Projeto 50 Anos do Senac São Paulo
Depoimento de José Mendes Guerra
Entrevistado por Rosali Henriques e Carmen Natale
Instituto Museu da Pessoa
São Paulo, 14/07/1995
Código: SENAC_HV016
Transcrito por Rosália Maria Nunes Henriques
Revisado por Ligia Furlan
P/1 - Senhor Guerra, nós gostaríamos que o senhor começasse falando o seu nome, o seu local e data de nascimento.
R - Meu nome é José Mendes Guerra, nasci em Silveiras, no estado de São Paulo mesmo, no dia 18 de março de 1913.
P/1 - Qual o nome dos seus pais?
R - Minha esposa é Jandyra Villela Guerra.
P/1 - E os seus pais?
R - Meu pai Alberico Cordeiro Guerra e Julieta Mendes Guerra.
P/1 - O senhor poderia nos contar como foi a sua infância em Silveiras, senhor Guerra?
R - A minha infância em Silveiras foi como de todo menino daquele tempo, que os brinquedos eram mais simples de brincar.
Para brincar de pião precisava construir o pião, senão não tinha, não como hoje, que tudo é comprado, tudo feito previamente.
Antigamente o menino tinha que fazer, providenciar os brinquedos para que tivesse diversão.
Era nesse sentido que a gente brincava sempre, sempre organizando e praticamente fazendo os brinquedos.
P/1 - E Silveiras era uma cidade pequena? Como era?
R - Silveiras era uma cidade bem pequena, bem pequena, com duas ou três ruas.
É uma cidade histórica, teve uma participação grande numa Revolução das Trincheiras, ainda existente na cidade, as trincheiras nas imediações da cidade, mas hoje é uma cidade completamente fora de propósito.
Aliás, com relação a isso, Monteiro Lobato escreveu um livro que ele falava “as cidades mortas”, e Silveiras estava incluída entre as cidades mortas, isso há bastante anos atrás.
P/1 - E qual era a atividade de seu pai e da sua mãe?
R - Qual?
P/1 - A atividade.
R - Meu pai era advogado formado em São Paulo, ele foi promotor público, primeiro em Igarapava, depois transferido para Silveiras.
Posteriormente foi para Queluz, exercendo sempre a mesma função de promotor público.
P/1 - O senhor tem mais irmãos, senhor Guerra?
R - Sim.
Tenho mais, tinha mais três irmãs: era Cristina, Maria e Júlia.
E todas elas eram professoras também.
P/1 - Como é que era esse convívio familiar em Silveiras, em Queluz, posteriormente?
R - Foi bom até certa idade, eu era muito.
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Como único homem entre todas as irmãs, me estimavam muito, tinha muito, como se diz, muito luxo, muita história comigo.
Mas depois, logo depois de terminado o grupo, eu saí de casa e mudei para Lorena.
Então eu fiquei em Lorena durante seis anos, interno num colégio salesiano, Colégio São Joaquim de Lorena.
A convivência era menor, mas sempre calorosa, sempre muita amizade, muita camaradagem mesmo.
P/1 - E o senhor foi para Lorena pra estudar, né?
R – Sim, eu fui pra Lorena pra fazer o ginásio.
Eu tinha terminado o grupo, naquele tempo quando terminava o grupo, fazia um curso de admissão ao ginásio.
Eu fui pra Lorena então como aluno interno no colégio para fazer o curso de admissão e depois o ginásio, que naquele tempo era de cinco anos, e não quatro, como hoje.
P/1 - Como é que era o seu cotidiano no ginásio lá em Lorena?
R - O cotidiano do ginásio.
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Era um ginásio católico, ginásio salesiano.
Eu falei pra você, começava de madrugada com uma missa diária às 6 horas da manhã todo dia.
Depois da missa é que se tomava café, então começava as aulas na parte da manhã, quase sempre, e à tarde sempre havia um período de estudos onde os alunos eram reunidos num lugar muito amplo, com 200, 300 pessoas.
O ginásio tinha três divisões: médios, pequenos e grandes, e as divisões eram separadas.
Depois das aulas havia esporte, futebol.
À noite, uma vez ou outra, raramente, cinema.
Era essa a rotina de todo o dia no colégio.
P/1 - E final de semana o senhor ia para casa em Silveiras ou ficava em Lorena?
R – Não, as saídas do colégio não eram semanais, eram mensais, às vezes trimestrais, dependendo do comportamento também do aluno.
Às vezes podia ser suspensa uma saída, como eles chamavam, pra visitar a família por mau comportamento ou por maus estudos.
Os salesianos eram rigorosos nesse ponto.
P/1 - E o senhor fez o ginásio comum nessa época, né?
R - Como é?
P/1 - Era ginásio comum?
R - Ginásio comum.
Era o único ginásio que existia naquele tempo, não existia nem o Ginásio Comercial ainda, o estudo era.
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Naquele tempo o primário que era o grupo escolar, depois o ginásio e depois a faculdade.
P/1 - E depois que o senhor terminou o ginásio, pra onde o senhor foi? O que é que o senhor foi fazer?
R - Terminado o ginásio eu fiz escola Normal.
Fiz um curso de escola Normal por insistência da minha mãe, insistiu muito para que eu fizesse escola Normal, pra ser professor.
Fiz esse curso Normal e depois teve muita valia pra.
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Me proporcionou muita oportunidade mais tarde em São Paulo, no SENAC e no ensino público, de modo que foi de muito valor essa insistência da minha mãe que eu fizesse a escola Normal.
Depois da escola Normal eu vim pra São Paulo e fiz um curso preparatório pra escola de medicina, vestibular em medicina.
Não consegui entrar nos dois vestibulares que eu fiz.
Aí então tomei outro rumo, comecei a trabalhar, comecei a me dedicar a outras coisas que não mais estudo.
P/1 - A escola Normal, o senhor cursou aonde?
R - Como?
P/1 - A escola Normal.
R - A escola Normal era também em Lorena.
Também naquela ocasião, era uma escola tradicional na cidade, Lorena já era uma cidade bem melhor do que Silveiras e que Queluz, e tinha escola Normal, tinha ginásio, um quartel do Exército 5º Regimento da Infantaria.
Era uma cidade bem mais desenvolvida que Silveiras, Lorena.
Lá é que eu concluí o ginásio e a escola Normal, os dois lá.
P/1 - E o senhor veio pra São Paulo quando?
R - Nessa época.
Em 34, 1934.
Eu fiz escola Normal em 32, ginásio em 33 e em 34 passei pra cá pra fazer então o vestibular na medicina, que eu já fiz referência pra você.
P/1 - Mas aí o senhor não passou no vestibular e ficou em São Paulo fazendo o quê? Trabalhando?
R - Fiquei em São Paulo trabalhando, entrei para trabalhar nos Correios, trabalhei no correio bastante tempo, e em algumas firmas particulares também.
Posteriormente, passado algum tempo eu fui para o interior, fui trabalhar em Santa Rita do Passa Quatro.
Trabalhei também em Campinas e em Ribeirão Preto.
Em Ribeirão Preto eu estive bastante tempo, até 1955, quando então voltei a São Paulo e iniciei essa carreira de professor do SENAC e no serviço público.
P/1 - Eu só gostaria de voltar um pouquinho.
O senhor falou que foi para o interior; o senhor trabalhava com o que, no interior?
R - Em Campinas eu trabalhava para um laboratório francês de produtos farmacêuticos, era R.
Albertel e Cia.
Ltda.
E depois pra Santa Rita do Passa Quatro eu fui como gerente de uma indústria de algodão, de beneficiamento de algodão, lá eu estive cinco anos.
Fui transferido para a mesma algodoeira, chamava-se, naquele tempo, Algodoeira Meireles.
Fui transferido então para Ribeirão Preto e lá fiquei bastante tempo na Algodoeira Meireles.
Saindo da Algodoeira Meireles eu tive outras atividades também, tive posto de gasolina, tive fábrica de doces; enfim, uma porção de coisas.
Não satisfeito com aquilo, me transferi pra São Paulo, e aí tive a oportunidade de aproveitar o tal diploma de professor que a minha mãe tanto falou pra fazer.
E me realizei como professor, tive grandes alegrias como professor, tanto no SENAC como no serviço público.
Foi um período assim, muito satisfatório pra mim esse período de professor.
P/1 - Como o senhor ingressou no SENAC?
R - Ingressei no SENAC através de uma pessoa que era funcionário lá, que tinha sido inspetor de ensino escolar.
Era o professor Nilo Vieira, ele é que me indicou pra entrar no SENAC, através dele é que eu entrei.
Ele havia sido, como eu disse, inspetor de ensino.
P/1 - E o senhor já conhecia o SENAC? Já tinha ouvido falar no SENAC?
R - Sim, já tinha visto falar alguma coisa.
Em Campinas e em Ribeirão Preto já tinha visto bastante referências do SENAC.
Em Ribeirão mais, porque tive contato com a escola SENAC de lá, que existia naquele tempo, por volta de 1940, mais ou menos 41.
E cheguei a ir à escola e me dava com o diretor da escola, de modo que pude verificar bastante, bem de perto, a utilidade do SENAC, a atuação dele nas camadas comerciais lá de Ribeirão Preto.
Eles faziam e continuam fazendo um serviço de muito valor nessas coisas.
P/1 - E o senhor veio trabalhar em que escola, em que lugar no SENAC aqui em São Paulo?
R - Inicialmente eu fui como professor no Ginásio Comercial da Escola Brasílio Machado Neto, aí eu estive durante alguns anos, até que então fui promovido a diretor de uma escola que ia se iniciar naquele ano, uma escola de Hotelaria que seria a pioneira no estado de São Paulo.
Deixei então de ser professor, fui obrigado a pedir demissão do cargo de professor, aceitaram a demissão de professor e eu fui nomeado diretor da Escola de Hotelaria, que se chamou mais tarde Lauro Cardoso de Almeida.
Nessa escola essa escola era especialmente voltada para hotelaria, davam cursos de Maître, Cozinheiro, Garçom, Barman e outras atividades correlatas com hotelaria.
Ao mesmo tempo, mantinha a escola em outros períodos outros tipos de cursos: Classificador de Café, Classificador e Provador de Café, Manequim Profissional, Datilografia, Vitrinismo, Cartazismo.
Enfim, todo um grupo grande de atividades, sempre dirigidas ao comércio.
P/1 - Voltando só um pouquinho à Escola Brasílio Machado Neto, eu gostaria que o senhor me falasse que disciplinas o senhor lecionava na escola.
R - Na escola SENA, eu entrei inicialmente.
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A primeira disciplina que eu dei foi desenho geométrico, eu era professor de desenho geométrico.
Depois eu gostei tanto da história de professor, comecei a me testar em outras coisas.
E consegui, junto ao Ministério da Educação, o registro de professor, era naquele tempo necessário um registro de professor no Ministério, consegui registro de outras matérias: geografia, história e ciências.
Foram essas matérias, em princípio, que eu lecionava no SENAC.
Nas outras escolas, na Polícia do Exército a principal atividade era educação e alfabetização de adultos, só adultos, eu só trabalhava lá com soldados.
Quer dizer, as pessoas, os moços que eram convocados para o serviço militar iam para essa escola regimental, e lá então tinham uma complementação de alfabetização e educação.
P/1 - Que alunos frequentavam o Ginásio Comercial Brasílio Machado Neto? Que tipo?
R - O tipo de aluno principal era um aluno que era convocado no próprio comércio.
Toda casa de comércio que tivesse um número grande de alunos, de menores como empregados, era obrigada a mandar pra escola determinado número de alunos.
Essa era a principal clientela do SENAC, alunos que trabalhavam no comércio ou de dia.
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Quando trabalhavam à tarde iam na escola de manhã, quando trabalhavam de manhã, iam no outro horário pra escola.
Mas era o contingente principal da escola, era a convocação no comércio, eles eram empregados do comércio, eram moços que trabalhavam no comércio.
P/1 - E funcionava em que turnos, a escola? Os turnos, que horários funcionava a escola?
R - Turnos.
Três turnos: manhã, tarde e noite.
À noite era sempre reservada a alunos de maior idade, não os menores, muito pequenos tinha preferência nos cursos diurnos: manhã e noite, manhã e tarde.
À noite era quase sempre reservada para alunos maiores de idade que trabalhavam então o dia inteiro, trabalhavam das oito da manhã e iam à tarde, embora trabalhassem no comércio, iam à noite na escola.
Já de manhã esse aluno parece-me chamado de obrigatoriedade escolar.
Ele era obrigado a trabalhar meio dia e passar meio dia na escola, aprimorando as técnicas de trabalho: Datilografia, Empacotamento, enfim, davam, além do Ginásio Comercial, uma porção de matéria que eram úteis para ele no desempenho das funções dele no comércio.
P/1 - Que atividades extracurriculares vocês promoviam na Brasílio Machado Neto? Olimpíadas?
R - Outras atividades.
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Eram inúmeras, a escola era muito grande, muito bem dotada, tinha inclusive campo de futebol e campo de esporte, de modo que havia sempre torneio, sempre disputas entre classes, entre alunos, e até mesmo entre professores, entravam no jogo, entravam na brincadeira também.
Além dessa parte, quase que pode dizer.
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Quase diária desportiva, haviam os desfiles de fanfarras.
As fanfarras eram bandas marciais das escolas, cada escola tinha uma banda, a fanfarra.
E havia certa disputa como em tudo, quando um queria apresentar uma fanfarra melhor, uma fanfarra mais bonita, os uniformes eram sempre muito vistosos, não só homens, também as moças se uniformizavam e saíam às ruas tocando aquela banda, marchas.
Era sempre uma presença que não deixava de acontecer nunca.
P/1 - Voltando um pouco, o senhor começou a falar sobre a Escola de Hotelaria.
Poderia nos dizer como o senhor entrou lá, foi diretor, né? E como funcionava a Escola de Hotelaria?
R - Quando eu entrei pra Escola de Hotelaria, eu disse, a primeira.
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A procura não era muito grande, era muito pequena a procura, quase que nós tínhamos que procurar os alunos mais do que eles a nós.
Era isso, sempre nesse sentido.
Os alunos eram até incentivados com uma importância em dinheiro, eles recebiam além da alimentação, uniforme da escola, eles recebiam 50% do salário mínimo para outras despesas.
Ao invés de pagarem escola como hoje se faz, em vez de pagar a escola, eles recebiam para frequentar a escola.
Além desses 50% do salário mínimo, eles recebiam uma boa alimentação, muito boa, porque o restaurante que funcionava, funcionava um restaurante na escola, era um restaurante excelente, de excelente qualidade, porque os cursos de cozinheiro, por exemplo, eram dados por cozinheiros renomados de São Paulo, então os pratos, as coisas eram muito boas.
E o restaurante funcionava num padrão sempre muito satisfatório, padrão sempre muito bom.
Ao lado disso também os alunos tinham um uniforme perfeito, cada qual tinha o seu uniforme rigorosamente de acordo com sua função.
O garçom era perfeitamente guardado como garçom, o maître naturalmente numa outra coisa, mas todos tinham a sua característica muito bem definida.
P/1 - O senhor ficou quantos anos como diretor dessa escola?
R - Eu fiquei de 63 a 67.
Em 67 eu saí da Escola de Hotelaria e passei para uma escola de Ginásio Comercial - Escola SENAC Eduardo Saigh, em Santo André.
P/1 - Só voltando um pouco.
Onde ficava localizada a Escola de Hotelaria do SENAC?
R - A localização da Escola SENAC era na Rua 24 de Maio, um ponto bem central, e o restaurante foi, naquela época, um sucesso ali na imediação.
Era um ponto muito central, um restaurante muito bom, um restaurante de um padrão mesmo bem elevado, de modo que foi um sucesso o restaurante lá na 24 de Maio.
Era um prédio que o SENAC tem, mantém ainda um ou dois andares lá com outros cursos que não mais Hotelaria.
O curso de Hotelaria não funciona mais lá.
Mas na ocasião em que eu fui lá, dois andares do prédio da Rua 24 de Maio foram completamente reformados e adaptados de acordo como se fosse um hotel, e funcionava o restaurante, a cozinha, cada parte bem definida, cada parte bem repartida e adequada para a função que ela exercia, a cozinha muito bem instalada e o restaurante como eu disse.
Além disso, havia os outros cursos que exigiam instalação própria, por exemplo, o curso de Classificador e Provador de Café exigia um tipo de mesa especial, com xícaras especiais, torradores de café, porque o café vinha ainda colhido das lavouras, eram torrados pelos próprios alunos para aprender aquela parte de torração, moídos, preparado a bebida e aí então eles procediam a prova de café, que eles chamavam degustação do café.
E aquela degustação determinava pra cada lote de café um tipo especial de café: seria o Moka, o bom, os melhores e piores, café arriado, como chamava o de pior qualidade.
E nesse sentido que era orientado o curso de Classificador de Café.
O curso de Oficial de Farmácia tinha também instalações especiais com uma pequena manipulação de ingredientes para remédios, não era apenas uma preparação para vender remédio numa farmácia, era um curso de Oficial de Farmácia, era uma pessoa que podia manipular alguma coisa, pequena coisa.
O curso de Vitrinismo também exigia uma grande parte de instalações próprias, quer dizer, vitrines onde os alunos se exercitavam.
Eram vitrines mesmo, era uma sala de aula com cinco, oito, dez vitrines onde eles se instalavam e enfeitavam cada hora, cada época num sentido.
Por exemplo, inverno, roupa de inverno, como se faz hoje.
Nas festas também as vitrines seguiam aquele ritual de sempre.
O curso de Manequim Profissional também era um curso muito solicitado, muito bonito, eram as moças que queriam se dedicar a modelos, e faziam com uma professora nossa lá muito antiga esse curso.
O curso também exigia passarela, e essas outras coisas que não se pode dispensar num curso de Manequim Profissional.
P/1 - Os alunos faziam estágio em alguma empresa fora do SENAC?
R - Alguns faziam, eles faziam.
Os de Hotelaria mais, os de Hotelaria eram indispensáveis um estágio numa empresas, e nós contávamos sempre com o comércio hoteleiro, com os restaurantes, e principalmente o Sindicato de Hoteleiros, onde nós conseguíamos fazer um estágio e depois colocarmos muitos alunos nesses estabelecimentos comerciais.
Outros cursos o estágio era menor.
No Vitrinismo as pessoas faziam também um pequeno estágio, mas não era demorado.
As moças de Manequim também não faziam estágio em lugar nenhum, faziam alguma outra promoção, uma outra festividade, mas nunca em sentido de estágio.
Os de hotelaria sim eram mais para estagiários.
P/1 - Nessa época já existia o Grande Hotel?
R - Não, o Grande Hotel foi posterior a isso.
Essa Escola de Hotelaria foi a primeira no estado de São Paulo que o SENAC colocou, não havia nenhuma.
Existiam alguns cursos profissionais em que instrutores davam num lugar ou noutro e no interior também, mas que se restringiam quase sempre a cursos de Barman, cursos rápidos de uma semana no máximo, eram cursos sempre muito rápidos.
A Hotelaria, a Escola de Hotelaria é que implantou então esse sistema de cursos anuais para determinadas coisas.
P/1 - Os cursos eles eram técnicos ou eram cursos de aperfeiçoamento? Como eram?
R – Não, havia os dois tipos.
O primeiro de formação profissional, que era predominante formação profissional, e depois, com o decorrer dos anos começou-se então a fazer uma especialização, então outros cursos de aperfeiçoamento profissional.
Mas inicialmente o curso era sempre de formação profissional, o aperfeiçoamento veio mais tarde.
P/1 - Depois o senhor foi pra Santo André, né?
R - Depois fui para Santo André.
P/1 - Eu gostaria que o senhor contasse um pouco mais sobre essa ida para Santo André, como era, como foi.
R - Eu já vinha trabalhando bastante na Escola de Hotelaria, era um serviço já bastante cansativo e eu já estava querendo mudar um pouco.
Eu estava querendo voltar às raízes de professor, então eu voltei como diretor de escola pra escola que era nada profissionalizante, era principalmente voltada pro Ginásio Comercial.
Embora mantivéssemos alguns cursos, fizéssemos alguma coisa como sempre o SENAC fez, cursos de aperfeiçoamento ou de formação, mas principalmente a atividade predominante era o Ginásio Comercial.
E eu estive lá durante bastante tempo, 63 a 70, três ou quatro anos, também me realizei lá, gostei da escola sempre que possível.
De lá eu fui transferido pra sede, voltei para a sede do departamento regional.
Então na sede do departamento regional completei o tempo, bastante tempo, de 70 até 80 e tantos, quando me aposentei em 84.
No SENAC eu me aposentei em 1984.
P/1 - Eu gostaria que o senhor falasse um pouco mais do dia a dia lá em Santo André, nessa unidade de Santo André.
R - A unidade de Santo André, como eu já falei, era essencialmente dirigida ao Ginásio Comercial.
E então as atividades eram manhã, tarde e noite com classes dirigidas especialmente para o Ginásio Comercial.
Alguns cursos que a gente dava não eram predominantes, a gente procurava sempre fazer, procurava no comércio, na indústria, e faziam alguns cursos, mas eram poucos, não eram muitos, de modo que as atividades do Ginásio Comercial era aquele dia a dia, de aula de manhã, aula de tarde, aula de noite.
Depois, sábado e domingo uma bola pros alunos, um passeio, uma.
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Qualquer coisa.
Era essa.
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Quase que uma rotina de escola.
P/1 - E sobre as Olimpíadas, o senhor não tem nenhuma história sobre as Olimpíadas na época que o senhor era diretor em Santo André?
R - Das Olimpíadas.
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É, com Santo André eu fui em umas Olimpíadas em Bauru e levei a turma toda, moços e moças que nós procurávamos exercitar lá na escola, e fomos fazer parte das Olimpíadas, mas infelizmente não conseguimos nenhuma vitória em nenhuma modalidade de esporte, nenhuma, não ganhamos nenhuma.
Então procurei fazer um torneio interno, um torneio só da escola, lá em Bauru mesmo, os próprios colegas uns jogando com os outros.
Dei a cada um dos alunos participantes uma medalha de participação pelos resultados, pelo esforço que eles demonstraram, e eles ficaram tão reconhecidos com essa medalha de participação que receberam, que me deram em volta uma medalha, um disco de prata que eu mostrei pra vocês.
Essa placa de prata em reconhecimento, dizem eles, a essa compreensão que eu tive deles não serem vitoriosos em nada e não terem tido nenhuma sanção, nenhuma observação, aliás, pelo contrário, tiveram um grande estímulo de minha parte, e eles depois recompensaram com isso, que mais tarde conseguiram um melhor resultado.
P/1 - Foi só essa Olimpíada ou foram outras Olimpíadas? Como é que era essa participação dos alunos?
R - A Olimpíada era anual.
Em cada vez numa cidade, ora em Marília.
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O SENAC naquela época não tinha muitas escolas, eu calculo umas seis ou oito no interior, então ora se fazia em Ribeirão Preto, ora Bauru, São José do Rio Preto, e mesmo em São Paulo se realizaram Olimpíadas também.
Traziam todas as escolas do interior pra capital, ou quando era numa cidade do interior todas as escolas iam participar da Olimpíada.
Cada uma levava seus melhores atletas, eram acompanhados por professores e diretores e sempre a indefectível fanfarra, cada um levava uma fanfarra melhor que a outra.
Eles pelo menos se esforçavam para levar uma fanfarra melhor que a outra.
O torneio eram disputas esportivas e finalizavam com um grande desfile de fanfarras que era também um concurso de fanfarras que se fazia na cidade.
E o encerramento, além da fanfarra, tinha também o chamado Torneio Cultural.
O Torneio Cultural era como o próprio nome diz, um Torneio Cultural onde as pessoas, os alunos participavam de umas provas escritas e essas provas eram julgadas lá mesmo, na hora, em seguida, para no dia seguinte proclamar os vencedores do Torneio Cultural.
Elas tinham, assim, um peso muito grande na decisão de campeonato, eram campeões da Olimpíada quem tivesse ganho a Olimpíada quem fosse campeão ou vice-campeão.
O peso do Torneio Cultural era bastante significativo, como também significava a apresentação da fanfarra.
Também a fanfarra era de um peso bem considerável na avaliação de campeonatos.
P/1 - E para o Torneio Cultural vocês treinavam os alunos? Faziam testes com os alunos, ou não?
R - Não, não havia treino.
O treino era na escola de Ginásio Comercial, os alunos aprendiam as matérias, se localizavam, viam como queriam, mas.
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E naturalmente as perguntas, as questões pedidas no Torneio Cultural eram consequência dos estudos, das aulas que eles tinham nas escolas.
Havia um aproveitamento harmonioso entre as duas coisas, entre o que eles ensinavam, aprendiam na escola, e o que eles deviam responder no Torneio Cultural.
Não era nada fora dos programas que eles tinham nas escolas, era tudo dentro daquela organização.
No torneio, as provas eram organizadas pelos professores e pelos chamados Orientadores de Ensino, e eles estavam bem capazes, bem dentro da coisa, de modo que não saíam nada daquela bitola do ensino comercial.
P/1 - O senhor estava nos contando então que quando o senhor saiu de Santo André, foi para a sede.
Eu gostaria que o senhor falasse um pouco mais sobre isso.
R - Embora diretor em Santo André, eu continuava morando em São Paulo, ia todo dia, ia de manhã e voltava à noite.
E ficava cansativo, e eu estava longe da família, praticamente, porque ia de manhã e voltava de noite, era difícil com a família, ficava mais difícil.
Eu então resolvi vir pra São Paulo, ficava mais fácil pra mim.
Eu passei então uma parte administrativa na sede do departamento regional que é ainda hoje na Rua Doutor Vila Nova.
Eu voltei para o departamento regional em 1970 e estive lá até 84, quando me aposentei.
Trabalhei lá em algumas áreas, na área de departamento pessoal e numa área de arrecadação, plano, um Grupo de Trabalho Plano Integral de Arrecadação.
Era um plano de arrecadação do SESC e SENAC, porque o SESC e o SENAC são mantido por uma contribuição feita através do INPS dos comerciários, né? Esse Plano Integral de Arrecadação não arrecadava coisa nenhuma, o SENAC não tem direito de arrecadar, o SENAC não arrecada nada, quem arrecada as verbas do SENAC e do SESC é o próprio INSS, ele recebe dos comerciantes e repassa pro SENAC.
O SENAC não arrecada.
Entretanto, o plano se chamava Plano Integral de Arrecadação, que era mais um plano de esclarecimento, de como fazer certo a coisa de arrecadação.
Era sempre uma coisa difícil fazer aqueles cálculos, e nós procurávamos através desse plano normalizar, orientar os comerciantes para fazer uma arrecadação adequada, de forma que o dinheiro arrecadado pelo INSS voltasse para o SENAC ou para o SESC, fosse o caso.
Esse foi um dos maiores trabalhos que eu fiz.
Cuidei também de assistência médica no SENAC.
Quando eu trabalhava no departamento pessoal, foi instituído um plano de saúde para os comerciários, para os funcionários.
O SENAC contratou empresas, como hoje existem esses convênios, o SENAC tinha uma empresa que atendia aos servidores do SENAC na capital e no interior.
Durante algum tempo, alguns anos, eu cuidei muito dessa parte de serviço médico, tanto na capital como no interior, organizando e controlando a parte das escolas com os médicos e coisa.
Foi um trabalho também de alguns anos, e satisfatório.
P/1 - A sua carreira no magistério ela prosseguiu depois do SENAC, depois que o senhor parou de dar aula no SENAC?
R - Não, eu continuei ainda, dei algumas aulas no serviço público, em ginásios do estado.
E prossegui na Caetano de Campos durante algum tempo, até 1976 a 80, prossegui no serviço público do estado.
Depois, em 80, eu fiquei só com o SENAC, mais nada.
P/1 - O senhor era professor de que disciplina?
R - Eu lecionava.
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Nós não estamos repetindo?
P/1 - No estado.
R - No estado eu era professor primário, eu cuidava de alfabetização de adultos, era um curso de alfabetização de adultos.
Eu não trabalhava, nunca trabalhei com criança para alfabetizar crianças, porque a minha.
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Desde o início eu trabalhava com soldados, quer dizer, moços convocados pro serviço militar.
Eu já estava habituado a esse serviço com adultos, então era principalmente a minha função a alfabetização de adultos.
P/1 - Além do estado e do SENAC, o senhor deu aula em alguma outra escola?
R - Sim, dei.
Dei aulas em outras escolas.
Dei aulas no Ginásio Estadual Carvalho Pinto, no Caxingui; dei aulas em outros colégios particulares, também no período noturno em que eu tinha vaga no SENAC.
P/1 - Para adultos também? Como é que era?
R - Sim, era para adultos, porque eram sempre cursos noturnos, ginásios noturnos, e eram sempre adultos.
Mas aí já matérias determinadas não mais alfabetização, já eram matérias do curso ginasial.
P/1 - E que matérias que o senhor lecionava?
R - Lecionava ciências, geografia e história.
P/1 - A sua carreira no SENAC se encerrou em 84, não é?
R – Oitenta e quatro.
P/1 - E desde então o senhor vem desenvolvendo alguma atividade profissional?
R - Sim.
Muito pouca coisa, mas continuo mantendo alguma atividade.
No escritório onde minha filha é advogada, ela tem um escritório de advocacia, eu procuro fazer o mais possível.
Não gosto muito de ficar parado, então vivo procurando serviço tanto no escritório como em outro lugar vivo procurando qualquer coisa pra fazer.
Não um serviço, não que não seja remunerado procurando alguma coisa pra fazer.
P/1 - Já que o senhor falou na sua filha, eu gostaria que o senhor falasse um pouco sobre a sua família, a sua esposa, quando o senhor casou.
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R - Eu me casei em janeiro de 1941, aqui mesmo na capital, na Igreja Santa Cecília.
Fomos então fazer aquela viagem de núpcias a Poços de Caldas, tradicional lá em Poços de Caldas.
Alguns anos depois, três ou quatro anos depois de casado nós tivemos o primeiro filho, que é o José Henrique, depois uma moça que é essa que é advogada, dona do escritório de advocacia e finalmente um caçula, José Eduardo.
José Eduardo ainda mora conosco.
Eu, minha mulher e o José Eduardo, moramos os três.
Os outros constituíram famílias e cada um está pra um lado.
P/1 - O senhor já completou, então, bodas de ouro?
R - Já completamos bodas de ouro.
E pra comemorar as bodas de ouro fizemos outra viagem a Poços de Caldas, repetimos a viagem de lua de mel levando dessa vez toda a família, filhos, netos e irmãos.
P/2 - A sua família ainda mantém algum vínculo com o SENAC?
R - Sim.
Eu tenho uma neta que está fazendo um curso de Hotelaria no SENAC, o CEATEL, aqui na Avenida Água Branca.
Ela já está no final do segundo ano de Hotelaria.
Neste final de ano ela completa o curso.
Fez vestibular na PUC [Pontifícia Universidade Católica], como o SENAC exige, exigia pra entrada nessa escola de Hotelaria, e está cursando satisfeita, contente, realizada.
P/1 - Senhor Guerra, o senhor gostaria de mudar alguma coisa na sua trajetória de vida, o senhor mudaria alguma coisa na sua vida?
R - Se eu mudaria? Não, não mudaria não.
Está bem, está tudo certo, está tudo bom, não mudaria nada.
P/1 - E o senhor ainda tem algum sonho, um grande sonho a ser realizado ainda?
R - Não.
Sonhos assim, de sonhos reais, não; apenas fantasias, coisas que não têm sentido.
Tem viagens, eu viajei bastante, mas há algumas viagens que eu não fiz, que me arrependi de não fazer.
Não são sonhos assim que valha a pena consignar.
P/1 - O senhor já ganhou alguma viagem pelo SENAC?
R - Sim, já.
Quando eu trabalhava na Escola de Hotelaria, o SENAC me deu uma viagem à Europa.
Eu fui lá pesquisar, ver, estudar a parte de hotelaria, a parte que pudesse ser aplicada aqui então naquela Escola Lauro Cardoso de Almeida que eu fiz referência.
Foi uma viagem bastante proveitosa, e eu levei também a minha mulher, fizemos a viagem juntos.
Lá na primeira etapa, na parte em que visitamos a Inglaterra e a Holanda, nós tínhamos um guia, um intérprete, o SENAC nos deu um intérprete inicial nesses dois países.
Da Holanda nós fomos, continuamos vendo escolas, fomos para a Alemanha e estivemos em quase todos os países da Europa, sempre pesquisando, sempre vendo as chamadas escolas de hotelaria procurando alguma técnica, alguma novidade, alguma coisa que pudesse nos trazer benefícios, que pudesse trazer benefícios às escolas do SENAC.
Foi uma viagem bastante proveitosa, e nos deu muita satisfação.
O SENAC além dessa viagem à Europa, dava outros prêmios também à professores.
Por exemplo, os professores que tivessem um índice de promoção grande tinham, naquela ocasião, da Escola Brasílio Machado tinha um prêmio que seria uma viagem a qualquer capital do Brasil à escolha dele.
Ele escolhia, quando ele tivesse aquele nível alto de promoção ele escolhia uma capital do Brasil que desejasse conhecer e o SENAC custeava as despesas.
Fizemos também uma outra viagem prêmio do SENAC os professores da Escola Brasílio Machado, um circuito histórico por Minas Gerais, saímos daqui de ônibus, fomos à Belo Horizonte, Barbacena, toda aquela zona histórica de Minas e uma volta por Rio de Janeiro até aqui também como prêmio pelos trabalhos distintos na escola.
P/1 - Os alunos também ganhavam viagem ou só os professores?
R - Só os professores, só os professores que recebiam esse prêmio.
P/1 - Eu gostaria de perguntar se o senhor teria alguma coisa pra acrescentar no seu depoimento.
R - Eu saí do SENAC deixando a certeza e a esperança de que o SENAC continuasse sempre bem, e isso se deu.
O SENAC se expandiu bastante, mudou a direção de cursos de ginásio para cursos profissionalizantes, cursos que realmente valorizam as pessoas, são úteis demais para as pessoas.
Essa esperança que eu tinha se realizou.
O SENAC aumentou bastante, o SENAC se expandiu muito em todo o estado de São Paulo, proporcionando um benefício enorme para essas classes estudantis.
P/1 - Essa mudança do Ginásio Comercial para os cursos profissionalizantes o senhor pegou uma parte dela, né? O senhor teria alguma coisa pra falar pra gente sobre isso?
R - Sim.
Quando eu estava na escola, passei pra Hotelaria, já foi uma mudança que eu fiz de Ginásio Comercial pra um ensino profissionalizante que foi a meta principal do SENAC, que foi o ensino profissionalizante, como é ainda hoje.
A formação sempre do ensino profissional abandonou por completo o ensino comercial, de Ginásio Comercial.
P/1 - Agora, para encerrar o nosso depoimento, eu gostaria de perguntar o que o senhor achou dessa experiência de ter contado a sua vida, a sua trajetória de vida para esse projeto do SENAC.
R - Eu não entendi bem a sua pergunta.
P/1 - Eu gostaria que o senhor fizesse uma avaliação da sua trajetória de vida dentro da importância da história do SENAC.
O fato de o senhor ter contado a sua história de vida para esse projeto, que importância isso tem para o senhor?
R - Foi realmente de grande importância, foi muito importante.
Foi uma satisfação pessoal muito grande, também não só pra mim, também a minha família toda ficou bastante satisfeita com essa notícia.
P/1 - Então nós gostaríamos de agradecer a entrevista.
Muito obrigado, senhor Guerra.
R - Eu é que tenho que agradecer a atenção de vocês.
Obrigado.
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