Eu me chamo Maria.
Tenho quatro irmãos. Eu sou a segunda. Eu tenho um irmão mais velho, depois venho eu, tem uma irmã que também seguiu na mesma profissão que a minha, professora. Eu tenho um outro irmão que é pintor, e tem um irmão mais novo que é da área de marketing, trabalha com festa...Continuar leitura
Eu me chamo Maria.
Tenho quatro irmãos. Eu sou a segunda. Eu tenho um irmão mais velho, depois venho eu, tem uma irmã que também seguiu na mesma profissão que a minha, professora. Eu tenho um outro irmão que é pintor, e tem um irmão mais novo que é da área de marketing, trabalha com festas.
Meu pai trabalhou em um banco, hoje é aposentado; ele trabalhava no setor gráfico. Lembro que quando pequena eu adorava sentar na cadeira dele, mexer nos papéis, ver o jeito dele com as pessoas. Uma pessoa altamente comunicativa, eu herdei um pouco disso do meu pai. Minha mãe, desde cedo, também trabalhou como professora, hoje também já é aposentada. Eu também herdei alguma coisa da minha mãe: essa vontade de estar em contato com crianças, com jovens, necessidade de ajudar [de] alguma forma.
Desde o início, eu sempre estudei em escola particular. E eu via que não havia uma comunicação próxima dos professores com os alunos, eu me sentia meio que de lado. E eu sempre sonhava, dizia que eu queria ter uma professora que chegasse mais próximo do aluno, que perguntasse alguma coisa da minha vida. Eu sempre tive esse sonho.
Quando eu fui para o ensino médio, eu optei por estudar em uma escola pública. E comecei a ver o diferencial, de como as pessoas se aproximam mais. Às vezes, até a própria necessidade: vamos fazer um trabalho juntos. Não tem aquele individualismo que tem numa escola particular, cada um faz o trabalho em casa. Na escola pública eu comecei a perceber que as pessoas se ajudavam mais. Então a minha profissão foi em direção a isso, acho que eu tinha essa carência de pessoas que me ouviam, não em casa, mas na escola.
Passei a ver isso com outros olhos. Eu vi que uma aproximação é uma conquista, e que eu podia aproximar muito mais as pessoas com esse meu jeito. Então eu estudei, me formei e só tive mais certeza que era essa era profissão que eu queria.
Eu comecei a ver um professor que era bem próximo, amigo, e disse assim: “Se um dia eu me tornar professora eu quero ser uma professora assim, uma professora próxima, uma professora amiga. Não tão formal, que goste de brincar, que goste de ouvir não só na sala de aula, mas no corredor, no horário do lanche.”
No início, a faculdade foi um pouco difícil porque quando eu iniciei, logo no primeiro semestre, eu engravidei. Eu não desisti, porque tinha uma série de dificuldades por conta da gestação, mas a cada cadeira, a cada disciplina, eu via que era aquele caminho que eu queria. Quando eu estudava Paulo Freire e o que ele fala sobre educação, eu via que estava no caminho certo, que era isso que eu queria.
Eu sou muito feliz na minha profissão. Gosto demais de trabalhar - não só com crianças, eu trabalho com todo tipo de público. Eu trabalho com crianças, com adolescentes e com adultos também. Não vejo diferença, eu vejo a vocação, o amor à profissão.
Quando terminei meu estágio eu não consegui logo um trabalho, porque precisava ter experiência e eu não tinha, só tinha o estágio. E resolvi trabalhar em outra profissão.
Na época, eu não encontrei nenhum emprego. Eu conheci uma moça que tinha uma empresa de fogões e ela falou: “Você quer trabalhar comigo?” Eu disse: “Quero.” “Você vai vender peça de fogão.” Só que eu não vendia nada. Eu percebia que o rapaz que fazia manutenção no fogão vendia muito mais, então eu comecei a trabalhar por telefone. Eu fazia propaganda para ele e uma vez uma pessoa me disse: “Olha, você é muito comunicativa, você tem o poder de convencer. Eu tô vendo que aqui você não vai ter tanta chance de crescer. Eu vou levar você para minha empresa.” E me levou para uma empresa de produtos de estética.
Eu comecei atendendo telefone. Eu me comunicava muito bem, tratava muito bem as pessoas por telefone e às vezes as pessoas vinham para me conhecer. O meu patrão viu que eu tinha aquele dom e disse assim: “Olha, eu vou colocar você agora para vender porque você tem uma lábia, você consegue convencer as pessoas.” Eu comecei a vender dentro da própria fábrica e batia recorde de vendas. Ele resolveu me promover novamente: eu era chefe das pessoas que vendiam, dava treinamento de como vender.
Até que surgiu a chance de lecionar, de trabalhar na escola, que é essa escola que eu trabalho agora. Eu fui fazer apenas um estágio, tirar uma licença, e dos quatro meses estou com dezesseis anos trabalhando lá. Tenho um amor muito grande, já tenho alunos que já se formaram, que já trabalham e voltam lá. O incrível é isso, o que você deixa de positivo nas pessoas.
Conheci o ViraVida quando eu estava passando um período muito difícil na minha vida. Estava trabalhando no colégio, tinha um filho pequeno, com sete anos, mais ou menos, e estava precisando trabalhar à tarde. Eu tinha feito um concurso para Prefeitura; uma amiga que trabalha aqui na Educação falou que tinha um projeto e que estavam precisando de pessoas. Ela tinha achado que parecia comigo, e era para eu fazer a inscrição. E justamente no dia que estava havendo a inscrição aqui eu tinha um compromisso na outra escola. Conversei com a minha chefe e ela deixou que eu viesse.
Fiz a entrevista, conversei com as pessoas responsáveis, consegui passar por todas as etapas da seleção e consegui entrar. Esse foi o primeiro passo. Logo no início, quando eu comecei a dar aulas aqui, eu vi a diferença.
A diferença de idade dos alunos, porque eu trabalhava com crianças de até no máximo dez anos. Aqui já eram jovens - quinze, dezesseis, dezessete. E foi um desafio.
Eu lembro que no primeiro, segundo dia eu pensei em desistir. Fiquei muito feliz porque consegui um trabalho à tarde, mas fiquei com medo. Era um desafio na minha vida, era um projeto totalmente diferente, e eu estava iniciando com ele. Fui para casa, fiquei pensando. Mas eu nunca fui de desistir das minhas coisas, por que eu iria desistir agora? E voltei. Eu fui, pensei durante uma noite, no outro dia estava aqui. E estou até hoje, desde o início em 2008, desde o primeiro dia, completando quatro anos agora de projeto.
Graças a Deus eu não desisti, porque o projeto tem o nome ViraVida e proporciona uma virada na vida dos meninos, mas eu acredito que foi uma virada na minha vida também, em todos os sentidos. Passei a me sentir, ver aquilo que eu aprendi na minha faculdade: a questão do olhar, a questão do ouvir, a própria relação com o ser humano, você dar oportunidade às pessoas. Às vezes, vivemos num mundo tão individualista, que as pessoas só querem falar e nós não escutamos. E quando eu vim para o projeto, tive a oportunidade de conhecer os meninos, de viver um pouco a vida. Porque eu me envolvi muito, eu me envolvia com cada história.
Cada vez que alguém faltava, no outro dia eu perguntava de curiosa mesmo: “Por que você falou? Eu senti sua falta.” Às vezes, eu até estava aplicando aquilo que eu aplicava com os pequenos, mas eu percebia [que] era importante para eles. E ouvir naquele momento foi muito importante, porque a cada história que eu escutava, a cada relato, eu percebia que a vida, o mundo, não era só aquele que eu vivia. Tinha um mundo muito além que eu não conhecia, que às vezes era um mundo de dor, de tristeza, de perdas. E às vezes, vivemos tão voltados para os nossos problemas, para nossa vida, que acabamos esquecendo de olhar um pouco o outro. E esse projeto me deu essa oportunidade.
Hoje o projeto ViraVida é superconhecido. No início, quando os jovens chegavam aqui, eles não tinham muita ideia do que estavam vindo fazer aqui. Eles vinham para um curso, e durante o decorrer do curso é que eles iam entendendo a seriedade que é o projeto.
Hoje, esses alunos que entram aqui no projeto ViraVida já são alunos conscientes. Eles sabem que é um projeto sério, eles querem estar aqui. Eles sabem que vêm muitas vezes de comunidades simples, que a situação, muitas vezes, é uma situação desumana. Que muitas vezes eles vêm e não têm nenhum tipo de alimentação em casa, e são extremamente carentes quando entram aqui. Carentes de tudo, carentes de afeto, de amor. Da mão amiga que se possa ajudar, de uma pessoa para ouvir. Porque muitas vezes esse aluno que eu tenho dentro da sala, ele pode ter tudo, essa alimentação, ter uma roupa legal, mas ele não tem alguém para ouvir.
Eu sou professora de Cidadania, então eu digo muito... Eles têm aula de Matemática, têm aula de Português. Nas minhas aulas de Cidadania é onde consigo extravasar, conhecer um pouco; eles falam um pouco da vida deles, de angústias. Muitas não falam na roda, nas dinâmicas, mas geralmente é assim, são alunos carentes, carentes principalmente de atenção, eu vejo essa necessidade. Muitas vezes, eles querem aparecer. Antes eu tinha uma ideia, eu achava que era exibicionismo, mas eu vejo que não, que a questão é: “Eu tô aqui, você pode me dar um pouco de atenção.” Hoje eu vejo que eles têm isso aqui.
Hoje uma pessoa me perguntou onde era a minha sala, eu disse que muitas vezes é ao ar livre. Aqui embaixo das mangueiras, perto ali dos prédios, ou ali no lazer, ou até mesmo em sala de aula. Dependendo do que eu vou trabalhar, porque eu digo que a disciplina de Cidadania é muito importante. Eu trabalho direitos, desde a escolha dos nomes deles, a origem, de onde vem, se eles gostam. Veem a questão da própria certidão de nascimento, que é um direito, muitas vezes eles têm os filhos e não têm ainda registrados. Para entrar no clima eu trabalho essa questão sobre o nome, apelidos, se alguma coisa constrangia na infância, se hoje ele gosta disso, se não gosta, alguma história engraçada que ele queira contar.
Eu sempre começo por mim para quebrar um pouco o gelo, falo um pouco da minha história quando eu era pequena em sala de aula. Um apelido que colocaram em mim que até hoje eu não gosto. Quando eu lembro isso, me causa tristeza. E depois que eu falo eu peço para eles falarem.
A aula de Cidadania é basicamente isso, conversamos bastante. Mas através da conversa há sempre um fundo de seriedade em relação aos direitos. Trabalhamos muito a questão da postura deles no mercado de trabalho, a questão do marketing pessoal, mas até chegar lá tem toda uma escala. A gente trabalha sobre sexualidade, trabalha sobre a própria saúde, os cuidados que nós temos que ter. Eu trabalho também o consumo consciente, porque eles precisam saber com o que eles vão gastar, o que é importante. Trabalho sobre a questão de economizar para um futuro bem próximo, o que eles querem. Quais são seus planos para o futuro? Vamos construir metas [para] quando você sair do ViraVida?
A aula de Cidadania é a junção de tudo isso. É a questão do dia a dia; muitas vezes eu preciso parar porque surge algum assunto ali do momento que é interessante de se conversar, de repente parar aquele conteúdo que eu vou... Eu trabalho muito com entrevistas, eles têm uma dificuldade de conversar. Então eu peço para que eles entrevistem pessoas porque uma conquista nossa, aqui, é que os meninos do ViraVida ganharam um espaço muito grande aqui no Sesi. As pessoas estão recebendo nossos alunos de braços abertos. No início, havia um pouco de rejeição, e isso foi logo no início porque havia outros alunos e havia sempre a comparação: porque esse projeto é assim, os alunos são assim. Eu criei essa questão para que os meninos se sintam bastante à vontade. Aqui é um espaço amplo, eles podem ir entrevistar as pessoas da área da Saúde. De repente sobre um tema que esteja sendo discutido, seja sobre discriminação, preconceito, eles montam as perguntas, eles entrevistam, e depois a gente se encontra em um lugar estratégico. “Nós vamos nos encontrar do lado da piscina, lá debaixo dos pés de jambo, onde tem uma sombra.” Um espaço para quebrar um pouco o gelo da sala. Debate o assunto, conversa, depois volta para sala de aula.
Há momentos que são os momentos mais descontraídos. Um deles é o intervalo, o momento do lanche, porque sempre tínhamos essa preocupação de fazer com que os meninos interagissem. A gente tem um refeitório grande, a gente sempre promove lanche interativo uma vez por mês. O que é esse lanche? Uma turma que está me ajudando na equipe cidadã, que é uma equipe que é montada, ela promove algum tipo de evento. Os alunos recebendo os outros alunos, sempre com algum tema, junino, ou Dia do Amigo, distribuindo cartõezinhos com lanche diferenciado. É uma forma que temos para que os meninos interajam entre si, porque tem sempre aquele que é mais caladinho, fica meio que isolado, não conversa muito.
No início, não conversava muito sobre o que aconteceu com os meninos, como eles chegaram aqui. Isso para não causar constrangimento, nunca entrava em detalhes, até porque os próprios alunos não deixam isso claro.
Eu nunca achei que houvesse necessidade de colocar isso, até porque eles têm o atendimento com as meninas para conversar, para expor. E eu sempre achei que se trouxesse alguma coisa particular para sala de aula poderia haver algum tipo de constrangimento, mas trabalhava sobre o tema de uma forma ampla. Às vezes, aqueles que se sentem à vontade, eles falam. Sem precisar fazer exposição ou sem eu precisar estar apontando. Muitas vezes, aqueles que são mais espontâneos falam: “Isso aconteceu comigo”, e a gente sempre dá força um para o outro, não tentar julgar. Escutamos com naturalidade.
A gente sempre faz oficinas de violência, violência em geral; chega a parte de violência sexual, onde a maioria deles… Quando eles vão expor o trabalho tem esse outro olhar, sabem que eles estão falando de si mesmos, de uma maneira mais discreta, sem se expor tanto.
Trazemos pessoas, profissionais; eles trabalham com violência, do combate à violência com pessoas que vêm dar palestra, que mostram a realidade. Mas em sala de aula mesmo, individual, eu não trabalho. Eu sempre tive esse cuidado de não conversar sobre esse assunto porque eu tento deixar os meninos o mais naturais possível, porque toda turma tem sempre um menino ou uma menina que é mais introspectivo, fica mais caladinho, que não conversa com ninguém, que se você for procurar… Eu sempre respeito a questão do tempo.
Para que eu possa entender, há uma reunião com as meninas do psicossocial, para que elas possam repassar. Se eu tiver um olhar diferenciado para um aluno e vir que aquele aluno está muito quietinho, ou está meio choroso e não quer conversar, como temos reuniões semanais - dependendo do caso, até diárias -,
passamos para a equipe do psicossocial, para que eles possam chamar para conversar, para combater logo o que está acontecendo. Isso tem um efeito muito rápido, porque você vê que até agradecem depois. “Obrigada.” “Por quê?” Porque sabem que a gente acabou dando esse toque para as meninas, para conversar.
A primeira coisa é a questão da autoestima. O sorriso, o rostinho que eles entram aqui, até o estilo deles, sabe? Eu trabalho muito com essa questão quando eu falo para eles assim: “Gente, vocês vão trabalhar comigo a postura.” Eles acham que é a questão do jeito que eles estão sentando. Eu vejo que eles mudam a cada dia.
Eu vejo que eles também se espelham muito em nós, professores. Eles cobram. Hoje eu estou com uma turma aqui que já está com um ano e dois meses; é uma turma mais antiga, que é a turma de tecelagem. E turmas recentes, com um mês.
Eu vejo que uns vão passando para os outros as regras que existem aqui, e que nós não podemos deixar de passar as regras para eles porque as regras existem em todos os lugares - no trânsito, em casa, no condomínio, na vida. Então, não se pode ultrapassar essas regras.
Eu acho que a mudança deles acontece aí. Quando eles entram aqui, eles vivem um período que é chamado de socialização, onde eles vão passar a se socializar mais com os outros que eles vão conviver - porque eles vão conviver nove meses aqui, então precisa conhecer um pouco mais do outro. E é importante isso porque ele começa a perceber a partir daí: “Olha, eu não tô aqui sozinho, aquele ali tem uma história de vida parecida com a minha.” E a mudança acontece a partir daí.
Na sala de aula, as regras que eles veem se aplicam. Eles querem atender telefone, querem sair a todo instante, e você começa a perceber que pequenos hábitos que eles não tinham eles passam a ter. Em seguida, a questão do próprio corpo. Uma higiene que às vezes eles tinham deixado esquecida, o cuidado com o cabelo, cuidado com as unhas, com o próprio corpo, com a aparência, com os dentes, com o visual. Quando eles começam a mudar o visual, eu digo muito que eles começam a se olhar no espelho e ver não somente a figura aqui que eles estão vendo à frente, mas aqui dentro principalmente, que muitas vezes eles acabam esquecendo. Eles deixam de viver a própria vida para viver a vida de uma outra pessoa, de um companheiro, de uma companheira, ou do próprio explorador. Então eu peço para que eles se olhem no espelho e vejam o que podem melhorar. Tanto que a primeira aula é um autorretrato. Eu vou olhar para o espelho, o que eu posso dizer ao espelho de mim mesmo? Eles não conseguem ver qualidades neles no início; eles riem, olham, e não têm qualidade nenhuma. E eu consigo perceber que, no decorrer do tempo, eles vão percebendo que várias qualidades já existiam, mas que estavam ali, escondidinhas.
Quando eu estou com um mês, mais ou menos, de aula eu começo as avaliações e digo: “Olha, hoje eu vou falar de você. Você cresceu muito.” Isso eu faço com a turma: “Vou falar de você, posso falar de você?” “Pode.” Eles se emocionam. Eu digo: “Você, quando chegou aqui, era muito calado, não conversava. Hoje eu vejo que você tem outra postura: você conversa, você participa, é crítico.” E eles se emocionam porque eles vêm de uma realidade onde ninguém elogia ninguém. As pessoas só encontram defeitos. Quando eles encontram pessoas que conseguem evidenciar essas qualidades, eles começam a mudar e eu vejo isso no dia a dia.
Hoje, se eu chegar aqui no projeto e não estiver com o cabelo arrumado, não estiver com a maquiagem, eles me cobram isso. “Renata, você está bem? Você não passou batom?” Isso é um crescimento para eles, porque eles começam a se valorizar e começar a ver que eu era um tipo de referência para eles em relação a isso. Eles dizem: “Olha aqui, eu trouxe o meu, você quer?” Então, eu vejo que eles têm esse cuidado. E quando eu percebo que essa autoestima está bem elevada eu vejo que eles estão bem, eles conseguem encarar os problemas, conseguem estar sempre de cabeça erguida. E é uma mudança assim: se eu pudesse filmar todas as etapas, desde quando eles iniciam até o final, eu conseguiria mostrar o quanto eles mudam durante todo esse processo.
Eu encontro alunos meus que estão no banco. Quando eu encontrei na semana passada, ele: “Renata!!!” Eles veem que é de igual para igual, abraçam. Eu disse: “Vamos lanchar, vamos almoçar juntos.” “Não posso, não. O meu horário é uma hora, tenho compromisso.” “Eu estava só querendo saber da tua responsabilidade.” “Não, tô seguindo direitinho.” Faço questão de visitar.
Eu tenho uma aluna que eu nem sabia... Eu sabia que ela queria montar o próprio negócio. Ela está com uma sorveteria dentro de um shopping e eu fui fazer umas compras. Eu só escutei aquele psiu; quando eu olhei, eu fiquei emocionada, sabe? Tudo direitinho, negócio próprio. Ela queria me oferecer o sorvete e eu disse: “Não, eu vou pagar.” “Não, professora, por favor!” Eu disse: “Não, da próxima vez é por sua conta, mas hoje eu vou pagar.” Então, é um orgulho que eu tenho desses meninos porque eu acompanho todas as fases deles. E sei que essa mudança não para aqui quando eles saem do projeto. O que eles veem durante esse tempo que eles têm do projeto eles levam para vida inteira.
O objetivo do projeto realmente é esse, mudar a vida dos meninos. Então, não tem sentido que os meninos entrem aqui e se percam no caminho, que eles não cheguem até o final, que eles não consigam chegar nessa etapa onde possam acreditar neles mesmos. Que eles possam sair daqui com seu negócio montado, com a sua vida encaminhada. Por quê? Porque se eles saírem no meio do processo, vão voltar àquela vida que achavam que era normal, a vida de antes. E por estar aqui no projeto há tanto tempo eu vejo que a maioria dos alunos que saíram hoje está no mercado de trabalho, com seu próprio negócio, está bem. Às vezes não pode exigir que eles estejam - eu digo que tudo é um processo, tudo na nossa vida, vamos conquistando. Se eu trabalho, se eu entro numa empresa como auxiliar administrativo, auxiliar de escritório, eu vou conquistando meu espaço. O projeto fez o papel que foi capacitar; além de capacitar, essa escuta, esse trabalho individualizado que é para questão do eu de cada um, porque é a primeira coisa que se tem que trabalhar. Se não seria muito fácil, só jogar os meninos no mercado de trabalho, mas tem todo um referencial. Por isso que é importante que eles participem, que cheguem até o final.
Eu lembro que eu tinha uma aluna que fazia Gastronomia. Ela era uma das meninas que ninguém acreditava, os próprios colegas não acreditavam nela, achavam que quando saísse ela não iria persistir na profissão. E ela, bem caladinha. Eu lembro que uma vez eu falei: “Gente, vamos investir. Se você quer montar um negócio, principalmente na área da Gastronomia, o que se pode comprar? Vai guardando.” Antes da formatura dela, ela fez questão - eu não esqueço disso - de levar… Não sei nem como ela levou naquele dia, mas ela trouxe aqui pro projeto todo o material dela, que ela tinha comprado durante o projeto. Batedeira, liquidificador, processador, porque ela disse que ia montar o próprio negócio e fazer comida em casa, ia colocar uma banca. Por ter três filhos, ela não queria trabalhar fora.
Esse é o objetivo do projeto: é fazer com que eles percebam que eles podem dar esse rumo à vida, eles podem ter o próprio dinheiro de maneira digna, que não afete a si e nem as pessoas mais próximas. Porque se uma adolescente que está assim desiste, ela não atinge só a si mesma, mas a nós; nós ficamos muito tristes, realmente. Os pais, responsáveis que estavam acreditando no jovem, de repente ele desiste. Mas o que eu tenho percebido é que a maioria dos jovens está com foco, com objetivo, eles não querem desistir no meio do caminho. E sempre que eles têm essa ideia de desistir, eles pedem ajuda antes.
Iniciamos em um número pequeno, mas agora estamos com bastantes alunos, e também o ViraVida se expandiu pelo Brasil. É muito importante, porque tudo começou aqui.
O meu sonho é esse, que esses jovens - não só esses que ainda estão aqui, mas os milhares que ainda vão entrar no projeto -, que eles possam chegar na idade que eu estou, ter essa mesma visão. Ter a vida estruturada, constituir uma família, ter o seu trabalho, sua casa, uma vida digna.
Eu deixo essa mensagem: que os professores sejam mais amigos, mais próximos, escutem mais. Olhem nos olhos dos meninos, sempre evidencie as qualidades, porque esses meninos são meninos muito especiais. E hoje sim, eu me tornei uma pessoa bem melhor por conta deles, do convívio com eles, e sou muito feliz aqui. Eu agradeço também.Recolher