Entrevista de Graciele Davince
Entrevistada por Luiza Gallo e Bruna Oliveira
São Paulo, 11/08/2021
Projeto Mulheres Empreendedoras - Ernst & Young
Entrevista PCSH_HV1003
Realizado por Museu da Pessoa
Transcrita por Selma Paiva
Revisado por Giulianna Ramos
Revisado 2 por Bruna Ghirardello
P/1 — Vamos lá! Graciele, pra começar eu queria que você começasse se apresentando, dizendo seu nome completo, data e local de nascimento.
R — Meu nome é Graciele Davince Pereira, eu nasci na cidade de Paracambi, interior do estado do Rio de Janeiro.
P/1 — Que dia?
R — Eu nasci dia 28 de maio de 1976.
P/1 — Quais os nomes dos seus pais?
R — O meu pai se chamava Antônio Monteiro Pereira e minha mãe, Maria Adalgiza Pereira.
P/1 — Você sabe um pouco da história deles, como eles se conheceram?
R — Minha mãe morava em Paracambi e minha avó por parte da minha mãe morreu jovem, em um parto e os filhos foram divididos para os irmãos da minha avó. E minha mãe ficou com os tios que moravam em Pirapetinga, interior de Minas e, numa oportunidade pra escola e trabalho, ela foi morar em Paracambi. Meu pai nasceu na cidade de Muriaé, interior do estado de Minas e meu avô, em busca de emprego, foi trabalhar em Paracambi, em uma indústria de aço que tinha lá. E meu pai, filho mais velho da família, acabou deixando Muriaé, pra acompanhar meu avô em seguida pra cidade de Paracambi, porque depois todos os filhos e a família inteira se mudaram para Paracambi. O meu pai sempre foi empreendedor, acho que muito da minha personalidade de empreender e não ter medo dos desafios, foi muito em função da energia do meu pai. A gente tem várias histórias de família, que ele era inventor, inventava foguete, fazia mil coisas em casa, explodiu a cozinha da casa deles, sempre muito, inovando muito em tudo que é tipo de coisa de solda, de pólvora, ele adorava essas coisas de máquinas, não é à toa que ele se tornou um super técnico. O meu pai teve paralisia...
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Entrevistada por Luiza Gallo e Bruna Oliveira
São Paulo, 11/08/2021
Projeto Mulheres Empreendedoras - Ernst & Young
Entrevista PCSH_HV1003
Realizado por Museu da Pessoa
Transcrita por Selma Paiva
Revisado por Giulianna Ramos
Revisado 2 por Bruna Ghirardello
P/1 — Vamos lá! Graciele, pra começar eu queria que você começasse se apresentando, dizendo seu nome completo, data e local de nascimento.
R — Meu nome é Graciele Davince Pereira, eu nasci na cidade de Paracambi, interior do estado do Rio de Janeiro.
P/1 — Que dia?
R — Eu nasci dia 28 de maio de 1976.
P/1 — Quais os nomes dos seus pais?
R — O meu pai se chamava Antônio Monteiro Pereira e minha mãe, Maria Adalgiza Pereira.
P/1 — Você sabe um pouco da história deles, como eles se conheceram?
R — Minha mãe morava em Paracambi e minha avó por parte da minha mãe morreu jovem, em um parto e os filhos foram divididos para os irmãos da minha avó. E minha mãe ficou com os tios que moravam em Pirapetinga, interior de Minas e, numa oportunidade pra escola e trabalho, ela foi morar em Paracambi. Meu pai nasceu na cidade de Muriaé, interior do estado de Minas e meu avô, em busca de emprego, foi trabalhar em Paracambi, em uma indústria de aço que tinha lá. E meu pai, filho mais velho da família, acabou deixando Muriaé, pra acompanhar meu avô em seguida pra cidade de Paracambi, porque depois todos os filhos e a família inteira se mudaram para Paracambi. O meu pai sempre foi empreendedor, acho que muito da minha personalidade de empreender e não ter medo dos desafios, foi muito em função da energia do meu pai. A gente tem várias histórias de família, que ele era inventor, inventava foguete, fazia mil coisas em casa, explodiu a cozinha da casa deles, sempre muito, inovando muito em tudo que é tipo de coisa de solda, de pólvora, ele adorava essas coisas de máquinas, não é à toa que ele se tornou um super técnico. O meu pai teve paralisia infantil quando era criança e no quintal de casa tinha laranja, então ele vendia laranja no trem, que ia de Paracambi até a Central do Brasil. E, numa dessas idas e vindas, ele acabou conhecendo um técnico, que usava o trem pra fazer as compras de peças para consertar eletrodomésticos em Paracambi e ele pediu pro técnico, para um dia ele acompanhar no serviço e foi aí que ele acompanhou a profissão, que é o que eu vivo hoje. A gente hoje tem um varejo de peças, mas toda nossa vida começou com meu pai como técnico, assim que ele começou o ofício, lá em Paracambi. E ele conheceu minha mãe, entre um trabalho e outro, acabou conhecendo minha mãe e se casaram jovens e tenho eu e mais dois irmãos.
P/1 — E como era sua relação com seu pai e sua mãe?
R — A minha mãe era dona de casa, aquela perfeita. De bolos deliciosos, acolhia todo o pessoal da rua, ela vendia Tupperware, vendia roupa de cama, que ela comprava de Minas. Era outra, também, super vendedora, querida pelo bairro, naquela época que telefone era um patrimônio, a gente colocava telefone no imposto de renda. E meu pai tinha telefone, minha família tinha telefone em casa, então toda a vizinhança vinha usar o telefone. O telefone ficava na sala, bem na estante, do lado da TV. Era muito engraçado porque, às vezes, a gente estava ali, no maior conforto e as pessoas ligando pras famílias, para dar sinal de vida, porque nada era tão tecnológico quanto é hoje. Então, filha de mineiro, a casa sempre tinha comida, arroz, feijão, todo mundo que ia pra visitar a gente sempre comia. Cafezinho, típico de mineiro. E o meu pai era muito inventivo, levava a gente pra viver aventuras no mar, sabe? A gente sempre teve o mar perto, em Mangaratiba, a gente tinha uma casinha muito, muito humilde, então ele desafiava a gente no fundo, eu e meus irmãos, pra nadar. Tinha prancha, caiaque, a gente teve uma infância super divertida, muito motivada pelas ousadias do meu pai.
P/1 — E seus irmãos são mais velhos, mais novos?
R — Eu sou a irmã mais velha de uma família de três irmãos e a gente cresceu juntos, entre brigas e confusões porque, eu menina e dois meninos, eles super agitados, então era uma infância diferente da infância atual, que a gente podia brincar muito livre na rua. Eu era a garota garoto, porque eram todos meninos, então eu os acompanhava nas peripécias. Tenho minhas pernas até machucadas, de tanta brincadeira que a gente fazia e foi uma infância muito legal, a gente se dava muito bem e crescemos juntos, com essa coisa do meu pai sempre associar os amigos dos amigos, sabe? A gente tinha uma família muito conectada. O bairro, ou os filhos dos amigos, sempre era com muita gente em casa.
P/1 — E você conheceu os seus avós?
R — Eu conheci o meu avô, na verdade o pai do meu pai, quando eu era muito jovem. Eu tenho foto dele, acho que até os três anos, o avô Brás. A avó por parte de mãe eu não conheci, porque ela morreu no parto de uma outra irmã da minha mãe, no caso uma outra tia e conheci esse avô Brás, que era casado com a minha avó. Já tinha outra pessoa morando com ele, lá em Paracambi mesmo e a parte do meu pai, meu pai tinha, numa cidade onde ele morava, aqui do ladinho de Paracambi, um bairro, na verdade, de Paracambi... eu estou aqui lembrando agora das imagens da casa, da casa cheia de bicho, tinha galinha, tinha pato. A gente frequentava a casa dos avós e a casa dos bisavós também. A minha avó fazia doce de leite, doce de figo e ela trazia, às vezes, num saquinho de leite, antigamente o leite vinha num saquinho de plástico, assim, pra gente comer. Era, assim, um amor. E o meu avô era muito, muito, muito bravo, o avô Domingo, mas eu era a neta mais velha, eu fui a primeira neta de toda família, então eu desenvolvi uma paixão por ele, assim, um amor por ele, que eu podia tocar o corpo dele, então eu fazia cosquinha nele e todo mundo ficava morrendo de medo dele fazer alguma coisa comigo, porque tipo: “Como ela é audaciosa, de tocar nele!” Porque ele era meio que o avô intocável, sabe? Mas eu, como menina, acho que a primeira neta, ele tinha um amor, então, tudo era permitido com Graci. Meus pais iam pra Mangaratiba, às vezes, porque eu estava machucada por ter brincado com meus irmãos, machucada na perna, arranhada, assim e eles não queriam me levar, pra eu não ficar passando mal por lá e, às vezes, me deixavam na casa dos meus avós. E era um paparico só. Eu lembro de uma vez, uma coisa mais linda que eu tive na casa dos meus avós: eu dormi lá e à noite eu tive um sonho, que me deixou muito alegre e eu ria, ria, ria. E eu acordei rindo, com minha avó sentada na minha cama e rindo da minha risada e isso foi tão marcante pra mim, de uma conexão assim, de afeto, sabe? Eu tive uma infância realmente muito rica, com essas presenças carinhosas, de todos os lados.
P/1 — E do que você gostava de brincar? Quais eram suas brincadeiras favoritas? Vocês brincavam na rua?
R — A gente brincava na rua em Paracambi a gente tinha uns morros perto, então a gente escalava morro, andava de bicicleta, eu tive coelhinho da Índia, não sei se vocês conhecem o que é isso e meu pai falava: “Se você quer ter bicho, você tem que cuidar”. Então, eu e meus irmãos, a gente ia pro mato, pra cortar mato, pra poder alimentar os bichinhos, mas eles se procriam, assim, numa velocidade muito rápida, então a gente tinha que acordar muito cedo, pegava o mato com orvalho, úmido ainda, pra trazer, pra alimentar os bichinhos. Até que a gente pirou, porque dava maior trabalho pra cuidar e doou os bichinhos. Então, a gente tinha cachorro também. O Scooby Doo, eu lembro dele, que depois ele sumiu e a gente ficou enlouquecido com o sumiço do cachorro, do Scooby Doo. E a gente brincava mesmo de piscina, tinha piscina no quintal, piscina Tone, aquelas de plástico. Como eu te disse, a minha casa era meio que o celeiro da vizinhança, então, tudo acontecia lá em casa: churrasco, a gente tinha mangueira no quintal, uma árvore grande, sabe? E tinha fruta. Era tudo muito família, mesmo. E a gente tinha essa casa em Mangaratiba e a gente ia praticamente todos finais de semana pra lá. E lá a gente ficava no mar, meus pais ficavam, às vezes, pescando, ou meu pai gostava de tomar uma cervejinha e, às vezes, parava num bar, enquanto a gente ia se divertir com os amigos. Então, eu brincava muito na rua mesmo, de bicicleta, pique-esconde, de queimada, coisas de infância, que era muito bacana.
P/1 — E você sabe a história do seu nascimento, sabe como seus pais escolheram seu nome?
R — Essa é uma história bacana, mesmo. Minha mãe e meu pai queriam muito ter um filho, né? E eu fui a primeira filha, então super desejada e eu fui a primeira neta de toda a família da parte do meu pai e da parte da minha mãe, então, depois que eu nasci, eu fui super paparicada. E minha mãe trabalhava num hospital como uma enfermeira, não de formação, mas trabalhava num hospital em Paracambi. E tinha uma menina com nome de Graciele, que estava muito doente, então ela fez uma promessa que, se a Graciele que ela cuidava ficasse boa, quando ela tivesse uma filha, ela ia botar o nome de Graciele. Agora eu não lembro, eu conheço, sou amiga da Graciele, minha xará, né? Eu acho que a Graciele nasceu pouco tempo antes de mim, sabe? Acho que minha mãe logo engravidou de mim, muito rápido. Perto desse momento. E aí eu tenho o nome de Graciele por causa disso, porque a Graciele ficou boa e eu tive o nome de Graciele, por causa disso.
P/1 — E, na sua infância, você pensava o que você queria ser quando crescesse, era uma coisa que vocês conversavam, você e sua família, sobre isso, ou não?
R — Agora, falando o nome, eu esqueci, que acho que vale a pena complementar, meu nome é Graciele Davince, mas eu não tenho nada de Davince. O meu pai era um grande maluco pelos inventores, tarado pelo Darwin, pelo Da Vinci. Ele é autodidata, ele fez até a quarta série na escola, mas era autodidata. Pra refrigeração ele tinha todos os livros, ele estudava sozinho e, como um caso de inspiração, acho que ele queria muito que eu fosse um Leonardo Da Vinci, me deu esse nome de Graciele Davince. O meu irmão se chama Leonard Darwin, que era outro super fera, que meu pai admirava muito. E o meu irmão mais novo se chama Antônio Monteiro Pereira Junior que, afinal de contas, ele era muito esperto, botou o nome dele no filho, que também queria que fosse um cara muito esperto. Então, assim, essa história dos nomes todo mundo brinca com a gente. E eu sempre falo que isso conecta, apesar de eu não ser Da Vinci, ter esse nome diferente, ele me abre muitas portas, até comerciais, que acham que eu tenho alguma origem de fora daqui do Brasil e tudo. É muito curioso isso, gente. E, falando da pergunta que você falou, me perdi.
P/1 — Só se você, ainda pequena, pensava no que você queria fazer, quando crescesse? Vocês conversavam sobre isso, assim?
R — Eu sempre fui muito fã do meu pai, daquela coisa da oficina. E era uma oficina mecânica bem humilde, mesmo, com um monte de lata, de peça suja, óleo, não era uma coisa super organizadinha e eu passava no meio da oficina, porque a casa era nos fundos e eu passava no meio da oficina pra ir pra escola, pra estudar e eu sempre desejei tomar conta daquilo, ser a líder daquilo tudo, sabe? Eu sempre tive esse desejo no meu coração. E, conforme eu fui crescendo, tinha uma fantasia de escritório, que a gente vê nos filmes, aquilo tudo bonito, a mulher de saia lápis, pura ilusão. E aí eu peguei e comecei a trabalhar num escritório, até por muita motivação dele também. E com dezesseis anos eu fui emancipada, pra poder ser sócia dele na empresa e eu comecei a ir pro escritório, não sabia como tomava conta de nada. Então, eu fui pra trabalhar de graça no escritório da nossa contadora Maria de Lourdes, para aprender o que era uma nota fiscal, o que era uma duplicata pra, com isso, poder, então, tomar conta do escritório direitinho. Porque, muitas das vezes, eu nem sabia o que eu estava fazendo ali, esquecia de pagar uma conta, porque não tinha controle, não tinha formação. Então, eu trabalhei de graça no escritório de contabilidade, aprendi muitas técnicas de organização e apliquei isso na empresa e, por isso, por ter trabalhado no escritório de contabilidade, eu fiquei super motivada a fazer Contabilidade. Aí fiz um curso técnico de Contabilidade. Naquela época o curso dava o certificado, pra gente poder ser uma contadora, mas, de fato, nunca exerci a profissão de contadora, mas serviu de base pra eu aprender um pouco sobre finanças, sobre controles. E com dezesseis anos, então, eu tive oportunidade, com dezessete anos, meu pai já era credenciado, meu pai era um técnico. E, pra melhorar de vida, ele foi à São Paulo. Ele contava que ele botou um terno, ia com uma maletinha. Imagina meu pai todo técnico de terno, assim. Se arrumou todo, pra poder ir pra São Paulo, bater na porta da Brastemp Semer, que na época não era ainda uma empresa internacional como é hoje, a Whirlpool, para ser assistência técnica. O que quer dizer isso? Quando sua lavadora novinha para, ou sua geladeira para, você chama o serviço de garantia, para fazer o reparo. Então, a partir daí, ele conseguia ter uns serviços recorrentes. E em 1982, ele foi credenciado para ser assistência técnica Brastemp e atendia a região de Paracambi, Mendes, Vassouras, uma região no entorno da cidade, porque Paracambi é uma cidade que tem 55 mil habitantes, é muito pequena. E essa coisa de trabalhar para essas empresas grandes foi muito bom, porque sempre tinham técnicas de administração novas. Eu lembro que a gente teve e-mail muito cedo e não era uma coisa comum dos negócios, porque a companhia já tinha e-mail. Então, lá em Paracambi poucas empresas sabiam até o que era e-mail, a gente teve que implantar o sistema de e-mail, pra poder falar com a fábrica. E eu tive a oportunidade, com dezessete anos, de ir pra São Paulo, pra fazer um curso de Qualidade Total, com a Fundação Christiano Ottoni, que era uma referência naquela época, patrocinada pela Brastemp Cônsul, pra gente poder colocar mais excelência na administração da oficina. Então, ir pra São Paulo me abriu a cabeça, eu falei: “Nossa, olha que mundo é esse!” E aí, quando você sai de São Paulo e chega em Paracambi, era um choque. Caramba! Mas desde sempre isso me motivava muito a pensar fora da caixinha. Eu queria ter aquela administração, eu queria ter aquela coisa bacana de uma empresa grande e eu acho que essas oportunidades é o que, de fato, transformam a vida de todo mundo. Ainda que você, naquele momento... eu não tinha condições de ter uma empresa grande naquele momento e nem era, de fato, grande, mas ter visto aquele mundão me encheu de esperança, de visão: “Um dia eu quero ser igual a eles, quero crescer”. E, então, respondendo sua pergunta: eu queria, eu sempre quis. Não sabia muito como, e a vida acabou, foi, na verdade, se encarregando de mostrar o como.
P/1 — E ainda pequena você acompanhava seu pai no trabalho?
R — É muito legal isso que você está falando, porque hoje, a minha empresa, a Eletrofrigor, tem muito dessa dor. Quando a gente é pequeno, ainda mais trabalhando com refrigeração e tudo, é uma vida que não tem uma expressão bonita. Meu pai era muito humilde, então não tinha roupas bonitas, o carro estava sempre desgastado e eu acompanhava meus pais nas compras. Paracambi não tinha nada de comércio de refrigeração, então a gente ia pro Rio de Janeiro, pra cidade do Rio de Janeiro, fazer compras e eu era grudada nele, então ele me deixava numa loja e falava: “Você fica quietinha aí, não sai daí, que eu vou de loja em loja comprando o que eu preciso, daqui a pouco eu venho aqui e te pego”. Eu lembro que uma vez ele comprou uma garrafa de Coca Cola enorme e me deu um copinho de café e falou: “Vai tomando a Coca Cola aí”, pra me enrolar, pra eu não sair dali, enquanto ele fazia compras. E muitas vezes eu vi meu pai sendo maltratado, sabe, assim, meio... as pessoas olhavam com desdém, porque ele não expressava riqueza, valor. E isso me incomodou tanto, eu falei: “Um dia eu ainda vou fazer alguma coisa diferente, pra mudar isso.” Eu nunca vi essas dores também como fraqueza, eu via sempre como oportunidade. Então, até a humildade, eu lembro da gente ir no Banco, fazer pagamento de contas e tudo e ele ia de chinelo de dedo, todo largadão. E eu sempre tive essa humildade, mas eu percebi que, ao longo da carreira, a gente tem que cuidar da imagem, porque ele teve a sorte de estar numa cidade pequena, numa outra geração e de ter pessoas que o ajudaram, mas muitas vezes, se a gente não cuida disso também, a gente perde grandes oportunidades. Mas eu viajava muito com ele pro Rio, muitas vezes para fazer as compras e daí veio essa inspiração, de fazer um varejo diferente e, depois de tanto tempo, foi quando eu criei a Eletrofrigor.
P/1 — E essa atividade era mais sua com seu pai ou seus irmãos também participavam?
R — Também participavam algumas vezes, eu não era assim… eu acho que, porque a gente era menina e pai, que é muito comum eu ouvir isso, até nas histórias de amigos próximos, os meninos também interagiam bastante nessa situação da oficina. Meu irmão começou consertando ferro de passar roupa, liquidificador, o Léo. E meu irmão mais novo entrou muito depois porque, como a gente era, eu e o Léo, eu sou de 1976, o Léo eu acho que é de 1978 e o Junior é de 1981. Não parece, mas cinco anos, quando a gente tem quinze, dez anos, é muita diferença. Então, o Junior entrou bem mais tarde nos negócios. A gente vivia na oficina, vivia o mundo, as viagens, meu pai viajava pro Pantanal e sempre levava os meninos e eu nunca fui, mas eles iam pra pescar piranha, tinha o acidente da piranha morder a mão ou o pé dos irmãos. Ele sempre foi muito da natureza, do mar e acho que isso trouxe muita liberdade pra mim e pros meus irmãos, sabe, de conquistar o mundão.
P/1 — E você lembra do seu primeiro dia na escola?
R — Na escola? Eu lembro de umas imagens do jardim da infância, que eu sinto cheiro do mingau que eu tinha, às vezes, eu sonho com isso. Sinceramente, é uma lembrança até que me emociona. Em Paracambi, o uniforme era quadriculadinho. Minha mãe tinha várias fotos, que na infância sempre passa alguém pra tirar umas fotos, não tem umas coisas dessas? Antigamente tinha isso (risos) e vendia quadro, vendia um monte de foto. Eu tenho umas fotos dessas até hoje e tenho amigas que eu tenho até hoje, que são da escola e mais do colegial, do segundo grau. Não lembro, assim, do primeiro dia, mas lembro de várias passagens bacanas que a escola conecta a gente, não só com professores, mas com amigos que a gente leva pra vida.
P/1 — E teve algum professor marcante?
R — Teve a Joanita, que faleceu recentemente, de Geografia, que fazia muitos trabalhos em conjunto, a gente tinha que unir os grupos pra fazer mapa, maquete. E ela era muito brava, muito brava, com todo mundo. E depois teve a única vez que eu fiquei de recuperação na escola, foi na oitava série e a Maria de Fátima, professora de História, me deixou em recuperação e eu fiquei arrasada. Eu tinha uma dificuldade de assimilar história, a história mesmo. E ela era muito sisuda, pouco falava com as pessoas, era brava, então morria de medo dela. E, quando eu fiquei de recuperação, eu achei que fosse perder o ano, por conta dela, com medo dela me reprovar mesmo por poucos pontos. Foi a primeira vez que eu passei muito perrengue na escola, com a Maria de Fátima, no último ano, na oitava série, com História. Acabou que eu passei e ela até foi à formatura, tem um professor que dá o diploma pra gente, né? Eu esqueci o nome que dá pra dele, paraninfo, não sei. E aí, ela quem entregou pra gente. E eu tremia, na hora de receber, a abracei e falei: “Ah, eu achei que fosse ficar reprovada”. Eu lembro desse momento de medo, na escola. E, de restante, mais alegria mesmo, porque eu tinha uma vida bem fácil com a escola. Eu não tinha muita dificuldade, a não ser mesmo em História.
P/1 — Então, você passou a vida toda nessa mesma escola?
R — Eu estudei numa escola de jardim de infância pública, estudei em escola pública, até a sexta série. Fiz jardim da infância no Gato de Botas... não, nessa escola pública. Gato de Botas foi meu filho que fez. Depois eu fui encontrar a Joanita como dona do Jardim da Infância onde meu filho estudava. Eu fiz escola pública, da primeira à quarta série, perto da minha casa e era uma escola muito humilde, meu pai doou ventilador, doou bebedouro, fazia consertos pra escola. Depois eu estudei numa escola estadual, até a sexta série e depois eu fui pra escola Colégio Cenecista, que eu fiz a sétima, oitava série e depois o segundo grau em Contabilidade, que naquela época tinha outros nomes, né? E, logo em seguida, fiz faculdade particular de Administração.
P/1 — E você falou que começou a trabalhar com dezesseis anos, quando foi emancipada. E como foi esse momento, pra você? Seus amigos também trabalhavam, ainda não? Teve uma diferença grande? Como é que foi?
R — Não, ninguém trabalhava. E eu acho que a vida tem muitas conquistas e renúncias envolvidas nisso. Mas eu te confesso que eu amava estar ali e ter tido meu nome na empresa me trouxe uma responsabilidade, assim, que eu sou o meu nome e, como eu sou o meu nome, tive que honrar esse nome, do ponto de vista dos controles, dos processos, com as pessoas que viviam comigo e é uma coisa que me trouxe, como um guia pra minha vida. Então, foi muito marcante, porque eu falei: “Caramba, e agora?” Um pouco disso. Foi bem marcante, sim.
P/1 — E, nessa época, como era sua rotina? Você trabalhava meio período, mas você se divertia? Você saía com os amigos?
R — Olha, essa fase do segundo grau, depois que eu entrei na faculdade, tem uma passagem bem importante. Eu trabalhava durante a semana normal, final de semana saía com os amigos, fazia bagunça de adolescente, ia pra festas, que a gente morava em uma região muito de fazendas, então tinha festa de peão boiadeiro, aquelas coisas do interior e a gente sempre ia. Ou, então, fazia na minha casa, que meus pais eram muito festeiros, como eu disse. Ou, então, a gente ia pra Mangaratiba direto, meu pai carregava todo mundo, a gente ia e depois recebia todo mundo na casa, pra poder a gente comemorar o Carnaval, minha mãe cozinhava pra todo mundo, era muito conectado. E logo que eu terminei a Contabilidade, eu ingressei pra fazer faculdade de Administração e aí tem uma coisa de extrema superação: na minha família, ninguém tinha curso superior, eu falei que eu ia fazer o curso superior e estava namorando o pai do meu filho. E entrei na faculdade e, poucos meses depois, eu entrei na faculdade no primeiro semestre, em fevereiro e em março eu descobri que estava grávida do Nelson, que é meu filho, que tem hoje 24 anos. E foi muito desafiador, porque com vinte anos você é uma garota. E eu falei que eu queria terminar a faculdade, queria o filho, queria tudo ao mesmo tempo agora, então eu não tranquei a faculdade. Quando o Nelson nasceu em setembro, em 24 de setembro de 1996, eu fiz um rodízio com a minha sogra e a minha mãe e Nova Iguaçu é uma cidade que fica a sessenta quilômetros de Paracambi, onde eu estudava, então, no carro elas iam me ajudando a levar o Nelson pra escola e, nos horários dos intervalos, eu amamentava o Nelson, pra eu não perder o ano letivo. E eu fazia todas as provas, fiz tudo direitinho, foi muito desafiador. No ano seguinte o Nelson já tinha parado de amamentar. Então, eu trabalhava de dia, estudava à noite, chegava em casa em torno de onze horas da noite, tinha uma babá que me ajudava, mas ela fazia o Nelson dormir, pra ela assistir televisão à noite. Então, quando eu chegava em casa, onze e pouco, o Nelson estava ‘elétrico’ e eu passava grande parte do tempo amamentando, embalando o Nelson e ia dormir duas horas da manhã, alguma coisa nesse tempo. E, no dia seguinte, ia trabalhar com essa rotina o tempo todo. Eu sou muito magrinha, hoje eu peso em torno de 57 quilos, mas, naquela época, eu acho que eu tinha uns 48. Então, eu perdi muito peso, porque eu disse pra mim que não ia trancar nada, que ia tomar conta de tudo. E concluí a faculdade, com monografia entregue no prazo, nota nove na monografia, assim, super orgulhosa. Tem foto do Nelson bebê de colo e eu toda arrumadinha pra formatura, com ele lá pequenininho. Foi uma temporada muito desgastante, mas, assim, muito honrosa e feliz. Eu falo pra todas as mulheres que não desistam de seus sonhos, tem sempre um monte de anjo que aparece na sua vida: a minha sogra, a Dona Yoshi e minha mãe me ajudaram muito, muito, muito nessa temporada, pra que eu conseguisse concluir a faculdade com sucesso.
P/1 — E como foi se tornar mãe? O que a maternidade representou, pra você?
R — Um outro desafio. Primeiro que é um amor, assim, incondicional, uma coisa que só quando a gente tem, que a gente entende. Agora, jovem, você tem vários conflitos emocionais. Você falou da farra, de tudo, acabou tudo e eu fiquei como mãe e assumi isso de verdade, então, com educação, com tudo e tinha um casamento que não era um casamento muito parceiro, que não me ajudava. Por exemplo: à noite, podia ter ficado um pouco com o Nelson, mas não ficava: “Ah, você que escolheu isso, então se organiza”. E, mais tarde, ser mãe e conjugar tudo isso é muito desafiador mesmo, até, ainda mais com um casamento difícil, eu tive um casamento muito, muito difícil mesmo, quando o Nelson era bem pequeno, nem tanto, mas quando ele tinha em torno de seis, sete anos, começou a ficar impossível o relacionamento e é uma outra decisão muito difícil pras mulheres. Eu acho que a minha independência financeira sempre me deu essa liberdade, de fazer as escolhas que me trouxessem equilíbrio e satisfação pessoal. A minha família também sempre foi muito minha parceira, porque não é fácil. Quando eu me separei do meu marido, minha mãe já tinha falecido. Minha mãe faleceu muito jovem, com 54 anos, então, foi realmente desafiador porque, quando você se separa do marido, também é uma separação da família do marido e fiquei mais comprometida com a educação dele e pra conjugar toda essa carreira profissional, tudo isso ao mesmo tempo. Não foi fácil, mas hoje nós somos superamigos. A gente é muito parceiro, mesmo. O Nelson está aqui comigo, acabou de se formar pela PUC, em dezembro do ano passado, em Física, pela PUC e está indo agora... trabalhou numa startup, como programador de games e está indo pra Suécia, para estudar numa escola lá na Suécia, ficar lá uns dois anos e meio, para se tornar ainda mais ‘fera’ naquilo que ele gosta. Isso é um grande orgulho, uma grande conquista. Quando a gente olha pra trás, a gente se emociona em saber como a gente pode transformar nossa vida.
P/1 — Então, me conta uma coisa: você, com dezesseis anos, foi trabalhar junto com o seu pai. O que era... a Eletrofrigor já existia? Como foi esse início na sua carreira, no seu trabalho e como foi desenvolvendo tudo isso?
R — Era uma oficina mecânica e tinha o escritório, onde a gente tinha o controle das ordens de serviço. Os chamados eram por telefone. Eu trabalhava no estoque, conferindo as peças que saíam e voltavam, depois fui trabalhar no telefone, depois fui trabalhar no arquivo, depois fui trabalhar no financeiro. Fui trabalhando em vários lugares. Aquela experiência na contabilidade ajudou muito, porque eu comecei a entender como as coisas funcionavam, a rotina do escritório e comecei a organizar um pouco - depois que fui pro escritório de contabilidade, que eu voltei - até arquivo mesmo, onde colocar o papel, como me relacionar com os funcionários e eu lembro que a gente tinha uma oficina, que a gente pintava geladeira. Tinha uma máquina que a gente fazia pintura da geladeira e um cliente reclamou que a pintura não tinha ficado boa e eu fui lá na oficina, pra dar uma dura no técnico, cheia de autoridade, nos meus um metro e sessenta e o cara era um cara enorme, o Sullivan, no meio de todo mundo eu fui lá e dei uma bronca nele, falei: “Sullivan, a cliente reclamou que a pintura não ficou boa e tal, tal, tal, tal, tal, tal”. Ele morreu de vergonha, me chamou no cantinho e ali eu aprendi a primeira lição de liderança: “Graci, tudo bem você me contar que não ficou bom, mas na frente de todo mundo, não, né? Estou morrendo de vergonha, me chama no cantinho”. E aí aprendi ali a primeira lei: respeite, elogie em público, mas dê bronca no particular. E foi aí que começou a história de liderança, também, de ser respeitada, mesmo tão pequena, tão magrinha, mas conquistar, com respeito, a confiança da turma. E comecei a fazer conta, quanto que a gente vendia. Meu pai tinha um carro velho, que a gasolina acabava no meio do caminho, porque não tinha mostrador funcionando, nada disso e eu falei: “Pai, vamos começar a fazer conta, pra gente melhorar isso aqui. Quanto a gente fatura?” E aí, contabilidade, né? Fiz o curso de Contabilidade e comecei a ver: caraca, não dava pra comprar um carro zero nunca, com aquele faturamento. E foi daí que começou a nascer o desejo de que a empresa crescesse, pra gente ter melhor qualidade de vida. Começando a ver os números, com o conhecimento que eu estava começando a aprender na escola e incomodada com a qualidade de vida que a gente tinha, naquela época.
P/1 — E você sempre teve muita liberdade pra falar, seu pai dava voz?
R — Esse negócio de feminismo eu descobri há pouco tempo, porque lá em casa era todo mundo igual. Então, eu criticava, meus irmãos criticavam, meu pai era uma pessoa muito além do tempo dele, muito mesmo, nesse sentido. Meu pai e minha mãe, porque até receber as pessoas não tinha nenhum protocolo. Os funcionários, às vezes, estavam com a gente lá, no meio da gente, respeitavam meus pais, independente de serem ou não chefes deles. Então, essa liberdade e confiança era muito bacana. Acho que a gente cresceu, assim - como vou explicar? - como pessoa, por conta disso. “Você vai? Então, tá bom, não volta pra reclamar, vai lá e faz”. “Olha, tem que dar certo, hein? Olha o que você vai fazer”. Mas no sentido ‘olha o que você vai fazer’: “Você quer fazer, vai, mas se responsabiliza pelo que deu”. Então, era uma liberdade com responsabilidade. Uma vez eu peguei o carro do meu pai sem ele saber e fui andar pela cidade. E não tinha gasolina, a gente subiu uma serrinha e acabou a gasolina. Fiquei desesperada, por causa do carro escondido e falei: “Meu Deus, como é que eu vou levar esse carro pra casa? Meu pai não pode descobrir que eu peguei o carro dele, porque ele vai dar bronca, porque ele fala: ‘Se vocês fizerem qualquer coisa, o carro tem que estar na garagem’”. Ou seja: ele sabia que, de vez em quando, a gente fazia umas fugas. E como eu faço isso? Cara, desci de ré, eu e uma amiga descemos de ré, desce do carro e ela: “Vem pra cá!” Descemos a serrinha de ré e, quando chegou na base da serrinha, tinha o quê? Um circo. Circo mesmo, circo de palhaços, aqueles antigos, que armavam nas cidades e tal. Bati lá no circo: “Moço, pelo amor de Deus, uma garrafinha de gasolina, só uma garrafinha, só pra eu chegar em casa”. Fizemos amizade com todo mundo do circo, botamos gasolina no carro, corri pra casa, acabou o passeio, amiga. Deixamos o carro em casa no outro dia, como se nada estivesse acontecido: “Bom dia, pai, bom dia”. Maior perrengue. Então, assim, a gente não podia levar problema pra ele. Então, era liberdade com responsabilidade.
P/1 — E demorou um tempo pra deixar de ser um serviço, um negócio pequeno e familiar, até começar a vender as peças e para atacado? Levou um tempinho? Como foi esse trajeto?
R — Foi bastante tempo, a gente ficou… eu tive o Nelson em 1996 e a gente trouxe o negócio pro Rio em 2004, porque a Whirlpool falava muito... porque aí já era a Whirlpool, né, quando a gente vendia a peça lá em Paracambi e descobrimos um potencial nesse negócio de peças, que era vender para outras lojinhas. Então, criamos um atacadinho a partir de Paracambi, primeiro. Só que nessa coisa de trazer as peças pro Rio, a gente tinha as despesas de caminhão, porque estava no interior do estado do Rio. Telefone, naquela época, DDD a gente pagava até entre cidades, que era caríssima a conta. E, quando foi no final de 2003, a Whirlpool falou que ia mudar o modelo de negócio e ia credenciar várias lojas em todo Brasil, inclusive no estado do Rio. Aquilo nos chamou atenção, porque eles iam credenciar clientes nossos. Então, a gente ia deixar de vender algumas coisas, por conta disso. E aí, 2003 a gente estava inseguro de vai, não vai e aí, em 2004, aconteceu um monte de coisa horrível na minha vida. Minha mãe teve um infarto fulminante e faleceu em 26 de janeiro de 2004, de coração. E minha mãe já era separada do meu pai e tinha uma paixão. Eles se separaram no meio do caminho, ela era ciumenta demais do meu pai e meu pai era muito independente, então, não conseguiram conciliar isso e ela faleceu e eu comecei a me questionar, porque eu tinha um casamento que não era legal e falei: “Acho que eu não quero continuar vivendo isso”. Eu sofri violência doméstica e acho que as mulheres têm que enxergar isso e falar mais sobre isso, deixar de ser tabu e dizer que a gente tem como continuar além disso, existe uma outra vida além disso, fiz muita terapia pra ajudar. Tem que tirar, mesmo. Eu falo que eu tirei uma mochila, a deixei no caminho, pra poder seguir leve. A mochila foi boa, porque ela me deixou mais durinha, a carreguei um tempo, me deixou mais forte e isso me deu a base pra gente ter a liberdade, a alegria e a leveza que tem hoje. E aí comecei a repensar o meu casamento, porque eu a ouvia muito falar: “Ele vai voltar, ele vai voltar”, até no leito de morte, isso mexeu muito comigo. E, quando foi em março daquele ano, de 2004, eu decidi que eu não iria mais viver o casamento. Não foi fácil. Eu tive que deixar meu filho em casa e fui morar com meu pai no sítio, a gente morava num sítio super humilde, eu tinha uma casa confortável com meu marido e o deixei lá, com muita terapia, para poder entender que era esse o melhor movimento naquele momento. E, quando foi em setembro de 2004, eu e meu irmão viemos abrir um negócio no Rio, no bairro de Bom Sucesso e eu ia e vinha pra Paracambi, pra poder dividir o papel de mãe, né? E daí que começou essa nova vida, que não era a Eletrofrigor ainda, nada disso, Eletrofrigor existe há dez anos. A gente está falando aqui em 2021 e eu fundei a Eletrofrigor em 2010, depois de uma outra separação.
P/1 — Mas como foi esse movimento, até chegar a fundar a Eletrofrigor?
R — Então, a gente veio pra fazer o atacado em Bom Sucesso e eu tinha muitas divergências com meu irmão, que era meu sócio. De novo, eu já tinha passado por uma vida de um casamento muito difícil e acho que, na verdade, talvez ele nem seja tão durão quanto eu pensava, mas eu acho que eu já não estava mais legal com a comunicação. E a gente passou por um problema, a gente foi assaltado na empresa, eu estava lá presente, aquilo me marcou muito e eu falei: “Quer saber? Eu acho que é outro momento pra eu refletir muito e dar a volta por cima”. Então, em 2010, a gente se separou e juntei o que já não estava legal com essa dor do assalto e assumi e passo a ser sócia dependente da loja que a gente tinha em Niterói, que tinha quarenta metros quadrados, bem numa rua onde já tinha bastante comércio de refrigeração. Eu escolhi Niterói pra morar em 2004. Então, quando eu saí de Paracambi, eu escolhi Niterói pra morar, trouxe o Nelson comigo, aí no ano seguinte eu consegui trazê-lo pra cá, uma disputa de guarda super complicada e aí o Nelson veio comigo e eu escolhi, porque era mais tranquila a cidade de Niterói. Comprei um apartamento perto de uma escola que eu gostava, pra ter uma vida mais perto de tudo, aqui em Niterói. Mas continuei trabalhando em Bom Sucesso, entre 2004 e 2010. E, em 2010, então, me separei dele, do meu irmão. Nesse ínterim eu já tinha uma loja pequenininha aqui em Niterói e aí eu assumo essa loja e transformo tudo. Já que é vida nova, é vida nova! Vou começar, a gente tinha um faturamento pífio na loja, vendia muito pouco, eram quarenta metros quadrados e aí eu comecei a colocar o jeitinho Graci, que eu tanto queria, na gestão dessa loja que, ao longo desses dez anos, está fazendo agora em junho, a gente acabou de fazer… na verdade, vai ser em janeiro do ano que vem, que a gente vai fazer onze anos, porque eu vim, mas não tinha mudado o nome imediatamente. Fiquei ali, um pouco, nos bastidores, entendendo como é que era o negócio pra, no ano seguinte, tocar a todo vapor aí a Eletrofrigor.
P/1 — Qual era o nome do negócio, junto com seu irmão?
R — Era Paracambi Refrigeração. E meu pai até falava que esse nome era dele, que a gente estava crescendo por causa dele, a gente até teve várias discussões por conta disso e aí, quando eu vim, eu fiquei pensando num nome que eu queria ter a minha vida própria. Falei: “Agora eu quero colocar, certo ou errado, eu vou tentar colocar meu jeitinho de administrar as coisas”. E aí, quando eu abri a Eletrofrigor, em Niterói, eu comecei pelo piso. Botei piso branco, branco! O piso era branco. Era uma loucura pra equipe ficar o tempo todo limpando aquele piso. A loja era super iluminada, ar-condicionado, tinha televisão que ficava passando promoção, as vitrines, com vários produtos em exposição. A gente mandou fazer tag, que são plaquinhas pra botar nos produtos penduradinhos. Eu sei que foi, assim, um choque pra todo mundo: “Você é doida”. Eu falei: “Mas, cara, todo mundo que já entrou num shopping, gosta de ser bem tratado. Todo mundo entra num shopping hoje, imagina se não vai querer uma loja bacana, com conforto!” E foi um estouro, assim, deu muito certo de cara, eu trabalhei igual uma louca, porque não tinha nem gente pra trabalhar comigo, era eu e mais quatro pessoas na loja, pra fazer tudo. A gente teve um verão incrível, a gente inaugurou bem em janeiro e, quando foi no meio do ano, falei: “Opa, preciso de um curso”. Aí fiz um curso do Sebrae que chama Empretec, que tem uma coisa de fomentar o empreendedorismo ainda mais, que está dentro do coraçãozinho da gente e aí me achei a Mulher Maravilha, falei: “Era isso que eu precisava”. E aí, no ano seguinte, eu fiz Estratégias Empresariais, outro curso legal do Sebrae também, que é bom que juntou um pouco do conhecimento de administração, de tudo que eu já vinha praticando, mas organizou minha cabeça, com ferramentas práticas, pra fazer um planejamento estratégico. Aí eu abri uma segunda loja em 2013 e depois a loja não parava de crescer em Niterói e eu mudei de ponto em 2015, de uma loja de cem metros, pra uma loja de trezentos e sessenta metros e aí, em 2015, em 2017 eu… Niterói é uma cidade que vive do mercado offshore e eu fiquei com medo, porque eu ouvia um monte de notícia ruim, apesar de estar crescendo: “Ai, que o negócio fechou, está desempregando não sei quantas pessoas e tal” e eu falei: “Quer saber, vou fazer algum curso”. E eu acho que, quando você deseja muito alguma coisa, o mundo conspira a seu favor. Eu escutei um grande empresário falar recentemente que é bem assim: se seu carro pifou, acabou a gasolina, qualquer coisa, se você sair do carro e ficar em pé, do lado dele, ninguém vai te ajudar. Mas quando as pessoas veem que você está empurrando o carro, espontaneamente um monte de gente para ali e empurra junto com você. Acho que, quando você está fazendo um movimento, as pessoas te ajudam, eu acho que o mundo te ajuda. Eu tô falando isso porque em 2017 eu vi uns anúncios de programa de aceleração. Um programa da Endeavor, que se chama Scale-UP e um programa da Ernst & Young, que se chama Winning Women. E, quando eu li o da Ernst & Young, eu olhei aquilo e falei: “Opa, é muita areia pro meu caminhãozinho”. A gente se sabota, a gente não acredita na nossa história. A gente sempre acha que a grama do vizinho é mais verde que a nossa e aí, por um momento, eu não me inscrevi. Daqui a pouco aquilo apareceu de novo pra mim nas redes sociais e eu falei: “Cara, o não eu já tenho”. A Ernst & Young veio, aí me inscrevi e falei: “Não vou falar pra ninguém. Se perder, ninguém vai saber”. E acabou que foi um estrondo o programa, participei de vários processos seletivos, é longo, de fevereiro a agosto. Passei por uma banca de mexer com o coração de qualquer empresário: Luiza Helena Trajano, Sônia Hess, a Ivanilda, da revista Vip. Estava a Andrea Weichert, que era da Ernst & Young, a Raquel Teixeira, só mulher fera e, nos bastidores, que a gente chega, antes de fazer o processo seletivo final, que é a entrevista com essas Mulheres Maravilhas, eu cheguei lá, eu sou G, quando eu cheguei estava na letra C ainda, acho que tinha, sei lá, umas 30 mulheres na minha frente e entre elas uma super famosa. Aí entro na sala de espera, todo mundo meio que numa vibe de concorrência. Todo mundo ali estava concorrendo. E eu falei: “Gente, na boa, depois que eu vi aqui essa super amiga famosa, eu já perdi. Então, vamos fazer o seguinte: vamos ficar amigas, o que você faz?” Fiz um rolo, uma amizade, uma bagunça naquela sala, foi muito legal, porque quebrou o clima. Eu fiquei ali esperando um tempão ainda e foi muito engraçado porque, assim, hoje a Luiza é a pessoa, talvez a figura mais famosa do Brasil. Em 2017, um pouco menos. E aí eu cheguei na entrada, imagina falar com essa mulher? Cara, eu tremia, tremia, tremia, tremia de ansiedade. Aí eu entrei e falei: “Gente, eu preciso contar uma coisa pra vocês: ‘Luiza, a senhora é uma magnânima do varejo!’” Fiz uma reverência, elas começaram a rir. Eu falei: “Eu precisava falar isso antes, eu estou muito nervosa”. E tinha só quinze minutos pra falar, pra apresentação. Acabou que eu fiz a apresentação e ela me interrompeu um monte de vezes, perguntando um monte de coisas. E eu achei que aquilo fosse um bom sinal, que acabou se convertendo em positivo. Mas foi uma experiência incrível. Se eu não tivesse ganhado nada, já tinha falado o que eu queria pra ela. Vamos dizer assim. E, no paralelo, volta lá pra fevereiro, eu me inscrevi na Ernst & Young e, quando foi em março, eu não sabia que ia conseguir a Ernst & Young, vi a propaganda da ‘Scale-UP’ da Endeavor, com a Babson College, que é uma escola de empreendedorismo americano e o Sebrae juntos, pra promover um ano de programa de aceleração. E me inscrevi e, pra minha surpresa, ao final do ano, numa semana eu recebi o ‘okay’ da EY e na outra semana o ‘okay’ da Endeavor e foi, assim, transformador. Eu fiquei acelerada de 2017, de agosto, entrei nas duas simultaneamente, até o outro ano, em julho. Até 2018, em julho. Mas Deus é muito bom pra mim e falou: “Vamos fazer mais uma bagunça aí nessa sua vida”. Meu pai ficou muito doente e veio pra cá, pra eu cuidar dele, no meio dos programas de aceleração e tudo isso. E ficou muito, muito doente. Teve câncer, depois teve algumas complicações e veio a falecer, em abril de 2018. Eu fico muito orgulhosa, porque ele viu tudo isso. Eu lembro eu comentando com ele, que eu estava passando parte do processo, ansiosa e tal. E depois a gente comemorando até no hospital, quando eu voltava das reuniões, quando eu tive o título. Poder ter conquistado esses títulos e ele ter visto isso tudo. E eu falei: “Pai, a nossa história vai ser contada pra todo mundo” (choro). Então, esse momento tem um valor muito emocional. “Seu Antônio, a gente vai contar isso pra todo mundo, sabe? Não vai ficar só em Paracambi”. E é muito legal poder falar isso, porque... não só pras mulheres, mas todo mundo pode, não importa nossa origem, o que importa é o seu coração, sua vontade de crescer. Olha eu aqui, falando pra vocês, eu acho que sou a prova viva disso. (risos) Muito legal!
P/1 — Como foi pra você, como você se sentiu, o que significou você ter feito toda essa transformação, você ter virado uma chavinha e falado: “Tá, agora eu vou construir isso do meu jeitinho” e bancar isso? E junto com uma mudança de cidade, como foi essa efervescência toda?
R — Eu falo e ainda tem mais, tudo junto: eu fui convidada pela Fiesp, pra ser mentora, agora, de um programa que chama Elas na Indústria. E a primeira reunião da mentorada aconteceu hoje de manhã e a gente falou um pouco disso que a gente está conversando aqui, agora. E eu acho que eu escolhi o que eu não queria, sabe? Eu acho que, na vida da gente, quando você começa a eliminar o que você não quer… porque tem, como você falou, nesse momento de turbulência, eu não sabia que eu queria outra loja. Naquele momento eu não sabia disso. Eu queria sair do problema. Então, começa a eliminar o que você não quer. Poxa, eu não queria ter um relacionamento desgastante, emocional, com meu sócio; eu não queria ter um relacionamento amoroso desgastante e aí, depois que você vai se libertando do que você não quer, parece que é o que eu disse anteriormente: o mundo vai se organizando pra você. E, aí, o que eu quero? “Ah, eu queria ser leve”. Eu não construí a primeira loja da Eletrofrigor achando que a gente ia ser essa empresa gigante que a gente é hoje. Eu queria primeiro resolver aquele problema emocional. Eu acho que tirar um pouco dessa ansiedade do que eu quero ser e focar a energia no que eu não quero viver, possa ter sido o primeiro fator pra eu me organizar, assim, mentalmente. E sempre fiz terapia, desde que eu me separei do meu marido e tudo, para também ajudar a refletir se os caminhos que eu busquei foram justos, se era bom pra mim, ou se eram de fato as melhores escolhas. Claro que, no fundo, no fundo, quem decide somos nós, mas dá pra trazer um norte. E outra base da minha vida é a ética. Eu acho, como eu falei lá atrás, tem um período que você abre mão de muita coisa. Até quando eu mudei pra Niterói, eu sou muito comunicativa, muito falante, então eu fiz um monte de amigos e amigas. E aí, às vezes, a pessoa fala: “Nossa, você vai trabalhar sábado? Pô, quarta-feira vamos pra não sei onde” “Cara, quarta-feira meio-dia não tem como almoçar, eu tô lá vendo outra loja”. E aí eu olho pra trás e vejo o quanto valeu a pena, qual era o propósito? Era ter uma base pra minha família, pra mim e pro meu filho, porque eu também tinha uma responsabilidade muito grande. Economicamente eu tive pouca ajuda financeira do meu ex-marido. Não estou dizendo que ele foi totalmente ausente, mas dava muito pouco. Tudo que o Nelson tem, porque também tinha isso, um norte. Eu tenho um filho que está me olhando. Olha, você é referência. Então, essa coisa de ser ética, honesta com as pessoas que trabalham comigo, com os meus amigos. E foco. Eu já abdiquei de muita coisa, não com tristeza, mas porque eu tinha ali… hoje fala muito de propósito, mas naquele momento eu tinha… hoje eu quero fazer a Eletrofrigor crescer, hoje a minha cabeça é diferente, eu já cheguei até aqui, a gente já está com faturamento, está mega organizado, vamos embora, daqui pra frente. Hoje eu tenho planos, efetivamente, de grande crescimento, mas inicialmente não era tudo isso. Era criar uma empresa que prestasse serviços no sentido de um bom atendimento, que resolvesse a dor que meu pai teve lá atrás, de encontrar tudo num lugar só, tratar bem as pessoas, independente da roupa que elas entrassem no meu estabelecimento. Abraçar a comunidade, a comunidade dos técnicos. Ofereci muitos cursos de qualificação, muitos com os parceiros de negócios, com os fornecedores. Eu ia de escola em escola, pra poder falar da Eletrofrigor, levava os parceiros para fazerem cursos. Quantas vezes os técnicos falavam: “Nossa, eu achei que você fosse só a menina que organizava tudo e você vai lá na frente e fala pra caramba! Caramba, eu nem esperava ouvir isso de uma menina como você”. Tão bacana isso! E num ramo extremamente masculino. Porque, lá atrás, meu pai nunca falou que não podia. Claro que, agora quando a gente cresce, o negócio como eu tenho, a Eletrofrigor, eu tive vários problemas, de gente que não vinha me visitar. Hoje não, hoje todo mundo quer vender pra gente, é diferente. Mas já tive muita gente que não vinha visitar, ou que eu entrei no LinkedIn mil vezes, liguei pra pessoa mil vezes, mandei e-mail, sei lá, mil vezes, até que ele me visitou e me credenciou, sabe? Mas não via nunca isso, assim… nunca me coloquei no papel da vítima. Sabe, eu: “Espera aí, ele vai ter que me ouvir, ainda que ele me diga não, mas eu quero falar com ele”. Com o fornecedor, que eu digo, nesse caso. Um pouco disso.
P/1 — E você consegue identificar, pensando agora, olhando um pouco pra trás, em que momento você se deu conta de que o negócio estava crescendo mesmo e que você estava construindo uma trajetória sua? Com muito da sua família, do seu pai, com uma história que vem antes, mas você estava construindo também uma nova história.
R — Eu acho que nos programas, esse da Ernst & Young e da Endeavor, eu encontrei muita gente bacana também, mais muitas mulheres que falavam isso. Porque, às vezes, eu achava que não era tão importante o que eu estava fazendo, eu fazia por que era um instinto. E essa sororidade do feminino, gente, isso existe de fato. Eu sou dessas que mulher é uma dando trampolim para outra, mesmo. Eu vivo isso no meu círculo de amigas, no meu círculo de amigas empresárias. Não que sempre foi assim, ao contrário, o mundo é muito mais masculino na liderança, do que feminino, mas de enxergar e falar: “Olha isso, olha o que você está fazendo!” “Ah, eu sou pequena” “Quanto você fatura? Já olhou sua DRE? Olha em volta aqui, se dá valor, reconhece que você é o cara!” É até machista falar isso, né? Mas tipo: “Isso é seu, você que conquistou.” E eu falo muito isso em relação a equipe. Acho que a maior conquista que eu tive é ter um monte de gente fritando meio, assim, animado, como eu. Hoje a gente teve uma reunião. Uma vez por mês a gente tem o café da manhã na Eletrofrigor, que reúne todos os funcionários. Hoje foi na loja de Niterói, amanhã eu tô indo pra outra loja. De manhã. Chego às sete e meia, preparo uma apresentação, eu mesma faço e coloco ali um pouco do que está acontecendo, de coisas novas, de treinamentos que a gente está fazendo, ou de visita que eu fiz fora, ou de matéria de revista que a gente saiu. A gente tem um monte de programa que a gente está aparecendo aí. Pra todo mundo ver o que a gente está vivendo. E engraçado que hoje de manhã eu acordei muito tocada e alterei grande parte da apresentação. E fui falar da minha história, tudo que você está me perguntando hoje, agora, do meu pai. Botei imagens, botei fotos, falei de ética. E foi muito legal. Agora, no final do expediente, eu saindo e eles vinham falar comigo: “Chefa, esse foi o melhor café dos últimos tempos. Nossa, chefa, foi muito legal, não sei o que lá”. E todo mundo valorizando isso, que todo mundo busca um propósito: “Nós temos o propósito de transformar o mercado, de atender bem, chefa, quer motivação maior que essa? Olha onde a gente esteve! Dez anos numa loja de quarenta metros quadrados, hoje a nossa loja em Niterói tem mil e duzentos metros quadrados”. Eu tô falando de quarenta para mil e duzentos metros quadrados. A gente hoje vende pro Brasil inteiro, eu estive no final de semana no sul, visitei Blumenau, Florianópolis, fornecedores, você o carinho e respeito com que as pessoas nos procuram, nos abordam. Então, isso, acho que tudo isso fez me ver e que essa história que estou te contando é, realmente, inspiradora, não só pras mulheres empreendedoras, mas pra todo mundo que vai passar por dor, mas tenta ver com outro olhar. Ou vê o que você não quer, vai excluindo o que você não quer, que tudo vai se encaixando. Sabe, Luiza, eu acho que eu passei a ver mais isso ouvindo o feedback de quem está muito perto. A própria equipe que, às vezes, até se emociona para falar comigo. Recentemente promovi uma menina e ela é de Seropédica, pertinho da minha cidade, Tainá. Elétrica, agitadíssima, do Marketing. E no dia que ela foi promovida, ela chorava tanto! Ela veio falar comigo e eu: “O que houve, Tainá?” E veio dizer assim, se declarar: “Chefa, você é muito inspiradora, eu tô muito feliz por estar aqui e ser a mulher do Marketing”. Tipo isso, sabe? (risos) E ela foi não só porque ela é mulher, ela foi porque ela é competente, porque ela tem a maior garra e isso me enche de satisfação, porque a gente não está falando aqui só de dinheiro, a gente está falando de realização, de transformar a vida das outras pessoas através da Eletrofrigor, através do meu sonho, que hoje está ainda maior, depois que a gente viu que, agora dá pra ir. É um pouco disso.
P/1 — E quais foram os seus maiores desafios, assim, nessa trajetória?
R — Pessoas, né? Pessoas. O meu objetivo é sempre estar todo mundo perto, manter as pessoas e, com o passar do tempo, eu mudei muito. Eu assumi uma loja muito frágil ainda, aquela saída lá, a criação da Eletrofrigor foi um momento de: “Vou colocar uma nova impressão nisso tudo”, mas também um momento de medo. Não tinha dinheiro, muito dinheiro, era pouco dinheiro pra começar. Um pouco da partilha que eu recebi, era muito pouco mesmo. E aí tinha algumas pessoas que estavam comigo, que me ajudaram. E, ao longo do tempo, eu fui me transformando, deixando de ser tão frágil. Porque, apesar de ter tido coragem, eu também tive meus dias de tristeza e de medo. Eu estava criando uma coisa muito nova. Hoje o Brasil inteiro copia a minha loja. No Instagram eu recebo muitos contatos de: “Olha, eu fiz uma loja igual a sua, Graci, tô aqui em Fortaleza. Olha, em Goiás, Graci!” Eles... eu não vejo nenhum problema com isso, a galera acha que a gente é tão inspirador, que faz igual e ainda vem falar comigo! Fofo. E eu mudei muito ao longo desse tempo, emocionalmente também. Então, o que me trouxe até aqui foi uma Graci, no sentido de relacionamentos. E o que vai me levar pra mais longe exige uma Graci diferente. E, ao longo do tempo, eu vim conversando com muita gente e nem todo mundo eu consegui carregar comigo, porque nem todo mundo viveu a mudança e a mudança até do mundo. Um mundo de mais diversidade, um mundo de mais igualdade, de respeito com tudo isso que a gente está falando: diversidade de gênero, religião, que exige um relacionamento muito mais leve, muito mais aberto. Então, ao longo do tempo, eu acho que as maiores dores que eu passei foram as dores de pessoas, de ter que tomar decisões em relação às pessoas. E nessa nova fase eu fazia de tudo. Eu não era a empresária, eu era a ‘faz tudo’: a que paga as contas, a que limpa, que contrata, que vende, tudo! Quando você começa uma coisa pequena, era tudo isso, era tudo. E, com o passar do tempo, comecei a ter um pouco mais de distância, vamos dizer assim, da operação. E agora, com a distância da operação, eu tenho como conseguir enxergar que não dá pra realmente ficar perto de todo mundo, porque senão você fica muito sensível e deixa de tomar algumas decisões importantes. Então, eu acho que a gestão das pessoas é sempre o maior desafio.
P/1 — E os aprendizados?
R — Muita coisa. Tolerância, acreditar na gente. A gente pode muito. O mundo é muito grande, e , às vezes, a gente está com medo também e se fecha na caixinha. E não vê que existe um mundo gigantesco. Acreditar num monte de amigo que aparece, para empurrar o carro. Tem essa relação de confiança com as pessoas que se aproximam da gente, por pura e simplesmente vontade de contribuir com o seu sonho, ou com o seu desejo de mudança. Humildade. Tem gente que às vezes é muito mais simples que você e tem tanta sabedoria. Não só pro trabalho, mas, pra vida pessoal também. Ouvir histórias, sempre histórias, adoro conversar e ouvir histórias de um monte de gente e falar: “Caramba, me identifiquei. Poxa, então, não é bem assim meu olhar, acho que eu posso pegar um pouco do olhar dele também”. Menos ansiedade, a idade ajuda muito. Queria ter meus 45 aos vinte, seria outra pessoa. (risos) De viver o momento, sabe? Esse momento, assim, de curtir isso. Acho que isso é que dá muito gás pra gente. Eu não estou esperando chegar lá, o lá é esse aqui, esse momento aqui. Esse aqui mesmo, falando com a Luiza. Imagina, alguém me entrevistando, pra minha história ficar aí pra humanidade, pra todo mundo falar do meu pai, Antônio Monteiro Pereira, da minha mãe, Maria Adalgiza Pereira. Eu sou isso porque eles foram incríveis comigo. Os meus amigos, o meu marido, o meu filho. O meu filho Nelson, meu marido Edu. Então, eu aprendo muito com eles também. O Edu é muito tranquilo, passou por vários perrengues de vida e a gente, às vezes, senta pra conversar e pode ser aqui, sentado na praia, moro em Niterói, tem um monte de praia, curtindo. A pandemia fez a gente aprender muito isso: a gente, como família, ficou muito mais unido. Então, curtindo que eu digo é sentar na areia, olhar e contemplar isso que Deus já fez pra gente e dizer: “Olha que mundão, eu tô reclamando de quê?” Então, eu acho que o aprendizado é isso: é ouvir, humildade, paciência, viver o dia de hoje. Apesar de ter os sonhos grandes, o sonho só é completo se você viver o hoje. Um pouquinho de cada vez.
P/1 — Você tem alguma história marcante, com algum cliente da loja?
R — Ai, caramba! Esse foi muito marcante, mesmo: assim que eu assumi essa lojinha de quarenta metros quadrados, aqui em Niterói, bem no início mesmo, eu recebi um cliente que comprou uma peça que tinha garantia. O que quero dizer com isso? Quando você compra, sei lá, um liquidificador e ele dá defeito, você o conserta. Você não troca por um liquidificador novo. Estou dando um exemplo. E ele comprou uma ferramenta que, no nosso caso, era uma bomba de vácuo e a ferramenta apresentou problema e ele foi lá pra trocar. E aí eu estava no balcão e ele chegou lá muito bravo e começou a insultar todo mundo, gritou com todo mundo e aí eu vi que todo mundo estava ficando nervoso e entrei na conversa, falei: “Olha, moço, não é assim, a gente tem que mandar pra fábrica, porque é uma ferramenta, não é uma peça. Eu não tenho o poder de fazer a troca pra você. Eu vou ser a intermediária pra mandar pra fábrica e te entregar uma nova”. Aí ele começou a me insultar. Era bem nessa lojinha pequenininha de quarenta metros quadrados, era um U, então ficava todo mundo um na frente do outro, ficava um vendedor aqui, eu aqui, outro aqui… só tinha um espaço muito pequeno, então, ficava um olhando pro outro e eu vi quando eles olharam pra mim, tipo: “O que ela vai fazer?” Eu olhei pra eles e falei: “Gente, e agora?” “Você é filhinha de papai, você não tinha nada que fazer da sua vida e ganhou isso de presente, né? Você não entende de comércio, você tinha que ter trocado há muito tempo, minha filha” - mas disso pra baixo, sabe? - “ninfeta, criança…”. E eu apavorada e pensava: “O que é que eu vou fazer com ele?” Muito bravo e falava: “Eu nunca mais volto aqui, eu não preciso de vocês, que não sei o quê”. E eu pálida, o que eu faço? Eu falei assim: “Senhor, então está bom, o senhor acabou de falar uma coisa importante: o senhor falou que não volta mais aqui. Então, considerando que o senhor não volta mais aqui, eu acho que eu vou atender o pedido do senhor. Então, me dá uma bomba de vácuo. Fulana, Flávia...” - que estava no caixa na época: “... vê quanto é a nota dele aí e me dá o dinheiro.” Aí, ele botou a bomba assim e disse: “Então, tá bom, era isso que eu queria, não sei o quê”. Aí a Flávia deu o dinheiro, aí eu falei: “Queria que o senhor assinasse...” “Não vou assinar papel coisa nenhuma, eu não vou nem mais voltar aqui! Quer saber? Aprende a ser comediante, você não sabe de nada, sua ninfeta!” Pegou o dinheiro e foi embora. Menina, fiquei apavorada, subi as escadinhas do escritório, que era um negocinho pequenininho, assim: meu escritório eram duas caixas de papelão e uma madeirinha com o meu computadorzinho em cima, meu laptop e me debrucei, chorei, pra fugir dos meus funcionários, de vergonha. Chorava, chorava, chorava, chorava, falei: “Gente, o que é que eu passei aqui, o varejo é isso?” Logo assim que eu fui fazer minha carreira solo, não tinha nem a loja bonita, a primeira... falei: “Meu Deus do céu, Senhor, que vergonha”. Fiquei assim, morrendo de vergonha e eu já estava em obra nessa segunda loja. Aí, quando eu desci da escadinha, no final do expediente, fiquei enrolando lá, pra ninguém me ver com a cara inchada: “Olha, chefa, não fica triste não, ele não sabe o que ele está falando, ele perdeu a cabeça”. Todo mundo me consolando: “Tadinha!” Eu falei: “Não, não, tudo bem, tudo bem!” Aí, passou. Poucos meses depois a outra loja, dos cem metros quadrados, do piso branco, ficou pronta e tô eu lá no escritório. No escritório tinha um vidro que tinha um adesivo, que dava pra ver além. Eles não me viam, mas eu via a loja. Pra ficar trabalhando de olho na loja, mas com um pouco de privacidade. Aí, tô ali trabalhando e tô vendo um garoto com a camiseta da loja dele dentro do meu balcão, na minha loja, comprando coisas e tô vendo-o lá do outro lado da rua. Falei: “Ah, é? Então ele está comprando aqui? Eu vou surpreendê-lo”. A própria loja nova já mostrou pra ele, porque era a primeira loja conceitual, que eu não era aquela ninfeta que ele tinha falado. Então, tá bom. Atravessei a rua, fui na direção dele e falei: “Fernando, boa tarde, tudo bom? O seu funcionário está lá na loja comprando” – botei a mão no ombro dele – “Por favor, me acompanhe”. Ele: “Não, não, não!” “Fernando, acabou isso, passou. Esse assunto foi passado, por favor, me acompanhe”. Até hoje ele compra comigo. Então, assim, toda a minha equipe, que era a mesma equipe da outra loja, falou: “Tu mandou muito bem!” Que eu não era o que ele falou, sabe? Ele estava errado. E Deus foi muito bom, que me deu a chance de voltar e hoje olha o tamanho que eu estou. Então, assim, ele estava errado mesmo. Mas foi muito, assim, apavorante aquele primeiro encontro. Eu falei: “Ai, meu Deus, se o varejo é isso, eu tô frita”.
P/1 — E qual foi o momento mais marcante dessa sua trajetória como mulher empreendedora?
R — Foram esses reconhecimentos de empresas tão gigantes, com tantas mulheres no Brasil, ter sido selecionada pelos dois programas, por tanta empresa, tanta gente que se inscreve, tanta gente que concorre, ter sido selecionada… eu chorava tanto no avião de volta, que o pessoal do avião veio me socorrer, do tipo: “Não, gente, eu tô bem, eu tô bem”. Aí eu não conseguia nem falar pra eles porque eu estava chorando. Quando eu passei pelo processo de seleção com a Luiza, com todo mundo ali, eu senti uma energia boa. Eu não sabia que eu tinha ganhado ainda, mas meu coração estava tão feliz, só de ter estado ali, por ter sido sabatinada por ela. Aí, quando eu embarquei no voo de volta pra casa, eu chorava tanto, tanto, tanto, tanto, tanto, tanto, de gratidão: “Eu não tô acreditando!” E lembrei de toda essa história que eu tô contando pra você: da minha família, do meu pai, de Paracambi, a contadora Maria de Lourdes, da emancipação. Eu chorava tanto, que eles vieram: “Senhora, a senhora precisa de ajuda, está passando mal, não sei o quê?” E eu não conseguia contar. “Tô bem, tô bem!” Ai, por fim, pousando, aí eu fui lá e pedi desculpas, falei: “Olha, agora mais calma, é que eu ganhei... ganhei, não, participei de uma entrevista agora e estou muito feliz e tudo”. Nem podia contar, que não tinha ganhado nada ainda, nem podia falar o que era. Mas esse momento foi muito marcante, porque eu acho que, na vida da gente, a gente tem que ser autoconfiante, mas ganhar o reconhecimento de alguém tão importante, valida muito do que fica no coraçãozinho da gente. Então, pra mim, o momento mais marcante foi essa questão profissional, ter tido esse reconhecimento dos programas.
P/1 — A Graci menina imaginava se tornar uma empreendedora?
R — Como eu te falei, né? Eu sempre pensei em tomar conta das coisas dos meus pais. A saia lápis que eu nunca usei no trabalho, porque tudo ficou tão moderno, tão despojado, que acho que só as advogadas usam saia assim, tão fina, hoje em dia. Eu sou muito despojada, acho que meu negócio não tem nada a ver com isso, né? Eu nunca pensei que pudesse ir tão longe, assim. Acho que ainda tem muito pra gente conquistar, mas nunca achei que eu pudesse fazer essa profissionalização do negócio e que hoje a loja nova que a gente inaugurou recente está incrível, a gente está recebendo elogio de todo o país e, quando a gente foi fazer a obra, tem uma arquiteta muito minha amiga, que me ajuda sempre, eu falei: “Pati...” - ela que fez tudo pra mim até agora - “... eu queria alguma coisa de varejo”. E a Pati é especialista em parte de residência e tudo. E a gente foi muito humilde batendo papo: “Ah, então vamos buscar alguém que seja do varejo”. E aí o Edu, meu marido, foi pro mercado procurar um parceiro e a gente deu muito certo com esse parceiro que fez o projeto com a gente, a gente tentou executar muito na risca e o projeto ficou lindo. Elogiados pelos clientes. Não só bonita a loja, mas é um autosserviço muito rápido, o cliente entra e compra rápido, que era uma queixa deles, eles reclamavam que a gente cresceu e que ficou lento o atendimento. Então, na loja nova, é instantâneo: ele pega o produto... no início até falavam: “Tem certeza que é só ir no caixa?” “É, cara, pega aí, vai lá”. Muito rápido, né? E essa coisa do carisma que a gente continua com energia na loja, sabe? Hoje eu recebi um fornecedor de frete e aí, quando eu fui conversar com ele, ele falou: “Sua loja é muito diferente”. Eu falei: “Obrigada!” “Não, minha senhora, não estou dizendo que sua loja é só diferente. A sua loja tem alguma coisa, que é diferente entrar aqui. Eu não sei te explicar, mas tem alguma coisa diferente aqui”. E é essa coisa da energia boa. Não sei se porque hoje a gente estava todo mundo encantado com essa reunião do café, uma vibe super bacana. Então, essa é uma grande conquista também: conseguir ser quem eu sou. Sou divertida, engraçada, às vezes desengonçada, sabe e as pessoas me respeitam na empresa, sendo quem eu sou. Não preciso fazer tipo de durona. Então, eu acho que isso é muito legal, também. Então, a loja nova me fez pensar isso, eu nunca pensei que a gente pudesse fazer uma empresa que realmente tivesse o impacto no nosso segmento, que a Eletrofrigor tem hoje.
P/1 — E o que significa pra você ser reconhecida e trabalhar num mercado, que é culturalmente considerado masculino?
R — Luiza, eu não paro muito pra pensar nisso, sabe? Eu passo. E, quando acontecem algumas barreiras, como eu te falei de um fornecedor ou outro e tudo, eu insisto, quando eu percebo, eu acho que agora pode ser um pouco disso, sabe? E acho que, por conta disso também, a gente quer viver com eles, é não contra eles no nosso movimento. É junto. E hoje eles até falam que às vezes as mulheres são muito mais dinâmicas, a gente tem um jeito de lidar com as coisas de uma maneira muito mais, assim, dinâmica mesmo, não só fazer mil coisas, porque não é bem isso, mas no sentido de sensível. A gente percebe o perigo. E também sensível no sentido de unir times diversos, né? Somos muito mais tolerantes à diversidade do que eles, até porque, historicamente, os homens são machistas por natureza, durões por natureza, a gente foi criado também, a selvageria do mundo fez isso. Acho que a gente está passando por transformações sem volta, né? E não só porque tem que ser, porque vai acontecer naturalmente. Nós somos em maior número também, (risos) mas eu levo isso de uma maneira muito natural. Talvez isso seja também uma forma de viver bem, não parar pra ficar pensando, sabe? E quando tem eu encaro, não com violência, mas tipo: “Chega aí, olha só, vem ver os números, acho que dá pra vender um pouquinho do seu produto, chega aí, vamos conversar”. Isso também une, porque as pessoas acabam dando cola, por conta dessa coisa leve, né? Eu acho que um pouco disso, de lidar com leveza com tudo isso, quando acontece, né?
P/2 — Graci, eu fiquei com uma coisa, assim, pensando, quando você estava contando lá no início, quando você se muda para Niterói, em 2010. Foi em 2010?
R — 2004.
P/2 — 2004 que você se mudou. E aí aconteceram várias coisas na sua vida. Como foi passar por essas separações, né? Que foram duas, de formas diferentes. Como foi perder sua mãe e começar a loja em seguida? Ter um filho pequeno que você estava criando. Você contou com uma rede de apoio, em Niterói? Como foi você se estabelecer na cidade?
R — Na verdade, quando eu vim pra cá, eu trouxe a Tânia, que era a irmã da Ana Paula, que trabalhava na minha casa, lá em Paracambi. E a Tânia ficou uma temporada aqui comigo, ela morava junto comigo. Então, a minha rede de apoio era só a Tânia. Porque eu não tinha amigos aqui, eu não tinha nada. Meu pai morava em Paracambi, minha mãe já tinha falecido, quando eu vim. E escolhi Niterói por conta dessa questão da cidade ser uma cidade mais acolhedora, menor que o Rio e tudo. E um amigo que me apresentou Niterói, um consultor financeiro que foi ajudar a gente em Bom Sucesso uma temporada e ele me mostrou Niterói. Quando eu fiz a escolha, um bom tempo depois que ele passou por lá, acabei ficando por aqui. E eu acho que vir pra Niterói, na verdade, foi uma fuga de tanta dor. A dor da perda da minha mãe, a dor da separação. Então, ter vindo pra Niterói foi meio que assim: vou virar a chave. Era o símbolo físico do novo, sabe assim? Eu vou sair de lá pra isso ficar por lá. Eu dizia assim: “Ou eu acabo com 2004, ou 2004 acaba comigo”. E eu escolhi a primeira opção, de acabar com 2004. (risos) Então, eu vi como positivo, porque Niterói é uma cidade bonita. Na verdade, eu vim porque um grande amigo mostrou a cidade e depois eu acabei escolhendo, porque achava mais tranquila. Mas também por isso. Ia pra praia, a gente jogava bola na praia. A gente fazia algumas atividades ao ar livre, por aqui. Foi muito difícil com o Nelson porque, imagina que eu trabalhava até tarde em Bom Sucesso, morava em Niterói, eu chegava à noite, tinha que fazer dever de casa como mãe. Eu fiquei muito brava muito tempo pra ele, ele me via como uma figura, assim, que cobrava muito. Porque todos os finais de semana o pai conseguiu a guarda, então, toda sexta-feira à noite ele ia pra casa do pai e voltava no domingo, lá em Paracambi, por muito tempo, acho que até os 15 anos, acho que uns seis anos ficou nessa situação. Então, ficou meio que a megera, a mãe chata. E trabalhava em Bom Sucesso, nem trabalhava aqui ainda. E, falando de vir pra cá, né? E aí, da empresa e tudo isso, acho que foi tanta coisa nova, que também ocupava o tempo, da gente não dar tempo de chorar, né? Eu falo que eu me dou tempo de chorar, um dia. Deitei, chorou muito: “Graci, deu! Começa tudo de novo, vambora!”, porque eu falo pra todo mundo isso: “Se eu olhar pra trás, não tem ninguém, gente. Então, você vai reclamar com quem, que está ruim?” Então, meio que isso me trouxe uma… eu tomar as rédeas da minha vida. E como eu o trouxe, Bruna, era uma exigência muito grande, de ser uma mãe especial pra ele, assim, no sentido de ser a mãe. E eu não gostava muito do jeito que o pai dele cuidava das coisas, então eu falei: “Tenho que assumir isso, né?” Imagina só, eu não tinha tempo nem pra pensar, porque era o papel da mãe, era o papel da empresária, acostumada: “Onde eu vou fazer compras em Niterói? Cadê o supermercado, cadê a padaria, né?” Era tanta coisa pra cuidar, que eu acho que isso tomou o tempo, sabe? E esse compromisso de não me entregar. Porque, de fato, eu não tinha o que fazer, né? E o meu pai vinha pra cá muito de vez em quando, eu ia pra Paracambi muitas vezes e assim eu fui convivendo com essa passagem inicial, que realmente não foi fácil, mas eu acho que é o olhar. A gente pode escolher ficar triste... algumas vezes fica triste porque está bravo mesmo, se permite ali aquele dia ou até o final de semana, sei lá, uma semana, mas volta pra tomar as rédeas do seu destino, sabe, pra depois a gente não ficar dizendo: “Ahhhh”. Acho que foi um pouco disso. É tanta dor, Bruna, (risos) que tem que tocar pra frente.
P/1 — E hoje, como é o seu dia a dia?
R — Hoje eu moro num lugar lindo, moro em Niterói, tem uma vista linda aqui da minha casa. Meu filho está com a gente hoje ainda, já, já vai embora pra Suécia e eu tô com o coração partido. Apesar dele ter 24 anos e ser um homem enorme, a gente é muito conectado. Acho que de vez em quando a gente para pra pensar, eu e ele e a gente, senta até aqui na nossa casa, olha pra trás. Aí a gente se abraça, comemora essas conquistas, porque eu acho que, como eu disse, a vida é isso, são essas pequenas conquistas. Como eu fiquei emocionada com o negócio da Suécia, olha pra trás de novo. Eu sempre falo: a gente tem que olhar pra trás, olhar no retrovisor um pouquinho, pra valorizar tudo isso, todas essas conquistas. Então, eu faço exercícios, três vezes por semana, que eu não fazia. Isso eu consegui conquistar com disciplina. Vou pra empresa cedo, passo o dia lá. Hoje eu fui pra lá sete horas da manhã, saí de lá eram sete horas da noite, praticamente correndo pra chegar aqui e amanhã eu vou pra outra loja. Me permito visitar muitas outras empresas. Eu tenho uma rede de relacionamentos bem grande. Então, eu quero aprender mais de varejo, ligo pra um amigo ou outro, que é dono de uma loja maior que a minha, vou lá visitar a empresa, almoço com eles, pra voltar pra casa e implantar. Meu papel na Eletrofrigor é criar uma cultura de liderança monitorada, mas com muita base de confiança. Então, converso muito, com muita gente, o dia inteiro, para despachar as rotinas da empresa. Já tenho líderes em cada setor. A maioria dos líderes são todos pessoas que vieram da nossa base, que cresceram junto com a Eletrofrigor. Tenho duas líderes que são mulheres. De dez líderes eu tenho duas mulheres nas vendas e no financeiro também tenho uma. Somos seis mulheres. De dez, somos seis mulheres na liderança: DP, parte fiscal, loja de Alcântara, loja de Niterói, financeiro, eu e Priscila na garantia. E um monte de homens à nossa volta porque, como eu falo, como eu sou, acho que todo mundo copia e cola a Graci, né? Tem que ser leve. E despacho com elas, a gente está fazendo uma troca agora de sistemas de tecnologia, de tudo que é sistema de tecnologia que a gente tem: plataforma do e-commerce, plataforma da loja física. Estou despachando o tempo todo com essa turma, porque vamos fazer um grande investimento e então a gente para, faz conta, analisa isso. E olhando pro futuro, porque a pandemia deu uma freada nos nossos planos ano passado. A gente achou que a gente não fosse estar aqui comemorando o que a gente está comemorando hoje, mas estamos preparando a empresa pra crescer. E agora crescer de forma mais planejada, não tão orgânica quanto foi até hoje. Se orgânica a gente conseguiu conquistar tudo que a gente conquistou, imagina planejando, daqui pra frente, né?
P/1 — E como você conheceu o Edu?
R — Gente, é uma longa história. O Edu era meu concorrente. Quando você não pode com eles, junte-se a eles. E ele tinha uma empresa concorrente de verdade e a gente se conheceu numa reunião, em São Paulo. E acabou que a gente foi, depois, tomar café e não sei o quê. E eu falava: “Cara, olha só, não tem como, imagina eu contar pros meus funcionários que eu tô namorando meu concorrente, isso não existe. Ai, meu Deus, contar pro meu pai, contar pra minha família, ai, isso não existe, não pode, não pode, não pode”. E acabou que o destino não deixou que a gente descolasse, ele é querido por todo mundo e é recíproco isso. A gente está junto, assim, direitinho, faz oito anos e ele é muito querido por todo mundo. Meu filho o adora, a gente se completa, eu acho que eu sou muito agitada. Tô aqui toda comportadinha, sete horas da noite, falando, mas eu sou um furacão, elétrica mesmo, de andar depressa. Por isso eu falo que eu sou engraçada, meus funcionários, às vezes, me remedam: “Olha ela, tsc, tsc, tsc”, me imitando. (risos) Falo rápido e o Edu é todo da paz, ponderado: “Graci, pensa bem, olha, não sei o que, não sei o quê”. E faz um ano que ele veio trabalhar comigo junto, na Eletrofrigor, pra gente juntar forças, pra fazer o bolo crescer. E ele é um parceiraço de vida, a gente tem muita coisa em comum sobre respeito, ética, essa coisa do cuidado com as pessoas e o que nos une é muito isso, sabe: viver do bem, do bem no sentido das relações. Pode estar horrível, vamos lá resolver: “Cara, não está bom!” Então, cada um... a água corre pro mar. De resolver as pendências. Eu gosto muito dele. Ele realmente é um suporte muito importante pra minha vida emocional.
P/1 — O que a Eletrofrigor e esse mercado representam na sua história?
R — Esse mercado é a minha história (risos). Eu nasci numa oficina mecânica e hoje sou varejista. Atendo os técnicos. Eu mudei de mão. O mercado eu acho que é muito rico. O mundo não fica sem refrigeração, sem climatização. Eu vejo um potencial bem grande, da gente crescer nisso, com o que a gente entrega. Tem outras frentes também que a gente vai trabalhar, envolvendo tecnologias também, conectando profissionais e tudo. É um sonho grande que a gente tem. Acho que é muito próspero. E acho que a Eletrofrigor está vivendo o melhor momento da história. Dez anos bem marcantes. Eu sempre ouvi, até na Endeavor a gente falava muito sobre isso, que os dez anos eram muito marcantes, são muito marcantes pra qualquer empresa e eu não entendia muito bem. E acho que esses programas todos, essas visitas que eu faço pros amigos, que são até mais bem sucedidos que eu, porque já estão em uma outra fase de negócios, as mentorias que eu passei, acho que isso tudo trouxe uma bagagem, pra ser uma líder mais visionária, mais estratégica, pra fazer com que a gente, efetivamente, possa chegar muito mais longe. E usando todo o conhecimento que nos trouxe até aqui, né? Conhecimento de mercado, de comportamento do cliente, oferecendo pra eles cada vez mais soluções. A nossa ideia é que ele tem que encontrar tudo aqui. Então, ele encontrar da fita isolante, a chave de fenda, à peça que ele precisa para consertar sua lavadora. E que esse ambiente não precisa necessariamente ser feio. Pode ser confortável, pode ser humanizado, um relacionamento carismático, carinhoso, porque o técnico vem muitas vezes à loja. Então, por exemplo, Niterói: se você mora aqui, você como pessoa e for a lavadora, ele vai lá e vai consertar a sua lavadora. Então, se a gente tem muitas coisas pra ele comprar com a gente, ele vem aqui e compra comigo. Sua vizinha, depois outra vizinha. Então, tem dias que ele vai até mais de uma vez por dia na minha empresa. Então, isso faz com que a gente crie uma relação de nome, eu chamo as pessoas pelo nome: “Nivaldo! Fala, Turom, fala, Edu”. Eu sou a maior farofenta, porque você está ali com a pessoa todo dia, né? Então, acho que cria esses laços e tem a ver com o mercado também, de refrigeração, por causa da recorrência, como o negócio dele depende disso. Muita coisa está no digital, mas se você tem uma geladeira parada, você não vai esperar a peça vir pela internet. O técnico já está na rua, pra consertar seu eletrodoméstico, vai passar numa loja próxima e vai comprar uma peça pra consertar logo, que é o seu desejo também. Então, a gente vive hoje pra atender o técnico cada vez mais rápido, com a maior variedade de produtos possível, pra que ele realmente encontre tudo na Eletrofrigor. Esse dia a dia do nosso vendedor também escuta muito o que ele fala: “Ah, eu queria estopa. Eu queria um parafuso com cabeça diferente, eu quero uma chave Allen”. Ele traz também umas demandas, sabe? Então, a gente cresce ouvindo muito esses técnicos. Aí eu vejo muito meu pai, aí. Quem dera ele estar comigo hoje, pra poder vivenciar tudo isso! Eu acho que a gente ia crescer mais rápido ainda, com o monte de conhecimento que ele tinha.
P/1 — E, Graci, pra você, o que é ser uma mulher empreendedora?
R — Eu acho que é encarar os desafios que a gente tem como empreendedor e como mulher, porque a gente tem mais desafios que os homens: cuidar da casa, estar bonita, fazer unha, né? Tem que passar batom, sem perder o nosso espírito, conjugar essa agenda complicada, mas é encarar isso com otimismo, sabe? Se você está pensando em fazer um negócio como empreendedor, acha que isso vai te trazer satisfação pessoal e alguma receita, se profissionaliza, busca, tem vários recursos pra você administrar o dinheiro. É muito importante fazer aquilo que realmente tem uma rentabilidade, que muitas vezes pega uma rescisão, se envolve com um negócio e não fez conta pra saber se aquilo é rentável e perde tudo que conquistou em anos de trabalho. Então, busca sua independência financeira, ser empreendedor também é isso. Claro que tem períodos que você está em alta, períodos que você está em baixa, mas se a gente se controla, faz uma poupança, dá pra viver bem sendo empreendedor. Porque também, se a gente trabalha bem, a gente ganha muito mais do que ter um trabalho fixo, ali, né, certinho, pra você ter aquela renda fixa. Então, eu acredito que a mulher tem o desafio da agenda. Mãe, mulher e educação, que tem que conjugar tudo isso junto, mas com o nosso jeito feminino, a gente também consegue colar um monte de gente bacana, pra dividir um pouco dessas tarefas. A própria família também ajuda muito. Tem um monte de rede de apoio incrível: Rede Mulher Empreendedora, com a Ana Fontes; tem o grupo Mulheres do Brasil, que também tem várias frentes de empreendedorismo, lá com a Sonia Hess e a Luiza Helena Trajano. Tem vários movimentos que se criaram ao longo da história aí, pra apoiar também as que escolhem empreender. Acho que tem espaço pra todo mundo, é uma questão de agenda e buscar apoio nessa sororidade feminina, que tem muita gente pra ajudar a gente. Emocionalmente e tecnicamente.
P/1 — Acho que você já chegou a comentar um pouco dos seus maiores sonhos, mas queria saber, no âmbito pessoal e também profissional.
R — (Risos) É engraçado falar isso. Porque eu acho que já estou vivendo o maior sonho da minha vida, que é poder ser reconhecida pelo trabalho que eu fiz com a Eletrofrigor. Sempre quis que a gente pudesse estar aqui, mas nunca pensei que pudesse chegar tão longe. Sinceramente, multiplicar isso é um sonho. Imagina poder ter uma Eletrofrigor em todo o Brasil. Isso é um sonho grande, vamos dizer assim. Mas o reconhecimento que eu tenho hoje, sinceramente, enche meu coração de satisfação, de orgulho, tem dia que eu não caibo em mim, sabe? Hoje eu estava muito feliz para estar aqui com vocês e hoje de manhã eu estava super ansiosa, de mentorar a minha primeira mentorada hoje. E ser convidada pela Fiesp, uma instituição muito reconhecida nacionalmente, principalmente por meu segmento. Então, esse reconhecimento é o meu maior presente. Como pessoa, como Graciele, como mulher, como administradora. E com Eletrofrigor, o sonho de conquistar o Brasil, abrindo um monte de loja, em todo canto aí.
P/1 — Você gostaria de acrescentar alguma coisa, contar mais alguma história que eu não tenha instigado, passar alguma mensagem? Enfim.
R — Ah, eu acho que não sei, eu falei tanta coisa! (risos) Eu acho que eu falei bastante, né? Eu acho que empoderar mesmo a gente, a palavra empoderar, muita gente critica isso, mas eu acho que fortalecer as mulheres, que tem espaço pra gente, sim, que a gente, realmente... a gente costuma falar das nossas dores. Os homens não costumam falar de suas dores. E falar das dores não nos deixa mais vulneráveis ou frágeis. Eu vejo isso como uma fortaleza, porque a gente pode receber uma palavra que muda o nosso olhar sobre aquela dor, sabe? Então, eu costumo dizer que a gente tem que falar, com os amigos próximos, ou com alguém que você confia. Falar dos medos que, às vezes, você vai receber um olhar tão diferente, que pode realmente transformar aquele momento, pode mais tarde transformar sua vida. Seja carinhoso, caridoso. O mundo devolve tudo o que você dá. Tudo, tudo, tudo. Eu acho que hoje eu estou colhendo muito disso. Ser de verdade? E não se diminua, não se sabote, eu pensei em me sabotar nesses programas, depois eu falei: “Poxa, mas eu já tenho o não”. Acredita em você. Acho que a mulher precisa ouvir muito isso: “Vai! Vai que dá. Acredita em você”. Outras mulheres vão te apoiar no caminho, torna seu desejo grande. Se ele é muito grande, o mundo vai costurar pra encaixar um monte de coisa aí. Se eu falasse dessa história lá em Paracambi, todo mundo ia rir de mim: “Hahaha, imagina que em 2021 você vai estar na posição que você está hoje, Graci. Sonha, jacaré”. E talvez eu nem quisesse, né? Então, eu acho que tem que falar, acreditar em você. A mulher precisa ouvir isso. Não se subestime. Violência doméstica tem saída, vai ter um homem que vai te amar. E, se não está bom, aceite que não está bom. Não fica tentando consertar a vida toda, que às vezes vai ser tarde demais. Feminicídio acontecendo aí, na pandemia eu perdi uma… perdi não, né? Aconteceu uma tragédia no meu prédio vizinho. Então, assim, acho que a gente não tem que esperar o tempo. A gente tem que tomar as rédeas da nossa vida. Tome as rédeas da sua vida, ela é sua e você pode ser o que você quiser.
P/1 — E o que você achou de ter contado um pouco, relembrado toda essa trajetória?
R — Ah, emocionante! Só enche o coração de mais satisfação, de dizer: “Caramba!” Até lembrar do meu pai lá no trem e da minha mãe vendendo Tuppeware, eu lembro que fazia até encontros em casa com comidinhas, pra receber as clientes e aí você olha pra trás e fala: “Caramba, é muita conquista, gente, tem que estar muito feliz, mesmo. Sentimento de gratidão sem fim, muito bom”. Por isso que eu me emociono falando do meu pai, que eu lembro disso, né? Eu falei: “Pai, a gente vai virar história, pai, olha só, eu vou fazer tudo” E ele estava lá meio, já, não estava mais lúcido no hospital e eu falei pra ele: “Pai, a gente vai continuar tudo que você fez aí”. E não sei se tem o espiritual, cada um tem seu credo, sua crença, né? Mas eu acredito muito nessa energia boa, sabe? Da gente querer e as coisas vêm. Então, eu tô muito grata por ter podido lembrar e contar tudo isso e saber que isso tudo que eu tô falando é importante pra alguém que vai ouvir, né? É relevante pra história das pessoas, então, não se intimide. Se eu estou aqui, você também tem seu papel de vir aqui, de contar a sua também. Pode não ser aqui pra Luiza, mas vai ter outros caminhos. Mais uma Luiza na minha vida, gente! (risos)
P/1 — Graci, que noite gostosa, muito obrigada! Foi muito gostoso. Foi muito inspirador. Obrigada mesmo por ter topado e por ter dividido com a gente, um pouquinho.
R — Que bom, gente, que bom que vocês gostaram! É verdade: o mundo vem mesmo, pra tudo que a gente quer. Jamais imaginei passar por essa entrevista na minha vida, já falando de coisas e nunca pensei por isso. (risos) É uma surpresa muito, muito, muito grande. Muito grande, muito grande. Tô muito orgulhosa. E perturbei minha família hoje o dia inteiro, que eu ia estar aqui com vocês. (risos) Minha família que eu falo é meu marido e meu filho. Toda metida. Gente, vocês não têm noção! Muito bom, muito feliz! Obrigada, Luiza, obrigada Bruna, obrigada Alisson e Dani também.
[Fim da Entrevista]
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