muito grande. Inclusive, uma clausula pétrea, que não tem emendas, não pode mexer. Graças a Deus, que o Luiz Fux, o ministro lá do Supremo Tribunal Federal já disse que deixa acontecer lá que na hora que eles chegarem ele vai entrar com uma ação de inconstitucionalidade, e cláusula pétrea não pode mexer. Então, ela é garantida, no artigo 231 e 232 da Constituição Federal, os dois artigo. Mesmo assim nós não estamos calma porque em política, aqui no Brasil, a gente não pode esperar coisa boa. Pra coisa ruim, sai bem ligeirinho; pra coisa boa, demora. Então, é assim.
P/1 – E, Dourado, qual seu maior sonho?
R – Meu maior sonho é ver essa terra demarcada. A terra toda regularizada, todo mundo trabalhando coletivamente, os nossos netos aí, que eu achava que eu ia ver, meu pai disse que queria que eu visse, e eu acho, pelo que eu tô vendo aí, acho que nem meus neto vai ver. Mas, eu queria ter esse sonho de ver. Olha, já vi. Já demarcou, mas entrou com mandado de segurança e revogaram, não consegui ver ainda regularizado, mas meu sonho é esse, de ter uma terra garantida pros nossos filhos, nossos netos, bisnetos, que vão aí, nascendo e reproduzindo culturalmente.
P/1 – Dourado, antes da gente terminar, eu queria só que você me dissesse, pra entender assim, também, a organização política de vocês aqui, como que é escolhido um cacique?
R – Não, na realidade, um cacique, não foi criado, não é tradicional dos índio. O cacique foi criado pela primeira instituição, que foi criado pelo Governo, na época do Brasil em 1910, que foi criado o cacique justamente pra centralizar o poder na mão de uma pessoa pra poder eles ter mais facilidade de conseguir tomar as terra. Que na época, o cacique assinava sozinho qualquer documento, entendeu? Um documento, muitos cacique, muitos deles, 99% talvez, não sabiam ler, então, era muito documento assinado através do dedo. O cacicado, ele foi criado em 1910, pelo SPI, que era o Serviço de Proteção aos Índios, que na realidade não protegia de nada. Queria era tirar o que os índio tinha. A questão do pajé, que na época, na tradicionalidade era curandeiro. E o cacique, na nossa tradicionalidade, era o chefe. Chefe de tribo, chefe de oca. Então, nessa questão do chefe de tribo e chefe de oca, era feito através do mais velho, do filho mais velho. Mais velho de cacique, porque o cacique foi uma figura que eles inventaram pra que ele facilitasse. Tanto que, no Nordeste, alguns cacique têm essa visão, que é de pai pra filho. No nosso entendimento, a maioria aqui do Nordeste, o cacique é aquele que mais se destaca, certo? Se o cacique tá fazendo coisa errada tem que trocar, como aconteceu em Pernambuco, aconteceu na Paraíba.
P/1 – Já aconteceu aqui?
R – Aqui não, aqui ainda não. Num tempo aí, teve uma comunidade que queria virar o cacique. Nós pegamos e fizemos uma discussão, eu mais o meu filho e outros grupo. Aí, conseguimos que ninguém mexesse nele. Mas já teve momentos que tem que refletir, porque nós não podemos ter cacique que negocia terra, que troca terra por botijão de gás, aí fica ruim. Eu tô colocando isso aqui porque é questão de aconteceu já. E nós não queremos que isso aconteça. Épor isso, que muita gente me chama de cacique, às vezes, gente da família do cacique fica com raiva. Eu sempre digo: “Não sou cacique, eu apenas trabalho o que meu pai me colocou. ”
P/1 – Dourado, vocês tem 17 comunidades, então são 17 caciques ou é só um cacique só?
R – É só um cacique.
P/1 – Que é o cacique Alberto agora?
R – Isso.
P/1 – Então, o cacique Alberto ele foi reconhecido pela comunidade?
R – Foi. Foi um dos que continua a luta.
P/1 – E, Dourado, o quê que você sentiu contando a sua história e a história do seu povo?
R – Eu sinto assim que eu acho que merece divulgar o que a gente já passou, o que a gente tá passando, o que a gente espera pra frente. Porque eu acho que a gente contando, a gente ficando no anonimato, ninguém nunca vai saber como é que foi a história do povo. Eu acho que muitas coisa que as lideranças antigas têm pra contar. Tem a Raimunda, lá da Ponte, que tá sendo entrevistada também, ela é uma pessoa com muita experiência de luta. Então, eu acho que vale a pena estar divulgando ela. É através da divulgação dos acontecimentos das aldeias é que tem melhorado muito. Aí, muitas vezes pensa, que tem pessoas que eu não concordo com a pessoa que diz assim: “Não vou dar minha imagem pra ninguém publicar nada, porque eu não vou ganhar nada com isso”. Porque eu sempre tenho dito: “Olha, se você bate uma foto sua, você todo caracterizado de cocar e alguém vai, leva lá pro outro Estado: ‘Ó, é índio lá do Ceará’. Pessoal dizia que na Bahia, no Ceará, em Pernambuco não tinha índio, tá aqui, tô mostrando aqui na foto”. É uma maneira de tá mostrando que há os povos indígenas. Antes de nós só tinha dois Estado que dizia que não tinha índio: era Piauí e Rio Grande do Norte. E hoje já tem um grupo de Tabajara no Piripiri. Eles sempre estiveram lá, só que eles tavam lá no anonimato. E aí, procurou a Apoinme, a apoinme foi lá, reconheceu, só que eles não têm a terra garantida. No Rio Grande do Norte a mesma forma, tem uns Potiguara que são mesmo ligado aos índio da Paraíba. Na Paraíba só tinha Potiguara, apareceu os Tabajara, que tá lá também, reconhecido pelos Potiguara. Quer dizer, então a divulgação, ela é importante, mesmo que você não vise a questão do lucro. Não adianta visar lucro, o que tem que visar é a divulgação.
P/1 – Tá certo, então. Em nome do Museu da Pessoa, a gente agradece a sua história. Obrigada.
R – Obrigado.
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