Projeto Memória da Convenção da Diversidade Biológica
Depoimento de Juliana Santilli
Entrevistado por Stela Tredice e Thiago Majolo
São Paulo, 08 /05/ 2006
Realização Museu da Pessoa
Entrevista BIO_HV022
Revisado por Ana Calderaro
P/1 - Então, Juliana, eu gostaria que você começasse falando o seu nome completo, local e data de nascimento.
R - Bom, meu nome completo é Juliana Ferraz da Rocha Santilli e eu nasci em Minas Gerais, Belo Horizonte, sou mineira de nascimento e…
P/1- A data de nascimento.
R - Vinte de fevereiro de 1965.
P/1 - O nome completo de seus pais?
R - Do meu pai é Pedro Cervo Rocha e da minha mãe é Helena Cristina Ferraz.
P/1 - E você se lembra dos seus avós?
R - Lembro muito, principalmente dos meus avós maternos, com quem eu convivi muito, lembro muito. Você quer os nomes? Não?
P/1- Não, o que você se lembra deles, as impressões mais marcantes, as memórias?
R - Eu convivi muito com os meus avós porque eu praticamente morava na casa deles, então foram figuras muito importantes na minha infância, os meus avós maternos. Os meus pais se separaram quando eu era bem pequena, então eu tive bem menos convivência com a família paterna, com os avós paternos eu já não tive muita ligação e tudo, mas eu praticamente morei muito tempo, assim, com os meus avós, e a gente, mesmo depois que a gente… A gente morou um tempo na infância em um prédio que o meu avô construiu, eles moravam em cima e a gente morava num andar de baixo, então era só subir a escada que eu estava na casa da minha vó, então a gente criou isso. E mesmo depois que a gente deixou de morar junto, eu passava todos os finais de semana com os meus avós na fazenda. Então eu, na minha infância, passei a infância toda passando os finais de semana e as férias numa fazenda que os meus avós tinham muito perto de Belo Horizonte, na região de Betim, é bem perto, quarenta, cinquenta minutos, o que permitia que a gente fosse muito para a...
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Depoimento de Juliana Santilli
Entrevistado por Stela Tredice e Thiago Majolo
São Paulo, 08 /05/ 2006
Realização Museu da Pessoa
Entrevista BIO_HV022
Revisado por Ana Calderaro
P/1 - Então, Juliana, eu gostaria que você começasse falando o seu nome completo, local e data de nascimento.
R - Bom, meu nome completo é Juliana Ferraz da Rocha Santilli e eu nasci em Minas Gerais, Belo Horizonte, sou mineira de nascimento e…
P/1- A data de nascimento.
R - Vinte de fevereiro de 1965.
P/1 - O nome completo de seus pais?
R - Do meu pai é Pedro Cervo Rocha e da minha mãe é Helena Cristina Ferraz.
P/1 - E você se lembra dos seus avós?
R - Lembro muito, principalmente dos meus avós maternos, com quem eu convivi muito, lembro muito. Você quer os nomes? Não?
P/1- Não, o que você se lembra deles, as impressões mais marcantes, as memórias?
R - Eu convivi muito com os meus avós porque eu praticamente morava na casa deles, então foram figuras muito importantes na minha infância, os meus avós maternos. Os meus pais se separaram quando eu era bem pequena, então eu tive bem menos convivência com a família paterna, com os avós paternos eu já não tive muita ligação e tudo, mas eu praticamente morei muito tempo, assim, com os meus avós, e a gente, mesmo depois que a gente… A gente morou um tempo na infância em um prédio que o meu avô construiu, eles moravam em cima e a gente morava num andar de baixo, então era só subir a escada que eu estava na casa da minha vó, então a gente criou isso. E mesmo depois que a gente deixou de morar junto, eu passava todos os finais de semana com os meus avós na fazenda. Então eu, na minha infância, passei a infância toda passando os finais de semana e as férias numa fazenda que os meus avós tinham muito perto de Belo Horizonte, na região de Betim, é bem perto, quarenta, cinquenta minutos, o que permitia que a gente fosse muito para a fazenda. Eu andei muito a cavalo na minha vida. Enfim, teve uma fase até em que eu me dediquei a isso, a esse esporte mesmo e tal, mas eu tenho uma recordação muito forte dessa coisa de fazenda, de ter passado uma parte grande da minha infância indo muito à fazenda. Fazenda, cachoeira, era uma coisa muito boa. Uma coisa que trás uma recordação muito boa da infância.
P/1 - E os seus pais? O que eles faziam ou fazem?
R - Os meus pais se separaram, eu era bem pequena, a minha mãe era artista plástica e o meu pai advogado, mas eles se separaram quando eu era pequena e nós fomos morar na Inglaterra porque a minha mãe era artista plástica e era professora da escola de artes visuais do Parque Lage, então ela foi fazer o mestrado dela em Londres. Então a gente, quando voltou, ela resolveu mudar para o Rio porque ela não aguentava mais aquele provincianismo mineiro, aquele preconceito todo. Na época, ela se divorciou depois que ela se separou, porque não tinha o divórcio. Inclusive, aquela sociedade era mineira toda muito preconceituosa. E quando ela voltou, ela falou: “Não, eu não vou voltar para isso, eu não vou retroceder!” Aí nos mudamos para o Rio. Então eu morei no Rio desde os meus onze anos até, enfim… Então teve este período. Meu pai mora até hoje em Belo Horizonte, casou de novo e tal, criou outra família e mora em Belo Horizonte.
P/1 - E você sabe qual é a origem do seu sobrenome?
R - Juliana Ferraz da Rocha… Bom, Santilli é um sobrenome de casada, que eu roubei do meu marido, mas o restante não é. Eu sei que tem alguma origem portuguesa e uma origem italiana também, porque os meus bisavôs paternos também eram de origem italiana. E por parte de mãe eu sei que tem alguma coisa, mas não é próximo, não é uma geração próxima, é uma coisa mais distante. Eu acho que eu sou bem mineira, assim, de formação, de origem.
P/1 - E você tem irmãos? O que eles fazem?
R - Eu tenho. Bom, a minha família... Noutro dia eu estava fazendo na minha terapia, a minha terapeuta pegou um pedaço de papel, um laço e falou: “Não, vamos fazer aqui um organograma para entender!” Porque eu tenho uma irmã por parte de pai e mãe, e aí os meus pais se separaram, então eu tenho uma irmã por parte de mãe, uma única que é de pai e mãe, e depois meu pai casou de novo e teve mais três filhos de outro casamento. Então, se for juntar o bolo todo, os meus, os seus e os nossos irmãos, dá um monte de irmão. Mas eu convivi mesmo foi com a minha irmã, que é dois anos mais nova que eu, e com a minha irmã caçula, minha irmã por parte de mãe, porque eu cresci com elas e são as irmãs, digamos, mais próximas. Com a família do meu pai, eu convivi muito pouco.
P/1 - Bom, você teve uma infância em vários locais. Quando fala em infância, quando fala em casa. Quais as memórias, quais as lembranças mais marcantes para você?
R - Olha, a minha infância, primeiro essa coisa de fazenda, cavalo, que era muito forte. Meu avô gostava muito de andar a cavalo, na fazenda dele tinha campo de pólo e tudo, então era uma coisa muito presente na minha infância, eu gostava muito. Eu cheguei a ganhar até medalhinha de salto e tal, isso foi muito forte. Foi uma infância com uma separação muito traumática dos meus pais e eu convivi muito assim, com avós e com primos, apesar de ter só uma irmã naquela época, eu tive primos muito próximos, passava férias assim, com muitos primos e tal. Então, lembrança eu acho que tem muito a ver com isso, e muita mudança. Isso é uma coisa na minha vida, não só na infância, porque eu mudei muito. Eu morava em Minas, então como se fosse uma sensação assim de que falta, de que ficou faltando aquela raiz, não criei raiz em lugar nenhum. Porque eu saí de Minas, fui morar na Inglaterra, aí eu mudei para o Rio, depois eu morei, em duas ocasiões diferentes nos Estados Unidos, quando eu era adolescente, depois que eu me formei em Direito, eu fiz jornalismo nos Estados Unidos. Eu fui jornalista aqui, inclusive da Folha de São Paulo, aqui. Enfim, depois eu fui morar em São Paulo, morei fora, depois fui morar em São Paulo e depois fui morar em Brasília, então foi muita mudança, uma coisa forte na minha vida. Muita mudança de um lugar para outro.
P/1 - E você começou a estudar, como é que foi a sua vida escolar?
R - Eu comecei… Eu estudava numa escola pequena, muito católica. A escola era muito católica, não a minha família, o que sempre gerou um certo conflito porque a escola não tinha muito a ver com a cabeça da minha mãe, principalmente. Mas comecei a estudar, sempre fui boa aluna, sempre gostei de estudar, nunca teve muito conflito com escola, não.
P/1 - E você chegou a ter um grupo de amigos?
R - De criança você diz?
P/1 - Ou quando você era mais velha, adolescente, enfim.
R-Sim, sim, na infância, mas aconteceu um pouco isso. Eu tinha na minha infância os amigos de infância, mas que eu fui perdendo, não sou aquela pessoa que tenha amigos assim, que tenham... Com exceção dos meus primos, eu acho que são muito amigos, mas que tenham a história da minha vida completa. Você vai perdendo um pouco com essa coisa de mudar muito, né? Então eu tive turma de amigos em cidades diferentes e em períodos diferentes.
P/1 - E você acredita que essa sua infância, fazenda, cavalo, cachoeiras tenha te despertado, em algum momento neste período, para essa questão ambiental?
R - Eu acho que sim, eu acho com certeza. Aquilo para mim sempre esteve associado a uma coisa muito prazerosa, o contato com a natureza. Recriação e contato com a natureza para mim sempre esteve associado a uma coisa de prazer, de férias. Enfim, eu gostava muito. Agora, na verdade, quando eu comecei a me inserir, digamos, profissionalmente com esse tema, já foi numa outra fase da minha vida, foi bem mais tarde, foi numa época em que eu já era advogada, aí depois de passar por mil crises com o direito, né, atualmente eu sou promotora de justiça, e eu trabalhei muito tempo nesta área de meio ambiente e patrimônio cultural no Ministério Público, mas na verdade minha inserção começou muito antes. Eu já fui nessa área do Ministério Público porque eu já tinha toda uma bagagem, toda uma trajetória ligada a essa questão, então eu priorizei essa área quando eu pude, quando eu tive oportunidade. Mas a minha trajetória começou, essa questão começou antes, começou quando eu comecei a trabalhar numa organização que se chamava Núcleo de Direitos Indígenas, que era uma organização sediada em Brasília e que trabalhava com a questão indígena, principalmente. Era uma organização que tinha sido criada por um grupo de pessoas, tanto advogados, antropólogos, enfim, indigenistas, pessoas que tinham principalmente acompanhado a questão indígena, que tinham toda uma história ligada a essa questão e que tinham acompanhado também o período constituinte, né? Foi um período em que a nossa Constituição, pela primeira vez, a Constituição de 1988, que eu acho que foi um marco para todas essas questões com as quais a gente trabalha, seja povos indígenas, meio ambiente, na área de cultura... Enfim, toda questão de direitos, direito de defesa, direitos coletivos, têm como marco a nossa Constituição. Mas a minha inserção com essas questões, inserção profissional, eu fui daquelas pessoas assim, que iam muito para a fazenda. Depois, quando eu morei no Rio, eu ia muito para Mauá, eu gostava muito de passar o final de semana ali, sempre gostei muito de praia também, eu sempre gostei muito e tal, nunca tinha tido um trabalho mais diretamente com isso. E até na faculdade eu acompanhei muito essa questão de direitos humanos, enquanto eu estava estudando direito, então eu tinha mais interesse por essa área, mais direitos sociais do que ambientais, propriamente. Trabalhei muito com questão de direitos humanos naquele período. Enfim, no período em que eu estava me formando, eu participava muito disso e tal, mas aí surgiu a oportunidade de trabalhar nessa organização que acompanhava especificamente a questão indígena, que tinha sido criada por esse grupo de pessoas que haviam acompanhado a questão indígena durante o período constituinte. E a Constituição, pela primeira vez, tinha um capítulo dedicado aos povos indígenas, extremamente avançado, que consagrava, enfim, a ideia de que os índios tinham direitos permanentes e deixavam de ser uma categoria transitória. Quer dizer, rompiam um pouco com uma ideologia preservacionista que estava presente no Estatuto do Índio. O Estatuto do Índio tinha aquelas categorias, índios em via de integração, índios integrados, ou seja, sempre trabalhando com as perspectivas que os índios deixariam um dia de serem índios e seriam definitivamente integrados a sociedade envolvente, enfim, ao contrário da Constituição, que é pluriétnica, que reconhece na diversidade cultural um valor em si, ou seja, que seria bom que eles continuassem a se manter, preservar a sua integridade cultural, ainda que sobre impacto da nossa cultura, mas que pudessem preservar, de alguma forma, a sua identidade cultural coletiva e tal. Então essa organização foi criada para tentar consolidar esses direitos que haviam sido conquistados, consolidados. Na prática, concretamente, aqueles direitos que tinham sido formalmente criados pela Constituição. Então era uma organização que trabalhava com ações judiciais paradigmáticas. Eram três advogados mais um filósofo, o Márcio Santilli, e tinha um outro advogado, que era o Carlos Mares, que era uma pessoa também muito importante nessa instituição e um grupo de antropólogos, de outros antropólogos indigenistas que compunham o conselho dessa instituição. Mas no dia-a-dia da instituição, no staff da instituição, eram eu e mais dois advogados, o Márcio que era quem coordenava o grupo. Enfim, então a gente começou a entrar com ações judiciais, acompanhava também os projetos de lei no Congresso Nacional que diziam que regulamentavam... Então, acompanhar o projeto de lei, entrar com ações judiciais... Nós entramos com várias ações judiciais para demarcação de terras indígenas, para proteger territórios indígenas, para evitar dilapidação dos recursos ambientais em territórios indígenas e foi aí que a gente foi se aproximando da questão ambiental, porque muitas das demandas tinham a ver com o uso de recursos naturais. Então, o garimpo em terras indígenas, exploração florestal, exploração madeireira em áreas indígenas. A gente começou a estudar cada vez mais direito ambiental em função dessa própria demanda criada pelas organizações indígenas. E era uma organização que prestava principalmente assessoria jurídica para comunidades indígenas. A gente ia muitas vezes para áreas indígenas para fazer reuniões com as comunidades indígenas e tal, mas o trabalho é mais um trabalho nessa área de direito e políticas públicas, mais centrado em Brasília. Foi uma organização muito bem sucedida do ponto de vista de quem entrou com muitas ações judiciais, ganhou muita coisa na justiça, consolidou alguns precedentes jurisprudenciais importantes e tudo mais. E, posteriormente, essa organização se fundiu com o Programa Pós-indígenas do Brasil e agregou também pessoas do movimento ambientalista, porque já foi uma fase que a gente já estava sentindo necessidade de incorporar a questão ambiental no nosso trabalho que estava muito presente e que se transformou no Instituto Sócio Ambiental, que é outra organização da qual eu sou sócia fundadora. Eu fiz parte do conselho, cheguei a ser vice-presidente durante um período, mas trabalhei no staff também um período como advogada, como assessora jurídica do Instituto Sócio Ambiental, que já era uma instituição que já tinha um mandato mais amplo. Primeiro, porque trabalhava não só com povos indígenas, como também com quilombolas, seringueiros, outras populações tradicionais. E, depois, porque trabalhava mais diretamente com a questão ambiental e aí eu fui advogada desta instituição, eu entrava... A instituição tem vários programas e projetos diferentes que vocês devem conhecer, mas a parte em que eu trabalhava mais diretamente era com a parte mesmo de propositura, de ações judiciais, publicações jurídicas sobre esse tema que eu organizei e tal. E foi nesse... Enfim, transformou-se no Instituto Sócio Ambiental, onde eu trabalhei muitos anos. Depois eu resolvi fazer concurso para o Ministério Público. Fortaleceu muito minha atuação nessa área ambiental após a Constituição de 1988, então entram as instituições públicas. Assim, aquilo que tinha um mandato mais amplo para trabalhar com a questão ambiental, foi por isso mesmo que eu fiz concurso para o Ministério Público, já pensando em trabalhar nessa área. Aí eu entrei no Ministério Público e fiquei quase três anos na área de meio-ambiente e patrimônio cultural. Depois, por uma distorção interna, porque lá é assim, eu fui promovida. E ao ser promovida, é um presente grego a promoção, porque você é promovido, mas aí eu não conseguia lugar como titular naquela categoria pela qual eu tinha sido promovida, não tinha vaga nessa área, nessas áreas que eu gostava. Então, ao mesmo tempo, eu até renunciaria à promoção porque não era nem que pela diferença salarial que justificasse, mas não pode, você é lesado porque, se você renuncia, você vai para o fim da fila, e aí fica ainda mais difícil de você conseguir, algum, dia um lugar naquela área que você está querendo. Enfim, aquelas coisas, distorções mesmo, né? Depois, com toda aquela especialização que eu tinha, já tinha feito mestrado nessa área, já vinha de todo um trabalho com a qual eu nunca perdi, eu continuei mesmo no Ministério Público. Eu saí do staff, mas continuei participando de vários grupos de trabalho, de várias atividades, de várias publicações não só do Instituto Sócio Ambiental como de uma outra organização que atua na área ambiental da qual eu sou. Eu participo do conselho também que se chama IEB, que é uma organização sediada em Brasília e que promove cursos de capacitação ambiental. Então eu me envolvi com esse outro trabalho. Enfim, a gente dá cursos de direito ambiental, política ambiental, ferramentas econômicas para conservação da biodiversidade, recursos hídricos, os mais diferentes cursos de capacitação na área ambiental, foi outra organização com a qual eu me envolvi muito, que é até uma das organizações coeditoras do meu livro. Eu até escrevi um livro, eu até trouxe, depois eu mostro aí para vocês. Um livro que é exatamente sobre esse tema, se chama “Sócio Ambientalismo, Proteção Jurídica, Diversidade Biológica e Cultural”. Mas,enfim, depois disso tudo eu fiquei nessa questão, embora lá em Brasília eu estivesse trabalhando mais com meio ambiente urbano, mais com questões de parcelamento de solo urbano, proteção de áreas de manancial, eram abastecimentos públicos nas quais o governador promovia invasão, enfim, com o comprometimento dos mananciais. Eu estava trabalhando mais com essas questões, a questão florestal também, numa briga danada com o governo local, que era o governo, ainda é o Governo Roriz, que tinha uma política de obras sem nenhum estudo de impacto ambiental, sem licenciamento ambiental, então era uma guerra o tempo inteiro para embargar na justiça as obras que ele insistia em fazer sem os estudos de impacto ambiental. E também, enfim, as questões relativas ao tombamento de Brasília, porque o plano piloto de Brasília é tombado e ele insistia em ficar desvirtuando completamente o plano urbanístico, o projeto urbanístico que o Niemeyer fez e ficar aprovando. Aprovava, encaminhava para a Câmara Legislativa projetos que subvertiam completamente, enfim, estimulavam a ocupação desordenada dessa cidade. Então eu fiquei muito tempo envolvida nessa briga. E nosso principal réu eram os órgãos do governo local, que eram os grandes patrocinadores, por exemplo, de invasões. Eles faziam loteamentos e parcelamentos dentro, desconsiderando totalmente o plano gestor dentro das áreas de manancial. Chegou num ponto assim. E a região do cerrado é conhecida como Berço da Águas justamente porque é uma região em que há um problema de falta de água, os rios têm pouca evasão... Enfim, há estimativas de que vai faltar água dentro de cinco anos, vai faltar água em Brasília, então a gente tinha um trabalho de tentar preservar as nascentes e os mananciais contra a política deles, que era de ocupação dessas áreas. Eles sempre viram as áreas ambientais como áreas de ninguém. É muito mais fácil ocupar um parque, uma estação ecológica, uma área de manancial, de proteção de manancial, do que desapropriar e pagar e comprar uma briga com… Então, enfim, a trajetória teve um pouco a ver com isso. Depois eu tive que sair um pouco dessa área, fiquei muito infeliz no crime e, mais recentemente, eu voltei para a comissão de direitos humanos. Mas eu, assim, agora estou fazendo doutorado também nessa área, em direito sócio-ambiental, mas na época da Rio 92, que eu acho que era aquilo que vocês estavam... Mas na Rio 92, foi bem na época, eu ainda estava no núcleo de direitos indígenas, então o nosso interesse em acompanhar a Convenção sobre a Diversidade Biológica estava muito relacionado à inserção, ao reconhecimento do papel dos povos indígenas na conservação da biodiversidade, principalmente o artigo do 8J da convenção da biodiversidade biológica, que é aquele artigo que diz que os Estados devem reconhecer, valorizar o papel dessas comunidades tradicionais na conservação, na utilização sustentável, os conhecimentos, inovações e práticas que eles detêm sobre a biodiversidade. Então a gente acompanhou um pouco por esse viés. E esse artigo 8J, que até hoje não foi definitivamente implementado no Brasil, ainda faltam políticas de valorização de conhecimentos tradicionais nas próprias políticas de conservação da biodiversidade. Eu me envolvi muito no início do governo, assim que a Ministra Marina Silva assumiu, eu me envolvi muito com o grupo de trabalho que foi criado pelo Ministério do Meio Ambiente, que foi criado pelo conselho de gestão do patrimônio genético, que é ligado à secretaria de biodiversidade e florestas que é do MMA, para formular uma nova legislação sobre acesso a recursos genéticos com conhecimentos tradicionais. Foi um processo bem participativo do qual eu participei muito e tal. Fui até relatora de um dos grupos de trabalho que gerou um projeto de lei que depois foi subvertido na casa civil. Enfim, a gente agora estava numa grande expectativa, às vésperas da COP, de que fossem encaminhar uma outra versão, que depois o Ministério do Meio Ambiente fez uma outra versão que até avançava em muito em relação à versão que nós havíamos feito. Mas o fato é que a gente passou um mês trabalhando num projeto que seria encaminhado pela Casa Civil ao Congresso. Ficamos esperando, esperando, foi passando-se o tempo e havia uma briga interna, uma briga com outros ministérios, principalmente o Ministério de Ciência e Tecnologia e o Ministério da Agricultura, que tinha uma visão diametralmente oposta em relação a esse projeto, isso mais recentemente. Mas havia agora essa grande expectativa de que o Governo fosse aproveitar a oportunidade da COP para encaminhar ao Congresso esse novo projeto de lei, que trata dessa questão fundamental do ponto de vista da biodiversidade, que acessa os recursos genéticos, né? A base da biodiversidade são os recursos genéticos, que são a base da variabilidade de plantas e animais, e o conhecimento tradicional, que é esse conhecimento detido por populações tradicionais, que são essas populações que têm uma relação diferenciada, que desenvolvem uma relação diferenciada com a natureza, que desenvolveram conhecimentos, inovações e práticas que são úteis, que podem ser usadas até como porta de acesso à biodiversidade, principalmente nessa área de fármacos, medicamentos, conhecimentos sobre propriedades medicinais de plantas, principalmente... Enfim, essa questão está mal parada, já há um tempo que a gente espera um encaminhamento, essa é uma grande expectativa para quem acompanhou desde a... Porque a Comissão sobre a Diversidade Biológica foi assinada durante a Rio 92, foi um dos instrumentos principais que foram assinados durante esse período, havia uma grande expectativa em torno dela, até pelo que ela representou na época. Hoje se discute muito a validade e a eficácia dela, mas naquela época, naquele contexto, era uma coisa assim, era um documento que avançava muito ao reconhecer a soberania do Brasil sobre seus recursos genéticos, a necessidade de consentimento prévio e informado com o país de origem, né? Foi uma ideia que prevaleceu sobre o conceito de que os Estados Unidos e o Japão defendiam de patrimônio comum da humanidade. Então foi um marco muito importante para quem trabalhava com esta questão. Então alimentou uma expectativa muito grande de que, se fossem efetivamente implementadas esses princípios, isso representaria para um país mega diverso como o Brasil, país campeão da biodiversidade, uma vantagem estratégica muito importante, um cacife muito grande para negociar qualquer contrato de bioprospecção, qualquer atividade, seja de pesquisa científica ou com perspectiva comercial que envolvesse o acesso ao patrimônio genético.
P/2 - Juliana, só voltando um pouco para a Rio 92. Qual era a sua impressão na época do evento, tanto no evento oficial quanto o fórum paralelo? Qual a sua impressão?
R - A impressão que a gente viveu é a de que foi um período de que era uma coisa muito importante, assim. Você nunca tinha tido, na história, tantas pessoas mobilizadas em torno de um grande evento. Foi o maior evento das Nações Unidas, até então, na área de meio ambiente, realizado no Rio de Janeiro. Então eu acho que havia, em relação ao fórum global, se você observar, foi um período em que houve um boom das organizações ambientalistas. Muitas delas deixaram de existir em muito pouco tempo até, eu já vi até pesquisa sobre isso, mas foi um período em que a questão ambiental nunca esteve tão em evidência, nunca teve tanta visibilidade pública. Foi um período em que houve um crescimento muito grande no número de organizações de ONGs que passaram a atuar com a questão ambiental, até organizações que atuavam mais na área de desenvolvimento do Rio de Janeiro, como o IBase, Fase, passaram a criar programas ambientais nessa época. Então realmente houve um crescimento muito grande e os documentos que foram assinados, a convenção sobre a diversidade biológica, Convenção Quadro sobre mudanças climáticas, a decoração de princípios sobre florestas, Agenda 21, foram documentos referenciais e que continuam a ser, de alguma maneira, uns mais e outros menos, referência até agora para uma série de temas. Quer dizer, a Agenda 21 tem procurado traçar estratégias para uma implementação local da Agenda 21, existe muitos municípios, enfim, muitas cidades. Então a sensação que… É uma intensa participação, né? Porque o próprio fórum paralelo... Quer dizer, a quantidade de eventos acontecendo, de pessoas e de oportunidades que surgiram naquela época. Eu lembro que foi uma época, por exemplo, em que eu fui junto com um grupo de advogados para os Estados Unidos fazer um curso de direito ambiental através da Universidade do Estado de Nova Iorque, que foi um programa que eles estavam investindo em capacitação de pessoas para trabalhar nessa área, então surgiram muitas oportunidades para quem quisesse se especializar nessa área. Eu entrei nessa, participei de um programa de treinamento nos Estados Unidos bem nesse período, você via que o tema estava abrindo outras oportunidades. Enfim, eu acho que houve uma eclosão mesmo, eu acho que houve também uma sinergia, não sei, que propiciou se chegar a tantos acordos. Eu acho que hoje em dia há um retrocesso muito claro, basta você ver, não sei se vocês foram à COP em Curitiba. Eu fui. Eu, por exemplo, nem fui lá ao evento, apesar de estar inscrita como observadora, eu nem me interessei em ir ao evento oficial, eu fiquei o tempo todo só no evento paralelo lá, participando de alguns eventos promovidos por ONGs e tudo, porque a expectativa do que sairia daquele processo era baixíssima. Ter grandes questões como a negociação de um regime internacional de repartição de benefícios, com caráter vinculante, grandes temas como, por exemplo, como compatibilizar a CDB com os direitos de propriedade intelectual, esse é um grande nó que é essa relação conflitiva entre meio ambiente e comércio. E eu acho que esse acordo sobre direito de propriedade intelectual da Organização Mundial de Comércio e a CDB é muito paradigmático disso, porque a CDB estabelece uma série de normas sobre acesso à recursos genéticos, à soberania do país de origem, à necessidade de repartir os benefícios com o país de origem mas em face. E o acordo da Organização Mundial de Comércio, que é um acordo sobre o direito de propriedade intelectual, simplesmente quer dizer, permite que a pessoa venha aqui, acesse um recurso genético, leve para o exterior, patenteie aquilo e adquira direitos monopolísticos sobre isso. Enquanto a CDB não tem... Uma das falhas da CDB é não ter sanção, a OMC trabalha com embargo, sanções comerciais, sanções que são altamente eficazes. Então, por exemplo, não havia nenhuma expectativa de que essas grandes questões conseguissem chegar a propostas apresentadas, já há algum tempo, pelo grupo dos países megadiversos, de que se exija, para o patenteamento, a comprovação da origem do material genético. Lógico, que quando há uma patente sobre um produto, um processo resultante do acesso, algum recurso da biodiversidade de que se exija que aquele acesso se deu de forma lícita, o que seria uma coisa absolutamente razoável para você compatibilizar. Quer dizer, sabia-se que isso era uma coisa que ia completamente contra os interesses das multinacionais nessa área farmacêutica. Então, você via, primeiro, um evento esvaziado, dada que se comparasse remotamente ao clima, ao astral que havia na Eco 92, nada remotamente, quer dizer, aquele clima de euforia, de esperança, de expectativa, de envolvimento, de engajamento, de mudança de paradigma, da possibilidade de uma mudança de paradigma que estava muito presente na Eco, uma sinergia entre as pessoas, os mais diferentes atores sociais e setores acadêmicos, o próprio empresariado. Todo mundo se interessou de uma certa forma naquele evento. Agora, na COP, que é a Conferência das Partes, e que é um dos encontros mais importantes, havia um clima de esvaziamento. Muitas dessas lideranças foram convidados para eventos e não foram, lideranças de organizações que atuam nessa área não foram, eu senti um clima de desesperança, de pouca expectativa, de uma sensação de impotência e de retrocesso muito grande nessa área. Eu percebo muito isso. Até no próprio imaginário da sociedade você tem a impressão de que isso perdeu forças e, nos formuladores de políticas públicas, todo o ideal da transversalidade, eu acho que há uma desilusão de que isso não tenha emplacado no governo. Embora, eu não sei, tenha essa parte da educação ambiental, por exemplo. Eu, que tenho um filho de dez anos, eu vejo uma diferença tão grande em relação a quando eu estudei, isso não havia. Eu vejo que as escolas, nossa! Ele tem uma consciência dessas coisas. Como a escola dele trabalha essas questões como a coleta seletiva de lixo, água, animais em extinção. Eu, na idade dele, se me perguntassem o que é um animal correndo risco de extinção eu não saberia dizer, então, é engraçado, porque foi mais incorporado, pelo menos, na educação escolar. Quantos trabalhos ele vive fazendo sobre temas que estão, de alguma forma, relacionados a isso. Atualmente tem até uma lei de Educação Ambiental que exige essa abordagem mais holística. Você não pode tratar o meio ambiente como uma coisa segmentada, separada, você tem que incorporar nas disciplinas, na história, na geografia, você incorpora o componente ambiental, então é difícil imaginar. Realmente, o clima da Eco 92 eu acho que não existe mais, não estava presente na COP, com certeza.
P/2 - E essas discussões, tanto das repartições de benefícios como as questões da biodiversidade. Qual tem sido o papel do Brasil? Como ele tem discutido?
R - Olha, do “Brasil” você fala do quê? Do Governo brasileiro?
P/2 - Do governo.
R - Olha, ali a gente percebe claramente que há um fracionamento muito grande, porque as posições que o Ministério do Meio Ambiente defende em relação a essas questões são, em relação a esse tema, o próprio projeto de lei. A Ministra Marina Silva abriu todo o espaço para participação da sociedade na formulação desse projeto, então, muitas das posições do Ministério do Meio Ambiente, quer dizer, não todas, mas muitas delas refletem em opiniões que muitas vezes são compartilhadas por organizações que atuam nessa área, organizações da sociedade civil. Mas aí você chega e tem outros ministérios cujas atribuições têm alguma interface com essa questão. O exemplo mais claro é o Ministério da Ciência e Tecnologia e o Ministério da Agricultura, que participaram de todas as discussões e negociações sobre esse projeto de lei, sobre o acesso a esse patrimônio genético. Depois, como o projeto foi encaminhado para a Casa Civil, abriram uma nova discussão, seria uma possibilidade de participação da sociedade civil, abriu uma nova discussão e apresentarem um outro projeto completamente diferente, então foi assim, né? É uma traição mesmo! Quer dizer, você participa de um grupo que chega um projeto consensual, a outra parte faz n concessões para permitir um consenso e depois você pega e tira da cartola um projeto completamente diferente: “Olha, eu vou negociar aqui uma parte!” Não emplacou o projeto deles, mas a posição do Brasil... Então tem a posição do Itamaraty, a posição do Ministério de Ciência e Tecnologia... A gente percebe uma certa esquizofrenia, uma coisa fragmentada do Governo, é difícil você dizer quem representa. E o problema é que se sabe que, na COP, quem tem o maior cacife nas negociações é o Ministério das Relações exteriores, é o Itamaraty, então eles apresentam as suas posições. Às vezes não são as posições do Ministério do Meio Ambiente, há conflitos e divergências dentro do próprio Governo, ninguém ignora isso, então acaba surgindo aquela coisa. Tem um lado bom do Governo, um lado ruim do Governo, difícil dizer, né?
P/2 - E, pensando nessa direção, qual é a relação para você entre política e as questões ambientais?
R - Política de uma forma geral? Olha, eu acho que não se conseguiu, não. Esse atual Governo não conseguiu, digamos, transversalizar a questão ambiental, fazer com que a questão ambiental fosse incorporada em todas as políticas de governo. Por exemplo, como é que você vai... O que o Ministério do Meio Ambiente pode fazer sozinho na questão ambiental vai ser sempre uma coisa muito limitada, muito pontual. Mas não adianta, por exemplo, você ter... Você precisa ter na área de minas e energia, por exemplo, Ministério da Indústria e Comércio, Ministério dos Transportes, todos estes Ministérios. Você abre uma rodovia, uma hidrovia, esses grandes projetos de infraestrutura que têm sempre um grande impacto ambiental. Você precisa avaliar o impacto ambiental para ver se a obra se justifica do ponto de vista social e ambiental, né? Então, a área de minas e energia também tem interface direta com a questão ambiental. Na área de agricultura, o Ministério de agricultura, agrobusiness, agronegócio, com a intensa utilização de agrotóxicos, transgênicos, soja transgênica... Todos esses Ministérios, as suas políticas têm interface, tem impacto sobre a questão ambiental de uma certa forma. Então não adianta você ter um Ministério do Meio Ambiente se envolvendo com políticas ambientais e que não estão transversalizadas no governo todo. Então a relação entre política e…
P/2 - Questões ambientais.
R - E questões ambientais é uma área em que as políticas públicas são fundamentais. Quer dizer, muito embora você tenha cada vez mais um número de empresas preocupadas em ocupar esse mercado verde de produtos verdes, que tem crescido muito, eu acho que o mercado, a atenção do consumidor para produtos que tenham esse marketing ecológico, eu acho que tem muitas empresas a investirem nisso, é lógico que o Estado tem... As políticas públicas têm um papel fundamental e elas têm que ser formuladas com a participação da sociedade e um envolvimento da sociedade civil, né? Elas precisam ser democráticas e participativas. Então eu acho que, quando você pensa em política na área ambiental, você tem que pensar em Estado em parceria com a sociedade.
P/2 - Pensando nesse sentido, como você está vendo a sociedade civil organizada nas questões ambientais, principalmente no Brasil?
R - Eu acho que há uma certa desmobilização agora, nesse final de Governo. No início do Governo, a ministra Marina Silva era uma pessoa altamente respeitada pela sua trajetória, pela sua integridade moral, pelo seu comprometimento histórico e sua trajetória pessoal com a questão ambiental. E eu acho que por isso mesmo, com ampla legitimidade e reconhecimento por parte das organizações que atuam nessa área, então eu acho que a indicação dela para o Ministério criou nas pessoas uma expectativa muito grande, muito grande. E, aos poucos, quer dizer, eu acho que o que aconteceu foi que o núcleo duro de poder do Governo não incorporou a questão ambiental. Então, ainda que haja projetos positivos desenvolvidos pelo Ministério do Meio Ambiente, a gente vê que não foi uma questão incorporada pelo Governo de uma forma geral, então eu acho que isso foi gerando um sentimento de descrença. Muitas pessoas dessa área são pessoas que têm uma trajetória ligada mais à esquerda, muitas dessas pessoas, muitas pessoas têm um envolvimento com o próprio PT, então, essa descrença num Governo que chegou assim com uma proposta de mudança de paradigmas, eu acho que contaminou, deixou um certo baixo astral entre as organizações e as pessoas que atuam nessa área. Eu acho que há poucas expectativas em relação ao Governo atualmente, então, as ONGs têm trabalhado, mas eu acho que têm trabalhado mais em projetos localizados, enfim, procurado fazer o seu trabalho sem contar com o Governo. A expectativa que tinha no início de fazer coisas em parceria com o Governo, em função de ser um Governo com tanta legitimidade, com tanto compromisso com uma mudança de paradigmas, eu acho que está muito desgastada essa relação, acho que está muito desgastada, há uma certa desesperança e as organizações têm trabalhado, acho que têm procurado trabalhar mais sem depender do Governo.
P/2 - Como você vê e analisa a ausência?
R - Como... Aliás, desculpa, só um parênteses para não ser mal entendido. Como, aliás, muitas sempre trabalharam, né? Não sei se eu fui clara. No sentido de que, talvez, houvesse uma expectativa maior da possibilidade não… Ir colaborar com o Governo sem ter que ir para o Governo, e eu acho que isso mixou. Mas boa parte, eu acho, dos avanços, principalmente na legislação ambiental, estão muito associadas à articulação e mobilização da sociedade civil. Se você analisar as leis ambientais mais importantes que foram aprovadas nos anos 1990 e agora, elas estão muito mais associadas a iniciativas da sociedade civil do que do Governo. Isso para fazer esse recorte. A lei de recursos hídricos, a lei que instituiu o sistema nacional de conservação, a lei de educação ambiental, enfim, todas essas leis importantes que foram aprovadas durante esse período. Mas, enfim, eu acho que, nas ONGs, só despertou nelas os sentimentos, vamos tocar nos nossos projetos, muitos dos projetos envolvidos por ONGs são projetos que depois se tornam até referência para as próprias políticas públicas, que às vezes, depois, o poder público passa a incorporar, usar aquilo como um paradigma, como um projeto piloto e tentar incorporar, mas são inicialmente envolvidos por essas organizações, né?
P/2 - Como você vê a ausência dos Estados Unidos na Convenção?
R - Eu acho que era uma coisa que se esperava, né? Eu acho que era uma coisa que se esperava por uma razão muito simples. Em razão do lobby das grandes multinacionais da área, principalmente da área farmacêutica e química, que se opuseram, justamente, em função desse conflito entre a CDB e o direito de propriedade intelectual, eles querem que o acesso seja livre, mas eles não entendem que as patentes derivadas desse acesso livre também sejam livres, não querem. É uma contradição na postura desses países. Então eu acho que era de se esperar que os Estados Unidos não fossem assinar mesmo.
P/2 - E as consequências disso?
R - São péssimas, né? Porque é um país muito importante dentro desse jogo. São péssimas, enfraquecem muito. Enfraquecem assim, nesse ponto de vista de que há muitas empresas norte-americanas que atuam nessa área. Eu acho que é muito ruim até para a própria imagem. Os Estados Unidos já não assinam vários tratados na área de direitos humanos. Eles têm, quer dizer, há um retrocesso na… Nos Estados, há um retrocesso, as organizações ambientalistas americanas, essas mais environment defense, elas estão indignadas com o Governo Bush já há um tempão. Há um enorme retrocesso e os Estados Unidos investem claramente em uma política unilateral. Eles abandonaram o multilateralismo, as negociações multilaterais envolvem nessas políticas de imposições bilaterais e de imposição mesmo, né? Bilaterais com cada países, sempre tem uma base de um jogo muito forte de pressão, né? Isso foi quando a lei de patentes no Brasil também foi aprovada em 1996, foi resultado muito dessa pressão sobre o Brasil, ameaça de boicote, de sanções comerciais e tudo mais.
P/2 - Tá. E qual a importância desses tratados, protocolos em nível internacional, dos diálogos internacionais para fazer a legislação?
R - Eu acho que eles são importantes, com certeza eles são importantes. Eu acho que muito dessas agências multilaterais, o próprio... Muitas agências multilaterais, organismos internacionais, mundiais, banco interamericano de desenvolvimento, eles passaram a incorporar cada vez mais nas suas agendas, nos seus projetos, o componente ambiental. Eu acho que avançou-se muito desse ponto de vista. Agora, eu acho que esses instrumentos acabam ficando muito frágeis frente aos instrumentos na área de comércio, né? Então, você veja. A CDB não tem nenhuma sanção, quem descumpre a CDB não tem nenhum mecanismo sancionatório, por isso que se discute. Um dos pontos era a discussão do regime internacional de repartição de benefícios que fosse vinculante, então eles acabam ficando muito frágeis diante dos tratados de livre comércio, principalmente.
P/2 - Como, na sua opinião, é possível integrar, neste sentido que você está falando, as questões tanto da sustentabilidade quanto comercial, social?
R - Eu acho que é um jogo de negociação que muitos desses países, Estados Unidos, Japão, não estão disposto a fazer. Tem uma certa onda neoliberal no mundo, que eu acho que desfavorece muito acordo nessa área. É uma tendência assim… Eu acho que é uma onda neoliberal conservadora no mundo que contribui para enfraquecer o poder desses instrumentos na área de meio ambiente e supervalorizar os instrumentos e tratados de livre comércio, que são pilares do liberalismo econômico, né?
P/2 - Qual a sua perspectiva para os desafios brasileiros quanto ao sustentável dos recursos?
R - Eu acho que, primeiro, é importante o Brasil defender um marco legal nessa área. A indefinição do marco jurídico, ela acaba até produzindo um efeito muito perverso que é muitas vezes amedrontar pesquisadores, né? Uma das questões é que nós conhecemos muito pouco a nossa biodiversidade, há muito pouca pesquisa científica brasileira desenvolvida por instituições brasileiras. Quer dizer, existem instituições muito importantes como IMPA, Emílio Goeldi, que atuam na Amazônia, por exemplo. Mas, certamente, seria necessário que essas instituições tivessem mais recursos, mais estruturas. Enfim, seria importante que houvesse mais recursos voltados para a pesquisa científica para que nós pudéssemos conhecer melhor a nossa biodiversidade e utilizá-los, porque há essa contradição. Nós temos a matéria-prima, a biodiversidade, que é a matéria-prima da biotecnologia, mas as patentes biotecnológicas estão concentradas nos países do primeiro mundo, então eu acho que tem produzido... A falta de um marco legal acaba assustando pesquisadores sérios, porque ninguém quer ser acusado de ser biopirata, então começam a fazer pesquisa na Amazônia, Mata Atlântica, principalmente quando envolvem conhecimentos de populações tradicionais, então as pessoas ficam com medo também, os pesquisadores sérios seriam acusados de biopirataria porque, na verdade, você ainda não tem nenhuma definição propriamente jurídica do que seja biopirataria. Então isso é um discurso que, enfim, de fato, a biopirataria tipicamente acontece quando alguém acessa um recurso da biodiversidade brasileira e eu acho que, principalmente, quando se apropria dele via de direitos de propriedade intelectual sem nenhum retorno, sem autorização e sem nenhum retorno de qualquer forma para o país de origem. Mas, então, eu acho que a falta de um marco legal é uma coisa prejudicial. A própria pesquisa científica, ela é também prejudicial até para as próprias empresas, porque qualquer empresa que tenha algum compromisso com a sua credibilidade, com a sua imagem pública também, ao mesmo tempo ela impede uma ação mais efetiva, no sentido de criminalizar efetivamente aqueles que são biopiratas mesmo. A biopirataria não é definida como crime ainda, então, por exemplo, a Polícia Federal não tem um instrumento para responsabilizar criminalmente ninguém por biopirataria, já teve algumas ações, mas que, em geral, eles enquadram como permanecer legal no país, quando há um estrangeiro ou às vezes o sujeito não tem uma autorização administrativa do CNPQ para realizar pesquisa científica. A biopirataria em si não é definida como um crime e eu acho que, principalmente, quando ela tem uma perspectiva de bioprospecção, que é esse acesso ao patrimônio genético com uma perspectiva comercial, com o objetivo de desenvolver algum novo medicamento, algum produto químico alimentício, que a gente chama de bioprospecção, eu acho que você tem que pensar em punir mais severamente nestas situações e faltam instrumentos para isso, né? Depois as políticas nas áreas de ciência e tecnologia não incorporam o conhecimento tradicional, tendem a não reconhecer como sendo um conhecimento que não é produzido dentre os padrões epistemológicos da ciência ocidental e, no entanto, o conhecimento tradicional, o conhecimento dessas populações sobre fauna, sobre flora, sobre prática de manejos, métodos de caça, pesca, práticas extrativistas... Enfim, o conhecimento que elas detêm sobre a biodiversidade e tudo mais, quer dizer, acaba sendo mal aproveitado pelo próprio país, e isso é protegido pela própria Convenção. Ela tem esse aspecto, que é muito interessante para essas comunidades, ela conhece a necessidade, o papel dessas comunidades e a necessidade de se encorajar a aplicação desses conhecimentos nas próprias políticas de conservação da biodiversidade.
P/2 - Fazendo uma prospectiva daqui há quinze, vinte anos. Como você enxerga esse encaminhamento das questões ambientais?
R- Difícil imaginar o que vai acontecer, difícil imaginar o que vai acontecer. No panorama internacional mundial, eu acho que esse Governo Bush é um retrocesso que irradia seus efeitos sobre o mundo inteiro, um retrocesso muito grande que ninguém podia imaginar, né? Eu lembro que na Rio+10, que eu fui também na Rio+10, em Joanesburgo. E lá, na época, as pessoas conversavam muito sobre isso: “Como é que é, que coisa triste.” Quer dizer, o objetivo da Rio+10, em tese, era fazer um balanço do que aconteceu nesses dez anos, o que foi efetivamente implementado e traçar um plano de implementação, né? Quer dizer, o que se reconheceu é que avançou-se no plano formal mas que não saiu do discurso para a prática. Poucas ações efetivas são tomadas para implementar aqueles princípios que foram consagrados nos documentos assinados durante a Rio 92 e era triste pensar assim: “Não, a gente está aqui segurando o que se conquistou!” Não perder aquilo que se conquistou, é não perder aquilo que se conquistou porque não há nenhuma perspectiva de avanço, de progresso. O máximo que a gente vai conseguir aqui é segurar para não perder aquilo que foi conquistado há dez anos atrás, então, prospectivas de avanço. Por exemplo, recentemente eu até participei de uma discussão, porque você sabe que a nossa legislação ambiental é muito boa, é muito avançada, mas ela é muito fragmentada, então estava se discutindo a necessidade de criar um código ambiental, por exemplo. Ou seja, de fato, tecnicamente, até seria bom mesmo você pegar todas as leis que são esparsas, a lei de educação ambiental, a lei de crimes ambientais, a lei que institui sistema nacional de unidade e conservação. Imagine você pegar todos esses instrumentos e consolidar num código ambiental. É lógico que seria uma coisa tecnicamente interessante, mas há um consenso hoje em dia entre as pessoas que atuam nessa área que não tem clima político. Se você submete isso ao Congresso Nacional, a chance de você retroceder é muito maior do que de você conseguir consolidar isso num corpo. Você coloca para votar uma coisa como essa e vê deputados, senadores, modificarem para piorar. A chance, o risco disso acontecer é tão maior que a gente falou assim: “Não, é melhor deixar essa legislação esparsa.” Porque tem, às vezes, contradições entre uma lei e outra, ambiguidades, e ela é principalmente esparsa, que a gente diz: “Deixa o pessoal ganhar dinheiro fazendo consolidação de leis ambientais e tudo.” Mas não interessa se hoje em dia, por exemplo, pensando um pouco no contexto brasileiro, ninguém é doido de levar ao Congresso Nacional uma proposta de código ambiental que coloque, que deixe em aberto a possibilidade de rediscussão de qualquer lei ambiental, porque a gente sabe que a chance é muito maior de retrocesso. Então eu acho um quadro um pouco sombrio. Agora, se você for analisar historicamente, quer dizer, se você for pensar, em muito pouco tempo, por exemplo, depois desses processos internacionais, eles sempre produzem alguma consequência interna. Foi depois da declaração de depois da reunião da Conferência da ONU de 1972, em Estocolmo, que foi criada no Brasil a primeira Secretaria Especial de Meio Ambiente, em 1973, que era o Doutor Paulo Nogueira Neto. Então esses processos internacionais sempre produzem alguma consequüência interna nos países, né? A Rio 92, com certeza, depois às vésperas da Rio+10, por exemplo, o Governo Fernando Henrique soltou um pacote até encaminhando para o Congresso Nacional um projeto de lei que criminaliza a biopirataria, que não foi aprovada até hoje, mas soltou a criação do parque de Tumucumaque, não sei se vocês se lembram. Uma enorme, um parque nacional numa área importante no ponto de vista de conservação da biodiversidade. E teve uma outra medida que eu me esqueci, foram umas três. Então sempre, mesmo que haja um certo oportunismo político de demonstrar ao mundo que estamos fazendo o nosso dever de casa, muitas vezes acaba desencadeando alguns processos internos. Agora, na COP, a gente tinha a expectativa que saísse o projeto de lei, que fosse encaminhado um projeto de lei nessa área de acesso ao patrimônio genético. Não rolou, mas quem sabe ainda não estão por vir algumas consequências disso, vamos ver.
P/1 - Uma das coisas que a gente conversou com o presidente Fernando Henrique Cardoso foi justamente do interesse e até do entendimento da classe política, tanto dos senadores como dos deputados sobre essa questão, e você tocou nesse assunto, né? Por experiência, você acha que existe um entendimento? Você acha que existe um interesse por isso?
R - Muito pouco, acho que muito pouco. E eu acho que, hoje em dia... Inclusive na época do Fábio Feldman, ele foi deputado federal três vezes, perdeu as duas últimas eleições e eu acho que, inclusive, há um vazio nesse espaço que ele ocupava, ele era um deputado essencialmente temático, ligado a essa questão, ele era uma referência nisso, ele teve um trabalho muito importante durante a Constituinte, mesmo posteriormente. Muitas dessas leis ambientais mais importantes de política de recursos hídricos tiveram, de alguma forma, uma participação dele. Acho que tem um espaço aberto para isso. Há outros parlamentares que trabalham com esta questão, como o próprio Fernando Gabeira, do PV, mas são iniciativas muito isoladas. Temos o José Sarney Filho também, que trabalhou com essa questão, você tem a Comissão de Meio Ambiente dentro da Câmara. Mas eu não sei, eu fico com a impressão de que não é um tema considerado prioritário dentro da agenda política do Congresso Nacional. Isso com certeza, ainda que você possa ter alguns deputados e senadores dispostos a incorporarem no seu mandato o trato dessas questões, de que isso não é representativo, não é um tema que é considerado secundário dentro da agenda, eu tenho essa impressão.
P/2 - Você falou do livro que lançou, “Socioambientalismo e novos direitos”. Queria que você contasse um pouco dos objetivos da publicação, dos resultados…
R - Ah, então, depois eu vou até mostrar para vocês. Eu trouxe o livro. Não, o Sócio Ambientalismo é... Chama “Socioambientalismo e Novos Direitos”, fala da proteção jurídica da diversidade biológica e cultural. Mas o livro conta um pouco a primeira trajetória do movimento socioambientalista no Brasil, como ele influenciou a Constituição nesse período Constituinte, principalmente os capítulos de meio ambiente, cultura, patrimônio cultural e minorias étnicas, povos indígenas e quilombolas e algumas leis que foram editadas, principalmente a lei que instituiu o Sistema de Unidade e Conservação, que trata das reservas extrativistas, das reservas de desenvolvimento sustentável, que são unidades de conservação que admitem a presença humana, para depois falar um pouco dessa parte de conhecimentos tradicionais associados à biodiversidade. Mas, enfim, não sei se vocês sabem muito bem o que é a Socioambiental. Vocês sabem que, dentro do movimento ambientalista, tem muitas vertentes e tem muita briga também. Essas brigas muitas vezes aparecem, se espalham muito quando você tem um projeto, por exemplo, como o projeto de lei que instituiu o sistema de unidade nacional de conservação da natureza, que refletem visões antagônicas em relação às políticas de criação de áreas protegidas no Brasil. Então, você tem os preservacionistas que defendem, essencialmente, que essas áreas protegidas não devem permitir a presença humana, e o socioambientalismo, que é uma vertente, digamos assim... Quer dizer, a organização mais representativa dessa vertente, que é o Instituto Sócio ambiental, do qual eu sou sócia fundadora, que eu acho que nasceu muito de uma aliança entre os povos das florestas e os ambientalistas. Nasceu, principalmente, a partir de aliança com o movimento dos seringueiros, que batalhavam pela criação da reserva extrativista Essa que, por sua vez, nasceu de uma briga dos sindicatos dos trabalhadores rurais para que as reservas extrativistas… Quer dizer, a categoria que se propôs, na época das reservas extrativistas, era como se fosse uma reforma agrária, não dentro dos moldes tradicionais de intra, de lotes pequenos e familiares, mas que contemplasse a possibilidade desses famílias continuarem a viver de atividades extrativistas de baixo impacto ambiental, e que tinham um modo de vida que dependia da floresta em pé. Então eu acho que o socioambientalismo nasceu muito a partir dessas alianças entre os ambientalistas e os povos das florestas, povos indígenas, seringueiros e tal, a partir de uma proposta que se preocupasse não apenas com a sustentabilidade ambiental, mas também com a sustentabilidade social, digamos assim. Então o livro conta sobre isso, como é que isso foi surgindo, principalmente nos anos 1980. os primeiros encontros dos seringueiros em Brasília, as instituições que estavam por trás disso, esse casamento dos ambientalistas com esses movimentos sociais da Amazônia, como é que eles foram se aproximando para criar propostas, para fazer questionamentos, por exemplo, para projetos financiados pelo Banco Mundial, que devastavam a abertura de grandes rodovias. Hidrelétricas que não apenas tinham um grande impacto ambiental, mas um grande impacto sobre o modo de vida dessas populações que eram, muitas vezes, obrigadas, retiradas dos seus territórios tradicionais, enfim, removidas para outras áreas. Ou, muitas vezes, como as próprias políticas de assentamento rural da Amazônia, que não consideravam o modo de ocupação da terra em que havia um uso compartilhado de recursos naturais por várias famílias, a própria colocação dos seringueiros. Então o livro conta um pouco disso, de como é que foram se formando essas alianças estratégicas a partir de uma compreensão, em certo momento, de que ambos estavam defendendo alguma coisa muito parecida. E isso potencializou muito essa luta política até chegar na Constituição de 1988. Posteriormente, em 1989, foi editada a primeira lei que previa a figura jurídica da reserva extrativista, que é um conceito de unidade de conservação ambiental que permite a presença humana, assim como a reserva de desenvolvimento sustentável. Enfim, outras categorias que foram sendo criadas para contemplar. Então um pouco das divergências que houve, os embates que houve entre os preservacionistas e os socioambientalistas, o livro fala um pouco disso para depois falar da Constituição. Enfim, fazer uma análise de todo o processo constituinte, o que se conseguiu, as principais conquistas, o capítulo de meio ambiente, essa parte de cultura também, que inovou muito. O próprio conceito de patrimônio cultural passou a ser não só o patrimônio cultural, mas o patrimônio cultural imaterial, forma de fazer, saber. Passou alguma concepção mais democrática de bens culturais que incorporassem, também, bens culturais representativos de outros segmentos sociais da população brasileira, então fala um pouco disso, da influência de tudo isso sobre a legislação brasileira. Então, apesar de ter sido um livro escrito por uma advogada, é muito acessível. Eu trouxe até um, de repente eu posso até deixar aí com vocês para vocês darem uma olhada e tal. Fala um pouco disso, se você achar que pode ser útil aí para o projeto e tal.
P/2 - Juliana, quais foram as principais lições ou a principal lição que você tira da sua carreira?
R - Na minha carreira, nossa principal lição... Ah, eu não estava preparada para isso, você devia ter me avisado para eu trazer uma colinha. Ficava mais bacana. Olha, não sei dizer qual foi a principal lição que eu tiro. Eu acho que é uma coisa tão em construção, a gente muda tanto... Numa certa fase você faz uma análise, uma avaliação e depois você começa a achar que não é nada daquilo. Eu estou dizendo isso assim, pessimista, de repente, sabe quando acontece uma coisa que muda completamente a ordem dos acontecimentos? Eu acho que esses analistas, essas pessoas que se aventuram a ficar traçando perspectivas, correm um risco muito grande. É uma coisa assim, quase que ficar fazendo, como é que se diz, previsões para o Ano Novo. É difícil saber, tem muitas lógicas que não estão no controle das pessoas e tal. Eu não sei, eu acho que essas lições a gente vai tirando de cada experiência profissional e é numa área onde as experiências pessoais se entrelaçam muito com as experiências profissionais, você acaba fazendo parte, um pouco, de uma certa família de pessoas que trabalham nessa área. Não é feito trabalhar numa área, num banco, numa empresa onde você não tem necessariamente nenhuma afinidade com a pessoa do lado, então eu acho que existe uma grande família mesmo de ambientalistas, socioambientalistas, no Brasil. Às vezes a gente brinca com isso, que as pessoas estão sempre mudando de lugar, vão para outro, então a gente está sempre reencontrando as mesmas pessoas, ainda que em posições diferentes, mas eu acho que são pessoas que estão unidas por isso mesmo. Então a gente vai, a partir de cada experiência, de cada relação que a gente constrói, criando uma outra perspectiva, vendo as coisas de uma outra maneira.
P/2 - Tá. Para terminar, eu queria que você dissesse o que achou de ter participado desse projeto aí da memória…
R - Gostei muito de ter participado. Fiquei muito feliz com o convite, muito honrada com o convite, eu parabenizo o Museu da Pessoa e o Fábio Feldman pela iniciativa, que eu acho muito legal. A gente tem uma tendência, essas histórias são muito importantes. E esse período, especialmente esse que vocês estão documentando, esses depoimentos, foi um período muito especial para o ambientalismo no Brasil. Então corre o risco de se perder isso, essas memórias, essas trajetórias, essas vivências correm o risco de serem perdidas se não forem documentadas e tal. Então eu acho que daqui, a algum tempo, quando as pessoas verem isso, lerem, assistirem ou lerem o que for, elas vão, isso dá para elas uma outra perspectiva histórica, uma outra visão do que aconteceu nesse período. A gente tem a tendência de fazer análises muito imediatistas, desconsiderando tudo que se acumulou para trás, de como é que se chegou. E mesmo nessa área ambiental, em muito pouco tempo se chegou a muitas coisas, fez-se muitas coisas em muito pouco tempo, às vezes eu acho até que por isso mesmo que ficou esse vazio, porque avançou-se muito em muito pouco tempo e, de repente, dá uma sensação assim de que tudo parou, de que tudo está parado, estagnado, talvez não estejam andando com a velocidade que nós gostaríamos, talvez as mudanças agora sejam talvez mais sólidas, talvez mais lentas, mais paulatinas, não sei.
P/2 - Tá bom, obrigado.
R - De nada.
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