Projeto: Memória Votorantim 85 Anos - Nossa Gente Faz História
Depoimento de Argemiro Ianhez
Entrevistado por Charles Silva e Juliano Lima
Local de Gravação: São Paulo / SP
Data: 31/07/2003
Realização: Museu da Pessoa
Código do depoimento: MV_HV023
Transcrito por André de Carvalho Calvane...Continuar leitura
Projeto: Memória Votorantim 85 Anos - Nossa Gente Faz História
Depoimento de Argemiro Ianhez
Entrevistado por Charles Silva e Juliano Lima
Local de Gravação: São Paulo / SP
Data: 31/07/2003
Realização: Museu da Pessoa
Código do depoimento: MV_HV023
Transcrito por André de Carvalho Calvanese
Revisado por Juliano de Lima e Grazielle Pellicel
P/1 - Charles Silva
P/2 - Juliano Lima
R - Argemiro Ianhez
P/1 – Bom dia, senhor Argemiro.
R/1 – Bom dia.
P/1 – O senhor poderia começar dizendo para gente o seu nome completo, a data e o local do seu nascimento?
R/1 – Meu nome é Argemiro Ianhez, eu nasci em 18 de novembro de 1941 em Ribeirão Bonito, aqui no interior do estado de São Paulo.
P/1 – Qual que é o nome dos seus pais?
R/1 – Meu pai se chamava José Luiz Ianhez e minha mãe Adélia Passareli Ianhez.
P/1 – E eles são da mesma região?
R/1 – São. Meu pai nasceu aqui em São Paulo, minha mãe nasceu em Ribeirão Bonito, mas meu pai foi criado também em Ribeirão Bonito... Aqui no interior.
P/1 – E qual que é a origem da família do senhor?
R/1 – Bom, os meus avós paternos, eles vieram da Espanha e inicialmente se fixaram aqui em São Paulo, mas logo foram atraídos lá para as fazendas de café do interior paulista, tanto é que meu pai foi para lá criança. E meus bisavós maternos eram italianos e também trabalhavam nas lavouras de café na região lá de Ribeirão Bonito. E aí conseguiram comprar terras lá, tanto que meu pai virou um pequeno sitiante e ele criou a família nesse sítio de Ribeirão Bonito.
P/1 – O senhor conheceu seus avós?
R/1 – Conheci meus avós maternos.
P/1 – Maternos?
R/1 – É, os paternos não conheci nenhum dos dois.
P/1 – O senhor tem alguma lembrança especial deles?
R/1 – Tenho várias lembranças muito boas. Um assunto que sempre eu me recordo e que nunca mais vi, era que meu avô, ele apanhava marmelo silvestre no mato, amadurecia e ele nos dava. E eu nunca mais vi marmelo na minha vida. Essa é uma recordação extraordinária que eu tenho do meu avô. E minha avó fazia aquelas baciadas enormes de pipoca doce e sal, então é um negócio também que marca muito a gente quando criança. Eles moravam numa chácara, tinha muita fruta, e nós moleques, adorávamos ir lá na chácara dos avós.
P/1 – Qual que era a atividade do seu pai?
R/1 – Meu pai era sitiante, ele mexia com gado, tirava leite, aí eu fui criado tirando leite.
P/1 – Então conta para gente como é que foi a sua infância?
R/1 – Nós éramos sete irmãos, todos homens - minha mãe não gerou nenhuma filha. Todos nascemos na roça, com parteira. O sítio ficava a sete quilômetros da cidade de Ribeirão Bonito. Era uma infância como toda de criança nascida na roça, com uma liberdade muito grande. Apesar de pobres, nunca tivemos dificuldade de alimentação. E meu pai, ele teve uma visão extraordinária, que na década de 50, quando o meu irmão mais velho terminou o grupo escolar, lá não tinha mais estudo em Ribeirão Bonito, ele mandou para Araraquara o menino para continuar estudando. E conseguiu, de sete filhos, ele conseguiu estudar seis, um deles não quis estudar, mas eu considero que meu pai... Hoje não existe lugar atrasado na minha terra - na década de 50 era muito atrasado, muito mesmo, e ele teve uma visão extraordinária de fazer com que os filhos estudassem. Claro que houve uma colaboração muito grande da nossa parte. Já com 12, 13 anos já saímos lá de Ribeirão Bonito, uma parte veio para São Paulo, começamos a trabalhar aqui, estudar e depois de seis meses não dependíamos mais do pai. E assim nós, [os] mais velhos, fomos ajudando a formar os mais novos, e formaram seis. Aquele que não estudou - quando o nosso irmão caçula fez 21 anos, nós fizemos uma escritura de doação do nosso direito de herança para ele, então nós não tivemos herança. Como ele não estudou, nós passamos os direitos que teríamos no nome dele. Infelizmente, ele faleceu há dois anos, mas eu acho que foi um ato muito bonito por parte dos meus irmãos mais velhos, que tiveram essa ideia, que afinal de contas, o nosso pai nos deu a educação, que é o maior bem que os pais podem deixar para os filhos, e como ele não teve essa, não quis, nós achamos por bem que ele fosse dono do que de direito seria de todos nós. E a infância, nada de anormal, com toda a liberdade de ser criado na roça, cavalo, charrete, carroça, serviço da roça, nós... Meu pai tinha um sistema muito interessante, a gente ia a cavalo da escola - são 7 quilômetros -, e quando a gente chegava da escola, a gente almoçava e ele perguntava: “Vocês têm que estudar?” E nós éramos danados de honestos, quando tinha que estudar, falava: “Temos que estudar”. Quando não tinha que estudar, falávamos: “Não temos que estudar”. Se não tinha, ele dava uma foice, um enxadão, uma enxada ou um machado, para fazer o trabalho da roça. E todos nós filhos, até a idade de 14, 15 anos, quando saímos de casa, fizemos esse roteiro. Então aprendemos a trabalhar desde cedo e aprendemos também a ser honestos. Podia enganar o velho: “Não, hoje eu tenho que estudar”, mas não enganávamos.
P/1 – Todo mundo se ajudava.
R/1 – Todo mundo ajudava. Eu fico admirado de ver como ele dava conta de tratar a família de sete filhos numa roça relativamente pequena, a terra não era essas coisas, e... Acho que aquele tempo era mais fácil, aquela época devia ser mais fácil, pelo menos comida, porque nunca nos faltou nada, graças a Deus. Você pode ter passado vontade em comer alguma coisa, mas não vontade de saciar a fome. Isso, graças a Deus, nunca tivemos.
P/1 – E ali vocês tinham vizinhos próximos à casa de vocês?
R/1 – Tinha lá o vizinho. A família, inclusive, de negros, até admirava muito essa família, alguns deles são amigos nossos até hoje.
P/1 – Vocês brincavam?
R/1 – A gente brincava juntos e tinha outras fazendas de tios, que era uma gleba grande, que meu avô deixou para os filhos. Então eram quatro tios, todos ao redor; tinha muito contato com primos ali, então nos criamos nesse ambiente de vizinhos e parentes também próximos, 1, 2 quilômetros você tinha a casa de um tio. Mas era... Não tinha energia elétrica, não tinha água encanada, você tinha que tomar banho na bica, água para casa tinha que trazer de balde. A situação de 60 anos atrás é bem diferente de hoje.
P/1 – O senhor lembra de alguma coisa do contexto social daquela época, alguma coisa que estivesse se passando?
R/1 – Lembro, eu lembro que tinha... Em frente à minha casa tinha um campo de futebol, meu pai fez - era um pasto, mas servia de campo de futebol. Tinham os campeonatos ali da redondeza e, de vez em quando, tinham jogos lá. Tinha as festas juninas, minha mãe sempre comemorou, levantar o mastro lá de São Pedro, São João, Santo Antônio, e me lembro muito bem que existia nessa época o tal do licor - aquele tempo eles chamavam de anisete, depois eu fiquei sabendo que era o licor de anis, que se fazia - e a molecada, às vezes, exagerava um pouco nessas festas juninas. E minha casa sempre foi muito cheia de gente, finais de semana sempre vinham parentes, almoçavam uma quantidade enorme de pessoas. Minha mãe era de uma bondade infinita e sempre cabia mais alguém. Que nós éramos muita gente, sete moleques, então tinha diversão para todas as idades lá. Tinha diversão de roça, você não tinha bicicleta, carro, nada, não tinha nem energia elétrica, então você brincava com carrinho de carretel de linha, com mamão você fazia vaca, com...
P/1 – Com os bichos...
R/1 – Nem palito de picolé não tinha, porque picolé era só na cidade. Mas eu tenho ótimas recordações, foi uma infância muito feliz e sadia. Se faltou alguma coisa, não pesou na minha formação. Não existe trauma, com os meus irmãos também todos deram gente boa, não tem nenhum drogado, nenhum viciado em álcool, nenhum... Nada de anormal com todos, então parece que a infância só contribuiu positivamente para a nossa formação.
P/1 – E dessas festas, podia contar mais para a gente como é que era as festas juninas, os encontros?
R/1 – Tinha fogueira, eu me lembro que se você acreditasse bastante no, acho que era Santo Antônio, você podia passar na brasa e não queimava o pé. Eu fico lembrando hoje que eu passei realmente na brasa e não queimou o pé, mas não era milagre, não. A gente andava muito descalço e a sola do pé era quase que um calçado, então passando rápido, não queimava mesmo, não.
P/2 – Não tinha problema.
R/1 – Eu me lembro muito bem disso, claro, tinha os rojões, minha mãe tomava sempre o cuidado muito grande com esse negócio de não deixar as crianças mexerem com rojão. E eu devo a ela que nunca mexemos e até hoje eu respeito muito isso e não mexo, tenho medo. Acho que é um medo sadio, que a gente vê tanto acidente com isso.
P/1 – Bastante.
R/1 – Então, eu lembro direitinho de minha mãe recomendar o meu pai, meus irmãos mais velhos. Tem recordações interessantes também porque, naquele tempo, existia a figura do mascate - aquelas pessoas que saiam pela roça a fora, a cavalo, vendendo bugigangas, armarinhos, roupas, trazendo encomendas que levou da passagem de dois meses atrás. E tinha um deles, especialmente, o seu Joaquim, que se hospedava na minha casa e fazia toda a redondeza ali, então ficava ali uma semana, duas semanas, e nos contava muita história a noite e histórias às vezes de, a gente chamava de histórias de medo, de assombração, e eu tive uns pesadelos naquela época de medo das histórias dele. A figura do seu Joaquim é interessante, a gente recorda. Tinha também a figura do seu João Tarantela [que] era uma pessoa que sempre viveu com a gente, ele não era muito bom da cabeça, ele era... Ele não era autossuficiente para se manter sozinho, não tinha a memória boa, era considerado vamos dizer, assim, um bobo. Mas era uma pessoa sadia, conversava normalmente, trabalhava, e morou com a gente até morrer. Então, em casa, sempre tiveram essas figuras que passaram pela gente. E as farras de roça, você saia para catar gabiroba - não sei se vocês conhecem gabiroba, uma frutinha do campo. Tinha a época das frutas, da tangerina, da mexerica, época da manga, são todas as passagens que você não consegue esquecer isso nunca. E nós lidávamos com vaca, boi, então a gente aprendeu a tirar leite, vacinar gado, derrubar bezerro, montar em bezerro. Era uma farra boa: machucava, caía do cavalo, o cavalo pulava com a gente. Então isso tudo a gente participou, mas nunca ninguém quebrou nada na minha casa, nem um dedo sequer. Só depois de mais velho que alguém caiu, quebrou e se machucou, mas agora, com parte de carros... Mas, foi uma infância que eu posso considerar bastante sadia e alegre, só me traz boas recordações.
P/1 – Dessas histórias de medo, de assombração, o senhor tem alguma lembrança?
R/1 – Não lembro assim, mas era muito ligado ao cemitério, à moça vestida de branco com lençol [que] parecia em frente ao cemitério, coisa desse tipo, assim, isso tinha demais. E tem o... Aquele tempo, o grupo escolar, a gente ia a cavalo para a escola, saia de casa às 5 horas da manhã, chegava lá na cidade às 6 e meia. Tinha que soltar o cavalo lá no pasto do amigo do meu pai, ia para escola, saía da escola meio dia e meio, tinha que pegar o cavalo, arrear o cavalo e voltava para casa e chegava 1 hora [da tarde]... 1 e meia em casa. Então fizemos isso durante oito anos, o grupo escolar e o ginasial. Nesse ínterim, eu tive um ano e meio na cidade, eu morei com uma família síria que tinha um armazém de Secos e Molhados - naquele tempo era Secos e Molhados, [que] se vendia tecido e também óleo, querosene. E eu tenho boas recordações também dessa família, Issa, onde tinha a Dona Maria Issa, já uma senhora, e eu fui muito bem tratado lá. Eu devo muito favor a esse pessoal e sempre que posso... Poucos deles estão vivos hoje, mas eu sempre ia visitá-los. E a escola nossa marcou muito, nós temos colegas que nos encontramos até hoje, lá em Ribeirão Bonito. Fizemos a festa de 25 anos de formatura de ginásio, uma coisa que raramente as pessoas fazem. Fizemos e pretendemos fazer agora de 50, espero chegar lá. O pessoal está até pedindo para fazer antes dos 50 porque daqui a pouco vai morrer muita gente, não vai dar para reunir a turma. Mas é muito bom, eu acho que no interior, minha cidade é uma cidadezinha pequena, sem muitas opções, então o pessoal tinha que fazer o ginasial e sair de lá. Apesar de que quando eu terminei o meu ginásio, ainda não tinha colegial, obrigatoriamente, eu tinha que sair de lá. Então, continuando essa história: nós saímos, eu vim para São Paulo em 1957 e fui fazer o colegial aqui no... Lá na Penha, Colégio Estadual Nossa Senhora da Penha, lá eu fiz os meus três anos de colegial.
P/1 – O senhor tinha uns 14...?
R/1 –Tinha 15 anos.
P/1 – 15 anos.
R/1 – A gente trabalhava como auxiliar de protético, depois passei a ser oficial. E esse dinheiro que eu ganhava de dia, me sustentou até eu formar em Geologia. Quando eu entrei na faculdade, em 1961, a faculdade era o dia todo, era das 7 e meia [da manhã] às 5 e meia, 6 horas [da tarde] - se quisesse, podia ficar até mais tarde, porque era um curso de quatro anos, então era bastante apertado. Então eu trabalhava de noite, das 7 às 9, 7 às 10, e o que eu ganhava não dava para me sustentar nos outros 18 meses da faculdade. Aí meu irmão, que eu morava com ele, já era estudante de Medicina, estava no terceiro ano, quarto, ele já ganhava para ele e para mim, então conseguimos formar sem ter que usar o pai. Esse período aqui em São Paulo, esses oito anos, foi um período muito apertado, eu era lá da roça, não conhecia nada, a cidade mais próxima... Mais longe que eu tinha ido era São Carlos, a 30 quilômetros de distância, interior também. Vim para São Paulo, meu primeiro serviço foi de "office boy" na verdade, sem conhecer nada de São Paulo, fui ser "office boy" do laboratório de prótese, entregar dentadura, entregar (rote?), mas com três meses eu já conhecia o centro. São Paulo era maravilhoso, naquele tempo, movimento muito pequeno de carros - os carros paravam para a gente passar, existiam muito poucos carros. As ruas são essas ainda até hoje, só que carros é a milionésima parte do que tem aí hoje. E depois de três meses na praça, eu já fiquei muito vivo, o patrão dava dinheiro para eu ir de ônibus, eu ia de bonde [e] já economizava. Dava para ir de táxi e eu ia de ônibus, quando dava para ir de bonde, eu ia a pé. Então eu economizava dinheiro assim, era muito esperto, muito saudável. E isso aí, à prótese, eu devo muito ao senhor João Crivelari Neto, que foi meu primeiro patrão, ele era protético, tinha o laboratório ali na Praça Ramos de Azevedo, esquina com a Conselheiro Crispiniano - esse prédio já não existe mais ali. E ali, depois, próximo ali, eu passei meus oito anos entre o colegial e faculdade fazendo prótese dentária. Agradeço a esse pessoal, aprendi a profissão. Hoje, se eu quiser voltar a isso, eu tenho certeza que com seis meses readquiro a habilidade manual de esculpir, fundir peças e... Eu devo muito a esse pessoal, ao meu irmão que me ajudou e aos meus pais, claro, que tiveram essa visão de ter os filhos estudando - que Ribeirão Bonito há 50 anos atrás era um interiorzão bravíssimo. Quer dizer, São Paulo era uma coisa que...
P/1 – Gigantesca...
R/1 – Era um negócio enorme perto da gente lá.
P/2 – Senhor Argemiro, retomando um pouquinho lá atrás, como eram as relações humanas no grupo escolar, no ginásio... Como eram as pessoas, o cotidiano na escola?
R/1 – Olha, o pessoal fala que antigamente as professoras eram muito bravas, tinha a tal da palmatória. Eu nunca tive isso, fui conhecer a tal da palmatória em museu. Eu não sei se eu fui privilegiado, mas eu tive professoras excelentes. Me lembro, inclusive, do meu primeiro ano: eu cheguei no meio do ano e não sabia escrever o meu nome ainda, então ela levava a gente para a casa dela, depois da aula, e dava aula de reforço, sem nos cobrar absolutamente nada. Dona Maria Olímpia, me lembro direitinho disso. Então eu devo muito a dona Maria Olímpia. E existia um respeito muito grande na relação aluno-professor, aquelas brincadeiras normais de crianças, mas que... Sempre que o professor não estava vendo, que não afrontasse nunca... Afrontar o professor. Eu não tenho nada a reclamar daquela época quanto à disciplina, nós éramos já disciplinados de casa. Hoje parece que está havendo uma transferências de obrigações, os pais parecem que acham que os professores que têm que educar as crianças. E não, a criança tem que ser educada por pai e mãe - nós tivemos uma educação muito boa, rígida, mas sem nada de sufocamento, assim. O pai era bem mais exigente, mas a gente agia sempre com muita retidão e honestidade. Então, durante o período todo de escola, o grupo escolar, o ginasial, eu não tenho, não tive problema nenhum com professor, nunca perdi ano - apesar de ter essa dificuldade inicial de aprender a ler, aprender a escrever, porque hoje uma criança com 3, 4 anos já está sabendo ler e escrever. Eu, na roça, não... Os meus pais tinham quase nenhum estudo, meu pai tinha o grupo escolar completo, minha mãe não teve o grupo escolar completo, então tinha quase chance nenhuma de aprender em casa, aprendemos na escola. Agora, o bom é que o relacionamento era de um respeito profundo. O professor era, na época, uma figura respeitadíssima, você passando em frente da casa da professora parece que mudava até o passo. O respeito. Em frente à casa de juiz de direito então, você quase que tinha até medo de passar - o respeito era tão grande... As coisas mudaram, não sei, eu acredito que aquele tempo, dessa parte... Se bem que hoje a vida é muito mais fácil, muito mais cheia de opções, mas perdemos muito em respeitabilidade. Perdemos demais, e isso faz falta para qualquer um.
P/2 – Durante o ginásio, o senhor fez o ginásio normal ou já existia a questão do clássico, do científico?
R/1 – Eu fiz o que é hoje o primeiro grau, são os oito primeiros anos... Aquele tempo tinha o grupo escolar, que eram os quatro anos, depois tinha o ginásio, que eram mais quatro anos. Depois se optava pelo colegial, que era o científico ou o clássico. Normalmente, as meninas faziam o clássico, que elas iam seguir carreiras de humanas, e o rapaz... Poucas meninas naquela época seguiam o colegial, que seria mais fazer as carreiras de exatas, fazer engenharia, fazer medicina, fazer química, física, matemática. Então eu fiz o colegial, que eu tinha já intenção na época de fazer o curso de Geologia.
P/2 – E como é que surgiu essa vontade?
R/1 – Olha, o curso de Geologia aqui em São Paulo foi criado da necessidade da Petrobras de ter técnicos brasileiros para ajudar na pesquisa e no desenvolvimento de poços de petróleo. Porque a Petrobras trabalhou, foi fundada, mas não tinha ninguém aqui no Brasil, tinham alguns poucos professores de escolas de Minas que tinham feito alguma especialização no exterior, mas geólogo mesmo não existia. Então foi criado aqui em São Paulo, na USP, no ano de 58. Eu entrei no ano de 61, eu sou da quarta turma de Geologia da Universidade de São Paulo, mas graças a um incentivo que o governo dava justamente para formar geólogos, que a Petrobras é que mais precisava desse tipo de profissional. Então quando eu estava no segundo ano do colegial, fiquei sabendo desses cursos e o que mais me chamou atenção é que existia uma bolsa de estudo. Infelizmente, quando eu entrei, a bolsa já tinha sido eliminada, e eu não tive bolsa, mas eu fiz o curso, gostei muito do curso e fizemos concurso no último ano da escola para a Petrobras. Eu passei, eu já tinha feito estágio na Bahia, na Petrobras, mas eu optei por não ir para a Petrobras e sim ficar na Votorantim, que na época também saiu oferta de emprego na Votorantim, na Petrobras e numa mina lá no Amapá, e eu optei em ficar na Votorantim.
P/2 – O que mais apaixonou o senhor na Geologia? O que mais apaixonou o senhor dentro Geologia?
R/1 – Olha, porque sempre eu fui da roça e lá no sítio do meu pai, dos meus tios, existia uma serra lá, tinha muita pedra - naquele tempo, a gente falava pedra - e eu sempre ficava curioso: "Como é que formava o morro? Como é que formava a montanha? Por que que uma areia é fina [e] outra é grossa?", tinha cascalho grosso, cascalho fino; a terra, os tipos diferentes de terra, uma terra é branca, outra terra é roxa, outra terra é preta, e eu sempre fiquei... Sempre me perguntando isso aí. Eu me lembro também quando chegou o asfalto na minha terra, acho que foi em 1954, 55, aquelas máquinas enormes, e faziam aqueles rasgos enormes na natureza, então você via diferentes colorações e aquilo me chamava muito a atenção. Num barranco você via a cor, tinha mais claro, mais escuro, e eu sempre ficava... Alguém que me explicava aquilo. Acabou que optei por Geologia. É uma carreira maravilhosa, você tem uma chance enorme de conhecer coisas, interpretar, imaginar, porque você trabalha com coisas que foram criadas há milhões de anos. Então, os fósseis, por exemplo, uma coisa muito interessante na Geologia, a Paleontologia, sempre me chamou muito a atenção isso. Você datar terrenos através de isótopos de carbono, coisa muito interessante. Então eu optei por Geologia, eu acho que eu fiz a opção certa, e ela me deu tudo o que eu tenho hoje, graças a Deus.
P/2 – E como é que era a vida cultural enquanto o senhor estava estudando, fazendo esse curso? Como é que o senhor passava aqui os dias, os fins de semana, em São Paulo?
R/1 – Olha, uma coisa interessante na época que eu frequentava a faculdade, eu me lembro que a gente... Era comum você ir à escola de terno e gravata aqui em São Paulo. Eu mesmo fui muitas vezes - tinha um terninho só e eu fui muitas vezes com esse terninho na faculdade. E a gente frequentava, naquele tempo, mais era cinema, esses cinemas aqui do Centro de São Paulo que hoje são, a maior parte mexe com pornografia. Eram cinemas finíssimos - o Marrocos, o Marabá, o Ipiranga. Eram cinemas de primeira classe: o pessoal ia de terno e gravata, o cinema era um senhor programa. E São Paulo se... Quando a gente morava nos bairros, o Centro da cidade era ponto turístico, o pessoal vinha no final de semana passear no Centro da cidade, Praça da República, Praça da Sé, Praça João Mendes. Eram pontos turísticos. Ir lá no Museu do Ipiranga. Quer dizer, são coisas que não se cultuam mais hoje, mas era uma maravilha o Centro de São Paulo. Tranquilidade, não existia insegurança, não existia absolutamente nada que hoje nós estamos acostumados a ver, essa barbaridade que hoje existe nas ruas. Então o que mais se fazia era cinema - teatro eu me lembro muito pouco, não sei se para a gente era caro. Eu me lembro que entre teatro e cinema, o teatro era dez vezes mais caro do que cinema, talvez por isso a gente não tenha frequentado. A gente frequentava muito a biblioteca aqui, não sei ainda se existe ali na...
P/1 – Mário de Andrade?
R/1 – Não sei como é que chama, não era esse nome antigamente, não. Era Biblioteca Municipal, é aqui na São Luiz, numa esquina ali. Era um ponto de muita frequência, eu lembro que a gente frequentava muito a biblioteca. A gente ia no aeroporto de Congonhas de vez em quando ver avião, era outro ponto turístico, coisa rara, e Congonhas era longe demais. Imagina, hoje está aqui pertinho, naquele tempo era muito longe do Centro. Agora estão querendo expulsar o aeroporto, ele já era muito anterior ao pessoal que está em volta dele. Que mais? O meu curso de Geologia propiciava muita viagem, a gente, normalmente, aos sábados de manhã, quando não tinha viagens mais longas, ia na região de Perus, na região de Franco da Rocha, da Serra da Cantareira, hoje onde é o bairro lá de Alto de Pinheiros, a gente desceu muitas vezes aquelas ravinas para coletar amostras de sedimento. Então esse era o programa para sábado de manhã no curso de Geologia. E a gente tinha também, apesar de viver sempre com parte dos recursos, mas sempre tinha um dinheirinho para fazer uma farrinha. Então a nossa turma, nós éramos em trinta, tinha um deles que tinha um carro, que era do pai dele, uma Kombi e de vez em quando a gente saía, tomava uma cervejinha, coisa muito pura, às vezes, e arrumava tempo ainda para isso. Basicamente, o que se cultuava naquela época era isso, o passeio, por exemplo, lá no jardim do... Como é que chama lá em cima da Avenida Paulista, o Leblon?
P/2 – Trianon.
R/1 – Trianon, que lá é um negócio maravilhoso você passar no Trianon. Você ia no Zoológico, esses programas todos, que hoje as crianças fazem, nós fazíamos mais velhos, quando moços. Hoje os pais levam as crianças, nós íamos conhecer tudo depois de moço.
P/1 – O senhor morava onde aqui em São Paulo?
R/1 – Aqui, em São Paulo, eu morei pequeno tempo na Vila Formosa, era longe demais, eu tomava duas conduções para vir até o Centro trabalhar, mas depois eu mudei para o Sumaré. Nós morávamos numa casa, eu, o meu irmão e mais dois colegas dele. Era uma senhora separada que alugava dois quartos, e lá eu morei sete anos. Dona Alice, devemos muita obrigação a ela - já morreu -, mas nos alugava barato, lugar bom. E ali passamos sete anos. Eu trabalhava aqui no centro, a minha escola... Eu tive aulas aqui na Alameda Glete, depois na Cidade Universitária, então usava-se muito ônibus, era apertado. Normalmente, a gente chegava em casa meia noite e saía às 6 da manhã, durante oito anos - o mínimo que a gente fazia era isso.
P/1 – E o seu primeiro emprego após a sua formação?
R/1 – É, o primeiro emprego, eu trabalhei aqui como auxiliar de protético, e assim que eu formei, formei dia 22 de dezembro de 1964, o ano da Revolução, e entrei no serviço dia 11 de janeiro de 65. Fiquei aqui no escritório central, que naquele tempo ainda era lá na rua Abdala Jorge, lá perto do Anhangabaú, eu fiquei até dia 25 de janeiro, dia 26 nós viajamos para Três Marias e Vazante. Eu cheguei em Vazante no dia... 25 viajamos, no dia 26 à noite eu cheguei em Vazante. Chegamos à noite, lá não tinha luz, então era um breu danado. Mas eu já conhecia, porque nesse período que eu fiquei aqui no escritório esses 15 dias, a gente leu relatórios, viu amostras, então sabia o que que existia lá, quantos empregados tinha, quem era, o que que fazia, então não foi, para mim não foi choque nenhum, porque eu estava sabendo que eu estava indo para um lugar distante, sem água, sem energia, com um potencial muito grande de melhorar.
P/1 – O senhor foi como equipe de trabalho, como é que foi?
R/1 – Não, lá já existia um gerente, o geólogo João Querubim Neto, eu fui ser auxiliar dele. Lá, quando eu cheguei, já tinham 23 empregados na Companhia Mineira de Metais, lá em Vazante.
P/1 – Mas a estrutura da fábrica já estava toda montada?
R/1 – Não, não tinha nada. Tinham pequenas casas, ranchos, onde tinha um pequeno escritório, um pequeno almoxarifado, um pequeno laboratório para fazer análises químicas de... Só para analisar o teor de zinco, e era só - isso em janeiro de 65. A partir de 66, nós começamos a fazer a fábrica nova. Aí derrubamos o mato, fizemos o... Cortou a lenha, fez terraplanagem, aí começamos a parte de edificação das obras. E está edificando até hoje, nunca mais parou de construir, nesses 38 anos aí. Mas nós participamos desde o início. Tem muita coisa errada lá que eu tenho a minha participação, se bem que tem as certas também, mas as coisas erradas também tiveram a minha participação.
P/2 – Senhor Argemiro, antes da gente continuar a trajetória, como o senhor ficou sabendo do Grupo Votorantim? Como o senhor ficou sabendo dessa vaga, como ela surgiu?
R/1 – Quando... Em setembro de 1964. Nós íamos formar em dezembro, então logo, em setembro, nós começamos a distribuir currículo e já sabíamos da existência da Votorantim, mais como produtora de cimento - a verdade é essa... Eu tomei conhecimento de Vazante foi exatamente, acho, que setembro, agosto ou setembro, numa aula de Geologia Econômica. O que é que era isso? A gente recebia uma caixa com amostras de minérios das várias minas brasileiras, e uma dessas caixas era de Vazante - apesar de não estar produzindo nada, estava em pesquisa, mas já tinha na faculdade amostras de minérios de Vazante. E aí que eu fiquei sabendo então que aquilo era da Votorantim. Eu não imaginava que a Votorantim também tivesse mineração, apesar de saber depois que já tinha mineração de ferro, já tinha mineração de níquel, mas eu tomei conhecimento da Votorantim, basicamente, numa aula de Geologia Econômica em agosto ou setembro de 1964, meu último ano de faculdade. Sabia da Votorantim, mas como produtora de cimento, não como mineradora. Entreguei o currículo, também, na Votorantim e fizemos concurso para a Petrobras - eu fui aprovado, mas eu optei... Mandamos também para Income, lá no Amapá. Então saiu o emprego na Petrobras, da Income e da Votorantim, e eu optei pela Votorantim. Que, na verdade, eu sabia que lá eu ia ficar mais fixo, ao contrário da Petrobras: a sonda mudava, você mudava junto. A sonda estava na Bahia, daqui a pouco podia estar no Amazonas, podia estar em Sergipe. E eu tinha a intenção de casar logo, então eu sabia que lá em Vazante eu ia ficar fixo. Isso me levou a escolher Vazante.
P/2 – Como é que o senhor conheceu a sua esposa?
R/1 – A minha esposa é minha prima, então eu conheço ela desde pequenininho, 2 ou 3 anos. Nunca imaginei que um dia fosse casar com a prima, mas quando eu mudei aqui para São Paulo, morei um pequeno período na casa dela, do meu tio. Ela já tinha 12 ou 11 anos, mas, naquele tempo, nem nos passou pela cabeça. E, mais tarde, acabamos namorando e casamos - namoramos sete anos ainda.
P/2 – E aí, retomando a trajetória do senhor na Votorantim. Aí o senhor entra, chegou a trabalhar em São Paulo ou já foi imediatamente...?
R/1 – Não, fiquei aqui apenas 15 dias.
P/2 – E como foi esse primeiro contato com o Grupo Votorantim?
R/1 – Ah, foi interessantíssimo porque uma coisa que eu não esqueço nunca: eu entrei dia 11 [e] quando foi no dia 15, eu recebi o pagamento. Eu não esqueço nunca, pagava-se quinzenalmente, aliás, até hoje, paga a cada 15 dias. E depois de dois dias lá, já recebi o pagamento - achei isso extraordinário. Meu contato foi muito pequeno, que eu fiquei apenas duas semanas, mas eu conheci mais o pessoal diretamente ligado à área de Vazante. Era o doutor Luís Costa, que era diretor da Mineira naquele tempo - já era a Companhia Mineira de Metais, nessa época -, mas eu fui fichado pela SAIV, Sociedade Anônima das Indústrias Votorantim. Mas, então, conheci esse pessoal de topografia - eu acredito até que o Okamoto deve ter feito algum depoimento aqui, ele é mais antigo que eu, e foi um dos primeiros contatos que eu tive, que ele tinha o mapeamento da região, e ele é que me forneceu os mapas; já tinha estado lá, tinha os levantamentos topográficos da área. Então talvez o Okamoto tenha sido a primeira figura na Votorantim com quem eu comecei a trabalhar, vamos dizer assim. E o Luís Costa era o diretor, me forneceu todos os relatórios que existiam na época e eu fiquei esses quinze dias me preparando para chegar em Vazante.
P/2 – Qual era o maior desafio para o senhor ir para Vazante, qual era o seu maior medo?
R/1 – Olha, sinceramente, eu não tinha medo de nada, não. Eu sabia que eu ia encontrar uma cidadezinha em formação, que não tinha água, não tinha luz, não tinha asfalto. Chegar lá era difícil, e... Mas como eu nasci na roça, ia na escola à cavalo [e], aqui em São Paulo, estudava de, trabalhava de dia e estudava à noite [e] depois, na faculdade, estudava de dia, trabalhava à noite. Então não tinha medo, não, estava doido para sair, para ter meu dinheiro, ganhar o meu dinheiro. Na verdade... E veio a minha realização profissional também como geólogo, então, realmente, eu não tive preocupação nenhuma em ir para esse lugar, porque eu não fui enganado, sabia muito bem o que eu ia encontrar lá. Da mesma maneira, quando eu me casei, dois anos depois, minha mulher foi para lá sabendo o que ia encontrar. Então não tive dificuldade de adaptação nenhuma.
P/2 – E quando o senhor chegou lá, como que estavam as obras da CMM? O que era a CMM nesse momento?
R/1 – A CMM era simplesmente umas três ou quatro casinhas de adobe, cobertas com telha, onde funcionava o almoxarifado, o escritório, o laboratório e uma pequena oficina. E as atividades eram de pesquisa, nós tínhamos sondas rotativas - tinham duas para ver a profundidade do minério -; um serviço de galerias, que você fazia galeria, amostrava aquele material, analisava, para ver qual teor e a quantidade de material que tinha; e poços, também, de pesquisa. Então a minha atividade era descrever os testemunhos de sondagem, entrar nesses poços, fazer o perfil, a descrição - a gente chama de descrição litológica das rochas que aparecem ali. E o mapeamento, também, dessas galerias - esses foram os primeiros serviços. Quer dizer, a jazida era totalmente virgem, não tinha nada tirado de minério ainda, então tinha... Essas fotografias que eu deixei com vocês mostram muito bem o minério aflorando, é um negócio maravilhoso. E a partir de 66 é que começou a construir a fábrica, aí fez escritório novo, laboratório, toda a parte de britagem, moagem, flotação do material [e] depois começou a montar o primeiro forno - passou ao longo desses anos por várias etapas de método de concentração. Inicialmente, você pegava o minério rico, e já tinha na natureza um teor de 42 a 44% de zinco, eu tirava o rico e já mandava para Três Marias. Simplesmente, você britava, moía e embarcava para Três Marias. Nós trabalhamos com isso durante cerca de dez anos, só pegando minério rico. E o mais pobre, nós íamos estocando. Aí então para tratar esse mais pobre, começaram os outros métodos de tratamento meio denso. Depois, o forno Walls que você registrou, que você misturava minério com carvão vegetal num forno e com maçarico de óleo, depois, passou para carvão também. O zinco contido no minério, ele volatilizava e era recolhido em filtro eletrostático na forma de óxido de zinco - era o material que nós mandamos para Três Marias até 1990. A partir daí, voltamos ao processo clássico de flotação, que nada mais é do que você colocar em cubas que agitam o material moído, uma polpa, alguns reagentes que coletam o grão mineralizado, ele flutua e separa então do não mineralizado. É o que nós temos até hoje lá em Vazante.
P/2 – Só um esclarecimento: nesse momento, já existia aquela unidade de Três Marias ou ela estava nos mesmos passos que a unidade de Vazante?
R/1 – Ela estava bem mais adiantada que Vazante, mas em 1969 foi dada a partida em Três Marias com minério de Vazante.
P/2 – Então Vazante alimenta aquela fábrica de Três Marias?
R/1 – É, hoje Vazante é responsável por 68% do zinco produzido em Três Marias - sai do minério de Vazante. Outros 15% sai do minério de Morro Agudo, que é no município de Paracatu. E o restante de zinco é importado do Peru.
P/2 – Certo.
R/1 – Mas a grande contribuição para a metalurgia é Vazante, com 68% de todo o zinco produzido lá.
P/2 – Seu Argemiro, o senhor começou a trabalhar no que seria a futura CMM, 69... O senhor começou num momento em que tudo era pesquisa, tudo era insípido. Qual era o maior desafio para as equipes naquele momento, aquilo que o senhor considera como um grande desafio?
R/1 – O grande desafio e o grande mérito que teve o Grupo Votorantim foi fazer zinco através de uma tecnologia desenvolvida por eles próprios, por nós próprios, vamos dizer assim, porque o normal de fazer zinco é a partir de minério sulfetado, é sulfeto de zinco. E o nosso minério é silicato de zinco, que é um negócio que na época ninguém, praticamente, tinha no mundo. Alguma coisa mais ou menos semelhante existia na Itália - tanto é que o processo lá em Três Marias foi um processo italiano, que não deu certo. “Temos que desenvolver, à duras penas, o processo de tirar zinco do silicato de zinco”. Esse foi o grande desafio do pessoal da Mineira. Você fazia concentração? Nem tanto, porque a natureza já lhe deu o material praticamente concentrado. Depois que outros métodos vieram de concentração... Mas lá em Três Marias o desafio é enorme, do silicato, [de] você tirar o zinco. Então você tinha problema de ataque com ácido, depois não conseguia filtrar esse material, embaçava todos os panos de filtro, depois você não conseguia purificar essa solução. Então a técnica importada da Itália, na época, não funcionou. Então, à duras penas, o pessoal de Três Marias desenvolveu um método próprio de extração de zinco a partir do silicato. Tanto é que hoje a Mineira detém a patente disso aí, com muita razão, porque foi desenvolvido por conta própria. Claro, sempre teve alguma consultoria estrangeira, mas o dia a dia foi nosso mesmo. Quer dizer, aqueles engenheiros na década de 60 lá de Três Marias, eles estão, trabalhavam lá dia e noite e eles têm toda a nossa admiração, como têm também... A alta direção do Grupo acha isso também, tem uma admiração muito grande por esse pessoal que desenvolveu esse método único no mundo.
P/2 – Certo. E como eram as relações humanas nesse trabalho?
R/1 – Olha, rapaz, eu tenho quase 39 anos de casa, eu passei por todo tipo de modismo gerencial que já existiu. Claro que não existia essa relação mais aberta, mais democrática, mais autocrática que nós temos hoje. Naquele tempo, era autocracia mesmo, o pessoal... Quer dizer, manda quem pode, obedece quem tem razão. De uma certa maneira, a gente agia também dessa forma. Quer dizer, depois de ler tanta coisa, nós vimos que nós estávamos completamente errados. Mas não existia aproximação assim de gerente com pessoal operacional, era muito pequeno, e havia um distanciamento muito grande. Existiam muitas camadas hierárquicas: para você sair do diretor, até chegar no operador, que faz a coisa acontecer, você tinha seis, sete categorias. Tinha diretor, gerente geral, gerente, depois tinha chefe de sessão, tinha encarregado, subencarregado, líder, sublíder, então o sistema de comunicação era péssimo. Então, você vê como funciona, como funcionava isso, tinha facilidade naquele tempo de ter muita mão de obra, apesar da mão de obra não ser especializada, mas tinha com fartura. Quer dizer, pagava-se pouco para mão de obra. Hoje, a mão de obra já é um item que pesa bastante em qualquer folha de pagamento de qualquer organização. Existe hoje também uma formação muito melhor do que tinha naquela época. Na medida que o tempo foi passando, claro, nós fomos nos modernizando, fomos estudando. A firma sempre nos facilitou a participação em congressos, conferências, cursos internos [e] externos. E hoje, eu creio que, a Votorantim como um todo, ela é quase que um modelo de gestão para as outras que estão por aí e que tenham que vir, porque hoje um gerente tem tantas horas de banco de treinamento, que se ele falar que não sabe como é que faz, é culpa dele, porque oportunidade foi dada. Então, passando por todos esses modismos, e acredito que agora nós estamos... De uns 5, 6 anos para cá, com a implantação dos processos de qualidade, a gente se modernizou muito. Hoje, a gestão Votorantim é baseada mais na confiança, na simplicidade, na agilidade, e claro, nos resultados - porque firma nenhuma vai para frente se não der resultados. Existe hoje um profissionalismo muito grande dentro das indústrias Votorantim. Os nossos patrões, os nossos morais, os nossos acionistas, eles participam dos conselhos, mas o dia a dia nosso é ditado por diretores que vieram do mercado de trabalho - não são mais os nossos acionistas que ditam o que fazer no dia a dia. Eles estão num nível bem acima, nível de decisão de investimentos, e o resto, o executivo mesmo, é que faz a coisa acontecer para baixo. Mas eu posso dizer que nesses 39 anos, a gente aprendeu muito e continua aprendendo até hoje. Você morre não sabendo tudo, e é bom que seja assim porque você não pode parar no tempo. Você pode parar um dia porque você cansou, está mais velho. Tem que dar lugar para gente mais nova, porque há o desgaste físico natural - é o meu caso, especialmente, porque exige-se muita disposição física. Eu tomo conta de duas jazidas, as duas são minas subterrâneas, são trabalhos perigosos, que exigem muita atenção, muita dedicação, muito treinamento e eu noto que eu estou cansando. Eu acho que já tem que entrar alguém mais novo no meu lugar. Mas se um dia eu sair, como vou sair, claro, eu acho que cumpri a minha função e me realizei. Devo tudo isso à criação da minha família e foi feito tudo dentro da Votorantim, eu admiro demais essa firma.
P/2 – Agora vamos pensar um pouco na sua trajetória dentro do Grupo Votorantim, como ela foi se encaminhando? O senhor começou na área de Geologia, indo para Vazante, que era um local que o senhor não conhecia, e como é que foi se desenvolvendo dentro dessa empresa?
R/1 – Eu não acredito que tenha sido por méritos meus, não, mas as coisas foram acontecendo. Por exemplo, o fato de eu sair de geólogo e passar à gerente foi porque o gerente quis vir para São Paulo, a mulher dele não quis mais ficar lá, então teve de dar um jeito de vir para cá. Então ele veio para o escritório central, não tinha outro para ser gerente - acredito até que não tenha sido mérito meu, aquele tempo era muito comum: “O mais velho é o chefe”. Eu acho que dessa vez eu fiquei chefe pelo fato de ser o mais velho lá. Mas depois eu fiquei então até 1900 e... De 1970 até 1970 e... Não, de 87, como gerente da unidade de Vazante. Eu fui transferido para Três Marias, aí eu acredito até já que tenha sido já por meu desempenho na unidade de Vazante. Quer dizer, eu era geólogo, fui mexer com metalurgia, que não é meu ramo, mas devido à facilidade de gestão com pessoas, talvez tenha isso me levado, o pessoal decidido me mandar para lá. Uma época muito difícil, do sindicato em alta, aquelas ameaças de greve, muito problema na parte ambiental, o pessoal começou a nos fiscalizar mais, então tinha que tomar uma série de cuidados que a gente realmente não tomava anteriormente. Tivemos que fazer muita adaptação na fábrica. E foi uma época muito difícil na minha vida, esses 11 anos que eu passei lá em Três Marias e, mas passou, acredito que prestamos um bom serviço lá e para alegria minha, em 98, fui convidado para voltar para Vazante, daí eu achei muito bom. Aí entrou lá um engenheiro metalurgista mesmo, do ramo dele, e eu voltei para minha área, que é a área de mineração, área de Geologia. Aí já acumulando as funções também da unidade de Morro Agudo, que é uma mina subterrânea que produz sulfeto de zinco. Morro Agudo, sulfeto de zinco e Vazante, silicato de zinco.
P/2 – E a Morro Agudo foi encontrada depois?
R/1 – Morro Agudo, ela era estatal, da Metamig [Metais de Minas Gerais], depois ela foi desestatizada, passou a ser... Passaram a ser donos a Mineira de Metais, a Paraibuna de Metais, que fazia zinco já em Juiz de Fora e a Companhia Industrial Mercantil Ingá, que tira o minério em Vazante e fazia zinco lá no estado do Rio. Depois, passou para a Mineira e Paraibuna e, depois [disso], passou só para Mineira. Ela ficou... Praticamente, ela começou a operar em 1988 e parou em 90 - ficou paralisada cinco anos. A partir de 95, foi reaberta a mina, que lá em Três Marias foi montado um sistema para tratar sulfeto de zinco - é um negócio chamado forno de ustulação. Então, com o advento do forno de ustulação de Três Marias, reabriu Morro Agudo. E de 95 para cá, não parou mais.
P/2– Seu Argemiro, o senhor tocou num ponto bastante interessante que é a questão ambiental. Como o senhor foi vendo essa evolução dentro da CMM, como o senhor foi acompanhando?
R/1 – Olha, uma parte é por observação nossa mesmo e outra parte por exigências legais, pode ter certeza que a exigência legal pesou muito nisso. Porque antes de 77, absolutamente, não existia nenhuma legislação ambiental no país, então o sinal de progresso era chaminé, não importa o que estava saindo da chaminé, mas era sinal de progresso. Tanto é que nos desenhozinhos, você pintava de vermelho ou de preto a pontinha da chaminé. Claro que foi se... A nossa observação e a exigência legal fez com que se tomasse uma série de providências. Mas já em 78, quando nós começamos a operar esse forno no método Walls, existia já um filtro eletrostático nesse ponto, porque a produção minha saía a partir desse filtro, ele é que captava. Se ele não funcionasse, a produção ia embora toda. Então, nesse tempo, começou a despertar essa questão de filtro eletrostático, já em 1977, 78. Aí as fábricas de cimento, todas, já foram também colocando filtros. E a primeira coisa, realmente, que se cuidou na parte de ambiental foi no particulado, o que saía pela chaminé. Depois veio o cuidado com as águas, que hoje talvez seja o que de mais importante exista na parte ambiental - cuidar daquela água que você gera, recircular, tratar [e] reusar aquela água. Isso é importantíssimo, que nós sabemos que água é um dos recursos mais raros existentes no mundo, e o Brasil, graças a Deus, tem um potencial hídrico enorme, mas nem por isso nós temos que deixar de tomar conta disso. Então, hoje, a Mineira de Metais, como as outras firmas todas do Grupo, tomam cuidado extraordinário com o particulado, com o... Armazenagem, transporte, reuso de resíduos sólidos e com água. Existem padrões estabelecidos - você é obrigado a monitorar, apresentar os dados mensalmente ou trimestralmente de tudo isso: quanto está saindo de particulado da sua chaminé, quais são os teores de metais pesados na sua água, o que você está fazendo com os seus resíduos sólidos. E nós temos hoje consciência de que fazemos a coisa certa. Não nos é poupado recursos para que seja feita a coisa certa. Se alguma coisa não está sendo feita certa, ainda em algumas unidades, é uma questão de tempo, de aprimoramento de processo, mas que com certeza está sendo encaminhado. Isso eu tenho certeza absoluta, porque a ética na nossa organização é extremamente importante, é levada muito a sério. A ética com os negócios e com os resíduos, a nossa responsabilidade social é muito forte. É isso que o senador Ermírio de Moraes deixou para nós, essa preocupação com a comunidade, com quem está em volta da gente. Porque quem está em volta da gente são os nossos empregados, eles moram naquelas comunidades, eles podem ser afetados, então tem que se tomar um cuidado muito grande, e se toma. Hoje, eu tenho certeza, que estão agindo não só de acordo com a lei, estão agindo responsavelmente.
P/2- Senhor Argemiro, o senhor está desde os primeiros passos da Companhia Mineira de Metais, como o senhor vê, por exemplo, a evolução dos empregados, como o senhor foi observando isso?
R/1 – Olha, nós trabalhávamos... Inicialmente, a maior parte do nosso pessoal era totalmente analfabeta e nós tivemos a feliz ideia de instituir o ensino por conta da Companhia Mineira aos empregados. Então hoje, para vocês terem uma ideia, na mineração, nós estamos lá a 500 quilômetros de Belo Horizonte, nós temos 75% do nosso pessoal com segundo grau completo, quer dizer, a evolução foi enorme. Nós temos muita gente fazendo graduação e muita gente com pós-graduação. Então, em 94, a direção, juntamente com a gente, estabeleceu a seguinte meta: até o final de 99, nenhum empregado da Companhia Mineira de Metais poderá não ter o primeiro grau completo. E isso foi extraordinário. Nós disponibilizamos salas, professores, material didático e o pessoal tomou gosto e continuou estudando, tanto é que tem esse nível hoje. Na Mineira como um todo, 71, 72% do pessoal já tem o segundo grau completo. E é quase que uma necessidade hoje, é mesmo uma necessidade, porque nós trabalhamos com equipamentos importados, todas as nossas máquinas que trabalham na nossa mina subterrânea são importadas do Canadá, da Suécia, da Finlândia, e os catálogos são todos em inglês. Têm máquinas que são computadorizadas, então o pessoal tem que ter nível para operar essas máquinas. Tem que ter noção de informática, tem que ter noção de inglês, e nós incentivamos que o pessoal aprenda a fazer isso porque, na verdade, existem máquinas que deveriam ser operadas até por engenheiros, porque tem computador de bordo, você programa as operações na cabine, são cabines fechadas, com ar-condicionado. Então você tem que ter profissional a altura mexendo com essas máquinas. Tem máquina que custa um milhão de reais, então tem que tomar cuidado com isso. Então a evolução educacional das nossas pessoas é uma necessidade e o pessoal está acompanhando. Nós temos operadores de máquinas hoje que já tem graduação, o cara fez matemática, o cara fez administração - se não fez, está fazendo. Ele é o operador de uma máquina, mas é exatamente esse homem que opera lá na frente de trabalho é que você tem que potencializar, que ele é que sabe como é que faz as coisas e que resolve, que dá resultado. Não somos nós do escritório - nós somos apoio -, quem trabalha são eles. Então esse homem, tem que ser investido nele, investir em educação, investir em treinamento, e nós fazemos muito isso.
P/2 – Seu Argemiro, em 39 anos de trabalho junto ao Grupo Votorantim, qual foi o seu maior desafio até hoje, aquele que o senhor considera como o desafio que...?
R/1 – Olha, eu acredito... Acredito, não, tenho certeza que o grande desafio foi enfrentar Três Marias, a gerência de Três Marias em 1987. Lá nós tínhamos 2500 pessoas, era uma senhora fábrica, uma fábrica, vamos dizer assim, integrada, porque nós fazíamos bombas, a borracha, os tanques, as cubas de eletrólise - nós fazíamos tudo lá. Fazia construção civil, mecânica, elétrica, era uma fábrica de tudo, então aquilo realmente foi um desafio muito grande. E como eu disse antes, nós tivemos o problema, o surgimento dos sindicatos, muito fortes, muito exigentes e os problemas ambientais que começaram também nessa época. Então essa gerência minha, dos primeiros anos em Três Marias, eu considero, da minha carreira toda, o maior desafio. Você conseguir tocar aquilo lá, em Três Marias, com 2500 homens fazendo tudo e com pressão sindical, pressão ambiental e tendo que dar resultado.
P/2 – E como é que começou... Hoje Três Marias é uma unidade com, acho que em torno de 500 funcionários da Votorantim?
R/1 – Não, tem mais. Três Marias está com 1600 homens.
P/2 – 1600 homens?
R/1 – É.
P/2 – Certo.
R/1 – Tem também os terceirizados, mas a produção triplicou também.
P/2 – Mas hoje ela não faz todo...
R/1 – Não, não. Terceirizou-se muita coisa, muita coisa você compra pronto do mercado e mesmo assim tem muita gente, porque o automatismo lá ainda é muito pequeno, como é pequeno também nas minas. Tende-se... A tecnologia está aí à disposição nossa, então queira ou não, você vai substituir alguma coisa. Nas minerações, eu tenho 1000 pessoas entre Vazante e Morro Agudo, e tem mais umas 400 pessoas que são terceirizadas ainda. Porque o trabalho é extremamente diversificado. Você tem desde a pesquisa mineral - porque você trabalha com, deve ter 15 sondas rotativas, fazendo furos, procurando detectar a profundidade dos corpos, o teor dos corpos, a espessura dos corpos -, então, só nessa área, você gasta 100 pessoas trabalhando em pesquisa. Então aí vai somando o número de pessoas. A mina subterrânea é um negócio difícil, você tem que abrir primeiro galerias ao longo dos corpos de minério, fazer sondagem de detalhe, para depois você abrir as frentes de lavra - então gasta muita gente. Apesar de você trabalhar com equipamentos sofisticadíssimos, tem que ter alguém para marcar, tem que ter a topografia, alguém para dirigir o equipamento, então, realmente, gasta-se muita gente. A mão de obra, lá no caso da mineração, é o maior item de custo. No caso da metalurgia, é a energia elétrica.
P/2 – Senhor Argemiro, além dos desafios, provavelmente, aconteceram fatos interessantes, engraçados. Existe alguma história que o senhor se lembre que tenham envolvido esses 39 anos de trabalho que o senhor se lembre, que o senhor gostaria de contar?
R/1 – Ah, tem muita história. Algumas delas viraram até lenda, já. (risos)
P/2 – O senhor gostaria de contar alguma?
R/1 – Ah, eu me lembro da primeira visita do senador em Vazante, em 1966 - nunca vou esquecer disso. Era dia e tinha uma lâmpada acesa, era o grupo gerador que nós tínhamos, naquela época, [e] ele falou: “Olha, Argemiro, apaga essa lâmpada aí”, “Sim, senhor”, “Você sabe por que eu estou mandando apagar essa lâmpada? Não pela energia que você está consumindo, mas sim porque você está consumindo um produto importado, isso aí é da GE, e nós não fabricamos lâmpada”. Quer dizer, eu não esqueço disso nunca, a passagem. Muito interessante.
P/2 – Certo.
R/1 – Mas tem uma série de outras aí que eu falei que já viraram até lendas. Eu sempre fui de andar muito na área. Sou um homem de pouco escritório, mas de estar presente onde acontecem as coisas. De você pegar nego dormindo... Aconteceu de tudo na minha vida. Tinha uma pessoa que estava meio dormindo, já tinha passado a hora do almoço e ele continuou dormindo, então eu cutuquei ele. (risos) E ele fez o sinal da cruz: “Oh, o senhor desculpa, eu estava rezando”. (risos) Quer dizer, coisas desse tipo aconteceram muito ao longo da vida. Tem passagem interessante, quando nós começamos em Vazante, nós... Da cidade até a mina são sete quilômetros, do começo da mina, e nós recebíamos a nossa comida em marmita, que vinha a cavalo, e o rapazinho que buscava a comida de vez em quando atrasava, e era uma mula, o pessoal já ficava pensando coisas: “O rapaz parou para alguma coisa aí...” E, realmente, a gente tem esse tipo de coisa aí, ao longo da vida foi criando muita coisa aí... E tem, os meus meninos, por exemplo, eles devem ter recordações excelentes, nós sempre moramos ao lado da fábrica. [Em] Vazante, você fica a 200 metros da fábrica, Três Marias você fica a 500 metros da fábrica, então a vida inteira tem a fábrica muito ligada com a sua vida pessoal, e aí acontecem os fatos mais interessantes. Nós, uma época, em Vazante, quando começamos o sistema, processo Walls, a gente usava muito carvão vegetal e eu me lembro às vezes de meus meninos chegarem da cidade, da escola, todos pretos, que tinham pegado carona em caminhão de carvão. (risos) São coisas que hoje não se admite, quer dizer, pegar carona em carroceria de caminhão e totalmente negros devido à poeira do carvão, e igual a isso tem muitas.
P/2 – Argemiro, fazendo um balanço da sua trajetória dentro do Grupo Votorantim, o que o senhor diria?
R/1 – Olha, eu me sinto realizado profissionalmente. Acho que eu dediquei toda essa minha vida a uma causa boa, uma causa justa e dei o meu trabalho, recebi a minha recompensa e, principalmente, não a parte monetária, mas a parte de ter a confiança dos nossos acionistas. Eu acho que isso foi importantíssimo, você demonstrar que é uma pessoa confiável, e eu acho que eu demonstrei isso ao longo da minha vida. E no mais, eu tenho muita satisfação, muito orgulho de fazer parte até hoje dessa organização. Hoje a gente sabe que está bastante profissionalizado, mas o contato com os acionistas era muito grande, doutor Antônio, doutor Ermírio, que é o filho mais novo, mesmo o senador, no comecinho da minha carreira, e sempre demonstraram ser pessoas extremamente humanas, simples [e] humildes, e passou isso para gente. E talvez a gente esteja no Grupo até hoje por ter aplicado esses princípios da simplicidade, da humildade, da honestidade, e claro, dos resultados. Eu, repetindo, me sinto realizado no Grupo. E um dia vou ter que sair, claro, tem que dar vagas aos mais novos, e eu acho que eles não me devem absolutamente nada, eu é que devo ao Grupo muita obrigação e esse orgulho todo de ter pertencido a essa organização durante tantos anos. É um Grupo extremamente sério [e] correto com os empregados, governo, com as legislações vigentes - isso é muito bom. Então trabalhar num local que você não tem o que esconder, a coisa tudo clara, então isso dá para você uma liberdade enorme. Entra em qualquer ambiente de peito aberto, não deve nada para ninguém. Você está de acordo com a lei, pagando seus impostos, tem uma responsabilidade social muito grande com os seus empregados, e é cumprida essa responsabilidade. Então te dá uma abertura muito grande, uma facilidade de tramitar nas áreas governamentais, muito grande. Isso também é um motivo até de orgulho, de satisfação de minha parte. Quem dera tivéssemos todas as empresas com esses princípios - de retidão, de ética, de honestidade, de comprimento da legislação. Eu pessoalmente acabei... É claro que certos princípios você traz do berço - o cara não é honesto porque tem que ser honesto, ele aprendeu a ser honesto em casa. Eu acho que isso nem princípio é, eu acho que isso aí é obrigação. Mas quando você vê que os acionistas agem dessa maneira, claro que você age também, por imitação, seguindo o exemplo. E eles dão esse exemplo para nós a toda hora aí.
P/2 – Nesse balanço, você acabou falando um pouco dos fundadores do Grupo, o senador, doutor Antônio, doutor Ermírio, você teria uma visão de cada um deles?
R/1 – Tenho. O senador, eu convivi muito pouco com ele, mas foi um precursor, um homem de uma visão extraordinária [de] no começo do século já imaginar cimento, tecido, metais. Um negócio totalmente... Tudo que ele entrou aqui no país era coisa nova: metalurgia de alumínio, metalurgia de zinco, metalurgia de níquel, parte de fabricação de ácido e outros produtos químicos - e é uma coisa totalmente inovadora no país. E o doutor Antônio é um homem que tem uma visão impressionante, quer dizer, você imagina a geração de energia elétrica, por exemplo. Quer dizer, há 40 anos a CBA já produz... 40 anos ou mais, ela produz energia elétrica. Quer dizer, o doutor Antônio já previa essas crises que tivemos há dois anos atrás - como está prevendo outras, se não houver investimento nessa área. Quer dizer, a visão desse homem é um negócio extraordinário, então você tem que admirar. A respeitabilidade que ele tem diante de qualquer governo, oposição ou situação, é muito grande. Quer dizer, é um homem respeitadíssimo. Enfim, e conseguiu passar para os filhos isso. O fato do Grupo Votorantim continuar unido e crescendo já na terceira, até quarta geração, chegando aí, é admirável. Normalmente, uma firma familiar, ela acaba na segunda, terceira [e] olha lá. E eu tenho certeza que a maneira como a meninada foi criada, já dentro do ambiente das indústrias, não vai acabar nunca, ele tem tudo para crescer. Tive algum contato maior com o doutor Ermírio, me lembro [que] ele era aviador, deve ser até hoje, e descia num campinho lá todo inclinado, cheio de buraco, lá em Vazante - impressionante a perícia dele. Então ele participou muito com a gente nas obras, depois que nós compramos terra para plantar eucalipto, para fazer carvão, para usar em Vazante, ele participou muito desse processo. Então tenho boas recordações do doutor Ermírio. Tivemos pouco contato com o doutor José, ele era mais ligado na área de cimento, então tivemos muito pouco contato. De maneira que era o senador, mais diretamente, o doutor Antônio, que até hoje a gente conversa por telefone. Sempre que ele pode ainda vai nas unidades, vai muito mais raramente, mas ainda vai. E o doutor Ermírio... Não tive contato com o doutor Clóvis, ele mexia com o nordeste, e quase nenhum também com o doutor José.
P/1 – Certo. Quais seriam os valores que você conquistou dentro do Grupo Votorantim, valores que pertencem ao Grupo, porque o Grupo Votorantim tem alguns valores, por exemplo, o valor familiar é um absolutamente forte...
R/1 – Eu acho que a simplicidade é talvez o valor mais forte do grupo, aliado à humildade. Todos nós, altos executivos até o nosso operador, ele sabe que nós agimos com humildade e com simplicidade. As coisas simples é que dão resultado - não se pode complicar. E a ética é extremamente, é um valor enorme que esse Grupo tem. A ética com os negócios, a ética com o meio ambiente, a ética com a, com os nossos concorrentes, com nossos fornecedores, e com o nosso pessoal, as nossas comunidades. E essa responsabilidade social que o Grupo tem agora, fincada mais ainda dentro do Instituto Votorantim, que visa distribuir mais essa atenção, no caso atual, é o jovem, então é um trabalho muito bonito. Então esses princípios, humildade, simplicidade, ética, são fortíssimos. E claro, já falei, tem que levar à resultados, não existe sobrevivência se não houver resultado.
P/2 – E Argemiro, atualmente quais são os seus maiores sonhos?
R/1 – Não, eu estou realmente em final de carreira. Eu já estou com 39 anos de casa, faço agora em janeiro, eu pretendo ainda prestar um vestibular e fazer um curso de História, que é o meu grande sonho - eu pretendo fazer um curso de História. E claro que não devo ficar à toa, alguma coisa eu vou ter que fazer, consultoria, ou sei lá, alguma coisa vou ter que mexer. Eu não suportaria ficar em casa como aposentado, de pijama listrado - esse seria o meu fim.
P/2 – Argemiro, o que você acha de projetos, por exemplo, esse projeto de resgate da memória do Grupo Votorantim através de uma série de atividades, entre as quais essa de colher os depoimentos dos funcionários mais antigos da empresa?
R/1 – Olha, eu acho isso formidável. Como eu vou ser historiador um dia - fazer História é o meu sonho - e história se faz dessa maneira. Eu acho que a ideia foi muito boa, devia ter vindo há mais tempo atrás, porque essa renovação das pessoas nós deixamos de gravar, vamos dizer assim, muita gente interessante que trabalhou comigo, por exemplo, teriam histórias maravilhosas para serem contadas. Histórias de simplicidade, de trabalho, de retidão para uma coisa alheia. Infelizmente, deixamos muitas pessoas fora disso. [Se] tivesse vindo mais cedo, teríamos tido isso aí, mas nunca é tarde, uma hora tem que se começar a registrar. Eu acho então que isso é extraordinário, vai ser uma coletânea muito boa, e eu estou curioso para ver, porque eu agradeço até fazer parte, então, dessa coletânea, nessa oportunidade que me foi dada.
P/2 – Isso que eu ia perguntar, o que você achou de ter participado?
R/1 – Ah, achei excelente, obrigado pela lembrança. Agradeço mais uma vez ao pessoal da nossa direção, [de] ter lembrado da gente, e estou curioso para saber como é que ficou.
P/2 – Argemiro, a nossa entrevista está chegando ao final, eu gostaria de agradecer primeiramente em nome da Votorantim por você ter vindo até aqui, em nome do Instituto Museu da Pessoa e em nome da nossa equipe: muito obrigado.
R/1 – Obrigado vocês, boa sorte e desejo um feliz final de trabalho e que seja tudo aquilo que vocês imaginaram no projeto, que dê acima daquilo que vocês imaginaram. Muito obrigado.
P/1 – Obrigado a você.
[Fim do depoimento]Recolher