Projeto Conte Sua História – Celebração do Sorriso
Depoimento de Claudio Amaral
Entrevistado por Márcia Trezza e Lila Schnaider
São Paulo, 07/08/2017
Realização Museu da Pessoa
PCSH_HV575_ Cláudio Amaral
Transcrito por Liliane Custódio
Revisado por Viviane Aguiar
P/1 – Claudio, a ge...Continuar leitura
Projeto Conte Sua História – Celebração do Sorriso
Depoimento de Claudio Amaral
Entrevistado por Márcia Trezza e Lila Schnaider
São Paulo, 07/08/2017
Realização Museu da Pessoa
PCSH_HV575_ Cláudio Amaral
Transcrito por Liliane Custódio
Revisado por Viviane Aguiar
P/1 – Claudio, a gente vai começar a entrevista. Fale o seu nome inteiro, onde você nasceu e quando.
R – Tá. Claudio Pacheco do Amaral, nasci em São Paulo em 23 de junho de 1947.
P/1 – Claudio, o nome dos seus pais.
R – Orlando Pacheco do Amaral e Florisbela Miguel do Amaral.
P/1 – Qual a origem deles?
R – Meu pai, origem portuguesa, embora brasileiro. A minha mãe, portuguesa, veio pra cá com seis anos de idade.
P/1 – E a atividade do seu pai, a principal?
R – Meu pai, já falecido, meus pais já falecidos, meu pai era alfaiate. Depois teve negócios, mas a profissão dele era alfaiate.
P/1 – E sua mãe?
R – Minha mãe, do lar.
P/1 – Seu pai, os negócios depois foram ligados à alfaiataria?
R – Não, não, não. Eu acho que com o tempo de roupas – todas elas hoje – industrializadas, a alfaiataria ficou mais distante. Aí ele teve mercearia, teve negócios, mas saiu da alfaiataria.
P/1 – Quais as lembranças que você tem do seu pai de quando você era criança?
R – Olha, acho que a gente saía pra ver determinados... Tipo, jogos. Corintiano, me levava pra assistir a jogos. Mas a gente não tinha uma vida assim muito social, ficava muito mais nas brincadeiras de rua com os amigos. Os pais eram um pouco mais reservados.
P/1 – Mas, assim, dele?
R – Não, dele... É uma pessoa que eu guardo com muito respeito e, de certa forma, muito orgulho, uma pessoa muito sincera, uma pessoa com os princípios muito fortes, de honrar os compromissos, isso ele passou muito forte pra gente, que isso daí a gente sempre teve. Independente da condição socioeconômica, a gente sempre teve isso como um princípio muito forte, respeito, e isso me deu sempre um grande orgulho, que eu trago na minha vida até hoje e passo para os meus filhos.
P/1 – E da sua mãe? O que ela te deixou, lembranças?
R – A minha mãe era uma pessoa muito simplória, muito trabalhadora, muito simplória, uma pessoa que tinha a palavra certa para o momento certo, uma sabedoria incrível. E a simplicidade dela sempre a fez estar dentro de um ponto em que todo mundo tinha um querer de estar junto com ela, porque ela transmitia essa simplicidade na verdade, uma sabedoria muito grande. Eu vejo isso.
P/2 – De que forma você se lembra dessa sabedoria?
R – Apesar de ter pouco estudo, eu acho que ela colocava as coisas num pensamento pra pessoa fazer uma reflexão. Não vou buscar agora detalhes, mas ela passava naquele momento certo, uma pessoa muito religiosa, sempre colocando acho que Deus dentro de uma palavra. Mas eu acho que ela era calma, tranquila. Nunca vi a minha mãe brigar com ninguém, com as irmãs, com ninguém, se davam muito bem. Perderam os pais muito cedo, então, eram muito próximas todas elas. Então, isso sempre passou pra nós, pra mim, para os meus irmãos, nós sempre estarmos unidos. Eu acho que isso foi uma forma que ela nos educou.
P/1 – Cláudio, você lembra alguma situação que ela falou a palavra certa pra você, no caso?
R – Eu, quando fui casado, me separei, ela sempre me apoiou, mas sempre colocou pra eu pensar o que eu estava fazendo com a vida. Já tinha dois filhos do primeiro casamento e depois eu fui pra outro casamento. Eu fui entender um pouco do que ela colocou... É o tempo, não tem jeito, a idade, uma série de fatores, ambientes, que a gente não leva isso em consideração, mas eu colocaria que ela me posicionou, se eu estava tomando o caminho certo, mas qual fosse, ela estaria sempre me apoiando. Mas ela sempre foi muito querida tanto pela minha ex-esposa, ou ex-esposas, ela sempre foi muito querida.
P/1 – Cláudio, você falou das brincadeiras de infância.
R – Sim.
P/1 – Do que mais você gostava de brincar?
R – Jogar, jogar, jogar bola, normalmente. Eu comecei a trabalhar muito cedo, por uma opção minha, estudar e trabalhar. Quando eu fui para o ginásio, eu tentei passar isso pra fazer um período à noite, pra que eu pudesse trabalhar. Trabalhava no centro, pegava ônibus, meus pais não tinham carro, não tinham nada, e entregava o envelope de salário, que a gente recebia em envelope, para o meu pai. Então, o meu dinheiro para ir para o cinema, eu engraxava sapato. De domingo de manhã ia com meus avós e minha mãe à missa das seis horas da manhã, um lugar lá na Pompeia. O bairro da Pompeia, como Perdizes, aquela região, ela tem um desnível muito grande, as ruas, e a igreja fica bem no alto, então, a gente ia até... Morava ali bem próximo, onde é o campo do Palmeiras, ia até a igreja, isso pra assistir à missa das seis horas da manhã. Voltava, tomava café e ficava até a hora do almoço engraxando sapato. Era o dinheiro do cinema. Não que isso foi imposto, nada, mas eu queria ter a liberdade do meu dinheiro. Tinha uns amigos, e a gente fazia esse evento. À tarde, a gente ia pra cidade pra pegar um cinema, alguma coisa assim.
P/1 – Quantos anos você tinha, mais ou menos, nessa época de engraxate?
R – Treze anos, por aí, 14.
P/1 – E você, fazendo essa atividade de engraxate, você se lembra de alguma história pitoresca, engraçada?
R – Não. Acho que sujava a meia das pessoas. Depois eu aprendi que tinha que pôr um papelãozinho, mas isso a gente aprende. Também a gente brincava bastante com isso, era uma farra.
P/1 – Eram vários amigos que faziam isso?
R – Dois amigos faziam isso. Mas eu acho que depois cada um fazia alguma coisa pra ter o seu dinheiro. Teve uma vez, a gente foi para o cinema, Cine Metro, que ficava bem no centro, ali na São João, e nós estávamos em três: um deles, o Rubens, que era um amigo meu, japonês, hoje ele é médico, tinha o Zequinha, o José, e eu. E, na volta, o Rubens: “Vamos comer um pastel?” Foi pegar um pastel, só que ele tacou pimenta, e aí ele teve que pedir alguma coisa, pediu um guaraná lá. Conclusão: não tínhamos dinheiro pra voltar, porque era o dinheiro pra voltar. Aí tivemos que voltar a pé lá do centro, lá da Avenida São João, até o bairro da Vila Pompeia.
P/1 – Uma bela caminhada.
R – Mas tudo é farra, então, foram bons momentos.
P/1 – E, daquela região do centro, vocês tinham 13 anos, como vocês se movimentavam ali?
R – Não, isso pode ser um pouquinho já mais... Acho que uns 15 anos, por aí. A gente tinha um time de futebol, que a gente montava, então, era muito mais discutir futebol, e alguns bailinhos que a gente participava. Mas acho que, numa determinada época, era muito mais futebol do que as meninas, namoro. Depois começa. Eu comecei a namorar com 16 anos, mais ou menos, só que eu namorava, que depois veio a ser a minha esposa, a Vera. Ela morava lá no Cambuci, eu morava bem distante, então, dependia de condução, tudo. Mas a gente se movimentava bastante no bairro. Normalmente com eventos, porque tinha festas, festa junina, algumas festas na região, a gente se movimentava. Mas era uma vida muito de estudar e trabalhar, e o que sobrava era pra gente poder ter um pouco da atividade do lazer.
P/1 – A gente vai falar depois do seu estudo, do seu trabalho. Mas como você conheceu a sua esposa? Como foi esse encontro? Foi a primeira namorada?
R – Considero como primeira namorada. Eu estava num apartamento lá em Santos, no Gonzaga, e a conheci lá, num apartamento de uma tia, irmã do meu pai. E eu desci numas férias em janeiro, por aí, e conheci a Vera, e a gente depois começou a namorar, sendo que ela morava distante, e a gente se via só fim de semana. E ela também estava estudando. Eu terminei o colegial, também o colegial, aí eu fui pra Engenharia, ela foi fazer Psicologia. Então, a gente estava estudando. Quando a gente se casou, depois de formados, que ela estava no último ano. Aí veio o casamento.
P/1 – Você disse que começou a trabalhar muito cedo. Além dessa atividade como engraxate, como você...
R – Não, engraxate era um extra, vamos dizer. Eu trabalhava com carteira assinada, tudo, numa empresa chamada Tintas Ideal, como office boy, depois eu fui trabalhar em Tintas Ipiranga. Tinha um tio que trabalhava nessa empresa, era uma pessoa que a gente tinha uma proximidade muito grande, casado com a minha tia, irmã do meu pai, e nós abrimos uma loja de tintas. Eu acabei saindo do emprego e entrei como sócio nessa loja com ele. Só que depois a gente abriu uma segunda loja, isso na Lapa, e ele não tinha o nome dele dentro da empresa, porque ele trabalhava... E eu fiquei tomando conta. Mas não deu certo. Isso a gente, depois, com o tempo, fechou essas lojas. E aí eu estava no final, já fazendo o curso de Engenharia, eu fui fazer estágio e trabalhar numa empresa de engenharia.
P/1 – Conta como foi esse começo de trabalho. Você tinha quantos anos?
R – Na?
P/1 – No primeiro trabalho com carteira assinada.
R – Carteira assinada, 12 anos.
P/1 – E como foi o primeiro dia de trabalho? Como foi? Você lembra?
R – Olha, foi ali na Líbero Badaró, onde tinha um prédio lá, que eu nem sei se tem mais, que era o Banco de Boston, um prédio verde. E lá chamava atenção, que a gente pisava, abria as portas, ficava olhando aquilo. Mas com todo o cuidado e a educação que eu recebi, uma pessoa que foi o meu chefe, o seu Francisco Maraccini, ele logo foi com o meu jeito de ser e me adotou. E aí eu trabalhei acho que, não sei, uns seis meses, aí ele já me colocou como chefe dos office boys. Então, eu que distribuía toda a... Eu era muito rápido pra fazer as coisas, ele então me colocou pra fazer a distribuição das tarefas. Eu fiquei lá acho que uns três anos, depois eu fui pra Tintas Ipiranga.
P/1 – Desculpa, eu te cortei, mas, como office boy, de novo, tem alguma situação que você até hoje lembra, que foi marcante?
R – Não, não, não. Era muita correria, porque tinha que fazer uma série de tarefas andando por dentro de São Paulo, conhecendo um pouco as ruas, que eu não conhecia, então – eu só conhecia o trajeto de casa. Mas não tem nada assim... Eu fiz um esquema de trabalho, de distribuição das tarefas.
P/1 – Mas pra você ser escolhido em tão pouco tempo, alguma coisa era um pouco diferente, ou não?
R – Ah, era diferente, a gente ficava atento muito, porque a grande preocupação era o tempo de fazer as tarefas e chegar no tempo certo, porque tinha que voltar pra casa porque tinha escola. Então, era muita correria. Mas não tem uma coisa assim muito marcante, não. Não lembro. Não lembro. Não tenho memória disso, não.
P/1 – Por que você quis trabalhar tão cedo, além de ter a sua independência pra sair? Teve algum outro motivo?
R – Não. Veja, meus pais eram simples, minha irmã estudava, tinha uma bolsa de estudo, ela é mais velha dois anos do que eu, e eu queria ter um pouco do meu dinheiro também e ajudá-los, principalmente. Acho que foi uma forma. E também ter o que fazer, porque, senão, tinha que ficar na rua. Eu preferia mais trabalhar a estudar. Na verdade, não vou falar que era uma fuga, mas eu conseguia conciliar tudo isso.
P/2 – E brincar? Você preferia mais trabalhar a brincar, ou... Como era? Como eram os amigos?
R – Não, é diferente. Quando eu vejo o meu filho hoje, que tem 16 anos, acho que... Eu não vou falar em responsabilidade, que é difícil mensurar isso, mas o envolvimento com as coisas é diferente. Hoje eles estão... Não sei se eles têm... Eles têm a informação, não sei se eles têm muito o conhecimento. Então, a gente tinha que ir à biblioteca, fazer um monte de coisa, às vezes não dava muito tempo pra brincar, não. Mas eu era feliz. Eu acho que a gente fazia aquilo que estava gostando, que era jogar bola, depois o bailinho, essa história. Não foge muito disso.
P/1 – E jogando bola, teve algum episódio?
P/2 – Teve algum momento que, quando você olha pra trás hoje, na infância, você sorri, que você: “Ah, tenho uma lembrança assim”?
R – Tem várias. Bom, vou contar um causo aí, que meu pai gostava de tomar vinho. E eu fui com esse meu amigo japonês, o Rubens, em São Roque, mas a gente tinha jogo, mas o meu pai pediu, então, a gente foi bem cedo. Pegou o trem, foi até São Roque, chegamos lá, estava fechado. Esperamos abrir, pegamos os vinhos lá, os garrafões, e voltamos, mas desesperados pra chegar na hora, porque tinha jogo. O trem quase parando na estação aqui, na Estação da Luz, da Sorocabana, aliás, uma das alças quebrou, a gente quebrou o vinho. Aí foi difícil. Foi difícil explicar isso tudo. A gente não queria perder o jogo, enfim, mas a gente conseguiu acho que três garrafões, um só que a gente aproveitou. Houve um pouco de molecagem na forma que a gente levou aquilo.
P/1 – É que você disse que gostava muito do futebol, então, por isso que a gente pergunta se teve no futebol alguma...
R – Não, o futebol é o corriqueiro de jogar sábado de manhã, sábado à tarde, domingo. A hora que era possível, estava jogando. Na rua, carrinho de rolimã, essas coisas a gente sempre fez, as brincadeiras de rua mesmo. O que existia muito eram turmas. As turmas às vezes brigavam entre elas. A turma de um determinado local, se passava lá, a turma da João Ramalho, se passava lá, briga, não sei o quê. Mas eu nunca fui muito disso daí de briga, a nossa turma era meio pacífica, nunca esteve envolvido com isso. Mas a gente tinha carrinho de rolimã, descia a Rua Tucuna, que é uma rua bem acelerada, e teve vários momentos assim. Iam seis ou sete num carrinho, depois, na hora de brecar, passou nos dedos de um, machucou muito, como também um chegou ao final, foi fazer a manobra, todo mundo caiu, ele quase que um carro pega. Mas eram fases.
P/1 – Sete num carrinho só?
R – Um carrinho só. Era enorme, uma tábua. Era farra. Era farra. Na frente, um ia pilotando.
P/1 – Você jogou futebol até muito...
R – Não. Depois foi diminuindo. Mas eu joguei, joguei um pouco de basquete também, mas não tinha muitas condições de tempo pra poder fazer isso.
P/1 – Você começou a estudar à noite também nessa época?
R – É. Eu fiz meu grupo escolar em colégio do governo, fiz o meu colegial também. Depois, como eu trabalhava numa empresa de tintas, eu fui fazer Química, que era correspondente ao científico, um curso técnico, isso porque eles custeavam isso. Depois de lá, eu vi que Engenharia era o que eu gostaria de fazer, aí eu prestei, fui para o Mackenzie fazer Engenharia.
P/1 – E da escola, você tem lembranças que hoje também quando você lembra, você sorri?
P/2 – Qual a sua primeira lembrança da escola?
R – Olha, a primeira lembrança, eu tive professores fantásticos, queridos, mas tinha uma professora, Bernadete, ela era louca por um presentinho pra passar de ano. Mas ela era muito brava. Muito brava. Era brava. Então, uma vez eu discuti um pouco com ela. Mas nunca tive suspensão, coisa assim mais severa, não. Acho que levei a minha vida tranquila dentro da escola. Fazia as tarefas, mas a minha irmã, que era e é uma pessoa muito estudiosa, mas muito estudiosa, pra usar como referência, era oito ou 80. Então, eu tenho um grande orgulho dela, mas cada um tem a sua forma de ser. Mas ela... Tanto a mim, quanto o meu irmão, eu tenho um irmão com dez anos de diferença, mais novo, é o terceiro, somos três. E ela sempre puxou muito, exigência como professora mesmo, principalmente dele. Comigo também ela é exigente.
P/1 – E, na escola, você trabalhando durante o dia, tinha alguma situação que... Havia algum conflito, você trabalhando e estudando à noite?
R – Não.
P/1 – Tranquilo?
R – Não, não, não. Era puxado.
P/1 – E foi assim até o colegial?
R – Foi até o colegial. Na faculdade, fiz um período durante o dia, um período à noite também. Tinha que trabalhar.
P/1 – E como você conseguia conciliar?
R – Era difícil. Eu saía do Mackenzie ali na Consolação, eu subia esperando o ônibus, não tinha ônibus, passava de hora em hora. Enquanto não passava, ia subindo a Consolação, às vezes ia pegar lá em cima, lá no cemitério, lá no Araçá, o ônibus, que ele acabava vindo. Mas eram outros tempos. Imagina você hoje ficar andando numa rua a essa hora da noite. Mas levando. E no dia seguinte sempre acordando cedo. Eu sempre dormi muito bem pra não dormir muito. Sempre dormi cinco, seis horas, mas dormindo bem.
P/1 – Por que você escolheu mesmo fazer Engenharia? O que te levou a isso?
R – Olha, eu tenho um pouco do meu avô, pai do meu pai, ele também sem nada de educação, ele construiu casas, ele fazia a própria tinta pra pintar. Eu assisti um pedaço, mais para o final da vida dele, mas era uma pessoa que a história que ele contava, o que ele fazia, isso me influenciou. O meu irmão também é engenheiro civil. Isso acho que foi um passo. E eu sempre... Arquitetura, eu sempre gostei dessa área. E aí fui fazer Civil. É uma área difícil. Eu peguei numa época muito boa, que era a construção dos metrôs nos anos 70, então, tinha bastante emprego, tinha bastantes oportunidades interessantes, principalmente, como referência, a própria Escola Mackenzie, que era uma escola que, principalmente na área de Civil, eram os diretores, os presidentes também fizeram Mackenzie, mackenzistas. Então, tinha esse contexto mesmo, uma marca. Mas eu fiquei um tempo na construção e gostei, mas depois eu comecei a entrar um pouco na área administrativa.
P/1 – Então, antes de você entrar na área, você na faculdade...
R – Lá dentro da construção.
P/1 – Na faculdade, no Mackenzie, conta um pouco como era o cotidiano, se tinha momentos também que hoje te fazem lembrar. O convívio com os seus colegas.
P/2 – Como era com os amigos? Você tinha uma turma?
R – Sim. Tinha uma turma. Mas, como era muito trabalho, era diferente. A gente acabava se reunindo em alguns momentos, sábado ou domingo, pra estudar ou pra fazer trabalhos. Muito puxado. Ou cada um fazia o seu, depois a gente... E determinadas situações, a gente saía muito tarde da escola, era difícil a gente ir pra algum lugar, como hoje é normal com carro, com outras... Eu vejo pelos meus filhos se reunirem mais. A gente tinha dificuldades, cada um com um propósito, cada um com seu momento. Uma turma que, no decorrer do tempo, alguns foram desistindo, foram mudando de área. Na Engenharia, você pode buscar no segundo ano, a partir do segundo ano, outras especialidades também. Mas o Mackenzie são prédios antigos, aquela escadaria de madeira, quem chegava atrasado à escola, a gente já sabia que, vindo subindo na escada, aquele barulho. Algumas coisas que a gente pode falar do prédio, dos professores, enfim, mas dentro de certo normal, não vejo nada especial, não. Acho que foram épocas, e ainda depois o namoro, então, era muito corrida a vida. Muito corrida.
P/2 – Namorou muito durante a faculdade?
R – Não, só namorava... Uma namorada só, não dava tempo mais do que isso.
P/1 – (risos) Que foi aquela com que depois você casou?
R – Sim, sim, sim.
P/2 – E foi difícil conquistar? Como foi essa conquista?
R – Não.
P/2 – Ou ela te conquistou?
P/1 – Começou com 16 anos?
R – É. Foi lá em Santos. Gozado, de janelas, mais ou menos, fizemos sinal, depois descemos, é sorvete, é isso, aquilo, e a gente começou a namorar. E aí brincava: “Não, namoro não sobe a serra, é só coisa do verão”. Mas a gente namorou bastante tempo, casou. Mas era só fim de semana e olhe lá, tinha que estudar também. Não tinha jeito.
P/1 – E você trabalhou na Tintas Ipiranga, e depois como foi? Pra onde você foi? Ah, teve a loja...
R – Eu tive as lojas, depois das lojas, eu fui já pra Engenharia, pra fazer estágio. Trabalhei numa empresa, Lopes Engenharia, depois da Lopes, fui chegando a gerente. Depois eu trabalhei uma época na JHS e aí eu fui pra indústria, fui pra Brasimet. E lá eu tinha algumas obras de reformas, algumas coisas, mas eu fui entrando na área administrativa, inclusive com o RH [Recursos Humanos].
P/1 – Cláudio, enquanto ainda engenheiro, você trabalhou em construções grandes?
R – Não muito grandes, não. Algumas industriais, indústrias de porte médio, mas distante às vezes, fora de São Paulo. Com filhos pequenos, eu ia e voltava no mesmo dia. Em Cachoeira Paulista, em Piquete, que fica quase saindo de São Paulo, enfim, distâncias aí. Eugênio de Melo, uma obra da Ericsson, enfim, mas eu ia e voltava.
P/1 – Eram prédios?
R – Não, era tipo indústria, galpões.
P/1 – E nessa...
R – Construí um prédio em Lauzane Paulista, esse da Paulista que eu comentei com vocês. Prédios, menos.
P/2 – Como foi construir na Paulista? Em que época foi isso?
R – Isso aí foi em 1983, quatro, por aí. 85.
P/2 – E como foi na Paulista construir um prédio, ali no meio da avenida?
R – A Paulista, naquela época, hoje também, mas na época era o preço do metro quadrado mais caro do Brasil, acho. Era comparado com Nova York, alguma coisa assim. Era onde estavam os grandes bancos. Depois foram descendo, foram pra Berrini, pra Faria Lima, enfim, foram saindo da Paulista. Mas era um lugar de muita movimentação, então, com trânsito, com tudo. A área da construção era uma área relativamente apertada pra fazer um canteiro de obra. Então, foi um momento que a empresa construía McDonald’s, a JHS, e de repente foi construir esse banco ali. Então, tinha que fazer todo um tapume diferente, “homens trabalhando” desenhado. Aí, um dia, durante uma época de eleições, picharam todo esse tapume, como picharam também o museu que fica ao lado ali, na própria Paulista. Isso revoltou muito todo mundo ali, porque acabou de pintar, acabou de deixar tudo bonitinho pra fazer um momento da empresa ali na Paulista, que era muito cobiçada entre as construtoras, de repente pichada e tal. Teve alguns eventos ali. Teve uma vez um... Nós tínhamos ali no canteiro de obras uma placa da construtora, e tem ali um jardim, e esse jardim, desde o tempo, acho que foi na prefeitura do Setúbal, ele colocou plantas ali na Paulista, e com engenheiros agrônomos. Enfim, ele qualificou toda aquela Paulista, foi toda ela catalogada. E um diretor nosso lá, um dos sócios passou e viu que uma árvore estava atrapalhando o luminoso nosso lá, ele queria que cortasse. Eu falei que não iria cortar, aí tivemos alguns probleminhas nisso aí, porque aquilo não podia mexer, aquilo lá era uma reserva toda catalogada e não podia ser alterada. Mas foi tudo resolvido.
P/1 – E qual foi o desfecho? Conta um pouco como foi isso.
R – Não, não foi, ficou. Não teve jeito. Não teve jeito. Porque, se mudasse a posição da placa, do luminoso, iria sair um pouco do sentido dos carros que passam pela Paulista. Aí não ficaria bem na esquina, ficaria somente num lado. Então, ficou do jeito que ficou, mas sem alterar o plantio.
P/2 – E que sentimento te deixou ter conseguido isso? Como foi depois? Foi uma briga? Você teve que batalhar pra deixar a árvore? Conta um pouquinho disso.
R – Não, no primeiro momento foi uma sensação de revolta pela forma mandatória que ele fez, depois houve a minha explicação, mas com outras pessoas dentro da própria empresa. Acho que viram que era um absurdo fazer isso, e ficou, parou o assunto. Mas no primeiro momento foi revoltante.
P/2 – E num segundo momento?
R – Eu achei que estaria fora, inclusive, da própria empresa, mas fiquei.
P/1 – Você casou nessa ocasião, trabalhando nessas empresas? Como foi seu casamento?
R – Eu me casei três vezes: duas, e mais recente aí, já há três anos, vão fazer, outro casamento. Tenho quatro filhos: primeiro, um casal de filhos, tem o Felipe, que é o mais velho, depois tem a Juliana. O Felipe tem 40 anos, a Juliana tem 38. O Felipe tem um casal de netos, o Henrique e a Gabriela. A Juliana casou depois, faz o quê? Dez anos atrás. Ela tem um filho que tem dois anos. Ela demorou um pouco. Achava uma pena ela não ter filhos, mas a decisão é do casal, não é minha, porque são muito ligados aos irmãos e aos sobrinhos, enfim. E tem uma criança fantástica, que é o Diego, dois anos. Uma coisa que eu tenho muito orgulho desses quatro filhos, são de duas mães, e eles se amam. Eles se amam muito, então, é uma coisa que eu tenho um grande orgulho, porque eles se dão muito, se falam muito, então, isso tem um ambiente muito tranquilo entre eles.
P/2 – Você acha que tem... Fez parte da tua educação fazer com que eles se amassem? Com a educação que você deu pra eles.
R – Isso vem da minha mãe. Da minha mãe. A minha mãe, acho, plantou na gente estar unido. Eu acho que a gente passa um pouco disso com os meus irmãos, cada um vive da sua forma, mas sempre unidos. E eles estão unidos. Eu acho que favorecido também um pouco pelas mães, é lógico, mas eles se dão muito bem.
P/1 – Os outros dois, fale dos outros dois, a idade, o nome.
R – Os outros dois, eu nem pensava em ter mais filho, já tinha um casal. Depois conheci, um pouco mais à frente, saí do casamento com a Vera, conheci a Sofia. E trabalhava, trabalhava na Brasimet, depois nos casamos. Na verdade, não nos casamos de início, não. Não nos casamos de início porque a Vera teve um momento lá com câncer, isso mexeu muito, mãe dos meus filhos, estava no meu plano, enfim. A gente demorou e depois a gente veio a casar. Mas, antes disso, ela queria muito ser mãe, a Sofia. Eu também gosto de crianças, então, a gente teve o André, que tem hoje 21 anos, nasceu em 96. Depois, mais à frente, mudamos pra Vinhedo, construí lá. Minha casa também foi com construção, embora não estando como construtor, mas eu fiz a casa lá, construímos e mudamos pra Vinhedo. Ele estudava lá no Porto Seguro de Valinhos, o André, aí a gente teve o Vitor. O Vitor tem uma situação muito especial. O Vitor nasceu de 27 semanas, cinco meses e meio, então, os últimos meses da Sofia, ela ficava em casa, e eu que fazia o enxoval, ia aos lugares, por foto, tudo, ia fazendo as compras de um prematuro. Ele foi nascer lá em Campinas, no Vera Cruz, é um hospital muito bom. E não tinha condições nem de pegar, mesmo que fosse ambulância, alguma coisa, pra chegar até São Paulo, no São Luiz, ou no Einstein. Aí nós fomos lá para o Vera Cruz. E foi uma coisa muito interessante. Ela ficou lá de um dia para o outro, e depois, uma noite lá, um médico que a gente ficou conhecendo também anteriormente, que ela teve uma hemorragia, o doutor André, muito jovem, que o médico aqui em São Paulo falava pra ele: “Não tenta ser herói, não. Não vá pôr em risco a mãe. Tira essa criança”. E ele foi dando mais tempo, porque, cada dia mais, o pulmão, tudo, vai crescendo. E teve uma noite, às quatro horas da manhã, eu o chamei, falei: “Não dá mais”. Ela estava sangrando muito. Então, quando ele subiu, era difícil essa criança viver, era muito prematuro. E a nossa sorte foi que aquele pessoal da Unicamp [Universidade Estadual de Campinas], muito bom, a chefe estava naquele plantão, doutora Cida, e ela subiu, pois ele nasceu com vida, mas criança muito prematura tem algumas complicações iniciais, não fechavam as artérias. Depois de 15 dias, teve que fazer uma cirurgia no coração, colocar dois grampinhos, que, quando nasce, ele fecha. E depois de um mês teve que fazer também do esôfago, que se esquece de respirar e vai embora a criança, apesar de aparelhos, eles colocam em 90 graus, dão droga, tudo, mas a criança tem que ficar com um bigodinho o tempo todo, com ar. E ele na Neo UTI [Unidade de Tratamento Intensivo Neonatal] ficou três meses, até chegar... Tinha 1 quilo e 100, 900 gramas, até chegar a 2 quilos pra poder sair. Então, tomava leite por sonda, tudo. E a gente todo dia estava indo à Neo UTI, fazia a higienização, colocava lá os aventais, enfim, e ficava com ele lá fazendo carinho. E o André curtiu muito isso. Curtiu de certa forma. Ele ia lá e também era muito apoio pra gente naquele momento, que a gente não sabia o depois daquilo tudo, você começa a criar muito carinho pela criança. Bom, em resumo, fez 16 anos, sem sequelas, graças a Deus, foi muito bem. Então, esse daí é muito especial. Se a gente tem alguma coisa pra falar como aconteceu um milagre pra nós, esse daí foi um milagre. A família toda, ninguém esperava que acontecesse isso, e principalmente uma criança fantástica e sem sequelas. A gente que lida tanto do outro lado, há muitos anos com Down, com tudo, se Deus mandar, mandou, paciência, a gente está aqui querendo, então. Mas ele veio bem. Ele veio bem, tá aí.
P/1 – Você lembra como o André fazia com ele?
R – Ah, ele fazia coisas que era para o irmão. Ele ia lá, se vestia de médico, ele punha... Ele tinha cinco anos. São cinco anos a diferença de idade. Então, o autorizaram entrar na Neo UTI, ele ia de branco, ele: “Não, vou ver meu irmão. Sou doutor.” Cinco anos de idade. Então, ele foi muito especial, o André, nos deu uma força. Que a gente voltava de lá, hoje está bem, hoje já não está bem, hoje está bem. É ciclo, vai andando. Teve dias assim que saí logo, porque a situação está ruim, depois melhora. Então, era isso. Então, ele deu muito apoio pra gente. A gente teve dele um ponto forte nesse momento, então, foi bonito. Foi bonito. Tá aí.
P/1 – E o dia que ele saiu com vocês do hospital, você lembra?
R – Ah, foi muito especial. O hospital todo tem fotos lá dele. Quando ele fez um ano, foi aqui em São Paulo, veio uma van trazendo enfermeiras, médicos, tudo para o aniversário dele de um ano, porque mexeu com todo o hospital, foi muito emocionante. Três meses dentro da UTI, toda a história dele da forma que ele nasceu. Tem crianças que nascem também, mas sofrer duas cirurgias em um mês... Então, ele foi guerreiro, por isso que é Vitor, vitorioso.
P/1 – Muito bom. Agora conta como foi a passagem. Você falou: “Eu trabalhei como engenheiro, depois eu fui caminhando...”.
R – Fui fazer um curso na GV [Fundação Getúlio Vargas] entre a área administrativa, e aí fui entrando nessa área. Quando eu fui pra indústria, eu comecei dentro de uma área bem administrativa. E já trazia comigo também, dentro da construção, um pé muito forte de movimentar com pessoas, trabalhar com pessoas, administrar pessoas, que a gente, queira ou não queira, dentro da obra, principalmente quando é residente de obra, você depende das pessoas, senão, você não faz, não adianta ter qualidade material, ter uma série de coisa. Você precisa da movimentação. E são pessoas muito simplórias, mas eles te ajudam muito, você tem um cronograma apertado de obra. E eu fui buscando isso, e nessa área administrativa veio o RH pra mim. Eu entrei com o RH, acabei ali na região de Santo Amaro, hoje não tanto, mas na época eram muitas indústrias ali no final da marginal, indústrias de autopeças, de todos os segmentos ali. A Avon ainda está lá, mas muitas empresas já saíram de lá. E foi aí que eu conheci... Eu fui presidente de uma associação ali da região, de recursos humanos ali, Apsa, e ali eu conheci um pouco o projeto da Apae [Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais]. Eu conheci a Apae de Feira da Bondade, mas não conhecia a entidade em si. E fiquei conhecendo e comecei a montar, isso nos anos 80, a montar oficinas nas regiões norte, sul, leste, oeste, pra treinar esses meninos pra irem para o mercado de trabalho. E chegou um momento, como presidente da associação, levei presidentes a assistirem, convidei o meu presidente, um alemão...
P/1 – Dentro das empresas.
R – Muito sensível. Lá na associação, pra que eles contratassem as pessoas. E nós fomos um dos primeiros a contratar, a Brasimet foi uma das primeiras a contratar, isso sem lei de cotas como hoje tem. Nós estamos falando lá atrás. Eu, particularmente, não gosto da lei de cotas, eu acho que a sociedade tem que fazer o papel dela independente de obrigação. Tem empresas que pagam, e as pessoas ficam em casa, não agregam nada. Tá certo? É gente, consome. Temos exemplo aí da própria Colgate. A Colgate, existem cotas? Existem cotas, mas ela está acho que muito acima das cotas, porque ela abraçou muito esse projeto e ela tem vários elementos lá, principalmente da Apae, que são excelentes. Isso muda o ambiente. O ambiente fica muito mais humano, inclusive, com o sorriso deles, com a dedicação. Eles normalmente chegam antes do horário, do início, porque é uma oportunidade de vida pra eles, que às vezes a sociedade restringe. Então, a Apae cresceu com esse trabalho. Hoje, nós não temos mais essas oficinas. Chegou certo momento, a gente levou isso tudo pra um local só, que fica lá na Loefgreen. E hoje a gente tem até... Ampliou muito isso, tem milhares de pessoas que passaram pela Apae e que estão trabalhando com carteira assinada, seu salário, tudo direitinho. Porque existe uma grande preocupação dos pais, que por ventura eles venham a falecer, quem fica com eles? Porque os irmãos, se tem irmãos, às vezes têm a vida deles, quem vai cuidar? Então, a Apae, ela criou tanto na fase que é quando a criança nasce, faz o teste do pezinho, dá o diagnóstico, a gente tem estimulação precoce, que a gente chama os pais, mostra que ser humano é esse, trabalha com eles. Porque, no passado, a própria família que excluía da sociedade. E a nossa grande bandeira é a inclusão. Então, hoje tem todo esse trabalho, depois ele vai para a escola. Antes, também eram salas de aula especiais, hoje não, é sala de aula inclusive, que mistura com outras deficiências, pode ser auditiva, pode ser também física, toda a parte motora. E depois ele vai para o trabalho. Então, a gente tem dentro da Apae, tem o Instituto Apae, que é ligado à Escola Paulista de Medicina, ali, onde a gente dê cursos para professores de como trabalhar com deficientes, deficientes geral, não só... Porque hoje a gente falava deficiência mental, hoje a gente não fala, é intelectual, é uma forma diferente. E a Apae é isso, “a” é associação, “p” de pais e o “a” de amigos, excepcionais. Eu tô no “a” de amigos excepcionais, que hoje é uma deficiência intelectual. E eu fui andando e tô lá, 28 anos lá.
P/2 – E o que te levou a se interessar por isso, a se interessar em trabalhar com crianças especiais?
R – Eu acho que, quando eu conheci a entidade, que eu estava no momento na área industrial e eu vi que tinha condições de a gente fazer alguma coisa pra essa associação, primeiro, uma associação eticamente muito correta, eu fui lá, vi que ambiente era esse, da forma que eles tratavam as pessoas, eu falei: “Olha, eu quero ajudar”. E eu fui me envolvendo, fui me envolvendo, por esse lado humano que eu vinha já desde o tempo de obras, acho que foi me conduzindo pra isso daí. E aí fiquei. E acho que entrou no DNA aí. Minha filha também, eu brinco que é a minha Madre Teresa de Calcutá, também está em projetos sociais, todos eles estão um pouco envolvidos também.
P/1 – Você falou de quando você... A gente vai voltar para a Apae, mas, quando você trabalhava com pessoas nas construções, teve alguma situação que foi bastante emblemática pra você?
R – Teve. Coisa que eu era uma pessoa facilitadora com os funcionários, independente da graduação deles, servente, mestre, enfim. Mas o que eu era muito chato e exigente era com respeito à segurança. E uma vez houve um acidente, mas graças a Deus a pessoa não chegou a óbito, mas isso mexeu muito comigo. Onde eu falei, na verdade não foi nem falha, mas deixou de cumprir alguns itens de segurança, que a gente já tinha até pré-avisado, comunicado, entende? Então, construção civil, a velocidade que se faz numa obra, que é exigido no cronograma, e às vezes as pessoas estão cansadas. E a fadiga, isso tudo também era o momento que as pessoas... Acaba acontecendo um acidente. Mas, fora isso, era o prazer de estar, concluir, entregar. Isso foi prazeroso, sim.
P/1 – E, Cláudio, você falou que nessa empresa... Qual era...
R – Mas corre muito dinheiro pra fazer as coisas. Tem que fazer, tem que fazer, tem que fazer.
P/1 – Como chamava a indústria em que você começou o trabalho com essas oficinas?
R – Brasimet.
P/1 – Brasimet.
R – Isso.
P/1 – Era indústria de quê?
R – É indústria, ela fabricava fornos industriais, é uma empresa de origem alemã, embora uma empresa brasileira. Depois a Degussa, que é alemã, entrou de sócia. É Brasil Metais, Brasimet. Ela, durante muito tempo, pertenceu a um grupo estrangeiro, depois ela nacionalizou, e entrou esse grupo alemão, a Degussa. Eles tinham dois negócios: fornos industriais e tratamento térmico. Quer dizer, o forno é pra fazer o tratamento térmico. Então, algumas indústrias compravam os fornos, e outra indústria mandava fazer o tratamento térmico, eram serviços. E esse pessoal da Apae, eu levei pra lá porque eles amarravam as peças pra fazer esse tratamento, e aquilo lá é uma terapia ocupacional, porque aquele monte subindo, eles amarrando. Produtividade fantástica. Até tem um caso: a Caterpillar era ali, a Caterpillar tomou todo o cuidado, porque empresa americana, de repente vai sair na mídia que está explorando pessoas com deficiências. Eu os levei lá à Apae, eles viram, foram advogados, foi tudo, sem problema. Eles mandavam um caminhão pra fazer serviço, colocar ruelas dentro de saquinhos, de tratores, e retiravam essa quantidade no dia seguinte e levavam outra. Enfim, uma produtividade enorme. Americano, cheio de estatística até dentro da matriz, queriam saber que departamento que tinha essa produtividade. “Não, não é aqui, é lá na Apae.” Até ganhamos um prêmio, na época, deles lá, dessa oficina ali em Santo Amaro. Por quê? Colocar a quantidade de ruelas, porcas, se um trator está lá, não sei, na Amazônia, e quebra, precisa trocar, falta uma ruela, falta alguma coisa, para tudo, tem que... Sabe? Então, era assim, não só a produtividade, mas também a assertividade no processo. Então, isso qualificou muito a Apae no serviço que ela fazia. E eles ganhavam, porque isso tinha um valor, um salário. Nem falo um salário, uma ajuda de custo pra cada um deles, que vêm da periferia, pessoas bem carentes, com dificuldades. Então, se criou um mercado de trabalho. Isso daí pra mim foi muito emocionante, porque isso gerou, em momentos seguintes, o meu envolvimento com o Senai [Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial] pra ajudar a fazer projetos. Depois também, quando eu estive lá em Madri pra receber um prêmio pela própria Apae, mas era um prêmio sobre o teste do pezinho, esse trabalho que a gente fazia já era um diferencial, que a gente trocou ideias lá. Enfim, isso cresceu muito. Hoje, a gente tem aqui, no Centro Zequinha, que fica aqui na Leopoldo, tem uma área de trabalho onde eles têm um projeto como se fosse do Senai, um pouco da empresa, é bolsa, bolsista, um pouco na empresa, um pouco na Apae, um pouco na empresa, um pouco na Apae. Então, é um projeto de dois anos, com isso resolve o problema das empresas, que são as cotas. Resolve, não são autuadas, nada, e se cria um trabalho pra eles e uma remuneração pra eles. Então, a gente, tanto o Ministério do Trabalho como a Procuradoria do Ministério do Trabalho validaram e colocaram a chancela deles nesse projeto aí. Eles foram ver, é um projeto sério. Então, a gente sempre esteve envolvido com isso e iniciou lá atrás com essa forma de criar mercado de trabalho pra eles.
P/1 – Até pra falar um pouco, você que criou essa proposta, inicialmente?
R – Sim, sim.
P/1 – Conta um pouco. Como você teve essa ideia?
R – Na verdade, eles faziam alguma coisa, mas não com esse propósito de criar mercado. Então, eles pegavam as coisas pra fazer um serviço muito mais interno, colocar um plastiquinho numa ruelinha, coisa muito simplória, com poucas pessoas.
P/1 – Na Apae?
R – Na Apae. Mas muito mais pensando num contexto ocupacional, terapêutico, mexer com os movimentos também, toda a parte motora. Mas o que eu queria era criar mercado pra eles, não pensando em dinheiro, também que eles fossem remunerados, como foram, mas criar um espaço da nossa bandeira, que é a inclusão, e era a forma que a gente poderia. Então, hoje a gente vê que tem um número grande já, as empresas nos procuram, porque eles são... Eles necessitam de pessoas dentro das empresas, contratar um cadeirante, às vezes você tem que mexer no espaço físico. São excelentes funcionários quando se dão oportunidades, mas aí precisam portas, rampas, elevadores, enfim, toda a adequação. E, das últimas, das quatro mais entre o físico, o cadeirante, aí nós podemos falar também um pouco do auditivo, ou pessoas que têm uma deficiência visual, a última que é a contratação é a do intelectual. O preconceito nos leva para o último lugar da contratação. Então, a gente quebra barreiras em cima de barreiras. E alguns ainda, além de ter esse momento de uma situação intelectual, às vezes ele tem alguns momentos físicos, auditivos, eles agregam algumas coisas às vezes também. Então, hoje, quando a criança começa desde a estimulação precoce com os pais, isso é o melhor remédio que ele pode ter, que é o carinho, atenção, e ele vai ser diferente, um adolescente, um adulto, do que os outros. Hoje, a gente tem na Apae de São Paulo, quando eu falo Apae de São Paulo é que ela fica no município de São Paulo. Porque são mais de 2,5 mil Apaes, mas elas são independentes, elas são criadas nos municípios. Nós temos mais ou menos acho que uns 128 bem idosos, porque é muito precoce, eles morrem cedo. Hoje, com todos os cuidados, eles estão aumentando um pouco, às vezes ficam prejudicados, mas a gente vê que essas crianças que estão vindo agora, eles vão ser diferentes lá na frente. Eles gostam de esporte, gostam de música, gostam... A Paralimpíada, a Apae sempre teve crianças que passaram por nós que participam lá. Então, a gente tem um trabalho muito grande. Hoje, só pra ter noções, a Apae hoje tem 500 funcionários e uns 270 voluntários. Muito trabalho.
P/2 – E como começou a relação da Apae com a Colgate?
R – Bom, aí é uma relação pessoal minha com o Antônio Carlos. O Antônio Carlos, uma pessoa, um ser humano muito especial, quando eu lá atrás, antes dessas situações de leis de cotas, quando a gente tinha alguns projetos de higienização com as crianças, eles sempre nos enviaram pastas dentais. A gente sempre teve uma proximidade com eles, qualquer campanha eles estavam participando. Quando veio a situação de lei de cotas, a gente se falou e ele falou: “Eu quero gente aqui na empresa também, independente se são cinco, dez, 20, eu quero pessoas aqui.” E ele acionou toda a equipe deles, eles começaram a fazer um levantamento de atividades possíveis e começaram a trabalhar com essa... E as pessoas estão lá, estão felizes, estão há um bom tempo, normalmente ficam, são excelentes funcionários.
P/2 – Nesse tempo todo, seja na Colgate, ou fora, tem alguém, alguma história que te chamou a atenção de alguém que foi incluso, de mudança de vida?
R – Teve alguns casos que casaram, têm família, mas a gente fica um pouco distante desse dia a dia deles. Tem informações que eles estão na empresa também. A gente sempre faz esse acompanhamento, não é só colocar a pessoa e tchau. Não, a gente faz o acompanhamento. Tem situações, vamos dizer, pelo relacionamento que eu tenho com muitos RHs, amigos, enfim, fazendo parte não só de associativa, participam da ABRH [Associação Brasileira de Recursos Humanos] de São Paulo, também estou no conselho. Tem um grupo chamado G3 que é um grupo fechado de 50 diretores, vice-presidentes de RH, então, a gente conhece muita gente, e eles também sabem que eu estou na Apae. Então, um dia eu fui procurado por um diretor de uma empresa, GR Alimentação, e ele precisava, dentro da lei de cota, ele precisava de um número relativamente grande, só que a gente não tem essas pessoas assim prontas. É um trabalho muito responsável de colocar as pessoas nas empresas, e eles dentro da cozinha, mexem com coisas cortantes, enfim, precisa ver que posições. E a gente fez um projeto muito legal, e foi levado para o Ministério do Trabalho. Eles viram que tinha a chancela da Apae e eles deram ok. Nós criamos um cronograma de “x” tempo pra levar não os 200 e poucos que eles precisavam, mas um quarto disso daí, mais ou menos. Que foram criados quiosques em estação, rodoviária, aeroportos, e esse pessoal trabalhava nas lanchonetes, servindo ou ajudando fora, ou em restaurante industrial, que eles iriam às mesas, colocar os guardanapos, colocar as coisas, colocar os talheres, sempre com um sorriso. E foi um projeto que deu certo também, isso cresceu muito. Mais uma vez, pela credibilidade da instituição que o Ministério aceitou. Isso foi feito de uma forma gradativa. Então, a gente tem “n” histórias, de “n” empresas, mas eu acho que a Brasimet foi a pioneira que iniciou lá, com o projeto que iniciou. Mas, entre as empresas, a Colgate foi a que mais fez. Não é a quantidade, mas ela abraçou a causa, independente se são cinco, dez, 20, a forma que ela trabalha com os meninos, que a gente tem toda uma forma carinhosa de chamá-los, é um negócio assim fantástico. Fantástico.
P/1 – Como você descreve esse jeito diferente de tratar? Que você falou: “Não tanto pela quantidade, mas pela qualidade”. Como é isso?
R – Eu acho que é o ambiente, a cultura que tem da própria entidade da Colgate. Eu acho que é uma cultura em que as pessoas entram e ficam lá durante muitos anos. Por quê? Porque o ambiente é bom, é respeitoso. Hoje, quantas empresas tentaram às vezes tirar funcionários de lá? É difícil sair. E às vezes não é o quanto ganha, mas o ambiente que a pessoa vive. “Eu era feliz e não sabia”, mais ou menos isso. Então, as pessoas ficam durante muitos anos lá. Mas eu creio que é muito mais pela cultura. Isso eu acho que vem lá de fora, e tem muito acho que o dedo, a forma de ser do Antônio Carlos, que trabalhou, incentivou, e continua fazendo isso dentro da própria Colgate.
P/2 – Faz quantos anos que você o conhece e que a Colgate entrou pra apoiar a Apae?
R – Ah, acho que uns 15 anos, por aí, apoiar a Apae. Eu o conheço há uns 30 anos, por aí.
P/2 – E você vê uma mudança nesses anos todos da Colgate, que agora está fazendo 90 anos?
R – Olha, é uma empresa tão tranquila, a gente só a vê agregando. A gente, quando escuta do mercado, pessoas de determinadas áreas queriam trabalhar na Colgate. Pessoas que se formam ali próximo, que é a ESPM [Escola Superior de Propaganda e Marketing], o sonho delas seria trabalhar na Colgate na área de marketing, porque é uma empresa que cuida muito bem da sua marca, dos seus produtos, enfim, isso a gente escuta bastante, esse relato. Eu não sei, esses anos eles compraram a Kolynos, eles cresceram, mas é uma forma de trabalho muito tranquila lá. Eu tenho pessoas, inclusive, tenho uma afilhada minha que trabalha lá com o Antônio Carlos, acho que uns 12 anos, por aí, e trabalhava ali na Rio Grande, ali no escritório, hoje ela está no Jaguaré. Quando eles passam às vezes por uma pequena turbulência, que têm que fazer algumas mudanças lá dentro, um plano diretivo, é difícil, é difícil, porque as pessoas gostam da empresa. É difícil pra fazer um projeto de transição de carreira, pra sair de lá.
P/1 – Eu vou te fazer uma pergunta, ainda de começo, mas pra ligar com o que hoje você faz na Apae. Você resolveu investir nesse projeto de criar essas oficinas, mas poderia ser outro projeto, dentro de recursos humanos. O que fez você fazer essa opção de trabalhar com essas pessoas e dessa forma?
R – Não sei. Eu conheci o projeto, um dia bateram lá na minha porta, eu era diretor de RH na Brasimet e eu fui conhecer. Quando eu chego lá, tinha uma oficina onde tinha lá umas dez, 12 pessoas, e o que eles estavam fazendo? Colocando tampinha lá. Eu falei: “Mas isso, quanto eles produzem?” “Não, quando vêm, eles produzem um pouco.” Eu falei: “Mas vocês não pensam nisso como um negócio?” “Ah, não, a gente tem que treiná-los.” Mas isso é muito pouco. Eles ficam às vezes muito tempo ociosos e não ganham nada. Então, vamos tentar fazer um projeto pra poder alavancar isso. E foi quando eu comecei a mostrar para as empresas que poderiam mandar trabalho, e eles iriam fazendo, isso num primeiro momento. E, num segundo momento, começar a contratá-los para as empresas. E nisso, a gente foi o pioneiro ali na região, sem cotas, ainda não existia, a gente começou a contratá-los. E isso criou um case, que começava sete horas, antes das sete, eles estavam lá na porta pra entrar. É lógico que tem um trabalho pra ser feito, da recepção deles na empresa, levar ao clube, levar ao restaurante, pra chefia. Levei a chefia dessa área lá à Apae, enfim, sensibilizar. E a partir do momento que eles entram nesse ambiente, eles mexem com as pessoas, então, o ambiente fica diferente, fica mais humano. E a gente tem muitos relatos de várias empresas que têm pessoas com deficiência, e fica mais humano. Tem tanta gente que reclama de tanta coisa e não tem nada, não tem doença, anda bem, corre, enxerga, ouve, e quando vê aquilo, falam: “Eu tô reclamando do quê?”.
P/2 – Você se lembra de algum relato desses específico?
R – Não. Tem muitas pessoas que falam pra você: “O que você quer disso? O que você está pensando?” Muito mais num contexto de: que interesse você tem? Interesse político? Aonde você vai? Eu falo: “A minha pagadoria entra no céu.” Não, nunca teve. A gente se dá muito bem, eu sinto o ambiente muito bem hoje dentro da Apae. É que a gente tem uma troca entre diretores, amigos, mais amigos que diretores, mas são diretores, e a gente está fazendo todo o projeto de sustentabilidade junto com o pessoal da Fundação Dom Cabral. A Apae tem 55 anos, pra que ela viva mais 55 quanto. E ela vem crescendo, ela tem um faturamento bem alto, mas também uma despesa alta, muita gente, uma responsabilidade muito grande nossa. E esse ambiente que tem, ninguém pensa em projeção pessoal. Quando sai alguma coisa de lado político que envolve a Apae, a gente não quer. Algum candidato, a época de eleições, a gente convida. Você quer falar? Falam todos os candidatos. “Ah, eu quero, não quero”, tudo bem, mas não tem nada partidário, não tem nada disso. Porque aí pra mim não interessaria estar num ambiente desses. Então, a gente tem isso muito claro. Não está isso em estatuto nenhum, isso é um pouco do ambiente, do que a gente tem formado.
P/1 – E como você chegou hoje...
R – Nada por vaidade pessoal.
P/1 – Hoje, qual o seu papel lá na Apae? Você exerce qual...
R – Eu comecei como diretor, depois eu fui para o conselho, fui presidente do conselho, que nós temos o conselho e a diretoria, a diretoria responde para o conselho. E a gente sempre vestiu dois chapéus: pra ser diretor, primeiro precisa ser conselheiro, o conselho que elege a diretoria, então, normalmente um conselheiro desce para a diretoria. Nós, e eu também ajudei, a gente fez todo um projeto agora de governança corporativa, pensando na sustentabilidade da instituição, e agora nós somos só diretores. Conselheiros são conselheiros, diretores são diretores, a gente dividiu. O ano que vem vai acabar a diretoria, só vira conselho. Nós vamos profissionalizar com outros títulos, porque uma instituição sem fins lucrativos, a diretoria não pode ser remunerada, então, vai ter outro título. Não sei, a gente está vendo isso. Algumas entidades também estão passando por toda essa reestruturação. Toda diretoria, como o conselho, são pessoas que trabalham, têm as suas atividades, e dão uma hora para a Apae, alguns momentos.
P/1 – Voluntariamente.
R – Voluntariamente. Então, cada um dentro de uma área, pessoal especializado mais na área de marketing, outro de finanças, cada um... Toda a área de RH está comigo lá, dentro da área que eu estou, a gente ajuda. Mas tem estrutura de RH, tem o gerente, tem superintendente, aquilo anda sozinho, a gente só ajuda no momento que é pontual. Tem reuniões, antes eram semanais, agora quinzenais. Começa sete horas e termina a hora que terminar.
P/1 – Você hoje trabalha...
R – Em Campinas.
P/1 – Qual a sua atividade?
R – Tá. Eu sou diretor da Lee Hecht. A Lee Hecht é uma empresa, é uma multinacional, que está no Brasil há alguns anos e ela tem alguns clientes lá pelo interior. Então, todo o interior de São Paulo, de Jundiaí, vai embora até Piracicaba, ou de Sorocaba, São José, enfim, um raio aí de uns 100 quilômetros de Campinas, eu sou diretor dessa área. E tem muitas indústrias onde têm contratos globais com a própria Lee Hecht, têm lá fora, têm em outros países, e então a gente atende lá. E eu mostrei a necessidade de a gente montar um escritório. Em dezembro agora do ano passado, 2016, montamos um escritório, temos um escritório. Antes era um escritório virtual, a gente fazia as reuniões e atendimento em escritórios virtuais. Mas cresceu muito, e a gente está com um escritório fixo hoje.
P/1 – E essa empresa, qual a atividade?
R – Ela é líder mundial de mobilidade de pessoas, ou seja, ela trabalha com desenvolvimento, coach, assessment, liderança, enfim. E ela também faz toda a parte que era da DBM, ela comprou a DBM, onde é toda parte de transição de carreira, que é outplacement, a gente chama de transição de carreira. Isso é um trabalho que a gente vem fazendo tanto com pessoas que estão na fase de gerente, média gerência, gerente, diretor, até presidente a gente trabalha. E trabalha também aqueles que vão se aposentar, que é vida na maturidade, pessoas que vão sair da empresa, vão se aposentar. O que vão fazer depois? Então, hoje as pessoas continuam com as suas atividades. Pegar o chinelinho, se aposentar, não dá.
P/1 – Você ganhou alguns prêmios. Conta pra gente um pouco do que significa ganhar um prêmio.
P/2 – E qual foi o mais significativo, que te deixou...
R – É, eu tive algumas premiações. Eu tive na área de RH um reconhecimento como destaque do RH pelo mundo corporativo. Fui eleito, tive, recente agora, em 2017, março, um prêmio na qual a empresa em que eu trabalho, eles têm mais de 300 escritórios pelo mundo, mais de 60 países, em 60 países, todos os continentes, e eles com 50 anos que estão comemorando, eles fizeram um prêmio para quem era voltado para o voluntariado, que tinha um trabalho de voluntariado. E os escritórios do mundo mandaram projetos, pediram pra que eu enviasse o trabalho que eu faço na Apae, e eu acabei enviando. E pelo tempo e pela forma que eu desenvolvi dentro da Apae, eu fui o escolhido, eu fui buscar esse prêmio pelo qual eu me honro muito, não só pela Apae, mas como brasileiro buscar essa premiação lá fora.
P/1 – Em Madri foi qual que você ganhou?
R – Em Madri, na verdade, não é prêmio meu. Em Madri, foi um prêmio da Apae pelo teste do pezinho, foi reconhecido entre 500 entidades pelo mundo, ela foi o projeto escolhido. Também, mais uma vez, com consulados, tudo, que estavam lá. Uma honra muito grande pela Apae e como brasileiro também, receber da própria rainha Sofia.
P/2 – O que foi do teste do pezinho? Isso você faz quando nasce, né?
R – No nascimento. Logo que nasceu, os primeiros dias de vida, o quanto antes fazer. Se passa muito tempo, vai perdendo alguns resultados, anomalia que possa dar esse resultado. Então, a forma que é feito, a assertividade que é feito, todo o controle que é feito, eles pediram o projeto, mas a gente nem sabia se estava concorrendo ou não. Aí, no final, quando nós fomos finalistas, que a gente ficou sabendo que a rainha faz uma premiação para o mundo de ONGs [Organizações Não Governamentais], aí foi escolhida a Apae. Pra nossa sorte, nós fomos escolhidos lá.
P/2 – Porque não era obrigatório antes o teste do...
P/1 – É. Por que ganhou?
R – Não, não é que era obrigatório, antigamente não existia no Brasil. O doutor Clemente, que já é falecido, casado com a dona Jô Clemente, ele era médico, inclusive, da Escola Paulista, o filho dele, Zequinha, nasceu com a síndrome. A medicina não tinha muitos elementos, mas ele foi... Médico, mas ele foi estudar um pouco mais isso e foi lá fora e acabou trazendo para o Brasil o teste do pezinho. Então, se faz em alguns países, mas a forma que a gente fez, a forma que a gente se estruturou, inclusive a logística de pegar todas as crianças que são nascidas dentro de onde a gente é reconhecido. O Fleury faz, outros também fazem, o grande problema é que, se tem um resultado, a contraprova, onde vai ser encaminhada essa criança, para o ambulatório, a orientação dos pais, isso o Fleury já não faz. A gente hoje tem uma capacidade, mais de 48 mil testes/mês. A gente hoje... Estão nascendo menos crianças, e também muitas maternidades não são o alvo lucrativo, acabam fechando, muitas maternidades foram fechadas, e com isso diminuiu um pouco. É lógico, tem um pouco da crise, que diminuiu, que o nascimento, que as pessoas pra engravidar pensam um pouco mais, teve também a onda toda da...
P/2 – Zika.
R – Da zika, engravidar, pegar zika, enfim, com tudo isso acabaram nascendo menos crianças, mas já vem caindo mesmo o nascimento. Hoje, a gente faz 35, 36 mil exames/mês.
P/1 – Vocês fazem...
R – É um dinheiro carimbado, é de graça.
P/1 – Vocês fazem nos hospitais?
R – Hã?
P/1 – No hospital que faz?
R – É colhido no hospital. Quando, às vezes, a criança vai embora muito rápido, às vezes, a gente vai buscar isso numa casa, ou faz uma logística aí, porque essa informação é muito importante até o primeiro mês. Porque é o quanto antes, vai perdendo algumas...
P/2 – Como é o diagnóstico?
R – Você põe numa lâmina e manda pra lá, e o laboratório, através dessa lâmina, vai pegar dez, 12, 15 anomalias. Tem um teste que é mais... Esse é pago. O que o governo dá é o básico, que é muito importante já.
P/1 – E a Apae que é responsável por todos os hospitais?
R – Não, não. Não são bem todos os hospitais, são os hospitais onde a gente tem um tipo de um convênio, porque a opção é do hospital, ele recebe do governo.
P/1 – Já é uma política pública.
R – Então, tem uma política pública aí, a gente recebe também do governo. Quer dizer, para o paciente, o teste do pezinho é de graça, mas o mais sim é pago. Os hospitais, o São Luiz, alguns hospitais têm... O Einstein, enfim, maternidades diferenciadas, os pais querem mais resultados.
P/1 – Mas então vocês ganharam o prêmio pela abrangência, pela qualidade do exame.
R – Pela qualidade, assertividade. Até hoje a gente nunca errou num diagnóstico, quer dizer, tem uma história, tem uma história muito grande em cima disso, que a Apae construiu. Agora, tem outros Estados que também fazem. Hoje, quase todos os Estados fazem. Às vezes, em alguns lugares, mandam pra gente fazer. Vem e a gente faz o diagnóstico, depois devolve.
P/1 – Conta um pouco o antes, o durante, e o depois do prêmio que você recebeu agora em 2017, quando você ficou sabendo. Conta em detalhes essa história pra gente.
R – (risos)
P/1 – Causou-te alguma satisfação?
R – Muita, muita.
P/1 – Então, conta em detalhes essa história pra gente.
R – Eu não sabia que estava tendo essa premiação. Isso um dos diretores da empresa comentou que ele acabou tendo a informação lá de fora, que iria ter uma premiação voltada para a área voluntária, voluntariado, envolvendo os profissionais que estão na empresa, e que mandasse projeto. E falou: “Cláudio, você não quer se inscrever?” Eu falei: “Não sei. Eu posso falar da Apae. Eu não tenho outro movimento voluntário a não ser a Apae.” Eu acabei fazendo, e ele enviou pra lá, falou: “Agora já foi.” Falei: “Tá bom.” Depois eu recebi, isso foi num sábado, um e-mail do presidente mundial, que eu fui escolhido, aí foi emocionante. Foi muito emocionante. Estava em casa, recebi o e-mail, até passei para o meu presidente aqui, passei pra esse diretor, falei: “Olha o que você aprontou!”. Depois fui receber isso lá nos Estados Unidos com toda... Porque também teve um evento lá, foram alguns dias, ficamos lá praticamente quase uma semana lá, com muito frio. Eram umas 300 pessoas, de vários locais do mundo, que estavam lá. E teve um dia, à noite, com frio, eu peguei uma tosse, estava horrível. Eu tenho uma sensibilidade, principalmente no outono, uma tosse seca. Nunca fumei, nada, mas uma tosse seca. E a tosse veio, mas estava muito frio, muito frio. Além do frio fora, aqueles ares-condicionados deles. E das convenções eu participei. E teve uma quinta-feira que era o dia da premiação. Depois, na sexta-feira, todo mundo ia voltar, só que eu ia continuar, porque eu era o premiado, e junto com a... Mas na quinta-feira à noite houve um coquetel e depois a premiação, todo mundo de terno, enfim. Eu chego lá, estava uma plaquinha, tinha o número dessa plaquinha: “Ah lá, está o teu nome e a plaquinha lá, quatro”. Peguei a plaquinha, coloquei, e coquetel, coquetel. Depois vai pra mesa, a mesa era do presidente e do fundador, eles com as esposas, foram os únicos que levaram as esposas, e eu lá no meio, e a tosse. E eu estava aflito, porque eu não conseguia falar, era tomar água, tomar qualquer coisa, precisava passar pela garganta a pastilha, estava passando mal. Depois, certa hora, pedi pra eles desculpa. Eles estavam aflitos, preocupados: “Olha, tem água, tem isso”. Eu pedi: “Excuse me”. E saí lá da... E fui tossir um pouco fora. Aí nós fomos pra outro teatro depois, em seguida, aí houve a premiação. Era premiação de muito mais de resultados, uma premiação em que estavam sendo avaliadas regiões, enfim. E depois, no final, foi a premiação, a última premiação foi a minha, foi aquele discurso que eu mostrei a vocês, na qual todo mundo se levantou, aplaudiu, fui ovacionado, foi muito emocionante. Muito emocionante. Nossa, isso, fuso horário, passei para o meu pessoal aqui para o Brasil, todo mundo escrevendo, mas foi muito bonito. Gostaria que estivesse todo mundo lá pra ver, que foi muito bonito. E pra Apae também, porque no fundo, no fundo é o meu trabalho voluntário, mas de uma entidade pela qual eu tenho um carinho muito grande, um envolvimento muito grande todos esses anos. Mas foi muito especial. Tem momentos especiais, o nascimento de filhos, acho que foram momentos especiais, algumas homenagens recebidas. Mas, quando a gente vai, no contexto da vida, receber uma premiação que ela está voltada para as pessoas, ela tem outra conotação. Tem outra conotação, de que você está ajudando alguém, do que por uma situação pessoal, vaidades. Foi isso. Relatei. Mais ou menos isso que aconteceu. E a tosse continua. Teve passeios exclusivos no dia seguinte que eu não pude sair do hotel. Mas foi muito bonito, muito bonito. Emocionante e muito bonito. Todo mundo muito emocionado na hora.
P/1 – Muito bom.
R – Ele mesmo, o presidente também.
P/1 – Muito bom.
P/2 – E sua família? Como foi a reação da sua família?
R – Ah, sabiam que eu ia buscar um prêmio, mas não sabiam de que forma foi isso. Quando eu passei aquele vídeo, nossa, foi emocionante esperar no aeroporto, todos eles lá. Tem um troféu, eu não trouxe porque é pesado, mas muito bonito. Então, foi emocionante. Valeu.
P/2 – E, Cláudio, seus filhos...
R – É uma empresa que trabalha com gente e foi reconhecido o trabalho que se faz sem o contexto financeiro, empresarial, então, foi interessante. Meus filhos?
P/2 – Ah, seus filhos fizeram um vídeo de 70 anos?
R – Ahã. Surpresa.
P/2 – Foi surpresa (risos). Conta um pouquinho dessa história.
R – Só pra sentir se meu coração ainda estava alinhado.
P/2 – O que tinha nesse vídeo, conta um pouquinho como foi a apresentação.
R – O aniversário foi agora em junho, e eles foram pra casa, queriam fazer uma festa, vamos lá. Então, foram meus irmãos, tem os dois irmãos, com os meus sobrinhos, e meus filhos, com a esposa, com o marido, meus netos, enfim, estavam todos lá, além da minha esposa. Ela não mora lá, ela mora aqui, eu moro lá, um casamento que vai durar muito. Mas aí o André falou: “Pai, eu quero passar um vídeo, eu vou colocar lá no telão, que é um vídeo de um filme que eu tô fazendo lá pra empresa.” Falei: “Tá bom, filho.” “Mas vamos agora.” Falei: “Agora não. Deixa o pessoal.” “Não, vamos agora. Vamos agora.” Por fim, sentou todo mundo na sala, aí começa lá uma chamada inicial, já mostrou lá que era meu quando faz a chamada inicial. Então, foi muito emocionante, foi difícil segurar as lágrimas. Foi emocionante. Estar com todas as pessoas que eu amo do lado e assistir a esse filme. Um filme que volta à linha do tempo e passa tudo muito rápido.
P/2 – E olhando pra trás...
R – O que eu deixei de fazer?
P/2 – Também. Tem alguma coisa que você mudaria?
R – Não sei. É difícil falar isso, porque cada momento... Hoje eu analiso de forma diferente as minhas decisões, mas eram adequadas com aquele momento. Eu fui sempre pra ter família e não ter relacionamento, de ter casamento, desfaz o casamento, ter outro casamento. Não sei se hoje eu queria tanta coisa assim, eu acho que era mais certa estabilidade dentro de um contexto de relação. Ficar sozinho não... Eu fiquei muito tempo sozinho agora, desde a última separação. Ela veio pra São Paulo, eu fiquei com lá com eles, eles ficaram comigo estudando lá no Porto Seguro. Agora eles vieram pra São Paulo, porque um entrou aqui, o outro também quis vir pra São Paulo, mas fim de semana, este fim de semana, eles estavam direto, vão na sexta e ficam comigo lá. Minha vida é dedicada a eles. De repente, aí apareceu dentro de pessoas conhecidas a Flávia, que é hoje a minha esposa, acho que ela tem cinco filhos, viúva, enfim, eu tenho quatro, uma caravana pra sair, um micro-ônibus é pouco. Ela tem já quatro, está esperando agora o quinto neto, é bastante gente. Ela tem duas meninas e três homens. E é isso, acho que tanto do lado espiritual, como do lado de apoio, estou com a vida bem tranquila. É lógico, num país chamado Brasil, que é difícil, seja do lado político, mas principalmente financeiro, dar retaguarda um pouco para os filhos, o que é possível, ela se preocupa muito. O que mais me preocupa hoje, eu tenho ainda um filho de 16 anos, não me arrependo de tê-los depois, no segundo casamento, eles me deram muita vida, eu gosto disso, gosto deles, me dedico muito. Mas uma coisa que, dentro desse momento que existe, me preocupa muito é a droga, uma coisa que me preocupa. Bebeu, fez alguma “pixotada”, não é legal, mas a gente está junto. Agora, a droga é difícil. É difícil. Isso eu não sei como ficaria. Qualquer coisa que possa acontecer, eu tô junto, mas a droga é... Isso é uma coisa que eu tenho um pouco de receio. Eu acho que eles estão bem encaminhados, não sei como vai ser a vida deles, também a gente os prepara para o mundo. O próprio André se forma o ano que vem, esse vai embora. Esse vai embora. Teve agora uma bolsa de estudo, sete meses lá na Espanha, e vai embora.
P/2 – Vai pra Espanha?
R – Possivelmente Espanha. Ou não, Inglaterra também. A minha irmã tem três filhos, dois são gêmeos e uma menina, os dois estão nos Estados Unidos, a menina na Inglaterra, quer dizer, não tem nenhum filho aqui com ela. E ela tem que ficar, vai e volta, e é difícil, a idade dela, é muito complicado. Há uns quatro anos, cinco, aliás, ela teve um problema muito sério de saúde, então, ela tenta evitar ir no frio, principalmente para os Estados Unidos. Ela foi agora, verão lá. Então, eu não sei, ela fica muito só. Ela e meu cunhado ficam muito sós. Três filhos, netos, ficam tudo lá. Mas é o mundo, a gente os prepara para o mundo, como aconteceu com a gente.
P/2 – E, olhando para trás, um momento de muita felicidade que você lembra?
R – Olha, eu acho que a saída do Vitor do hospital. É lógico que eu tenho muitos momentos felizes de todos eles, mas aí foi o momento, acho que Deus pôs a mão e premiou, porque seria muito difícil uma criança da forma que ele nasceu, prematuro, com todas as complicações naturais de um prematuro, e ele sair bem, sem sequelas, sem nada. Então acho que pra mim isso daí foi um milagre.
P/2 – Nossa, 27 semanas é o tamanho do quê? De uma mão.
R – Cabia numa caixinha de sapato. Tem um amigo meu, ele trabalhava na época na Alpargatas, e a Alpargatas, dona da sandália Havaiana, e eles tinham chaveirinho assim. E ele me arrumou um par, eu colocava na Neo UTI, eu tenho as fotos em casa: ele na Neo UTI de fraldinha, com elas no pé, era o chaveirinho. E hoje está grande, ele já está da minha altura, 16 anos.
P/1 – E para o futuro?
P/2 – E quais são os seus sonhos?
R – Sonhos? Olha, eu estou muito preocupado com o país, sem partido, sem nada, mas as coisas da forma que estão indo. Meu sonho seria morar fora daqui. Mas isso eu acho muito difícil, não só num contexto financeiro, mas eu acho que a ligação que eu tenho com os meus filhos, com a minha família, isso seria impossível. Às vezes eu penso, eles moram em São Paulo, eu moro lá, estar vindo pra cá, mas o meu sonho seria que eles pelo menos fossem mais pra lá do que eu vir pra cá. Vinhedo é muito bom, é qualidade de vida, foi considerada uma das cidades mais seguras do Brasil, saiu agora recentemente. Então, o clima, tudo é muito bom. Então, já que é difícil ir pra fora, se eles acabassem mais próximos... Mas isso, como você falou, são sonhos. O meu sonho em relação à Apae é que ela não existisse, que a própria sociedade e o próprio governo fizessem o papel deles, não precisaria ter uma instituição. É sonho, a gente sabe que isso está muito distante. Tantas pessoas mais necessitadas morrendo aí sem hospital, sem nada, então, é um sonho.
P/2 – E como foi contar a sua história aqui hoje?
R – Foi bom. Foi bom. Vocês mexeram em algumas... Abriram baú. Desceram lá no térreo, abriram baú. Possivelmente, muitas coisas que eu nem lembrava fui buscar um pouquinho, outras que possivelmente passaram, acho que eu não comentei, não sei. Mas me senti muito bem, eu agradeço a atenção de vocês, o trabalho de vocês.
P/2 – Nós que agradecemos. Muito bom.
R – E, qualquer coisa, estou à disposição. Eu vou mandar vídeo, eu tenho dois pra passar, fotos, depois vocês definem. E, qualquer coisa, normalmente eu estou aqui. Amanhã, eu tenho Apae, amanhã à tarde eu venho pra cá. Mas normalmente eu tenho segunda, quarta e às vezes sexta. É só às vezes conciliar o dia que vocês possam precisar: “Olha, tem alguma coisa complementar, ou não”.
P/2 – Ah, tá bom. Tá ótimo.
P/1 – Tá ótimo.
P/2 – Muito obrigada.
P/1 – Muito obrigada mesmo. Parabéns pela história.
R – Imagina. História é história, já está passada.
P/1 – Não, olha, tudo no presente.
R – A gente deixou de fazer muitas coisas já.
P/2 – Agora fica para o futuro. Agora vai ficar pra eternidade a sua história, no portal do Museu da Pessoa.
R – Tá no museu, nossa.
P/1 – É um museu.
R – As pessoas quando vêm pra um museu, qual a sensação delas?
P/2 – Para o Museu da Pessoa?
R – Tô ficando velho? É isso?
P/2 – Não, não.
P/1 – Não, a gente tem histórias de jovens também.
R – Não, eu vi as fotos ali.
P/1 – É. Você viu?
R – Eu vi uma pessoa que eu admiro, que é o Ozires Silva, conheço bem ele. Está ali. Estacionei o carro, vi uma fotinho dele.
P/1 – Você viu?
R – Ele tem uma história muito linda. Eu não sei se ele já contou aqui pra vocês.
P/2 – Deve ter contado. Não com a gente, mas...
P/1 – É. Se ele está lá na foto, sim.
R – Eu acho que é um dos brasileiros mais brasileiros que a gente tem, e que ele devia estar em horário global mostrando a vida ele. Ele é simples, ele fez a Embraer [Empresa Brasileira de Aeronáutica], ele fez a Petrobras, praticamente. Ele fez tanta coisa. E a simplicidade dele é fantástica.
P/2 – Quais empresas são mais importantes pra Apae?
R – Olha, hoje tem os bancos, tem tanto o Banco Itaú, como o Bradesco. Tinha o Safra, quando do José Safra, ele sempre... A Dona Jô chegava e falava que um deu o dinheiro, outro também dava. Tinha o Olavo, hoje não é mais o Olavo, faleceu. Também tinha o Brandão, que hoje já também não está. Quer dizer, cada um tinha... O José Safra que está na Europa, enfim. Mas eles sempre acreditaram pela ética, por tudo que a Apae... Hoje é diferente. Hoje você precisa ter projeto. Então, hoje você tem que ter projeto, conteúdo do projeto, uma cara do projeto, e dinheiro não falta, tanto aqui, quanto lá fora, mas você precisa ter projeto. Então, a gente tem o Instituto Apae, que a gente está desenvolvendo bastante pra nos ajudar a alavancar esses projetos com entidades internacionais, a gente tem uma revista científica que é alinhada nisso, pra gente buscar recurso. Hoje, o maior cliente nosso é o governo, e é difícil você depender só do governo. Tem o teste do pezinho, que eu comentei, ele responde por mais de 60% do nosso faturamento. A gente já veio diminuindo, já foi muito mais, mas a gente gostaria que fosse bem menos, porque, enquanto cria outros tipos de receita, não fica tanto na mão do governo. É lógico que não vai acabar, é um dinheiro carimbado. Ele demora às vezes pra pagar, mas é um dinheiro carimbado. Não vai aparecer um louco lá, dar uma canetada e acabar com isso, fica pior. É um serviço de utilidade pública, então, é difícil terminar com isso. Mas a gente gostaria de depender... Então, nós temos um convênio, que nós fizemos há mais de dez anos, com a prefeitura de São Paulo, já se passaram alguns governos de vários partidos, se mantém. Que, antes, todo o nosso trabalho era feito dentro da Apae ali na Loefgreen, seja na área educacional, clínica, enfim. A gente fez um convênio que a gente... Os nossos profissionais vão às periferias, vão aos locais, sala de aula também, no ambulatório, que tem fono, tem pediatra, tem tudo nosso, que sabem como tratar essas crianças e adolescentes. Só a área do trabalho que a gente tem um pouco centralizada, que a gente os desenvolve e depois eles vão para as empresas. Mas essa descentralização, seja na escola e principalmente na área da saúde, a gente é questionado por todas as Apaes. Todas Apaes, elas são muito mais, dentro de um contexto, fechadas, e a gente não comunga muito com isso. Então, a gente, dentro das Apaes do Brasil, é a única que tem esse trabalho externo, preparando as crianças para o mundo.
P/2 – Importantíssimo.
R – E aí, mais uma vez, quem é o nosso cliente? A prefeitura que nos paga. Então, tem o governo federal, tem o governo estadual, tem o municipal. Então, a gente tem, hoje, o maior faturamento nosso vem de governo. A gente tinha outros projetos, Feira da Bondade não tem mais, não sei se vocês conheciam mais lá atrás, eram coisas que os consulados mandavam, contêineres, a gente vendia. Antes de Collor, não tinha facilidade de comprar as coisas importadas. A Feira da Bondade era no Anhembi, era coisa enorme, depois foram pra outros lugares. Com a abertura, acabou. Depois nós fizemos Agulhas, Agulhas de Ouro, tivemos quatro edições, quatro, cinco edições, onde Bradesco dava um dinheiro, a gente fazia um desfile e vendia o local do jantar. Depois nós tivemos a Noite da Sorte, e tivemos as últimas agora, nós tivemos o Leilão do Vinho. A gente recebia vinhos de colecionadores, fazia um evento, você vende a mesa, vende o local, a cadeira, e tudo isso, uma parte o banco ajuda e você fica com o dinheiro da venda dos vinhos, tudo catalogado, os profissionais que fazem análise, refugam lá o vinho, enfim. E é feito o leilão. Isso também era uma receita. Foram também cinco edições. Fazia na Daslu, em alguns lugares, parou também. A gente está montando outro projeto agora, inclusive com o Ricardo Amaral, isso deve acontecer em outubro ou novembro, que a gente ainda está desenhando. Esses eventos, eles viram um pouco o calendário, mas depois eles vão caindo. O Leilão do Vinho, cada cadeira era mil reais. É caro? É caro. Mas é o seguinte: quem paga mil vai lá e compra vinho. Se você faz 500 ou 200, ele compra, dá pra outro, que vai lá, não compra vinho, porque está fora, mais ou menos, do interesse desse público. Então, a gente sempre trabalhou isso, mas sempre dentro de um contexto. A Apae tem essa credibilidade quando se fala em ONGs no Brasil. Sempre tem esquemas, é complicado. A gente tem bastantes parcerias com algumas entidades, tem a AACD [Associação de Assistência à Criança Deficiente] perto da gente, que trabalha lá em hospital, trabalha com problema todo motor, eles operam, tudo. Eles estiveram com o Sílvio Santos alguns anos atrás. Começou o Teleton, ajudou muito pra descentralizar. Eles fizeram em outros locais, outros Estados, porque o Brasil e outros países vizinhos vinham tudo pra AACD. Só que complicou, porque esses filhotes deles, que eles criaram – problema de gestão –, acabam pesando tudo na mãe AACD. Então, hoje eles estão complicados dentro do financeiro. Estão complicados, porque cada um tinha que fazer sua gestão e andar, mas acaba vindo na mãe para atendê-los. Então, eles atendem muito o governo, o governo atrasa pagamento, essas coisas todas. Mas eles são referências pra trabalharem com toda a parte motora, cirurgias, toda a parte de ortopedia, eles são referências. Tem também a Laramara, que são crianças que nascem com problema de visão, também é uma entidade muito séria. Quem montou aquilo, o doutor Vitor faleceu, e ele tinha uma filha e a esposa, Lara e a Mara. E ele viu que... Ele era um dos donos do Aché, laboratório, ele criou a filha pra ser independente.
P/2 – Ela é cega?
R – Depois ele criou... Ele tinha o sítio pra criança e até adultos. E hoje ele atende bastante ali na Barra Funda, não sei se vocês conhecem a entidade.
P/1 – Já fui lá.
R – Ele me falou muitas vezes, eu estive envolvido no projeto com eles lá no início, ajudando. “O que você faz na Apae? Você pode ajudar?” E lá em Campinas também, o Centro Boldrini, de crianças que nascem com câncer. Mas lá eu fiquei envolvido só um tempo, porque não dá, não dá, é muita coisa. E lá, ver aquelas crianças carequinhas é duro. É duro. É duro.
P/2 – Tem que ter muito... Não é fácil.
R – Não é fácil. Lá não é fácil. Mas sabe que eles têm de 70 a 80% de cura total?
P/2 – É?
P/1 – Quando é diagnosticado logo.
R – Logo, e eles estão muito bem. É referencial o Centro Boldrini. E eles criaram lá, porque tem o hospital, e depois eles precisavam construir, porque não tinha mais lugar para as crianças ficarem, e normalmente tem que ter um acompanhante, porque são crianças. E aí nós construímos lá 30 quartos com uma saleta, onde os pais ficam, ou o pai ou a mãe, enfim, a avó, ficam com a criança enquanto está fazendo tratamento. Mas a cura tem sido muito alta. Muito alta.
P/1 – Quando você fala “a gente construiu” seria...?
R – Não, na época que era um corredor, o Ingo Hoffmann, ele pegou esse projeto, ele bancou esse projeto, e como eu estava lá na região, envolvendo algumas empresas, a CPFL [Companhia Paulista de Força e Luz], enfim, algumas empresas da região, a gente participou lá.
P/1 – Não seria pela Apae, seria por outro canal?
R – Não, não. Não tem nada a ver. É um trabalho lindíssimo lá.
P/1 – Tá vendo quanta história ainda? A próxima edição...
R – Lá são histórias bonitas também.
P/1 – Então, muito bom.
R – Ok?
P/2 – Tá bom. Muito obrigada.
P/1 – Muito obrigada mais uma vez, Cláudio.
R – Imagina.Recolher