Projeto Memória de Habitantes
Entrevistado por Thiago Majolo
Depoimento de Reginaldo Teixeira da Silva
Rio de Janeiro – 22/03/2010
Entrevista FUM_CB003
Realização Museu da Pessoa
Transcrito por Keila Barbosa
Revisão/Edição – Paulo Rodrigues Ferreira
P/1 – Reginaldo, vou começar ...Continuar leitura
Projeto Memória de Habitantes
Entrevistado por Thiago Majolo
Depoimento de Reginaldo Teixeira da Silva
Rio de Janeiro – 22/03/2010
Entrevista FUM_CB003
Realização Museu da Pessoa
Transcrito por Keila Barbosa
Revisão/Edição – Paulo Rodrigues Ferreira
P/1 – Reginaldo, vou começar perguntando o seu nome completo, onde você nasceu e a data.
R – Meu nome é Reginaldo Teixeira da Silva. Eu nasci em Minas Gerais e vim para cá com um ano de idade. Nasci no dia 27 de julho de 1985.
P/1 – Quando você veio para cá, você veio para a Rocinha ou veio para outro lugar?
R – Eu já vim para a Rocinha.
P/1 – Veio com seus pais, já?
R – Eu vim com a minha tia. Eu nasci com um problema na perna e lá não tinha retorno, como fazer a operação. E eu vim para cá com a minha tia. Aí, acabei ficando e não voltando mais para lá.
P/1 – Naquela época, claro que você era muito pequeno, você não lembra, mas quando você era pequeno, como era a Rocinha e o que mudou para hoje?
R – Ah, aqui mudou muito. Ela não tinha saneamento básico, água era muito difícil, tinha que carregar água no balde. Hoje mudou praticamente tudo, tinha barraco era de madeira.
P/1 – E agora? Onde você mora agora? Você e quem?
R – Agora sou eu e a pessoa com quem eu casei. Só nós dois.
P/1 – Você tem filhos?
R – Não, é muito cedo ainda para ter filho (risos).
P/1 – A casa é sua? Alugada? Como é que é?
R – É dela, a mãe dela que deu para ela.
P/1 – E quando você veio morar com os seus tios?
R – Quando eu vim morar com a minha tia, era da minha tia. A casa era da minha tia.
P/1 – Eu queria perguntar acerca da sua experiência pessoal. Como é que foi viver na Rocinha durante a formação dela? De esgoto chegando, de encanamento, aquele monte de coisa? Como é que foi viver nessa época? O que mudou na sua vida?
R – Ah, mudou. Para mim mudou muito. Eu tinha o objetivo desse projeto que teve - eram 27 garotos - o rapaz me ensinou que tinha que ser exímio e mérito. Aí eu entrei nesse projeto. Quando não tinha nada para ganhar dinheiro, eu carregava bolsa no mercado, aí eu conheci esse rapaz que era o meu professor, ele me ensinou a fazer pintura. Era uma escola que chamava Rumo- Comando das Cores. Hoje acabou, e aí é cada um por si. Os garotos, agora... É cada um por si.
P/1 – Como é que era? O que vocês aprendiam lá era desenhar? O que era?
R – Era desenhar, pintar. Tinha que ir para a escola, não podia ficar fora da escola. Eu ia para a escola de manhã, e de tarde eu pintava.
P/1 – E aí você ficou nessa escola. E quando acabou o projeto, você saiu da escola? Como é que foi a história?
R – Acabou o projeto e aí eu continuei lá na barraca. Acabou o projeto e hoje eu tenho a minha barraca e trabalho para mim mesmo.
P/1 – E aí você parou de estudar naquela época, ou você parou por outro motivo?
R – Não, eu só fiz até o primeiro. Eu tive que parar quando eu aprendi a fazer a pintura; aí parei.
P/1 – Por que acabou o projeto? Você sabe por que acabou?
R – Acabou. Os garotos já tinham aprendido também. Uns seguiram o caminho do tráfico, dois morreram.
P/1 – E aí, teve alguém que virou, como você, artista? Dos 27, quantos viraram?
R – De 27, tem uns sete.
P/1 – Que trabalham com isso?
R – Mas os outros... Os outros também não quiseram seguir. Mas trabalham, têm trabalho.
P/1 – O que foi para você então? Esse projeto foi o que mudou a sua vida?
R – É, foi o que mudou a minha vida e que me dá tudo hoje. É através da pintura que eu sobrevivo.
P/1 – Ah, então conta o que você faz. Você pinta, você expõe onde? Aqui dentro? Ou fora?
R – Ah, eu exponho lá em cima, acho que vocês passaram lá em cima, na barraca.
P/1 – Ainda não, ainda não.
R – Eu exponho lá em cima, na barraca, onde os turistas param para ver o artesão. É uma calçada e tem as barracas todas armadas. Eles param lá, que é a Favela Tour, a Jeep Tour, a Indiana. Vem várias empresas de turismo.
P/1 – Reginaldo, e fora esses trabalhos, você faz trabalho também de guia, não é? Como é que é?
R – É, fora esse trabalho aí, que eu passo meu telefone, como esse... Tem um amigo que eu conheci, a amiga dele, que veio por uma empresa de turismo, aí eu falei para ela: “Se você quiser vir conhecer dentro da comunidade, eu posso andar contigo aí”. Eu passei o telefone para ela, ela me ligou, aí veio e conheci mais uma.
P/1 – Mas por conta própria, assim, não é?
R – É, por contra própria. Foi rápido. Eu passo o telefone para a pessoa, depois me liga e aí vamos embora para conhecer. Para conhecer a maior favela que tem, porque a empresa só mostra um pedaço da favela para eles. Vê as pessoas lá embaixo, falam que aqui na comunidade é perigoso. Mas quando as pessoas chegam aqui dentro, veem que é diferente.
P/1 – Aí você não quis se vincular a nenhuma agência. Está fazendo porque você gosta mesmo de mostrar.
R – O que eu mostro aqui... Lá embaixo, até as pessoas do hotel passam medo para os turistas, falam que é perigoso e tudo na comunidade. Mas quando eles chegam aqui dentro e começam a andar, e os moradores os cumprimentam, as crianças ficam: “Money, Money.” Ficam todos cumprimentando, eles veem outra coisa, é diferente. As empresas que vêm, só mostram um pedaço da comunidade para eles. Eu já mostro tudo, eu já começo a andar do alto do morro e vou até lá embaixo. E também tem uns amigos meus que moram aqui e também são guias de turismo.
P/1 – E quanto tempo você leva para fazer? Assim... Tipo, dura um dia?
R – Eu comecei com oito horas nesse projeto, agora estou com 24.
P/1 – É bastante tempo, não é? Deixa eu te perguntar: como é que é? Eu sei que mudou muito, mas como é que é a relação, assim, com os vizinhos, com a comunidade, como é que é esse tipo de coisa? Porque é muito mais próximo do que na cidade, que não é comunidade.
R – É. Para mim, aqui não é... Para mim, agora a Rocinha está virando um bairro, não mais uma favela. Porque já chegou saneamento básico, hospital, tem tudo. Para mim, é uma cidade dentro de uma cidade. Tem bancos... Aqui você não precisa sair para fazer nada. Vamos supor que eu pague uma conta. Tem a Caixa Econômica para pagar a conta, tem o Bradesco. Então, para mim, é uma cidade dentro de uma cidade.
P/1 – Por exemplo, quando você era pequeno, você começou muito cedo esse projeto de pintar e tal. Você tinha alguns sonhos, quando pequeno? Você lembra disso?
R – Ah, eu nem imaginava que ia saber pintar. Porque, antigamente, eu... A escola era... Para eu arrumar um dinheiro, tinha que ir para a porta do mercado, aqui nas Sendas, ficava na porta do mercado. Eu nunca imaginei que ia chegar a pintar.
P/1 – O que você gosta de pintar? Assim... O que você pinta normalmente?
R – Ah, eu pinto mais as favelas e as paisagens.
P/1 – Tipo o entorno, assim, os morros e tal?
R – Os morros, com o Cristo, com o Pão de Açúcar...
P/1 – Reginaldo, qual o problema que existe dentro ainda da Rocinha, de habitação? O que tem de problema aqui para você? Assim... Nas casas... O que falta nas casas? Nas ruas? O que você acha que está faltando?
R – É que agora está uma polêmica, que as pessoas estão... Aqui, dentro da comunidade, tem umas que estão querendo tirar os garis comunitários. Eles que varrem, pegam o lixo. Se tirar, vai piorar. Em vez de tentar melhorar para a comunidade, vai piorar mais ainda. Eles estão querendo tirar os garis comunitários.
P/1 – Eles não são da Prefeitura? Eles trabalham na comunidade?
R – É, eles trabalham dentro da comunidade, através da Associação. Eles são os garis comunitários. Agora está uma polêmica para tirar. Várias pessoas que vão perder o emprego.
P/1 – E vai entrar quem no lugar deles? Vai entrar a Prefeitura?
R – Aí não sei quem vai entrar no lugar deles. Ou se é a Prefeitura ou se vai ter outro projeto a não ser o gari comunitário, e não sei qual outro que vai entrar.
P/1 – E fora isso, você acha que, assim... Como já chegou luz, já chegou tudo, agora você acha que o problema da habitação, das casas, está resolvido ou você acha que ainda tem alguma coisa para melhorar?
R – Porque agora também a obra do parque está demorando muito. Porque as pessoas vão ganhar apartamento, as pessoas que moram na área de risco vão ganhar apartamento, está mudando tudo.
P/1 – E na sua casa, onde você mora, você acha que poderia melhorar?
R – Melhorar, assim... (risos) Eu me sinto bem dentro da minha casa.
P/1 – Eu queria te perguntar, Reginaldo: você deve ter passado algum momento na sua vida em que você sofreu algum preconceito, discriminação por morar em favela. Teve algum momento em que você passou por isso?
R – Já passei. Teve uma vez que eu fui até entregar um quadro para um hotel, que a turista pediu para eu deixar na recepção. Eu fui passar na porta do hotel, o segurança que estava do lado de fora perguntou para mim aonde eu ia. Só que ele me tratou mal e eu o tratei um pouco mal também, porque ele me deu uma resposta, aí eu dei outra resposta má para ele: “Eu não tenho nada para falar contigo, mas é para eu ir lá na recepção”. Aí ele falou: “Você não vai entrar.” Aí eu me senti maltratado e a turista chegou e criou uma confusão.
P/1 – Você acha que tem muito... Assim... Morar em favela tem muita discriminação ainda?
R – Tem muita discriminação.
P/1 – E com autoridade, com polícia e tal, ainda também tem muito ou melhorou?
R – Tem muita discriminação. Quando tem operação na favela e você fala que é trabalhador, a polícia chega, pede a identidade, você tem que falar rápido o nome da sua mãe, o nome do seu pai. Se você gaguejar, eles ficam lhe batendo. Isso mesmo aconteceu comigo. A última vez... A última operação que teve, foi até lá na barraca, eu lá, eu fui para dentro. Teve os tiroteios, eu corri para dentro do bar, chegou o policial e pediu a minha identidade. Aí pediu, porque eu estava nervoso, os tiros, e me perguntou o nome do meu pai e o nome da minha mãe, tudo rápido. Aí eu gaguejei na hora e ele foi e me deu um pescoção. E eu me senti discriminado também.
P/1 – E essas operações, tem bastante? Tem muitas vezes ou tem menos agora?
R – Estava menos. Porque foi uma coisa surpresa também. No dia em que eles vieram aqui, estava todo mundo desprevenido porque foi no horário de escola.
Não passava pela cabeça de ninguém que ia acontecer aquilo que eles fizeram na última operação que teve aqui.
P/1 – E problema de violência, como está agora? Na sua opinião, assim... Na comunidade, tanto a violência de tráfico quanto a violência policial, como está agora?
R – Para mim, dentro da comunidade, a gente tem problema só quando tem polícia. Assim... Quando não tem polícia, a comunidade está tranquila.
P/1 – Você já participou de algum movimento para reivindicar melhorias ou movimento para melhorar alguma coisa? Você participou de alguma coisa?
R – Não.
P/1 – Você não teve vontade nunca ou acha que não é a sua praia?
R – Ah, eu tive vontade, mas nunca tive a oportunidade. Aqui para lá tem, mas só no Vidigal. Que é o “Nós do Morro”. Aí, se você tiver que ir para lá tem que pagar duas conduções todo dia.
P/1 – Entendi. Então, o maior problema para você é chegar até o Movimento.
R – É, chegar até o Movimento.
P/1 – Mas se você fosse, o que você queria pedir?
R – Se eu chegasse, eu ia querer lazer. Tem aquele negócio de afro reggae, que eu acho legal e aqui não tem. Aqui, dentro da comunidade, não tem. Não sei como, porque está tendo tudo agora com o Movimento que existe dentro da comunidade, o Centro Esportivo da Rocinha. Para mim, eu acho que eles vão trazer para cá esse Movimento do afro reggae.
P/1 – Mas o Movimento Cultural tem que ter mais na Rocinha? Fora o que você faz, sem ser a pintura, o que tem de forte aqui, de Movimento Cultural? Assim... Gente que dança e que canta, o que tem forte aqui?
R – Forte?
P/1 – Assim, bem marcante. Porque você disse que o afro reggae não tem, não chegou ainda, mas tem gente, como você, que pinta, por exemplo. Que é uma coisa. O que mais que tem? Tem muitos músicos? O que tem, assim?
R – Ah, tem muitos músicos, tem as pessoas do samba, uns grupos de pagode. Eu acho que até eles fizeram uma participação na novela. O grupo de pagode chama-se Pura Amizade.
P/1 – E o Carnaval? O Carnaval tem uma Escola, não tem?
R – É, a Escola é a Acadêmicos da Rocinha.
P/1 – Você participa dela, ou não?
R – Não. Porque as pessoas aqui dentro da comunidade não são muito dedicadas ao Carnaval. Por isso que eu acho que a Escola está no grupo de acesso, porque as pessoas da comunidade não se dedicam muito ao Carnaval, como lá na Mangueira. Se tiver um negócio na Escola de Samba é só a Escola, é só o samba. Aqui já é tudo misturado: é samba, é forró, é tudo misturado; então as pessoas não se dedicam muito à Escola de Samba.
P/1 – Perguntar assim, na sua cabeça, sem nenhuma resposta certa, o que significa alguém falar para você: “Todo mundo tem direito a moradia, todo mundo tem direito a um lugar digno”. O que é isso para você? Assim... Uma ideia, o que significa na sua cabeça?
R – Para mim significa que a pessoa tem que lutar também para ter uma moradia, para ficar bem na vida. Tem que lutar para você ter alguma coisa na vida.
P/1 – Qual é o seu sonho pessoal para a Rocinha? O que você gostaria de ver nela, no futuro?
R – Não, porque eu já estou vendo o Hospital que chegou e ninguém imaginava que ia chegar; 24 horas de Hospital, assim, e está chegando. Pouco a pouco está acontecendo.
P/1 – Você não tem mais nada... Assim... Um grande sonho de ver, ou você acha que é aos poucos que se consegue?
R – Ah, aos poucos vai conseguindo.
P/1 – Você acha que uma pessoa sozinha, assim, ou como você, ou uma pessoa de um Movimento Social, tem como mudar a realidade? Ela consegue mudar, fazendo uma luta, ou você acha que é muito difícil?
R – É muito difícil a pessoa lutar sozinha, tem que ter o Movimento para incentivar a pessoa também. Não adianta você estar sozinho e não ter um incentivo de outra pessoa, tocar o projeto para frente.
P/1 – E aí, você gostaria, então, tipo, de ter outra oportunidade de participar de mais Movimentos?
R – Ah, gostaria!
P/1 – Reginaldo, basicamente é isso. A gente quer agradecer e queria convidar também para um dia, quando você for a São Paulo ou a gente vier para cá, você contar a sua história para o Museu, contar com mais calma, desde a infância, para a gente entender melhor. Obrigado por você participar, de estar com a gente.
R – Eu é que agradeço. Eu nem sabia que vocês viriam aqui hoje. Eu estava até dormindo, porque eu tinha ido para o baile funk com os turistas ontem, aí estava até dormindo e ele me ligou. Muito obrigado por ter esta oportunidade, de estar falando da minha história de vida.
P/1 – A gente agradece mesmo. Obrigado mesmo.Recolher