Projeto Kinross Paracatu
Depoimento de Gustavo Oliveira da Silva
Entrevistado por Luís Gustavo Lima e Fernanda Prado
Paracatu, 09/06/2017
Realização Museu da Pessoa
KRP_HV13_Gustavo Oliveira da Silva
Transcrito por Mariana Wolff
P/1 – A gente queria começar agradecendo a sua disponibilidade por estar aqui, agradeço em nome da Kinross, que é a patrocinadora do projeto e em nome do Museu da Pessoa e a gradecer a você por estar disponível aqui para construir junto a sua história de vida aqui com a gente.
R – Um prazer.
P/1 – E para começar, eu queria que você dissesse o seu nome completo, o local e a data do seu nascimento.
R – Meu nome é Gustavo Oliveira da Silva, tenho 17 anos, moro em Paracatu, Minas Gerais, no bairro Paracatuzinho e nasci dia 14 de setembro de 1999.
P/1 – Gustavo, você tem irmãos?
R – Tenho, tenho três, duas irmãs e um irmão.
P/1 – Quem são eles?
R – Aline, Tiago e Miriam, eu sou o mais novo.
P/1 – E seus pais, quem são eles?
R – Benedito Oliveira da Silva e Ruth Gonzaga dos Santos Oliveira.
P/1 – O quê que eles fazem? Qual que é o trabalho deles?
R – Minha mãe trabalha na cantina da minha escola e meu pai é serralheiro, ele trabalha com desenho de janelas, com serralheria, com essas coisas de desenho de ferro, janela de ferro, essas coisas.
P/1 – Você sabe da origem da família? Os lugares originários? Os avós, enfim…
R – Acho quem o meu pai… a família do meu pai é de Vazante, se eu não me engano e da minha mãe é daqui mesmo.
P/2 – E seus avós? Você conheceu os seus avós?
R – Sim, minha avó por parte de pai, sim, meu avô não. E os meus avós por parte de mãe, todos eu conheci.
P/2 – E conta um pouquinho deles pra gente. O quê que eles fazem também? Como é que é o relacionamento com eles?
R – Eu não tenho mais… Eu tenho só avô, minha avó morreu e a minha outra avó também, mas a relação com eles era muito boa, eram sempre brincalhões, brincam e sempre foi boa a relação. Meu avô já é aposentado e ele anda de moto por aí, andando de moto, que ele gosta muito de moto, a relação é muito boa, a gente se vê sempre, com frequência.
P/2 – E você sabe o que os seus avós faziam?
R – Olha, minha vó por parte de mãe era empregada doméstica, meu avô não lembro agora no momento e minha vó também não lembro, quando eu conheci ela já tava aposentada, então, não lembro.
P/1 – Lá na casa, vamos voltar lá para as suas primeiras memórias da casa. Quais são as suas lembranças da primeira casa da sua infância, onde era, qual era o bairro, como que era essa casa?
R – Eu continuo morando na mesma casa porque eu nasci, então a gente decidiu mudar para essa casa. Mas a minha infância era sempre brincando na terra, a infância era assim, a única que eu lembro no momento é isso.
P/1 – E onde era isso, para quem não conhece Paracatu?
R – É no bairro Paracatuzinho, é o maior bairro da Paracatu.
P/1 – Você sabe um pouquinho da história do bairro?
R – Não sei, não pesquisei, morar em Paracatu e eu nunca pesquisei isso, não sei.
P/2 – Conta como é que é essa sua casa, descreve ela para gente.
R – Como eu posso descrever? Ela tem um pé de acerola na porta, tem uma entrada de um portãozinho para entrar, que o meu pai fez, tem uma área, uma área bem grande, tem uma sala, tem um corredor imenso, grande, meu quarto logo vem do lado, depois o banheiro e os outros dois quartos, a cozinha e depois o fundo, o quarto do fundo e a área de lavanderia.
P/2 – E esse corredorzão, tem alguma coisa nesse corredor?
R – Só um colchão parado, mesmo.
P/2 – Um o quê?
R – Um colchão.
P/2 – Um colchão?
R – Isso. E as entradas dos quartos.
P/2 – Como é o seu quarto?
R – Ele é pequeno porque muito eu não convivo nele, eu não convivo muito no meu quarto, passo muito tempo fazendo oficina de teatro, mas tem uma cama, guarda-roupa, uma escrivaninha do lado, uma tomada e uma luzinha assim, que aperta.
P/2 – Você coleciona, guarda, gosta de ter alguma coisa?
R – Papel. Amo papel de festivais, papel que me dão, papel acho que de algum anuncio que me interessa que seja relacionado às coisas que eu gosto, eu gosto de guardar papel, eu gosto muito de guardar papel.
P/2 – Qual que é um papel que você tem um apreço, que você gosta mais, assim? Que você vê na sua coleção e que fala: “Cara, esse aqui é bacana”.
R – Foi o primeiro festival que eu participei que foi aqui de Paracatu, FESTEPA [Festival de teatro de Paracatu], acho que foi daí que eu comecei a falar, decidi que isso que eu queria. Esse que me interessou, que eu tenho um apreço maior foi esse.
P/2 – E aí, antes da gente falar do teatro, né, você falou que brincava na terra, mas brincava como? De quê? Com quem?
R – Eu tinha muito carrinho, mesmo, só que pra mim, carrinho era normal, todo mundo tinha carrinho, eu queria inventar uma coisa nova, então pegava uns pedaços de madeira, ou toco, empurrava… Brincava de carrinho com pedra, não queria os bonecos normais como ele é sempre, eu queria uma coisa diferente e nova que as outras pessoas não tivessem, era sempre na terra mesmo, esses brinquedos, toco ou pedaço de coisa que eu pegava para brincar que servia para qualquer coisa.
P/1 – Com quem que eram essas brincadeiras? Mais sozinho? Mais em grupos?
R – Eu era só… Na minha casa, era mais sozinho porque os meus irmãos eram todos maiores, e eu sou o único, tipo assim, na época, o único menino que tem na minha idade sou eu e as outras são todas meninas que nessas brincadeiras quem gosta normalmente é menino, então, era só eu, mesmo, sozinho. Eu ficava empurrando lá as coisas sozinho e criava outros personagens, né?
P/1 – Você lembra desses personagens?
R – Não, agora não. As pedras viravam pessoas que eu não lembro, mas normalmente atores… Eu acho que eu sempre fui relacionado a isso, atores que estavam no momento, passando em Malhação [programa juvenil da televisão], ou algum programa que tivesse passando e eu gostava.
P/1 – Consegue lembrar de algum dessa época, assim?
R – Olha, deixa eu pensar aqui… Eu acho tinha a Isabela Santoni, eu me lembrava dela, que foi há pouco tempo atrás, também e do Cabeção, eu não sei o nome dele, mais ele que eu me lembro no momento. Não sei o nome dele verdadeiro, mas do personagem, Cabeção.
P/2 – E suas irmãs cuidavam de você?
R – Sim, quando a minha mãe não podia, os meus irmãos cuidavam, cuidavam de mim ou então, eu ia para a casa dos meus avós.
P/1 – Como que era essa relação?
R – Olha, não me recordo muito como eles cuidavam de mim, porque normalmente, dessa época, eu não me lembro muito, porque eu era bem menor. Eu tinha meses, às vezes, ou então, tava com um ano, por aí, mas quando eu fui ficando mais velho, eu lembro que eu ficava na casa da minha avó e só brincava dentro de casa, eu queria sair pra fora e eu não podia. Mas era bem legal, era muita comida, porque casa de vó, normalmente, tem muita comida, muito doce, era uma intimidade com a minha vó e com os meus primos, outros que eu tinha.
P/2 – E quais comidas eram essas na casa da vó, assim, que sempre tinha?
R – Bolo de domingo, que eu lembro que tinha bastante, doce de abóbora e rapadura, melado.
P/2 – Bolo de domingo? O quê que é isso, que eu não sei?
R – Eu não sei explicar assim, porque eu não comia, eu jogava foram, fingia que comia e jogava no lado, no vizinho, mas a minha família toda gostava. Ele era feito num potinho, ela tinha os potes dela, original, mas como ela fazia mais quando tinha visita, pegava pote de extrato de tomate, cortava ele bem baixinho, agora eu não me lembro como que é a massa, mas botava no forno e ele crescia bem grandinho, assim, ficava pequenininho. Parecia cupcake, ele cresce e se eu me recordo, ele era bem gordurento, era muito legal, parece um pouco com bolo de mandioca.
P/1 – Teve algum momento de conciliação com o bolo de domingo?
R – Não, ainda não gosto, ainda não gosto, a única coisa que eu amava era o doce de abóbora dela e os pasteis que ela fazia que era muito bom.
P/2 – Então, vamos falar da escola, né, conta o que você se lembra de ir na escola, assim, a primeira vez que você foi par a escola.
R – A primeira vez… Eu vou me recordar mais da segunda vez, que eu mudei de escola, porque eu mudei bastante de escola. Mas eu lembro que a primeira vez que eu cheguei na escola, eu lembro que eu comecei a pular em cima da mesa, que os meninos estavam chorando e não queriam estudar e sempre o meu sonho foi querer estudar e minha mãe fala isso e eu também recordo. Aí, tava todo mundo chorando no primeiro dia de aula e eu comecei e amontar em cima da mesa e gritei: “Não, fiquem em silêncio, que eu quero estudar e tal”, os meninos chorando e eu me recordado sempre disso, eu em cima da mesa.
P/2 – As suas irmãs ou irmão ajudavam na lição, assim, quando tinha, porque…?
R – Eu sempre quis fazer, eu era bem mais novo, hoje em dia, não, mais, mas bem mais novo, eu queria fazer sozinho, eu pensava que eu era independente e que eu podia fazer as coisas sozinho, mas a minha mãe sempre dava uma revisada, minhas irmãs davam uma revisada, se tava tudo certinho.
P/2 – E agora como é? Você acha que fazer em grupo funciona melhor? Que você…
R – Depende, os trabalhos manuais, eu acho que depende como que a pessoa tá no seu grupo. Quando é tarefa de casa, a gente normalmente faz na escola mesmo correndo, quando não tem tempo, a gente faz na escoa, aí um faz a metade, vamos supor, tem dez questões, um faz cinco, outro faz cinco, então tem 30, divide, dez pra cada um e vai fazendo. Acho que em grupo, às vezes, e é melhor quando é pergunta, agora quando é trabalho, eu prefiro fazer sozinho, na frente, assim.
P/1 – Gustavo, você tá falando do menino que tava super a fim de ir para a escola, chegou lá e aí, você deparou com um cenário, assim, subiu na mesa, enfim, você lembra desse começo ou de algum professor, ou de uma professora de alguma matéria? O quê que você gostava na escola?
R – Olha, a professora que eu lembro, o nome dela é Tercinha, não é Tercinha, mas acho que todo mundo chamava ela de tia Tercinha… Não sei, eu gostava do jeito que ela explicava, não era só professora, era um carinho, né? A matéria que eu gostava mais foi História, que eu fui aprender a gostar de História e Português. Hoje em dia, não mais, mas gosto muito de História e Artes, hoje em dia.
P/1 – E como é que era a rotina nessa escola que você tava lembrando aí agora?
R – Essa aqui, eu estudava de manhã, de manhã, minha mãe me levava… era, eu não lembro, não me recordo muito como que era, mas…
P/1 – Era distante de casa?
R – Era mais ou menos distante, eu lembro dela ainda, ela não existe mais, era na beira de um rio, córrego, acho que é o Córrego Rico, não sei se é, não posso dar afirmação, mas era bem na beira, então, tinha uma descida e a gente que era muito custoso, descia às vezes lá para ir, mas era alto e ia descendo, era um morrinho, assim. Agora não é lá mais, é lá no SESC [Serviço Social do Comércio], mas era muito legal, gostava de lá. Por não me recordar muito, mas era muito legal lá. As coisas que tinha e como que era. Os colegas eu não me lembro mais, mas alguns sim.
P/1 – Você tem alguns que você lembra?
R – Eu tenho uma que até hoje ela é colega, ela foi me seguindo. Eu estudei nessa escola, ela e depois vim para a [Escola Estadual Dr.] Sérgio Ulhôa, aí fui para a [Escola Estadual] Dom Serafim [Gomes Jardim], agora tô na Poli [Escola Estadual Dr. Virgílio de Melo Franco, Polivalente], nós somos amigos até hoje, ela fez teatro comigo, agora não faz mais, mas nós somos amigos, conversamos, saímos juntos, a gente é companheiro de longa data.
P/2 – E conta, por que você mudou tanto de escola?
R – A primeira que eu mudei, eu acho que o horário não dava pra minha mãe, tipo assim, dela cuidar. Aí depois, eu fui pra essa e acabou a minha série lá. Aí, eu fui para o Sérgio Ulhôa, que foi até o quinto ano, aí, eu fui para o Dom Serafim que era até o nono. Aí, depois fui para o Polivalente que é essa que eu estou atualmente, que é a última. Que pretende ser a última, né?
P/2 – E como é que foi pra você chegar numa escola nova e conhecer outro lugar com outras pessoas?
R – Olha, quando eu fui para o Sérgio Ulhôa, eu me recordo que eu não sentia medo, eu sentia assim que com amizade, eu não tinha problema, porque eu sempre fui de criar amizades muito fácil, mas eu tinha medo dos professores, não sei, deles serem bravos, tal. Mas eu nunca tive medo sobre isso. As amizades eram sempre rápidas de criar, mas quando eu cheguei no nono ano, os amigos foram acompanhando, sempre foram acompanhando. A gente via, mesmo que não fosse da mesma sala, a gente acompanhava eles, conversava no recreio.
P/2 – E você teve que fazer alguma atividade para ajudar a sua mãe em casa, fazer alguma espécie de trabalho, assim?
R – Atualmente sim, antes não, antes eu não ajudava porque ela falava: “O Gustavo é novo, ainda não sabe”, mas hoje em dia, sim.
P/2 – Como é que chegou essa proposta dela? O que você faz?
R – Tipo assim, o horário da minha casa é muito corrido, principalmente, o meu horário também não dá, não bate muito com o lá. Aí, precisava fazer almoço, lavar as vasilhas, às vezes, às quintas, sextas e sábados ficam comigo, aí a gente vai e troca o horário que não dá, que a minha irmã não pode ou ela não pode. Eu lavo.
P/1 – Você tava falando que você gostava de História e de Português, depois começou a gostar de Arte, conta o que você viu, na época, o que te chamava atenção em História, nessas disciplinas, enfim…
R – História me chama atenção até hoje, é muito interessante a gente saber quem foram as primeiras pessoas que moraram no Brasil ou na nossa cidade, é muito interessante, parece que a História nunca vai acabar, porque sempre tem uma história para contar, interessava e eu lembro de Pedro Alvares Cabral, eu lembro que eu estudei, que ainda tinha uma música da Xuxa que a professora passou, aí eu sempre me recordo dessa música, era o que eu mais me interessava. Português eu me interessava mais pelas leituras, que tinha gibis ou livros que eu me interessava por Monteiro Lobato, interessava muito.
P/2 – E agora mais jovem, o que você gosta de fazer pela cidade?
R – Olha, hoje eu tô envolvido com a Arte, então, eu quero estar sempre em movimentos culturais, como eu participo do grupo da Casa de Cultura, eu participo já tem quatro anos, o Grupo Cênicas, que é um grupo que leva a cultura para os bairros periféricos, onde a cultura não chega, nem pra crianças e nem para adultos. A gente faz isso, então, eu posso falar que a minha aula é de terça à quinta, mas normalmente, sempre que a gente marca reuniões fora e ensaios fora da Casa de Cultura, pelo nosso Grupo Cênicas, que a gente vai rodando em viagens, também, que a gente viaja também para pegar mais aprendizado, mas movimentos culturais que eu gosto bastante, que tem em Paracatu.
P/1 – Você tá falando de aulas, que aulas são essas? Como assim? Você oferece aulas, você assiste? Como que funciona isso dentro do Cênicas?
R – O Cênicas é um grupo que ele leva a cultura, como eu falei, novamente, leva a cultura para os bairros periféricos e a gente tem um diretor, que é o Guilber, ele participa de vários festivais, ele é professor, ele tem a carteirinha do Satélite e ele dá aula pra gente: oficina, decora texto, ajuda a ser mais dinâmico, a pegar ou tá ali, a cena tá acontecendo, ser mais rápido na cena. E a gente tem oficina dele, a gente tem aula da Casa de Cultura que ele dá, aí fora da Casa de Cultura, a gente tem esse grupo. Esse grupo, a gente faz na rua o ensaio ou na Casa de Cultura mesmo, que a gente tem. Aí, os ensaios são o que a gente aprendeu nos festivais que a gente vai, ou que a gente já foi, já participou, ele traz isso tudo e oferece pra gente, propõe, a gente dá o melhor que a gente pode.
P/1 – Mas eu queria que você contasse pra gente quando que começou esse seu relacionamento com as artes cênicas, como é que foi isso? Como é que se deu os primeiros contatos?
R – Eu fiz natação e eu não me senti bem um dia na piscina e falei: “Não quero isso”, eu tentei procurar alguma coisa que eu gostava e não gostei. Aí, sabia já que tinha teatro na Casa de Cultura e eu sempre gostei de falar, fazia programa em casa, brincava de programa, mas na hora que eu entrei, era totalmente diferente, não tem programa assim, não, na hora que a gente entra pras artes cênicas. Aí, decidi vim na Casa de Cultura pra ver como que era e eu entrei, cheguei e falei: “Queria participar do teatro”, só que eu tava com um pouco de vergonha e tinha muita gente. Tava tendo uns jogos embaixo lá e falei assim: “Será que eu vou ou não vou? Pra conversar? Será que eu vou pedir para entrar?”, e foi eu e a minha amiga, a gente falou: “Vamos, vai!”, botou firme, eu fui e entrei. Aí, quando eu entrei, não larguei mais, estamos aí. Eu entrei na aula e comecei gostando e fui entendendo e estamos aí até hoje.
P/1 – E que espaço era esse, essa Casa de Cultura para você na época, que ainda não era um aluno lá?
R – Pra mim, era uma casa que só era a Casa de Cultura, já fala que pensava, sabe, que tinha exposições, porque a escola levava para as exposições que tem lá, e também, quadros que tem lá, casa histórica de quem que era. Pra mim, só conhecia, não sabia que tinha teatro. Eu vi os parceiros, colegas falando, pra mim era só uma casa, sabe? Tipo, museu, parecendo com museu – entre aspas – mas não tinha essas coisas, não era tão divertido que eu pensava que era.
P/2 – Como foi ir descobrindo essa arte, né, descobrindo o teatro?
R – Foi uma coisa muito nova que não tinha nada a ver relacionado com as coisas que eu fazia no dia a dia, foi surpreendente pra mim, foi surpreendente. Logo que eu entrei, já tive propostas de apresentar, o empenho foi forte e na hora que eu entrei foi uma surpresa. A surpresa, acho que para todo mundo, porque acho que quando as pessoas falam que a gente tá na Arte, tem um preconceito que a minha profissão não é essas coisas. Então, na hora que eu entrei que eu falei que eu tava gostando disso, realmente, muita gente falou: “Você só quer isso por agora e não vai querer mais, é só um passatempo”, e para mim não era, era uma coisa muito importante, que nem escola e é pra mim até hoje importante que nem escola tanto que é importante.
P/2 – Qual foi a primeira peça de teatro que você assistiu?
R – Que eu assisti? Foi do meu professor, que ele foi na minha escola apresentar. Eu não me recordo, mas eu vi uma foto, recentemente, que eu tava na primeira apresentação, essa daí foi o pontapé que eu vi que foi a primeira apresentação que eu assisti.
P/1 – Mas o que mais te chamou atenção assim para as artes cênicas? Foi assistir o espetáculo ou fazer aula de teatro? O que você acha que foi o momento que você despertou e falou: “É isso que eu…”?
R – Eu fui para um festival de teatro que é lá em Teófilo Otoni [MG], eu gostei, eu já gostava, mas eu fui para o festival em Teófilo Otoni mentira, foi um festival que teve aqui, o primeiro festival que teve aqui em Paracatu e eu gostei do festival, mas não tinha me cativado tanto. Aí, eu fui para Teófilo Otoni, para festival de lá que é o FESTTO [Festival Nacional de Teatro de Teófilo Otoni], quando eu cheguei lá no festival, eu entendi que era muito legal, não era só um passatempo, era… que é uma profissão, que cativa a gente, que é uma coisa que tá ligada a gente, aí foi daí que eu decidi, falei: “É isso, isso mesmo que é”. Uma peça que eu assisti lá que me interessou bastante, eu vi as peças e eu falei: “É isso que eu quero, é nisso que eu vou ficar a minha vida inteira”.
P/1 – Você lembra dessa peça?
R – Eu assisti duas, a que eu me lembro que me cativou muito foi um que chamava acho… Eu não lembro se a peça ou se o grupo chamava… Foi uma peça que chamava “Volver e vento”, acho, se eu não me engano ou talvez “Elisabete”, eu não me recordo, que elas, acho que se eu não me engano, era um cabaré, que elas eram prostitutas, não sei... Uma também que chamava “Candelabro”, que era uma mulher pedindo socorro, ela era negra e ela entregava uma chave antes, pra gente, do espetáculo e na hora que você entendia que ela tava presa lá, você tinha que abrir, a chave para ela ser liberta, para sair, quando você entendia que ela tava pedindo socorro, você abria e saía. E aí, foi aí, que me cativou essa peça. Eu voltei para Paracatu com altos pensamentos e foi daí que começou a surgir vários projetos novos, os meus também com o diretor, foi uma coisa legal.
P/1 – Bacana essa cena, né? Forte.
R – Forte. Teve outras, mas pra mim essa [foi] forte aí foi a que mais me interessou, porque acontece isso no dia a dia, existe prostituta, existe gente que o trabalho deles é esse, por causa de alguma coisa que aconteceu na vida deles e isso existe. A gente tem que mostrar isso para o pessoal também que não é só peça infantil, que é só peça de carinho, de amor, que passa, que transmite coisa boa, mas que incomoda o pessoal para ver que existe essas coisas, racismo, diversas outras coisas.
P/1 – E ao se incomodar com isso tudo, como você passou a atuar, a agir para contar com essas histórias para as outras pessoas?
R – Quando eu vi a peça, ela me incomodou bastante porque eu sei que tem na minha cidade, sei que tem em outras cidades e acho que em todas as cidades tem. E eu via gente criticando, sabe, eu falei: “Gente, não sabemos o entendimento dela porque ela foi para essa profissão ou ele foi pra essa profissão”, aí, eu olhei com um olhar diferente e olhei também o que eu estava fazendo, se eu estava sendo preconceituoso quando eu passava perto e até nas peças que eu fazia, se eu estava dando desempenho como eles deram pra fazer, se o meu desempenho era igual… Não igual deles, mas eu queria dar o meu máximo possível que eu queria dar, o que eu podia dar, que tinha o meu esforço, tudinho, se eu tinha esforço ou não.
P/1 – Foi depois do espetáculo desse festival que você passou a frequentar o Cênicas? Como é que foi isso?
R – Não, logo quando eu entrei, eu fiz uma atividade que o professor passou pra mim e ele olhou e falou: “Tá”, perguntou se eu queria entrar no Grupo Cênicas e eu falei assim: “Nossa, eu quero, eu quero isso”, logo, ele me colocou para fazer “Os Três Porquinhos”, aí eu não sei o que aconteceu que eu não podia apresentar na época, eu não podia apresentar, aí eu fiquei só nos instrumentos. Essa daí foi a primeira apresentação. Daí foram outras, que eu já nem lembro o que foi, daí que eu cativei e falei assim: “Eu sou do Grupo Cênicas e eu tô apoiando o meu grupo, sou firme e forte”, e daí foi começando o interesse, foi devagar, foi caminhando passo a passo, lentos e rápidos ao mesmo tempo, porque tinha dias que eu amava, tinha dias que eu chegava mais cansado, por pessoas falarem que isso não dava futuro, mas acho que quando eu entrei, foi uma coisa que me libertou: “É nisso que eu vou ficar”, então, estamos aí.
P/2 – Como que você se sente a fazer uma apresentação num bairro distante que vocês sabem que é mais difícil de chegar a cultura, quer dizer, é uma oportunidade de mostrar a Arte, de compartilhar os espaços com a Arte?
R – Isso, o Grupo Cênicas quer levar a cultura nas escolas, apresentações, peças, oficinas. E eu fui numa escola Olindina Loureiro, eu não lembro o bairro onde que é, mas lá eu vi que logo que a gente apresentou, o povo, sabe, queria mais, queria entender mais, queria saber… Pensaram que a gente era de outra cidade, quem eles não tinham o costume de assistir, quando a gente foi, para eles, foi uma coisa nova, eles queriam amizade da gente. A gente falou: “Somos de Paracatu, mesmo, somos pessoas normais, somos como vocês, só temos profissões diferentes, mas somos normais”, eles abraçaram, cumprimentaram. Eu senti: isso é muito bom, a gente precisa levar isso para outras pessoas que não conhecem, que acabam conhecendo a gente lá no teatro, a gente tem disciplina, a gente tem que ter compromisso, tem que ter horário. Então, na hora que eu vi que eles estavam gostando, aí o coração da gente enche assim, a gente quer fazer mais perfeito, mais ainda. Tem gente que ainda não conhece, a gente pensa que todo mundo sabe o que é cultura, mas tem várias outras culturas que o povo não sabe, não chega até as pessoas, que tem dificuldade de chegar, porque não tem costume de estar nessas coisas, porque hoje em dia tem muito disso separado: apresentação de rico e apresentação de pobre, ou então, apresentação que seja relacionada, então, vai apresentar no centro, às vezes, outros bairros não vai por ser lá no centro, ou então essa dificuldade de locomover também, de estar num bairro muito longe e se locomover até lá, então, se levar, as crianças podem passar para os pais: “Eu quero fazer isso”, e mostrar também que tem o teatro, tem música, tem dança lá nas escolas.
P/2 – Aproveitando isso, eu queria que você falasse preá gente o que é cultura para você.
R – Cultura, como eu posso definir? Eu acho que é difícil de explicar, mas acho que tudo tá relacionado à música, dança, que seja ligado para passar para as outras pessoas, aí não sei explicar. Não sei explicar o que é cultura, mas acho que é isso, levar tudo que a gente sabe para as outras pessoas que não entendem, levar para onde as pessoas não sabem que teatro também é cultura, que música também é cultura, que MPB [Música Popular Brasileira] também é cultura, que várias outras coisas, etc. O que eu posso relacionar aqui que sejam cultura também? Que passa ensinamento, tipo um professor, a gente aprende, mostra pra eles e cativa eles para eles serem cativados e cativarem outras pessoas sucessivamente.
P/2 – E tem uma troca, né?
R – Como assim?
P/2 – Assim, entre duas pessoas, você tá no teatro e as pessoas estão vendo, isso é perto, isso tem essa proximidade com o público?
R – Tem. Uma troca de ensinamento, porque na hora que a gente tá apresentando, a gente vê o rosto, aí vê se a pessoa tá gostando, não tá. É uma troca de conhecimento, aí quando a gente acaba a apresentação e eles vêm falar com a gente, a gente sabe que a gente fez certo, que a gente fez bem feito, que a gente pode melhorar, qual ponto… eles falam qual parte não gostaram: então, eu posso melhorar nesse ponto, naquele. Acho que tem uma troca de conhecimento entre os dois.
P/2 – E como é para você apresentar na rua, assim, ocupar o espaço público com uma arte para as pessoas que estão passando, ver que algumas param?
R – Eu acho que na rua é melhor, a emoção é totalmente diferente do que se apresentar no palco. Normalmente, na hora que você vai apresentar, em lugar fechado, normalmente, em lugar fechado é sempre pago ou não cabe todo mundo, tem máximo de pessoas e na rua, pode ir quem quiser, né, passa e a gente vê bêbado, a gente vê cachorro, a gente vê tudo quanto é tipo de gente passando, gente que para. Aí, na hora que vai enchendo, vai dando mais emoção, mais frio na barriga. Na rua é outro nível, parece que a gente tem mais prazer de fazer, não que a gente não tenha o prazer de fazer em lugar fechado, mas na rua é muito mais emoção. Muito mais frio na barriga.
P/2 – Qual foi a peça mais marcante que você já fez? Que contesta, que você saiu mais satisfeito, que te instigou a pensar, a pensar no personagem, no desenvolvimento do corpo, no palco e aí, você saiu e falou: “Cara, essa foi a mais bacana que eu já fiz até agora”.
R – Eu fiz “O Beijo no Asfalto”, que foi num cinema, apesar de não ser na rua, mas foi no cinema, que eu apresentei, foram quatro semanas mais os estudos, foi quase um ano, a gente decidiu, foi cinco meses, quer dizer, cinco meses de estudo, estudando textos que “O Beijo no Asfalto”, de Nelson Rodrigues, os textos de Nelson Rodrigues são muito polêmicos, que a gente fez e ele incomodou, porque ele me incomodou e acho que incomodou o público também. A gente fez no museu, no museu não, no cinema, encheu a primeira sessão e a segunda também, a gente fez duas sessões. Aí, a primeira sessão que eu fiz, eu olhei, eu falei: “Vou analisar, eu posso melhorar e tal”, na hora que eu tava estudando o texto, eu pesquisei e entendi o quê que era, mas não tinha me cativado tanto. Aí, eu fiz o primeiro dia, a primeira sessão, aí na hora que eu fui fazer a outra sessão, aí eu falei assim: “Vou fazer essa melhor”, eu li o texto novamente, pesquisei novamente e vi assim: “Gente, essa peça é…”. A minha família também foi toda, foi a minha primeira peça enorme que teve, grande, com aminha família, meus amigos todos foram. Também teve cartaz e eu fui nas escolas, e o povo da escola pra mim: “Esse menino aqui tá na peça, ele estuda aqui na minha escola”, e o povo conversando e foi muito bacana. Os vizinhos também foram e falaram: “Ele tava na peça”, e toda a minha rua. E é muito bom, tipo assim, a recepção da galera vendo a gente fazer alguma coisa. Umas pessoas tratam muito bem, tem as pessoas que não tá nem aí, tem as pessoas que não gostam, mas o tratamento do público com os personagens, com os atores é muito bom.
P/1 – Eu queria voltar no processo de montagem desse espetáculo, é um texto clássico assim, mas muitas pessoas não conhecem. Eu queria que você contasse um pouquinho mais do texto e o quê que te incomodou?
P/2 – Quem você foi, né?
R – “O Beijo no Asfalto”, a gente fez uma adaptação. A adaptação que a gente fez, eu não sei se é assim, mas se eu não me engano, o livro é assim, que um homem foi atropelado, eu não sei se o homem foi atropelado, a nossa adaptação foi essa: o homem foi atropelado e antes dele morrer, ele pediu um beijo pro outro na hora que ele tava atropelado, tava agonizando lá no chão, já tinha chegado repórter, todo mundo, tava lotado na rua, foi no Rio de Janeiro e antes dele morrer, ele pediu um beijo. Aí foi a polêmica que ele pediu um beijo. Se eu não me engano, até o homem que deu beijo para o que tava morrendo, ele era político, se eu não me engano. Eu não lembro, eu não me recordo bem, mas se eu não me engano, ele era político e isso deu um bafafá, porque ele beijou um homem. Foi muito tempo atrás, né, não sei o ano que foi que o texto foi escrito, mas isso também até hoje, é surpreendente uma pessoa antes de morrer pedir um beijo, acho que vai surpreender todo mundo, logo esse pedido, podia ter outros pedidos, ele pediu um beijo. Pra mim, surpreendeu isso, sabe? Que antes dele morrer, ele podia pedir um doce ou alguma coisa, outras coisas relacionáveis, ele pediu logo um beijo e acho que isso que me incomodou, assim, incomodou mas não pelo incômodo de eu não gostar, de me cutucar, de falar que isso existe e que não é só coisas que o povo inventa, mas que existe mesmo, sabe? Isso me cativou bastante. E a gente foi montar esse texto, a gente ficou todos os dias, até domingo ensaiando, de segunda a domingo ensaiando, não parava e a gente buscava, via, pegava uma reportagem no livro, via documentário sobre “O Beijo no Asfalto”, entendi, conversava, a gente fez um debate antes de começar, a gente fez um debate para entender com os personagens, como que ia ser o meu personagem. O meu personagem, se eu não me engano foi… Deixa eu lembrar aqui, não lembro, só sei que o meu papel era engraçado, eu descontraía a galera, eu descontraía, eu tô tentando puxar, mas eu não lembro o nome no momento. Mas o meu personagem descontraía, eu caçoava do Arandi, o Arandi que beijou a boca do homem que morreu no texto.
P/1 – E como você faz para construir o seu personagem? Do que você vai atrás? Como você se transforma nele? O que você usa do seu corpo, dos seus estudos para representar?
R – Nosso diretor ajuda a gente bastante, eu também fiz uma oficina em Teófilo Otoni de construção e desconstrução de personagem, fica mais fácil, mas o nosso diretor falou: “Pega alguma referência”, vamos supor, eu vou imitar um bêbado, eu vou ver, vou pesquisar, a gente fala de laboratório, que a gente chama, laboratório é uma pesquisa que a gente fala: ‘Vou ver um bêbado” “Vai na rua, procura um bêbado, observa, ver o que ele tá fazendo, o jeito dele fazer”, a gente olha, mostra pra ele, fala: “Não…”, normalmente o diretor já sabe o que acontece, como é um bêbado, como é certinho, então ele fala: “Você precisa melhorar nisso, precisa melhorar naquilo”, a gente tenta chegar o máximo possível de uma pessoa que tá acontecendo, de um bêbado ou de uma pessoa que tem alguma deficiência, Alzheimer, alguma coisa. Por exemplo, a gente quer estar perto, a gente quer fazer o laboratório para conversar com eles pra saber como que eles sentam, como que ele conversa, como que ele mexe o rosto, como que é a expressão dele. O diretor nosso ajuda muito. O Guilber, ajuda a gente bastante nessa troca de personagem.
P/2 – E o que você sente na rua quando é reconhecido? “Aquele cara tava no teatro”?
R – É muito bacana não por falar que é famoso e tal, mas é por que eu fico feliz que tem gente assistindo a peça, tem gente que tá lá, público, sabe, que eu vejo que não vi a pessoa lá sentada no banco, mas a pessoa fala: “Eu te vi na peça e eu gostei”, aí deixa a gente feliz, que a gente tá fazendo trabalho certo, que é isso que o pessoal gostou e que eu posso, tipo assim, dar um pulo a mais, que eu posso melhorar e aí, tenho mais certeza ainda, quando uma pessoa me reconhece e me elogia, que é isso mesmo que eu quero, aí quando eu vejo isso, eu falo: “É isso mesmo que eu quero, é isso que eu vou dar o melhor de mim”.
P/2 – Quando você sai da cidade para as viagens do teatro, assim, alguma peça ou para esses festivais que você falou de Teófilo Otoni, o que é representar Paracatu? O teatro de Paracatu?
R – Quando a gente chega, em Teófilo Otoni, a gente é muito parceiro de lá e de outros não, mas quando a gente chega… Como é uma cidade pequena, interior, eles pensam outra coisa, né, quando a chega lá para representar Paracatu, que a gente fala que é interior de Minas Gerais, aí: “Tem pão de queijo, né?”, a primeira coisa que fala é quando a gente chega, que a gente fala de Minas Gerais: “Tem pão de queijo, né? Tem queijo? Tem internet?”, até perguntaram isso pra mim, se tinha internet, eu falei: “Gente, claro que tem, é uma cidade de interior, mas a gente tem empresa, a gente tem cooperativa”, que algumas cidades desenvolvem. Quando a gente representa, o povo fica muito na curiosidade, eu fico feliz, tem gente que quer vir, as pessoas ficam loucas pra vir, aí quando vem, amam Paracatu, quando vem pra Paracatu amam, e é sempre bom representar a nossa cidade de onde que eu nasci, de onde que eu vim, então é sempre muito bacana representar a nossa cidade.
P/2 – O que tem aqui na cidade que faz com que as pessoas amem e queiram…?
R – Eu acho que posso dizer a recepção, né? A recepção da gelara é muito… Não sei se é isso, mas acho que a recepção, a comida também, né? As pessoas olham muito por comida, a comida é uma coisa muito boa, acho que todo mundo ama comida, né? Então, a comida, pão de queijo, falam que o queijo de Minas Gerais é o melhor, nossa cidade faz vários pães de queijo. A cidade histórica também, né, na nossa cidade a gente tem muita história, muita, muita, o centro histórico é muito bonito, muito bacana. Acho que é isso, centro histórico, comida, e os povoamentos que têm também.
P/2 – E a gente estudando aqui a história de Paracatu, soube ou sabe que é uma cidade que tem uma relação com o ouro, né, então, como é para quem é daqui? Qual é a relação de quem é daqui com esse morro, com esse ouro, com essa história?
R – Eu posso falar que eu não sou muito relacionado a esse ouro, da minha parte, não muito, eu não sou muito assim, de falar sobre isso, né, mas a relação da galera com o ouro, não sei como posso explicar, acho que todo mundo queria o ouro, né, não sei. Eu me lembro, toda vez que fala relacionado ao ouro, eu lembro do garimpo, não sei explicar sobre o outro, não sei explicar como que é, já tá muito tempo, né, eu nasci, esse ouro já existia, acho que todo mundo quando nasceu, o ouro já existia. Então, pra mim, parece que é uma rotina, é um costume tá ali, esse ouro tá aqui, né? Pra mim, é uma coisa tipo uma rua, tá ali e não tá ao mesmo tempo, né? É engraçado, pra mim é uma coisa normal.
P/1 – Interessante essa imagem do tá e não tá ao mesmo tempo. Você conseguiria explicar melhor o que seria isso?
R – Tá e não tá, o ouro tá aqui, mas eu não tenho ele. É uma coisa que eu posso explicar, ele tem em Paracatu, em outras cidades também tem, mas eu não tenho esse ouro, né, porque pra você extrair ouro tem que ter máquinas, tem que ter vários processos aí, que é difícil de sair, não é igual antigamente que hoje em dia, você não vai achar o ouro no chão, uma pedra: “Achei o ouro, vou pegar”. Antigamente, tinha um garimpo no rio que você garimpava e achava facilmente, hoje em dia não tem isso. Os garimpeiros já pegaram todos. Mas é muito interessante. Tá e não tá, né, isso que eu posso falar de tá e não tá.
P/2 – E o que te faz continuar no teatro, né, quais são as suas inquietações e o que você quer ainda mostrar para o público?
R – Olha, quando eu entrei no Grupo Cênicas, eu vi que ele levava cultura nos bairros periféricos, onde que não chegava e eu me interessei muito disso. Aí, eu falei assim: “Gente, é isso, é isso que a gente tem que fazer, levar a cultura”, que o teatro não é só estar em televisão, pessoal fala muito, quando eu falo: “Eu faço teatro” ‘Você vai estar na Globo, numa emissora…”, primeira coisa que falam é isso, não, tem peças de ruas, tem o teatro mesmo que a gente tá apresentando. E o que me faz manter é o amor, é união. A gente vai para o festival, a gente pega conhecimento, por mais competição que tem de um: “Eu vou ganhar, eu vou ser o melhor”, mas é a união, a união que tem da gente pegar conhecimento e passar, ir passando conhecimento, de um para o outro, não sei. O ator, tem muita gente que fala, tem várias profissões: uma hora eu posso ser médico, uma hora eu posso ser um garimpeiro, uma hora eu posso ser qualquer personagem, eu tenho várias profissões, toda hora eu tenho uma profissão e o amor, o amor e a recepção do público também, é isso que faz eu estar aqui e querer isso para a minha vida.
P/2 – E quais são os temas que você prefere expor para esse público, para você trabalhar e expor?
R – O que eu acho que me interessa mais, que o Grupo cênicas é isso, para as crianças, é mostrar pras crianças peças infantis, que a gente gosta muito, o meu grupo e eu também gosta muito de peças infantis, que chama mais atenção.
P/1 – Você tava falando da paixão pelo espetáculo na rua, né? Você consegue contar de algum, assim, do primeiro, ou o do que você mais gostou de fazer na rua? Por quê que ele é tão interessante?
R – Então, eu participo de um espetáculo, que a gente tá até um ano com ele, que uma aluna agora que foi para a UnB [Universidade de Brasília] fazer Artes Cênicas lá que era uma das nossas parceiras, é parceira nossa ainda, ela ajuda muito a gente, ela fez esse texto que chama “Mulhercatu”, ele mostra as mulheres importantes da nossa cidade, que hoje em dia, tem o caso do machismo, né, que o homem sempre tem as histórias dos homens e não tem as histórias das mulheres, e ela decidiu fazer esse texto mostrando a história de Paracatu, as mulheres importantes de Paracatu e a gente apresenta na rua, a gente roda, a gente apresenta em vários lugares e ele é muito bom, porque o texto fala de pessoas da nossa cidade e é um prazer defender tipo assim, as mulheres também são importantes e esse texto é muito bonito, conta de Martha, conta porque a mulher que fez o símbolo da nutrição, que ajudou fazer o símbolo da nutrição foi uma mulher de Paracatu e tem muita gente que não sabe que na nossa cidade, as mulheres daqui foram pra fora, estudaram e que ajudaram a criar muita coisa e às vezes, as pessoas não sabem que uma mulher de Paracatu ajudou a criar o símbolo de nutrição do Brasil. Então, eu acho que esse texto é muito bom, ele traz muito ensinamento pra gente, todo dia, pra ver a reação do público, também, pra ver que: ”Nossa, eu não sabia que existia essa mulher que criou o símbolo da nutrição morava aqui em Paracatu”, aí você vê a reação deles, você fala: “Nossa, tem que continuar aqui nesse texto, porque muita gente ainda não sabe, muita gente ainda não sabe isso, eu tenho certeza e a gente vai sempre mostrando que na nossa cidade tem mulher importante, não só homens, mas mulheres e homens também.
P/2 – Que outras mulheres têm nesse texto?
R – Agora tá me dando um branco na cabeça, agora, que eu não sei falar… Martha Adjunto que tem…
P/1 – O que ela faz?
P/2 – Essa é a da nutricionista?
R – Se eu não me engano, sim. Vai passando o texto aqui na minha cabeça, Martha Adjunto, eu não lembro, a esposa de um prefeito que criou a APAE [Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais] aqui de Paracatu, tem outras, mas agora na minha cabeça eu não me recordo, que eu tô tendo um branco, não me recordo aqui no momento.
P/2 – E como é mostrar para as pessoas essas mulheres? Quer dizer, em relação a autoestima da cidade, de falar: “Olha só, elas são reconhecidas pelo Brasil inteiro”, como você se sente como um ator mesmo, uma pessoa importante nessa mensagem, de mostrar para Paracatu essas figuras, de mostrar para Paracatu…
R – De mostrar?
P/2 – É, e até pela autoestima da cidade, pelas pessoas que estão assistindo…
R – Quando a gente já fala do texto “Mulhercatu”, a gente já vê que são mulheres de Paracatu, as pessoas já relacionam. Aí, a gente vê que as pessoas já gostam, assim, e já entendem: “É uma coisa legal”, esse texto é muito feminista, eu apoio o feminismo que vai defender que as mulheres existem, que as mulheres estão aí para mostrar que elas têm capacidade, que elas estudam, que não é só para fazer trabalho doméstico, pra fazer várias outras coisas, o que ela quiser ser. E quando a gente entra cantando “O Cravo brigou com a Rosa”, que é uma música, que é uma briga entre uma mulher e um homem, a gente entra cantando essa música que acha que tem tudo a ver com o texto, as pessoas já olham e falam assim: “Nossa, esse texto, essa peça vai ser bacana”, aí na hora que a gente vem falando as falas, que tem as falas, o povo fala: “Gente, eu amei esse texto”, sabe, não sabiam que existiam essas mulheres importantes e sabe, aprecia, falam assim: “Nossa, vocês são de Paracatu, eu não sabia que as capacidades suas são muito boas”, eles acolhem e gostam muito do texto. Então, a gente tem o nosso público que é sempre fiel às nossas apresentações. Eles vão assistir, por mais que eles já assistiram, três, quatro vezes essa apresentação, eles vão e falam a mesma coisa, que amam esse texto, porque conta de pessoas importantes da nossa cidade, não contam da importância de outros textos que já existem que contam de mulheres importantes de outro texto de algum autor famoso, conta de pessoas daqui, de mulheres importantes da nossa cidade.
P/1 – Imagino que todo espetáculo é construído com recorte, né? Não dá para colocar todo mundo e nem todas as mulheres dentro desse espetáculo. Imagino eu.
R – É.
P/1 – Pra você, se você pudesse inserir alguma mulher nesse espetáculo, qual seria, quem seria ela?
R – Se eu interpretasse uma mulher aqui de Paracatu?
P/1 – Não, se você pudesse inserir uma dessas personagens que não couberam na montagem primeira? Você tem alguma mulher que você queria homenagear?
R – Dessas mulheres, se eu pudesse, Martha Adjunto, né, o símbolo da nutrição, ela.
P/1 – Mas ela está no espetáculo.
R – Ah tá, você tá falando de uma pessoa que não está aqui de Paracatu?
P/1 – Que não está e que você tomando a posição do diretor, inclusive, é um outro passo da pergunta, você atua, mas não sei se você dirige também… Como é isso? Mas se você pudesse ser o diretor e pudesse colocar uma mulher nesse…
P/2 – A mais.
P/1 – É, tem alguma que você queria homenagear?
R – A mais? deixa eu pensar, todo mundo vai falar que é a mãe, né? Eu sei que a mãe da gente é importante, mas vou pensar em outra que ajudou a criar Paracatu, né, vamos ver…
P/1 – Fica à vontade, você é totalmente livre…
R – Outro critério, né?
P/1 – Você escolhe, sem medo.
R – Olha, não me recordo de nenhuma no momento, sabe? Não me vem uma recordação aqui, eu si que tem na minha mente, mas não sai nenhum nome, mas são mulheres que lutam, né, eu acho que se eu pudesse expressar ou falar outra coisa, que tá um pouco relacionada, mas as mulheres que lutam aí, que tá aí com a luta todo dia, que faz trabalho doméstico, que lutam para sustentar as suas casas, que não têm marido, que às vezes, são viúvas, ou que abandonaram elas, eu acho que eu queria interpretar uma mulher assim, sabe, uma doméstica que luta para criar os seus filhos. Um personagem assim, que eu teria o maior prazer de interpretar e homenagear elas.
P/2 – E aí, a gente tava falando antes de ir para um outro tema, desse teatro na rua, como é que é? Em que rua que ele rola? O que vocês levam pra começar a peça, se é no meio da rua mesmo e fecha a rua, se é num canto, como é que…
R – Normalmente, a gente não pode falar em que rua que é, porque é muito lugar que apresenta esse espetáculo. A primeira vez que a gente apresentou ele, o povo de Paracatu acolheu muito bem, todo mundo gostou, o prefeito já assistiu, da nossa cidade, o espetáculo, secretários e tal, então, quando eles viram esse texto gostaram. Aí, sempre que tem, a gente sempre chama esse texto, já apresentamos em vários lugares. Mas normalmente, a gente faz em canto, na rua, em lugares históricos, num muro, onde tá história, sabe, no centro histórico a gente normalmente apresenta, ou numa escola aqui perto que dá par ir, a gente vai, mas é no canto, um espetáculo que a gente faz no canto, a gente tem cenários. Os cenários são… Esqueci o nome agora, um cabideiro onde que bota as roupas, que a gente tem troca de roupa, a gente tem instrumentos, a gente tem sanfona, a gente tem prato, a gente tem tambor, a gente tem meia lua, a gente tem triângulo, que a gente toca e tem uma santa também… Esqueci. Falando da santa, lembrei de um personagem, não lembro o nome dela, mas também, que a mulher que colocava as crianças para as cruzadas, para cantar na igreja, essa mulher também é importante e esse texto é muito religioso, tem a santa no canto que fica, aí cada apresentação, a gente muda, a gente tá mudando para não ficar, você acabou de assistir essa apresentação e viu que é a mesma que você assistiu antes, então, a gente tá sempre mudando, cenário, figurino, a gente quer sempre mudar para trazer diferença para as pessoas, não ser a mesma coisa.
P/1 – E o que você tem apresentado ultimamente? Que espetáculo você tem apresentado ultimamente?
R – Ultimamente, eu fiz uma oficina de uma semana com o Richard, aqui no FESTEPA, que é o Festival de Teatro de Paracatu, ano passado foi o segundo festival nosso. Aí, eu fiz uma oficina com ele de palhaço e o que a gente tem apresentado é essas peças infantis, a “Mulhercatu”, que não é infantil, é adulto, para idade que quiser ser e esses reprise de palhaço que hoje a gente apresenta com reprise de palhaço, a gente tem várias reprises de palhaço que a gente vai, que a gente tem mais apresentado.
P/1 – Eu estive na Casa de Cultura, para quem não esteve, conta um pouco o que foi aquilo, como é que se deu essa apresentação.
R – Tem o Grupo Cênicas que é um grupo fora da Casa de Cultura, que não tem nada a ver e tem a Casa de Cultura. A Casa de Cultura, a gente faz a Mostra da Casa de Cultura, a gente estuda quatro meses, nesses quatro meses, a gente faz o que a gente aprendeu, texto, que um professor chega com um texto, ou um texto que a gente quer fazer, professor: “Esse aí dá certo”. Essa Mostra que a gente faz no horário da aula mesmo, normalmente, e a gente faz amostras, monólogos, performance. Eu posso falar mesmo que essa mostra que a gente faz na Casa de Cultura que tem várias peças, várias peças, vários monólogos. Eu fiz a performance, que é uma caixa e nela, a gente pode retratar várias coisas. Nessa caixa, só tinha um homem que era eu e tinham várias mulheres que hoje em dia, existe esse grupo com homem também, existe mulheres que manda no homem, tem poucas mulheres que manda em homens infelizmente, que aqui são aquelas mulheres que são mais valentes se impõem que mostram que tem homens também que obedece a mulher e também a gente vê que a gente também, pela minha cor, né, eu sou negro, então ali pode ser que eu seja um escravo, que a gente botou uma placa escrito: dois reais e um chapéu e a pessoa botava os dois reais, e a gente saía. Só que com um imprevisto, como tinha apresentações e a caixa tava lá, apesar que a galera não colocaram os dois reais que eles não prestaram muita atenção na caixa, eles viram o nossos rostos, não queriam ver a caixa, queriam ver o sentimento que a gente tava passando, nessa caixa, a gente podia expressar o sentimento que a gente queria sair dessa caixa, que a gente quer libertar desse lugar, que aquele lugar tava incomodando a gente, sabe, que existe gente que vive em cativeiro no Brasil que a gente vê, não só no Brasil, no mundo inteiro, a gente queria mostrar isso, que existe isso, para incomodar.
P/1 – E que tipo de cativeiro você pensou para construir o personagem dentro daquela caixa?
R – Quando eu fiz a oficina, essa oficina de performance, a gente estudou que a gente tinha que puxar um pouco da dor que uma pessoa estava sentindo que já presenciou alguma pessoa que já apanhou, ou que viveu dentro de uma caixa presa. Na hora que eu pensei dentro de uma caixa, eu vi, eu pensei, numa pessoa que tá presa dentro de uma casa, que uma pessoa sequestrada… Alguma criança que tava sofrendo ali. Eu tentei expressar uma criança, às vezes, uma criança que tava ali sofrendo, presa num lugar, eu queria expressar. Eu tentei puxar, sabe, muito pelo sentimento dela, só que tinha uma coisa parece que tava me atrapalhando a puxar esse sentimento, mas eu tentei fazer o máximo puxar para ser uma criança que tava presa num cativeiro.
P/1 – E qual que é a sua rotina para o treino de ser ator, de continuar atuando? Então, tem alguma prática que você faz todo dia, tipo, exercício de voz, de corpo? Como é que é isso?
R – Eu acho que quando a gente acaba de levantar, a gente já faz um exercício, né? A gente acaba fazendo o mesmo exercício todo dia, acordar, levantar e fazer. Primeira coisa, eu levanto e já é uma posição: “Olha, já tô levantando para…”, o meu professor faz jogos com a gente e fala da gente fazer uma peça e a gente sempre fazer uma posição de levantar ou fazer algum movimento. Então, quando eu acabo de levantar eu penso assim: esse que é o movimento que eu tô fazendo e esse movimento que eu posso usar na minha peça, pegar um pedaço, por mais que seja um personagem que não seja eu, sou eu Gustavo, é outro personagem, eu pego um pedacinho de alguma coisa que eu vi, acabei de levantar, no meu dia a dia a gente vê, eu ando na rua, eu vejo alguma coisa acontecendo, eu pego aquilo ali: pode me ajudar. E também, os jogos teatrais que a gente faz, apesar das nossas reuniões são terças e quintas, a gente sempre reúne outros dias, o nosso grupo, nós somos muito unidos. Aí, a gente encontra em outros lugares, na casa da gente, une em outra casa e a gente faz jogos pra aprender isso, mudar de personagens, para aperfeiçoar melhor, para melhorar o ator sempre, o nosso diretor faz. Movimentos do dia a dia, eu pego vários. Quando eu vou na rua, eu ando, pego aquele ali que é bacana. E até ele fala: “A gente tá andando, a gente vê várias coisas acontecendo”, eu chego na minha escola, aí tem o homem do portão que tá olhando, aí tem um carro passando, tem a mulher do prédio que tá acabando de descer pra botar o lixo, tem um bêbado passando, tem cachorro latindo, então, se eu for fazer um papel de cachorro, eu posso imitar aquele cachorro que eu vejo todo dia e pra mim seja só um cachorro e não seja nada mais: olha, o cachorro tá latindo, eu posso pegar. O cachorro faz xixi daquele jeito, eu posso imitar o cachorro fazendo xixi. Acho que coisa do dia a dia, a gente pode pegar, relacionar que dá certo.
P/1 – Você tá mostrando porá gente que a prática do ator tá presente em muitos momentos da sua vida. E o que significa pra você, então, fazer teatro?
R – Significado?
P/1 – O que é para você fazer teatro?
R – Eu ainda tenho na minha mente levar cultura para outros lugares, que é o que vem na minha cabeça. Mas o que é mesmo?
P/1 – Você conta dessa missão de levar para pessoas que não têm, né? Mas e para o Gustavo, quando ele acorda e percebe…
P/2 – Ou tá ali, atrás da cortina, cara, vai começar…
R – Força de vontade de fazer sempre o melhor. Eu dou a minha força de vontade, se eu tô dando… Tem dia que a gente não tá bem, que a gente tá doente, mas pode puxar uma força e falar assim: “Quero ser melhor, se ontem eu errei naquele personagem que eu fiz, ou alguma coisa que eu fiz, eu quero ser melhor que aquilo”. Então, essa motivação que dá, da gente ver uma peça, nas redes sociais, eu sigo muito esses pessoais que trabalham com isso, a gente vê uma peça: “Nossa, ele é muito legal, ele é muito…”, ele é ótimo ator. A gente olha pra ele, a gente vê assim: “Nossa, eu quero ser melhor, eu quero dar o meu melhor, eu quero estar ali envolvido no meio, eu quero estar ali mostrando que eu também sou capaz, que todo mundo é capaz de ter um pouco de força de vontade”, então, eu tenho o meu esforço de vontade de chegar lá e ser cada dia melhor, quando eu acordo, penso: hoje eu vou ser melhor. Isso que eu penso todos os dias, dar o meu melhor sempre.
P/2 – E o frio na barriga?
R – É ótimo! Eu amo sentir esse frio na barriga. O meu frio na barriga é na hora que tá acontecendo, normalmente todo mundo fala: “O meu frio na barriga é antes”, vamos preparar, tá acontecendo o frio na barriga e o meu é na hora: eu tô pisando o pé na cena, na hora que pisei, aí [vem] o meu frio na barriga é isso. “Nossa esse frio na barriga é muito bom de sentir, eu quero estar lá e fazer de novo, eu quero o frio na barriga de novo”, e cada dia quando a gente vai apresentar, esse frio na barriga é diferente, não é sempre o mesmo. É um melhor que o outro. Entendeu? É muito prazer a gente sentir esse frio na barriga.
P/1 – Você consegue se ver fazendo outra coisa?
R – Olha, eu já pensei, sabe, porque o povo fala: “Você quer isso mesmo? Isso não dá dinheiro”, eu falo: “Não tô fazendo isso pelo dinheiro, pelo amor que eu quero, eu quero fazer uma coisa que eu goste”, que tem muita gente que tá no meio do trabalho que não faz o que gosta. Conheço várias pessoas que não fazem o que gosta. Aí, eu penso: eu quero fazer isso mesmo, a dificuldade, a gente tem, eu acordo e falo: “É isso mesmo”, eu não me vejo fazendo outra coisa. Eu penso assim, numa segunda opção, mas a segunda opção é quase 1% e olha lá ainda, História. História ainda que me chama, que eu gosto, ou Jornalismo que me chama, mais Publicidade, essas coisas, que tá envolvido também um pouco, é o que mais me chama assim é essas coisas, mas é 1% mesmo. Acho que o resto dos por centos é o teatro, mesmo. Não me vejo fazendo outra coisa.
P/1 – Você tá falando de levar e de comunicar, quando você tá falando de por acaso fazer Jornalismo é uma forma de comunicação…
R – De comunicação, isso.
P/1 – E o quê que você mais queria levar para as pessoas hoje, assim?
R – Levar?
P/1 – O que você acorda na cabeça que você acha assim, importante que você Gustavo tem aquilo que é importante contaminar alguém com isso?
R – O prazer das aulas que a gente faz, porque acaba que a nossa dinâmica que a gente faz tá relacionada a muita coisa, disciplina também, a gente tem disciplina, organizar a nossa vida, a vida da gente a respeito de horário, aí o que eu acho que a gente pode levar é isso, é esse prazer do teatro que a gente tem que é muita união. A felicidade, sabe, que a gente tem, levar isso para o pessoal para eles também conhecer, por mais que não vão gostar que estão ali só por tá fazendo, por ser um passatempo, mas para sentir esse prazer também para ver o quanto é diferente, o quanto que esse prazer da gente é bom, não criticar, porque tem muita crítica não para criticar, para mostrar para ele também é bacana, não é só um passatempo, que não é só: aquilo ali, tal, uma coisinha chata. É uma profissão que é uma coisa boa.
P/1 – E olhando para a cena em Paracatu, quem são os seus parceiros de teatro ou quais são os outros grupos que estão construindo uma cena na cidade?
R – Eu acho que atualmente, nós somos o único grupo que tem. Eu acho, não sou capaz de opinar, mas acho que é o único grupo que tem, a gente do Grupo Cênicas. E a gente, os patrocinadores que a gente tem, isso que você perguntou, não foi?
P/1 – Pode ser também. Os que apoiam e os parceiros que compõem os grupos de teatro, os atores, enfim.
R – Os meus colegas, eles são tipo assim, a gente acaba que os colegas que eu tinha, os da escola são muito pouco… Tá relacionado também comigo, com o teatro, quando eu vou apresentar, eles vão, mas na minha sala mesmo, os meus amigos que não fazem, levo eles para assistir, tá relacionado. E os que compõe o grupo lá é isso, a gente vê direto, a gente todo dia mantem amizade, e conversa e fala: “Gustavo, acerta nisso, Gustavo, faz aquilo”, a gente tá, tem de cada dia um ensinar. Eu sei uma coisa, eu vou passar para ele, ele sabe uma coisa, ele vai ensinar e fica essa troca de ensinamentos, por mais que o diretor ensinou, ele fala: “Conversem entre si”, a gente conversa entre nós, sabe, tem uma conversa para melhorar a gente, o que tá vendo que tá acontecendo errado e melhora, e ajuda na peça, ou no dia a dia da vida pessoal da gente também.
P/2 – Qual é a idade desse grupo, assim?
R – Nossa idade? A gente, a maioria é menor de idade, eu agora vou completar 18, né, mas uns que estão assim, vão completar 17, 18 agora, 15, por aí, que estão conhecendo, que têm curiosidade de conhecer o teatro, são essas idades. São mais essas idades, a Casa de Cultura oferece essa idade, assim.
P/2 – E no grupo?
R – No grupo também. As pessoas que procuram, que têm interessado em entrar, é mais essa idade, sabe? Quinze a 17, 18.
P/2 – E eu queria que você fizesse pra gente um convite, assim, fala pra gente porque é legal da gente ir no teatro e conhecer o teatro.
R – A primeira que eu vou falar, é ter o prazer de assistir uma apresentação, uma peça, uma peça de teatro ou de palhaço, existir aquela emoção de rir ou de questionar porque, uma peça polêmica que teve, você questionar essa peça polêmica e sabe, cativar, porque você tá lá, sem entender que é uma coisa tão bacana que você tá envolvida, às vezes, são personagens que a gente faz até no dia a dia que a gente vê, parece comigo no dia a dia… Não sei. Não sei explicar como meu posso falar pra você porque você tem que ir, mas acho que é o amor que passa a conexão dos atores com o público e o público com os atores, sabe? Tem essa conexão assim. Quando a gente chama, você fala: “Vai que é muito bom, vai ser bacana, vai ser diferente, você nunca vai ver igual”, que sempre é diferente… Eu posso fazer a peça “O Beijo no Asfalto” hoje e outro grupo fizer e não vai ser a mesma coisa. É diferente, então, na hora que você vai, você vê que tem uma diferença, você vê que é diferente, você vê que é muito bacana.
P/2 – Quando você pensa em fazer uma peça, propor uma peça, quais temas que você busca, que são importantes discutir, de mostrar, de passar essa reflexão para o público, para ter essa troca?
R – A gente apresenta muita peça infantil, normalmente, né, mas aí quando a gente vai vim com outra oportunidade, a gente quer sempre trazer um assunto que tá acontecendo no auge, a gente quer trazer esses assuntos que tá acontecendo para ter um debate.
P/2 – Tipo qual assunto?
R – Esse do “O Beijo no Asfalto”, mesmo, a gente pode falar, que trata de homossexuais, trata dessas coisas que tem um preconceito ainda, que existe homofobia, essas coisas, esses preconceitos.
P/1 – Você fez várias falas importantes naquele espetáculo, mas muitas pessoas não assistiram, né, você tem como lembrar pra gente e como que você construiu aquilo? Por que daquelas frases?
R – Me entregaram o texto pronto, já, eu só tinha que decorar, né, e pesquisar sobre. Teve uma pesquisa, eu entrei pata saber quem que era, eu não me recordo, mas eu lembro das minhas falas que eu falava: “Mas então, senhor Werneck…”, lembrei, meu nome era Werneck de “O Beijo no Asfalto”, e eu pesquisei sobre ele, sobre o Werneck, e as minhas falas era: “Mas então, Seu Arandi, o senhor, hein, ficou viúvo…”, o meu personagem caçoava do Arandi por ele ter beijado um homem e tal, minhas fala era essa: “Mas então, Seu Arandi, o senhor, hein, fica viúvo, nem avisa e pra piorar, nem participa”, eu me recordo dessa fala.
P/1 – Mas eu tô lembrando daquele espetáculo na Casa de Cultura.
P/2 – Da caixa. Da caixa da prisão.
R – Sim, da caixa. Sim.
P/1 – Como foi aquilo? Como é que foi se apropriar daquele texto? E que texto é esse?
R – A performance que a gente fez, eu já tinha feito. É a segunda vez que eu faço ela. Essa performance, a primeira vez que eu fiz eram vários homens e uma mulher, foi no auge daquela época em que a mulher que foi estuprada por um monte de homens e tal e a gente fez aqui, em Paracatu na praça, era uma caixa com um monte de luzes e com um pano preto tampado. Nessa caixa, o povo ficava curioso, começou a juntar um monte de gente ao redor. E, na hora que juntou, na hora que tirou o pano e viu que era aquilo lá, foi uma surpresa. E a pessoa pagava a gente, dois reais e saía a pessoa e a gente era escravo daquela pessoa. Na hora que a gente saía, e era escravo daquela pessoa, quem tivesse naquela praça, na Praça Firmino Santana, a gente era escravo dela, faz de conta, você me comprou eu ia ser o seu escravo e você ia me guiar, mas se você saísse da praça, eu não era seu escravo mais, para a pessoa que tava lá e me comprou se sentir incomodado, o tanto que deve ser antigamente uma pessoa que foi comprada e que é mandada, obrigada a fazer alguma coisa, escravo, também, sobre ser comprado para fazer um serviço. A gente levava aquele sentimento para aquela pessoa que tava lá comprando a gente. A primeira vez que eu fiz, eu acho que foi mais tranquilo, não sei, eu não tenho muita vergonha assim, de mostrar, tal, de fazer, mas a segunda vez que eu fui fazer, eu era o único homem, então, a gente andava, eu dava um grito e falava, a minha primeira frase que eu falei foi: “Quem foi o idiota que concluiu que o meu cabelo é ruim?”, a minha primeira frase era essa com uma lâmpada na mão, iluminando o meu rosto e nós descendo a escada que tinha na Casa de Cultura e entrando dentro da caixa. Na hora que eu vi que tinha gente me olhando e gemente falando assim: “Gustavo, amei…”, eu ouvi bem baixinho falando: “Eu amei sua fala e tal”, me dava mais força de fazer, que eu podia puxar mais o personagem, sabe? Então, foi uma coisa que me incomodou novamente, sempre incomoda, me incomodou novamente. Eu também me incomodava e que eu tinha que fazer melhor, estar ali para dar o melhor de mim, sabe? Por isso que foi bom eu fazer aquela segunda vez com o único homem na caixa que foi eu.
P/1 – E o que representa pra você essa frase, poder dizer essa frase num ambiente público?
R – Eu acho que eu levei também essa frase…
P/2 – Com esse cabelo…
R – É, eu acho que eu relacionei um pouco comigo, né? Essa frase foi muito relacionada comigo, não tem como eu não falar isso se eu não tiver cabelo, né? Ou pode, pode até seguir para representar outra pessoa, mas eu acho que eu levei muito pra mim. Eu acho que o meu cabelo é o meu poder que eu tenho, é a minha origem, é mostrar quem eu sou. E eu acho que o meu cabelo me representa, acho que eu não sou eu sem o meu cabelo, que ele me representa. E eu falar isso foi para falar que o meu cabelo é bom, que o cabelo liso… todos os cabelos são bons, mas a medida que botou que o cabelo liso é bom, que o cabelo crespo, o cabelo cacheado não e, eu quis mostrar que o meu cabelo é bom e ponto final e ninguém discute comigo que o meu cabelo não é bom, na minha cabeça, o meu cabelo é bom e enquanto eu puder passar isso para o público também que o meu cabelo é bom, que o cabelo bom da minha amiga crespo também é, que o cabelo da minha amiga é crespo também é bom e de várias outras pessoas que têm cabelo crespo.
P/2 – Repete a frase pra gente agora.
R – Qual?
P/2 – Essa de abertura. Com a lâmpada na mão.
R – “Quem foi o idiota que concluiu que o meu cabelo é ruim?”
P/2 – Agora fala com…
R – “Quem foi o idiota que concluiu que o meu cabelo é ruim?”
P/2 – Tá quase me convencendo.
R – “Quem foi o idiota que concluiu que o meu cabelo é ruim?”
P/2 – Agora me convenceu. Arrepiou.
R – É isso, eu quis mostrar isso, de mim, que o meu cabelo é bom, que eu tenho muito poder com o meu cabelo, sabe? É muito bom mostrar que eu também tenho cabelo e o meu cabelo crespo é bom e que dá às vezes, bem mais trabalho. A gente pode falar isso, né, eu posso ter o cabelo liso, eu posso passar algum alisante, o meu cabelo vai ficar liso. Agora uma pessoa que tem o cabelo liso não vai ficar com o cabelo crespo, quem vai ter um cabelo crespo que quiser? É só quem nasce com o cabelo assim vai sentir que tem um cabelo assim, o tanto que é bom ter esse cabelo.
P/1 – E como que é a recepção? Como que esses seus amigos, enfim, familiares depois desse personagem, dessa performance discutiram uma questão tão politica. Como você sentiu isso?
R – Eu não levo nada pessoal para a família, eu falo assim: “Eu não tenho família agora, eu sou esse performista…” que eu tava fazendo a performance, eu não tenho família, eu não tenho ninguém, eu tenho que sentir uma dor de uma criança e só isso. Na hora que eu terminei, que eu vi a família falando… eles ficam meio assim, né, meio: “É isso que ele quer mesmo? Será? Não é só um passatempo?”, mas eles estão vendo que tá acontecendo as coisas. Eu fiz a minha primeira oficina, quando eu apareci na televisão que mostrei que eu fiz uma peça, eles estavam vendo que as coisas estão acontecendo, acho que eles estão aceitando pouco a pouco esse personagem, a discussão. Eu não discuto muito tempo, em casa dos meus personagens, não discuto, isso eu vou falar, não discuto, a gente não conversa sobre os meus personagens em casa, porque o meu tempo eu dedico lá fora do teatro, às vezes, e eu gosto de surpreender para ver o que eles vão achar, sabe? Aí depois que fala, eles comentam que gostou bastante, que achou polêmico, que não gostou de alguma coisa, sempre falam assim.
P/1 – Qual é a sua produção? O que você tá correndo atrás? O que você tem feito? Você tava contando que estava em reuniões, como é que é a sua vida, o seu cotidiano?
R – Sim, a gente é muito de festivais, esse ano, o Grupo Cênicas vai levar nossas apresentações, nossos atores de Paracatu pra fora, que nós também, Paracatu por ser pequeno, a gente tem atores aqui, a gente vai levar isso e hoje, a gente tá buscando outras apresentações que são surpresa, eu não posso contar, e a gente buscar hoje, eu vou falar uma peça que a gente tá fazendo que é a Mulhercatu com várias, com outra visão, a gente tá pesquisando isso, a gente tá estudando melhor Mulhercatu, conversando com pessoas de Paracatu, com pessoas que conhecem Paracatu, historiadora, a gente pode falar da nossa historiadora que ajuda a gente muito nesse texto, que a gente conversa com ela sobre esse texto relacionado a nossa cidade, a gente conversa com ela e hoje, a gente tá aí, para produzir aqui e levar para fora, para não estar só em Paracatu, para levar para um festival fora, entendeu?
P/1 – Como é que articula isso? Com quem que é feita essa articulação?
R – Então, o meu diretor propõe pra gente, ele conversa, normalmente hoje eu sou mais… Depois desses quatro anos que eu tô na arte, a gente tem uma intimidade muito grande, não de ser só meu diretor, amigo também, eu considero ele muito, demais como amigo e ele conversa: “Tô querendo ir nesse festival e tal”, ele fala: “Eu vou, eu vou tentar ir”, ele fala com a gente. A gente tenta, a gente procura patrocinador, a gente luta pra conseguir ir e a gente pede ajuda pra Casa de Cultura também, a Casa de Cultura tá pra ajudar, a prefeitura também, a gente tem outros patrocinadores agora também. A gente conversa quando entra gente, a gente faz uma reunião, como somos menores de idade, o diretor marca uma reunião coquem as mães e conversa sobre a viagem “Eu vou estar lá monitorando, vai acontecer isso”, o que vai acontecer tudo certinho, ele conversa, as mães liberam, a gente vai viajar. A gente entra em outro mundo quando a gente chega lá no festival. É sempre articulado, a gente sempre articula tudo antes de ir, sempre planeja.
P/1 – Você sabe desses patrocinadores, quem são?
R – A gente tem o Sebrae que ajuda a gente muito e o IFTM que a gente tem um projeto com o IFTM – Instituto Federal do Triangulo Mineiro, campus Paracatu, que a gente tem um projeto que chama Risoterapeutas, a gente tem os patrocinadores lá que a gente faz um projeto lá que é o Risoterapeutas. No hospital, as crianças não têm onde brincar, não tem com quem brincar, com quem conversar... A gente vai no asilo, no orfanato, nas escolas. Risoterapeutas é isso, a gente vai com o Risoterapeutas pra levar para o hospital. A gente já tem, marca no calendário tudo certinho e programa pra ir, para as escolas, para os asilos, para os hospitais e a gente vai com um amor lá que a gente chega lá dentro é outra coisa. Por mais que uma apresentação na rua, a gente vê gente também idosos, mas quando a gente vai para o asilo é outro sentimento, a gente também tá relacionado a isso, o Grupo Cênicas, a Risoterapeutas é trabalho social também, que eu acho muito importante. Muito, muito. Depois que eu entrei para o Cênicas, por participar do Risoterapeutas também eu tive outra visão também, que eu me esquecia que tinha orfanato, que tem criança lá que também não tem teatro lá para eles, que no asilo também não tem, no hospital também não tem, nas escolas também não tem. A gente vai pra lá para levar para eles isso, alegria, conversar, bater um papo. Um dia, a gente tira de domingo só para conversar com os idosos, só com o povo lá do asilo, a gente conversa, eles contam a vida deles pra gente, é um amor. É muito bom.
P/2 – Então, conta pra gente, agora, quais são os seus sonhos.
R – Meu sonho é isso, é eu poder ver o Grupo Cênicas crescer com certeza, eu poder estudar Artes Cênicas que eu quero, com certeza, na Federal. A gente tá lutando, estudando… ah, ia falar isso também: nós do Grupo Cênicas, já temos três pessoas que foram estudar em escola federais, que passaram em Artes Cênicas, pra gente é um orgulho e eu sou um desses que tá lutando pra estar aí, já nas Artes Cênicas, lutar e não querer ter um grupo, mas queria ter um projeto que leva o teatro para as cidades, bairros e locais que não têm, esse é o meu sonho. Então, é sempre na arte.
P/1 – Tem alguma coisa que você acha que você vive na cidade, nasceu aqui, vive aqui… Como é que a cidade influencia no seu trabalho, além de tudo isso que você já contou?
R – Influência, como assim, influenciar?
P/2 – O que é ser de Paracatu?
R – O que é ser de Paracatu? Deixa eu pensar… fala melhor, tem como explicar melhor?
P/2 – O quer que significa a cidade para você, o quer que tem aqui que ajudou a construir o Gustavo, o Gustavo ator, que tá indo na Casa de Cultura aprender mais?
R – Acho que esses projetos que tem em Paracatu, de levar escola, fantoches, essas coisas que foi me interessando que eu sempre gostava dessas apresentações que têm em escola, sabe, ou algum festival que tem, algum festival cultural, alguma coisa que tem, que tem em Paracatu que foi me levando, foi criando eu a gostar da arte, sem falar que o Guilber também me proporcionou isso na Casa de Cultura, se eu não tivesse lá, não tivesse aula lá, hoje eu não estaria na arte, né? Então, acho que ele me fez amar essa área, essa arte.
P/1 – Dentro disso, o que você acha que falta na cidade, se você fosse poder querer alguma coisa?
R – Mais apoios, apoio acho que de diversas partes. Acho que a gente precisa de apoio, da gente ter um apoio pra ajudar porque, às vezes, é muito difícil, muito complicado. Que a gente tem um cenário grande, não dá pra levar pra algum lugar, a gente tem que reformular e conseguir até levar, acho que precisava de apoio, a gente queria apoio.
P/1 – Que história é essa de Passos, que você tava me contando?
R – Ah sim! Tem um festival de Passos agora e a gente tá lá, conversou com o pessoal de lá, vai acontecer. A gente vai dia 15, o festival começa a semana que vem, dia 15, agora começa de junho, o festival de lá e a gente quer ir porque acho que um dos organizadores é Selton Mello, a gente quer ir lá… O Grupo Galpão… A nossa referência hoje do Grupo Cênicas é o Grupo Galpão também, que é um grupo que tá na cidade, que tá no mundo, né, que eles vão pra fora. O Grupo Galpão é excelente e eles vão estar lá apresentando e a gente quer estar lá para pegar dicas com eles, acho que eles estão mais tempo que a gente, se não me engano, são 35 anos que eu vi na página deles, na publicação, 35 anos, então eles têm muito mais tempo que eu, quem sou eu perto deles de 35 anos, né? Então, a gente tá lá para pegar conhecimento com eles, vamos pra lá. Se Deus quiser, a gente vai estar lá, Deus quer que a gente esteja lá.
P/3 – O Gustavo já perguntou isso, eu queria que você respondesse de novo. Quando você falou o que você sente no teatro, comentou muito das outras pessoas para quem você leva e como as pessoas reagem. Mas falando de você, como que é fazer teatro? O quê que você sente? O que representa para você o teatro?
R – Representa… Eu posso dizer que tá me representando hoje… Eu acho que eu falei, mas vou repetir novamente, a recepção do público, porque nós somos todos iguais, eu acho que somos todos iguais, mas quando a gente vê eles, o carinho das crianças e do povo é diferente, e quando a gente vê o carinho que eles demonstram, aí a gente fala assim: “Nossa, isso daí é bacana”, parece que tem o amor deles com a gente que já tem anos que parece que eles já tem um amor com a gente, demonstração de carinho deles, quando eles chega na gente pra pedir pra tirar foto, isso é bacana também: “Deixa eu tirar foto, que eu gostei da sua roupa, gostei de você, gostei do seu personagem”, aí na hora que eles tira foto, eu falo: “Gente, eu fiz bonito, eu fiz certo, ele gostou”, isso que dá mais prazer de ficar, sabe, estar no teatro.
P/2 – Mas assim, de repente o teatro também não é uma possibilidade para você, uma possibilidade de vida, de carreira?
R – Sim, é. Com certeza.
P/2 – De mostrar para outras pessoas algumas questões que te incomodam?
R – É, eu acho que uma peça que questione, uma peça que fala sobre racismo, ou uma peça que… Ou a Mulhercatu também que possa mostrar para o pessoal ensinamentos, entendeu, isso que você perguntou, que leva ensinamentos? Que uma peça pode levar ensinamentos, que não vai levar só uma cultura, uma pecinha que você só vai assistir e pronto, você vai sentar lá e pode levar ensinamentos. Acho que uma peça leva muitos ensinamentos.
P/1 – Você falou de racismo, de preconceito e tal. O preconceito e o racismo são coisas das quais você ouve falar ou coisas das quais você experimenta no seu cotidiano?
R – Eu acho que eu posso falar que eu já vivi no meu cotidiano de ambas partes, da parte da minha cor, do meu cabelo e da parte também do teatro, a gente tem um preconceito com o teatro, cultura. Sabe, relacionado a isso.
P/2 – Como é que é sentir esse preconceito na pele?
R – Eu vou falar primeiro da cor, eu acho que o Brasil inteiro tem pessoas negras, né, gente! Tem muito… Negro é raça, né, eu sou preto. Eu vejo isso que não tem fundamento quando comete algum racismo, não tem fundamento pra falar que não gosta da minha cor, que não gosta da minha cor, do meu jeito de ser, do meu cabelo. Mas a hora que eu vejo acontecendo comigo, incomoda a gente. Hoje, não me incomoda, quando a pessoa fala isso, eu dou uma resposta boa que eu tenho convicção que a minha cor existe, que a minha cor é bonita, que eu gosto da minha cor, que eu amo a minha cor e eu não ligo, entra aqui e sai aqui. Antigamente não, antigamente, entrava e ficava em mim. Hoje em dia, entra e sai por ali eu tô pouco me lixando o que a pessoa tá falando da minha cor e eu vou, chego lá e mostro que eu sou negro, que eu sou preto, que o meu cabelo é crespo, que eu amo o meu cabelo e a minha cor. Hoje em dia não me incomoda mais. Do teatro também a mesma coisa, eu dou uma resposta e mostro que eu tô livre, que nos somos da arte, que nós somos diferentes, nós somos diferentes. A gente tem várias profissões, então a gente é diferente, sabe? É muito legal.
P/3 – Uma última pergunta. Eu vou pegar um monte de gente falando de arte, vários tipos de arte, então vai ter capoeira, dança, um monte de coisa. E você, toda parte que vai aparecer do teatro é o que você tá falando e aí, tem um espacinho lá que é seu. Então, vai chegar um momento do filme que vai ter assim: o teatro em Paracatu e aí, você tem um tempinho para falar alguma coisa. O quê que você fala?
R – O quê que eu podia falar? O teatro em Paracatu? Acho que é superação. Superação que eu posso dizer, superação, forca de vontade. Superação e força de vontade, que é muito difícil. Acho que em cidade pequena, o teatro… em cidade grande também é difícil, mas em cidade menor é pior ainda, acho que é mais difícil ainda de convencer o público, sabe, que tem o teatro. Acho que é superação e forca de vontade. É minha vida.
P/1 – Acho que é isso. Queria agradecer a você a disponibilidade de estar aqui com a gente, participar desse projeto. E é isso, Gustavo, muito obrigado.
R – O prazer foi meu.
FINAL DA ENTREVISTA
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