Projeto Memória dos Brasileiros Maués
Depoimento de Henio Nalini Júnior
Entrevistada por André Machado
São Paulo, 29/09/2006
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista MBMaués_TM_002
Transcrito por Raquel Martins Reis
Revisado por Viviane Aguiar
Publicado em 18/02/2008
P1 – Seu Henio, para c...Continuar leitura
Projeto Memória dos Brasileiros Maués
Depoimento de Henio Nalini Júnior
Entrevistada por André Machado
São Paulo, 29/09/2006
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista MBMaués_TM_002
Transcrito por Raquel Martins Reis
Revisado por Viviane Aguiar
Publicado em 18/02/2008
P1 – Seu Henio, para começar, eu gostaria que o senhor falasse pra gente o seu nome completo, a data e o local de nascimento.
R – Meu nome é Henio Nalini Júnior, nasci em São Paulo, no dia 5 de agosto de 1948.
P1 – Quando foi a primeira vez que o senhor tomou contato com algum produto de guaraná? E especificamente com o refrigerante de guaraná? Como é que era o consumo desse produto na época? Quem consumia? Quem vendia? Como circulava? Quais que eram os concorrentes?
R – Desde que me conheci por gente, o guaraná Antarctica fazia parte, era o nome de refrigerante que eu conhecia, e a coisa era mais anual. Era no Natal que a gente podia, em função das dificuldades de família, que você podia tomar o guaraná. E é um produto que eu sempre gostei e a expectativa pelo Natal era sempre muito grande por causa desse produto. Para mim, era um sabor agradável, ele misturava um doce com alguma outra coisa que na época eu não sabia, mas que me agradava bastante.
P1 – Esse foi o primeiro produto de guaraná com que o senhor teve contato? O refrigerante já na época?
R – Sim.
P1 – E quem que consumia o refrigerante? Onde que circulava? Como vendia? O senhor se lembra de outros concorrentes ou não tinha basicamente concorrentes?
R – Não, eu me lembro do guaraná Brahma e me lembro também da Coca-Cola. Na época, eu achava, aliás acho até hoje, a Coca-Cola um produto sem sabor nenhum, não traz nada para você no paladar. Ela entra de um jeito, desce, o after taste não deixa nenhuma lembrança, nada agradável na boca. E o guaraná Brahma eu achava muito para o lado de um abacaxi, uma maçã verde. Então, eu sabia da existência, mas para mim era como se não existisse. A minha preferência foi sempre o guaraná Antarctica. No bairro onde eu nasci e cresci, era um bairro mais humilde, bem mais humilde, então, você tinha conhecimento do refrigerante quando você ia para uma Aclimação, uma Avenida Paulista, para um centro da cidade. Ali que você percebia mesmo. No bairro, muito pouco.
P1 – Que era...
R – Cambuci.
P1 – Em outra entrevista, o senhor chegou a afirmar que o refrigerante de guaraná, num primeiro momento, tinha a sua grande aceitação mais pelo apelo da fruta em si do que propriamente pelo sabor. O senhor poderia explicar isso um pouco melhor?
R – O guaraná, ele sempre foi um mito, né? Eu vou dizer o “apelo da fruta” era onde ela podia trazer benefícios à saúde, como à circulação, à tensão. O maior poder de concentração, apesar de que isso, não vamos dizer, no guaraná existe, mas não numa escala prejudicial, alguma coisa assim. Eu via o apelo da fruta mais por um lado de “saudabilidade”.
P1 – Mas as pessoas comentavam isso entre elas?
R – Não, não. Elas comentavam somente sobre o sabor, porque era mais um refrigerante cujo sabor agradava.
P1 – E, quando o senhor ingressou na Antarctica, já existia a comercialização do guaraná. Em que época que o senhor ouviu pela primeira vez a história de como se originou o refrigerante de guaraná pela Antarctica? Onde que essa história que o senhor ouviu pela primeira vez circulava: era na empresa, fora dela, antes de o senhor ingressar na Antarctica? E, afinal de contas, como foi inventado o refrigerante de guaraná?
R – Olha, eu tive o contato com a história do guaraná, a fabricação, quando eu entrei em 1968, através do próprio Orlando de Araújo e de outros, algumas outras pessoas que tinham cargo de chefia. Por outro lado, eu creio que não existe alguém que vá te afirmar categoricamente que esse foi o primeiro guaraná, que essa é a fórmula do guaraná na realidade, que se tem notícia de 1921. Dizem que essa fórmula foi comprada de um químico em Piracicaba, mas nada de concreto disso até hoje, com certeza.
P1 – É uma coisa meio nebulosa.
R – Nebulosa sim, com certeza.
P1 – Agora, o Seu Orlando chegou a falar alguma coisa de que foram importantes as experiências do farmacêutico Pereira Barreto para que a Antarctica se interessasse nisso e que não, os pesquisadores não chegaram a ir até Maués para ter essa ideia? Porque uma das primeiras versões que a gente tem é de que os pesquisadores da Antarctica souberam que tinha uma bebida feita de guaraná na região de Maués, uma bebida tradicional, e souberam que era famoso pelo gosto, e foram até lá para ver como é que era, e o Seu Orlando meio que rechaçou essa versão, dizendo que na verdade já existiam várias experiências de guaraná e que teria sido importante a coisa do extrato, que teria sido feita pelo Pereira Barreto. Você já ouviu uma história assim?
R – Perfeito. Exatamente, é isso mesmo. A origem são sempre os estudos do Pereira Barreto a respeito do guaraná.
P1 – Em que circunstâncias o senhor ouviu falar pela primeira vez da cidade de Maués?
R – Quando eu entrei em 68 na Antarctica.
P1 – E como é que foi? Falava-se por quê? O que é que se falava?
R – Falava-se dessa cidade porque, na região do Amazonas, era uma cidade francamente produtora do fruto guaraná. Então, você tinha muitas histórias e algumas coisas que remetiam àquela cidade como a fornecedora do verdadeiro fruto do guaraná.
P1 – E como é que se dava o transporte da matéria-prima para São Paulo antes da construção da fábrica de Maués? O senhor não chegou a participar dessa fase, imagino.
R – Não.
P1 – Porque já tinha a fábrica, não é isso?
R – A fábrica, na realidade, é a fazenda de 1971, salvo engano meu, foi a fazenda, a fábrica talvez dessa mesma época. O que a gente tinha conhecimento é que a semente vinha de Maués já torrada, vinha para São Paulo, e o extrato era fabricado na fábrica de essências aqui em São Paulo na Mooca.
P1 – O senhor começou a viajar para Maués no final da década de 80, não é isso? O senhor estava me falando que a última vez foi 90.
R – Não, a primeira vez.
P1 – A primeira vez em 90, e a última vez lá para 2003.
R – 2003 mais ou menos, isso.
P1 – Como era a cidade de Maués nessa época, no final da década de 90?
R – Bom, eu tenho, assim, uma impressão. Maués teve uma fase antes da fazenda, teve uma fase posterior à fazenda e teve uma fase também depois da fusão. É assim: a Antarctica mantinha a Fazenda Santa Helena, mantinha 230 mil, 250 mil pés de guaranazeiros, mantinha uma estrutura, mas uma coisa mais artesanal, e eu creio que a cidade, ela teve um crescimento maior após a fusão. A Brahma investiu, a AmBev investiu bastante na cidade, fez parcerias com a prefeitura, com os produtores locais, quer dizer, ela tinha, depois do fruto do guaraná, além da fazenda, ela tinha os produtores locais e na época era uma cidade muito pobre, dependendo exclusivamente do plantio e da venda do guaraná, onde o produtor ganhava muito pouco e onde o atravessador, o grande comprador ali da região, era quem tinha realmente os lucros.
P1 – Isso ainda na década de 90?
R – 90.
P1 – Mas o senhor pode contar pra gente um pouco mais, como era a cidade propriamente, as ruas, as casas, a própria relação com a Antarctica?
R – Eu sei muito pouco para te falar disso, uma impressão de uma semana. As ruas eram sem esgoto, as casas de madeira muito velhas, o pessoal com aquela pele bem queimada de sol, pele já envelhecida, uma pobreza muito grande, e eles tinham, por exemplo, a Antarctica, como se fosse alguém que estivesse lá para salvá-los daquela situação. Um certo crescimento, claro, houve, porque depois as outras fábricas também se interessaram por Maués, por adquirir sementes de lá. Existe uma diferença muito grande entre – um parênteses – o guaraná, o fruto guaraná de Maués, e o fruto guaraná que tem na Bahia. O fruto guaraná de Maués, ele é bem maior, é bem mais rico em cafeína, em substâncias, vamos dizer, nutritivas do que o fruto da Bahia. O fruto da Bahia é bem menor com uma quantidade de cafeína menor. E como isso era um apelo: “Olha, é com guaraná do Amazonas, é guaraná da Amazônia, guaraná em Maués”, fez com que os grandes concorrentes da Antarctica também se voltassem para Maués. Então, aí houve um crescimento e depois com a Brahma. Hoje a cidade é uma cidade bem mais, eu digo próspera no bom sentido da palavra. Hoje existe uma prefeitura onde ela consegue junto à AmBev eu sei que muitos recursos, muita parceria, muita ajuda. Hoje eu digo que é uma cidade mais para desenvolvida do que para uma subdesenvolvida, como antes.
P1 – O senhor falou um pouco sobre a questão depois da fusão. Depois da fusão em 2001, eles instalam a fábrica de essências em Manaus. Sai a fábrica aqui da Mooca e vai para Manaus, correto? Isso tem impacto direto em Maués ou não? Ou são só outras coisas da fusão que o senhor teria falado que impactaram Maués?
R – É, isso é somente mais uma coisa da fusão porque, antes da fusão, nós havíamos transferido a fábrica de produção da essência do guaraná para Manaus. Então, Manaus era responsável por fabricar a essência do guaraná, ou seja, nós enviávamos o coração, tudo pronto aqui de São Paulo, lá ele fazia a mistura com o extrato de guaraná. Com a fusão, a Brahma tinha uma fábrica de essências lá na Avenida Industrial, também em Manaus, a Arosuco Aromas. A única coisa que foi feita realmente foi transferir para a Arosuco Aromas aquilo que nós transferíamos para a fábrica de refrigerantes em Manaus, ou seja, o coração do produto.
P1 – Isso em 2001, não é isso?
R – Em 2001.
P1 – Hoje, a AmBev acompanha bem de perto a produção dos guaranazeiros, né? Ela tem toda uma sistemática de como acompanha. Na década de 90, que foi quando o senhor foi pela primeira vez lá, isso era diferente, era igual? Qual era a presença efetiva da Antarctica na cidade nessa época? O que lhe parecia?
R – A Antarctica, ela sempre partiu mais para uma, vamos dizer assim, de tratar de uma forma familiar tudo que ela tinha. E
nós sabemos que ela fazia um benefício à população. Então, ela distribuía alguma coisa para a comunidade e isso não aparecia muito.
P1 – Por exemplo?
R – Eram empregos, eram, vamos dizer, mantimentos, ou, às vezes, havia carência de remédio, então, ela sempre procurou fazer isso. A Antarctica teve durante muitos anos, através da fundação, uma fábrica, era uma indústria farmacêutica. Ela fabricava remédios, vitaminas e uma série de outras coisas. Então, nós sabíamos que essas coisas normalmente iam para Maués para ajudar a população, mas era uma coisa esporádica e, sei lá, não era uma coisa que se via. Não era, vamos dizer assim, um ato político. Hoje, a AmBev, ela faz a coisa certa e faz pelo lado político. Então, hoje, todo mundo fica sabendo, e com a Antarctica não era assim, era uma coisa mais fechada, mais restrita.
P1 – Como assim pelo lado político?
R – Eu acho inteligente o que a AmBev faz hoje. Talvez a Antarctica fizesse os mesmos benefícios que a AmBev faz hoje, só que ela fazia diretamente, e hoje a AmBev faz através do prefeito da cidade, ela faz através do governador do estado. Então, existe hoje, é muito mais representativo na mídia o que se faz hoje do que o que se fazia antigamente. Quer dizer, tanto pelo progresso que houve na cidade, hoje você tem maior divulgação, quanto pelo meio usado que é o meio político.
P1 – Mas de que forma isso? Auxiliando a questão da agricultura ou de uma forma, por exemplo, construindo escola? Que forma se dá isso?
R – Sim, sim, ela tem uma base muito grande nisso, claro! Ajuda a comunidade de uma forma, com escolas, verbas para a prefeitura, fazer algumas melhorias etc.
P1 – E o que mudou? Do que o senhor conhece da vivência lá na Antarctica, com a instalação da Fazenda Santa Helena, o que o senhor conhece dessa história? Do que era antes, a produção em Maués, e depois da Fazenda Santa Helena?
R – Depois da Fazenda Santa Helena é 1972, não é isso que nós estamos falando?
P1 – Mais ou menos.
R – Ajudou porque a plantação começou a ser feita de uma forma mais organizada, nós tínhamos um engenheiro agrônomo, ele começou a estabelecer programas de plantio, programas de poda e uma série de estudos para que acontecesse de o guaranazeiro produzir maior quantidade de frutos. Em média o guaranazeiro produzia, vamos supor, 500 gramas de fruto, de guaraná, o guaranazeiro. Desses 500 gramas, ele iria tirar de fruto realmente torrado, sei lá, uns 80 gramas, mais ou menos. Com a fazenda, já passou-se para uma média de 1000, 1200 gramas por pé. A quantidade era a mesma em função da umidade do fruto, né? Então, você colhia mais o guaraná torrado por pé, e isso fez com que o plantio do guaraná tivesse uma outra dimensão. Então, você sabia que, com o guaranazeiro, você podia produzir mais, ganhar mais com ele, com certos cuidados que não despendiam dinheiro. Era simplesmente um cuidado maior com a planta.
P1 – O senhor, em entrevistas passadas, chegou a falar um pouco da impressão que dá a você ver a plantação do guaraná. Você podia falar sobre isso de novo?
R – Ah, isso é uma coisa fantástica, né? Só quem vê, porque, quando aquele fruto ele está realmente abrindo, que ele já está pronto para você colher, é uma coisa espetacular. É um vermelho com branco, aquele preto no meio parece um olho realmente. Aquilo é uma coisa espantosa, é muito bonito ver aquilo. Ainda mais para quem gosta. Aquilo é muito bonito, realmente é.
P1 – E o senhor, nessas viagens para Maués, o senhor chegou a entrar em contato com os índios Saterés-Mawés? Nesses anos que o senhor vai para a cidade, ainda que esporadicamente, que histórias o senhor conhece e presenciou da relação da cidade de Maués com esses indígenas?
R – Olha, aí eu sou sincero. Não tenho nenhuma experiência, nada a respeito.
P1 – Nem de ouvir falar?
R – Sim, de ouvir falar você tem. A lenda, aquela coisa que eles contam da índia com o guerreiro, essas coisas eram como se fossem uma história viva.
P1 – Mas conta pra gente sobre isso. Onde o senhor ouviu? Como que é essa história? E se existem muitos desses indígenas morando na cidade, fora aqueles que moram na reserva, até a própria questão de quem mora em Maués, o senhor olha, identifica os traços indígenas, ou não, já é uma cidade de muita imigração? Como é Maués?
R – Para mim, ainda é uma cidade onde você tem muitos traços indígenas. Na própria população, você nota isso.
P1 – Nos hábitos também ou não?
R – Não, nos hábitos você já não nota tanto naqueles que estão na cidade, eles já estão adquirindo os hábitos daqueles que vieram de fora. Eles já vão adquirindo esse hábito. Para te falar alguma coisa, a única vez que eu tive um contato maior foi quando eu estava num restaurante, na beira do Rio Maués, e eu tinha pedido um peixe, e a pessoa falou: “Espera um pouquinho que eu vou pescar.” Eu falei: “Ih, esse almoço não sai hoje.” Dali a 10 minutos, ele apareceu lá com um peixe grande: “Olha, já está aqui.” Já começou a fazer, e aí ele me chamou a atenção para um grupo de índios que estavam tomando banho ali no rio. Ele falou: “São os índios, eles vêm para cá para esse lado da margem porque é mais fácil.” Era a tribo inteira ali se banhando para depois ir para lá, quer dizer, a única coisa que eu tenho de contato.
P1 – Mas a pessoa que era o dono do restaurante, a pessoa que foi pescar tinha traços indígenas também? Como é que ele se referiu a esses indígenas? De uma forma tranquila, como é que foi isso?
R – Não, de uma forma totalmente tranquila, e ele não era, vamos dizer, ele tinha ido para Maués, ele era de Manaus, mas já estava em Maués há muitos anos.
P1 – O senhor pode contar sobre a questão da lenda? O que é que o senhor conhece da lenda? Como isso chegou até o senhor?
R – Foi justamente num restaurante desses onde nós estávamos almoçando, e a pessoa perguntou se podia sentar na mesa. Eu falei: “Claro.” Você sempre aprende alguma coisa útil. E aí ele perguntou para mim: “Você sabe como é que surgiu essa lenda do guaraná? Você sabe a lenda?” E eu falei: “Não, me conta.” E durante todo o almoço ele foi contando a lenda da índia com o índio, que ninguém queria, que eles fugiram, parece história de amor aqui recente, nós temos muitos casos desses aqui, né? E foi assim. Então, ele disse que onde caiu o raio em que os dois estavam cresceu a planta do guaraná, que tinha os olhos da índia etc.
P1 – Essa pessoa o senhor sabe quem era? Ou não?
R – Do restaurante?
P1 – Do restaurante.
R – Não, não sei quem é. Eu sei que isso foi uma que me impressionou muito. Eu tenho, para mim, coisas boas e ruins da fusão, mas uma das coisas ótimas e boas da fusão foi o filme que eles fizeram, a divulgação que eles fizeram disso. Quer dizer, eles exploraram essa lenda de uma forma tão positiva que tem gente que vai visitar o CDT [Centro de Desenvolvimento Tecnólogico], onde eu trabalho, e eles pedem: “Eu quero ver esse vídeo feito.”
P1 – Conta pra gente sobre esse vídeo, qual o nome do vídeo?
R – O vídeo é A História do Guaraná e ele passa, por exemplo, ele começa falando sobre o refrigerante, depois sobre o guaraná, depois sobre a fazenda, depois ele vai falando sobre a lenda do guaraná e termina realmente com essa história. Você grava muito bem onde eles morreram, caiu o raio, então nasceu ali uma planta com os olhos da índia e tal.
P1 – O senhor viu esse filme quando? Mais ou menos...
R – Em 2002 ou 2003, eu fui ver esse filme. Mas foi algo muito feliz, é marcante o filme.
P1 – Você chegou a participar da decisão de fazer esse filme, de saber como é que ele foi feito?
R – Não, não. Eu sei que foi feito porque a AmBev, ela prima muito por dizer que o guaraná dela, usado no guaraná, vem de Maués. Então, ela quer contar a história para dizer: “Eu sei do que eu estou falando.”
P1 – Ela prima por essa identificação.
R – Isso.
P1 – Ainda no terreno das histórias que o senhor conhece até de terceiros, o senhor tem conhecimento de que em alguma época a Antarctica tenha comprado a produção de guaraná feita pelos índios Saterés-Mawés? Em caso positivo, por que é que esse comércio parou? Por que é que hoje não se realiza mais, e, em caso negativo, por que é que esse comércio não foi possível?
R – Eu nunca tive ciência desse fato, de que eles compravam dos índios. Nesse mesmo filme, eles explicam até a forma com que os índios colhiam o guaraná. Eles colhiam o guaraná, deixavam secar ao sol e dali eles faziam realmente uma, faziam em água, ferviam em água.
P1 – Pão, né? Faz o pão?
R – Isso, aí eles faziam um bastonete que depois eles raspavam na língua do pirarucu e faziam a bebida. Deixavam os guerreiros mais aptos para a batalha, com maior capacidade de percepção, de reflexo etc. Mas de um comércio assim eu nunca tive notícia.
P1 – Nesse filme, como é que é retratada essa produção dos índios? Tenta se ligar isso com uma origem do uso do guaraná? Não?
R – Eu acredito que sim, com certeza. Isso com certeza, porque eles falam dos índios, falam do fruto e depois eles já partem, vamos dizer, para a bebida guaraná.
P1 – Existe um pouco a ideia de que essa é a origem.
R – Sim, sim.
P1 – O senhor falou um pouco sobre isso, mas, só para fixar, porque é que a AmBev até hoje se recusa a utilizar o guaraná produzido na Bahia? O Senhor Orlando falou um pouco que a Brahma fez experiências nesse sentido.
R – É como eu digo: o guaraná, guaraná mesmo, você tem quando você fala em fruto do guaraná, você lembra do Amazonas e você lembra de Maués. Na realidade, como eu te falei, o da Bahia também é um fruto guaraná, só que bem menos rico em princípios ativos interessantes, ao extrato de guaraná. Então, para você produzir um extrato de guaraná com o guaraná de Maués, você usa 10 quilos, vamos supor, o da Bahia talvez você tivesse que usar uns 15 a 20 quilos e não seria um extrato tão rico e nutritivo quanto o de Maués. São diferenças físico-químicas. Diferenças de solo.
P1 – Existe algum outro lugar em que as condições de produção sejam tão propícias quanto lá?
R – Não, que a gente conheça, não. Para mim é lá, e acabou.
P1 – O guaraná tem muitos usos além da transformação em refrigerante. Os indígenas, por exemplo, utilizavam como estimulante, como o senhor disse, e o senhor conhece o guaraná muito bem. O senhor o consome de outras formas? E como adquiriu esse hábito, em caso positivo?
R – Olha, foi depois que eu estive, depois que eu entrei na Antarctica, quando eu realmente fui para a fábrica de essências trabalhar lá. Então, o costume do pessoal era sempre pegar um pouquinho de pó de guaraná de manhã, colocar numa água quente, agitar, deixar lá durante uma hora, duas, e depois mexer e tomar. Foi lá que eu adquiri o hábito, e eu parei com esse hábito agora, nesse ano, quando eu tive esse probleminha, que precisei colocar um stent. Parei, mas mais por uma questão de não acelerar muito a circulação. Agora, depois, eu volto a tomar.
P1 – O senhor acha que faz bem?
R – Faz bem, com certeza, bem, bem.
P1 – Existem dentre essas coisas, de que existem vários usos, existe também uso para a indústria farmacêutica do guaraná. O senhor tem conhecimento se isso traz alguma dificuldade na questão do comércio, para a cidade de Maués, de ser concorrência na questão da compra e da produção?
R – Olha, problema nós temos, porque o guaraná é vendido em dólar, o preço dele é em dólar, então, aí vai muito da negociação que você faça. Comprar previamente a produção deste ou daquele produtor fora da fazenda.
P1 – Quais são os principais concorrentes da AmBev, nesse quesito?
R – A Coca-Cola.
P1 – Mais do que a indústria farmacêutica?
R – Mais, mais do que a indústria farmacêutica, porque a indústria farmacêutica ela pode usar o da Bahia perfeitamente. Você paga menos.
P1 – Dá para ter uma ideia de proporção? O senhor tem uma ideia de proporção?
R – Olha, um princípio ativo, vamos supor... Ah, você fala proporção?
P1 – De preço entre a Bahia e Maués hoje.
R – Duas vezes menos a Bahia. Duas a três vezes menos. Você paga seis dólares, vamos supor, ou oito dólares o guaraná de Maués, você vai pagar uns dois dólares e meio o da Bahia.
P1 – E como a AmBev tenta garantir a continuidade da produção, essa coisa do trabalho da Fazenda Santa Helena, a aproximação com a prefeitura, a tentativa de identificação com a comunidade local? O senhor também identifica como tentativas de instrumentalizar essa manutenção do escoamento da produção para a fábrica de refrigerantes ou existem outros métodos?
R – Não, por exemplo, a AmBev, ela, vou dizer pós-fusão, eles fizeram, vou voltar um pouquinho... A Antarctica, ela dedicava sim uma atenção especial à cerveja e uma atenção especial ao refrigerante, só que, como o refrigerante guaraná e os demais ocupavam para a Antarctica uma posição tranquila, não havia uma atenção muito especial com relação a Maués. A fazenda produzia o que tinha que ser produzido, estava bom, através desses incentivos com esses produtores. De uma forma ou outra, eles vendiam para a Antarctica a produção. Agora, quando foi a fusão, a Brahma, na época, procurou investir em tecnologia. Então, o que é que ela fazia, como eu já te expliquei: ela supria os pequenos produtores com medidas e com algumas mudas que já eram bem mais, vamos dizer assim, uma produção de mudas bem mais avançadas, produziam mais fruto e hoje você pode chegar a até dois quilos de semente, de fruto guaraná por um pé. Antigamente, não existia. Isso trouxe um vínculo do produtor para com a AmBev e para com a prefeitura. Então, eu vejo nisso, vamos dizer assim, uma continuidade, isso que a AmBev tem procurado fazer.
P1 – Deixa só eu entender uma coisa: pelo que o senhor está falando, antes da fusão, grande parte da produção que a AmBev necessitava, pelo que o senhor conhece, vinha da fazenda. É isso?
R – Na realidade, a fazenda, ela supre, sempre supriu. Hoje, ela supre uns 30 por cento da necessidade da AmBev, o resto você tem que pegar nos produtores, por isso que ela resolveu investir nos produtores. Hoje, o foco que se dá ao guaraná na AmBev é muito maior que o que se dava ao guaraná na Antarctica.
P1 – A gente já comentou um pouco sobre essas coisas, mas, desses vários projetos que estão em curso em Maués, um dos mais importantes é a questão do guaraná clonado, é uma evolução, digamos assim, dentro desse planejamento da AmBev de interferir na produção para obter um aumento de produtividade. Dentro desses vários projetos em curso, esse impacto desses vários projetos em curso, conhecendo a cidade de Maués, o que é que o senhor imagina que deve mudar para melhor e para pior na cidade de Maués nos próximos anos?
R – Olha, já que você citou esse assunto de clonagem, até a última palestra que nós demos para os trainees ou para um grupo de pessoas que veio da Bélgica, era proibida essa palavra “clonagem”. Então, antes da apresentação, todo mundo dizia: “Pode falar tudo, só não me fala em clonagem.” Tudo bem, então, você está falando agora, eu estou até me admirando. É um ponto positivo porque hoje você consegue tirar até quase dois quilos de semente, de fruto, de um pé de guaraná. Então, eu vejo um ponto positivo, onde eu vejo que as pessoas vão poder ganhar mais, onde eu vejo que a cidade vai ter uma certa prosperidade.
P1 – E os negativos?
R – Eu não consegui pensar em pontos negativos ainda porque eu estou olhando só, vamos dizer, o lado de prosperidade, o lado de você ter maior quantidade de semente etc.
P1 – Eu falei da questão do guaraná clonado porque nossa produtora foi há pouco tempo lá, ela trouxe alguns encartes da Embrapa que têm patrocínio, na época, acho que ainda da Antarctica, se eu não me engano. Ainda é da época da Antarctica, e eles usam o termo “guaraná clonado”. Por que esse estranhamento? Porque para mim é uma surpresa que haja uma questão na AmBev de falar: “Não é legal falar em clonado.”
R – Eu também não sei porque, pra mim, isso é uma coisa comum. Não sei se esse termo “clonagem” ainda é uma coisa estranha às pessoas, né? Não, vou clonar um cabrito, um carneiro, vou clonar um guaraná, vai dar o mesmo problema, sobre diversas coisas. Acho que o trigo também teve esse próprio problema. Então, eu acredito que isso ainda, na cabeça de muitos, é um problema.
P1 – O guaraná clonado é um transgênico, ou não?
R – Aí é que está. Muitos veem isso, e por isso talvez a forma de tanto sigilo, porque na cabeça das pessoas seria um transgênico. Para mim, não.
P1 – Seria o que o guaraná clonado?
R – Seria, no meu ponto de vista, uma forma de você fazer com que uma árvore produza mais do mesmo fruto, sem problema nenhum à saúde.
P1 – Mas com que método?
R – Aí, eles usam um método nosso, salvo engano meu, é o estacamento, que eles usam isso. Não teria problema nenhum.
P1 – O senhor poderia explicar um pouquinho o que seria o estacamento dentro do que o senhor conhece?
R – Conheço muito pouco para te falar alguma coisa. Poderia te falar alguma coisa errada e eu prefiro não falar.
P1 – Então, Seu Henio, para finalizar, eu só gostaria que o senhor dissesse pra gente o que o senhor achou de contar essa história, um pouco sobre Maués, sobre a sua experiência em Maués.
R – Como eu expliquei para você, eu me sinto assim, me senti contente de poder falar alguma coisa, contente de poder ajudar alguma coisa, mas ao mesmo tempo muito receoso porque, como eu te disse, eu conheço muito pouco dessa história. Maués sempre foi um mito. Maués, fazenda, sempre foi uma coisa que a alta direção da Antarctica cuidou pessoalmente. Nós não tínhamos ingerência alguma sobre a fábrica de extratos e sobre a fazenda. Era sempre a diretoria industrial ou a diretoria de produção de refrigerante, sucos e essências, que era o Senhor Orlando de Araújo. A única coisa que eu tive, que eu fiz foi, na realidade, com a fábrica. Montar um concentrador lá para que você pudesse fazer em Maués um extrato mais concentrado de guaraná, para você evitar com isso contaminações, para você otimizar o transporte. Você estava transportando mais extrato pelo mesmo valor, você transportava menos extrato pelo mesmo valor, foi isso que eu fiz. Mas, para mim, foi muito bom recordar algumas coisas e reviver algumas coisas.Recolher