Dez Anos da Fundação Gol de Letra
Depoimento de Cristina Bellíssimo
Entrevistada por Cláudia Leonor e Camila Prado
São Paulo, 30/06/2009.
Realização Museu da Pessoa
Entrevista nº FGL_HV017
Transcrito por Rosângela Maria Nunes Henriques.
Revisado por Gustavo Kazuo
P/1 – Então pra come...Continuar leitura
Dez Anos da Fundação Gol de Letra
Depoimento de Cristina Bellíssimo
Entrevistada por Cláudia Leonor e Camila Prado
São Paulo, 30/06/2009.
Realização Museu da Pessoa
Entrevista nº FGL_HV017
Transcrito por Rosângela Maria Nunes Henriques.
Revisado por Gustavo Kazuo
P/1 – Então pra começar essa entrevista Tina, eu vou pedir pra você falar seu nome completo, o local e a data de nascimento?
R – Eu me chamo Dirce Cristina Bellíssimo, eu nasci no dia 23 de julho de 1966, em Ribeirão Preto.
P/1 – E o nome dos seus pais?
R – Paulo Roberto Bellíssimo, já falecido e Aparecida Dirce de Aguiar Araújo.
P/1 – E seu pai trabalhava com o quê?
R – Meu pai tinha um restaurante e quando eu conheci, eu não sei se é por isso também que eu entrei no caminho, mas ele tinha restaurante, a família... Meus avós que vieram da Itália, o meu avô tinha um hotel, então foi assim que eles chegaram em Ribeirão.
P/1 – E o que você sabe desses avós? O nome deles? Como eles chegaram aqui no Brasil, você sabe dessa história?
R – Eu não sei de tudo, porque eu perdi meu avô cedo, eu perdi meu avô com oito anos, era um dos que pra mim foi uma super perda porque eu era neta predileta, então morreu o meu avô que me paparicava. Eu adorava passear, ele me pegava pra passear de carro, eu acho que eu tinha sete anos, mas eu sei que ele chegou filho de italianos e fez um hotel em Ribeirão que na época era famoso, porque recebia os comerciantes, era perto da rodoviária e a vida toda... Eu sei que a família cresceu, seis filhos em volta ali do hotel se mantendo através do hotel e quase todos saíram pra essa área de comércio, um com restaurante, outro com casa noturna e assim foi.
P/1 – E no cotidiano da família você percebe assim esse jeito italiano?
R – Do lado do meu pai sim, porque até a minha avó paterna falecer tinha aquelas reuniões, aqueles almoços e a família sempre foi muito barulhenta e sempre teve muito unida, né? Mas até minha avó falecer, aí depois também meus primos começaram a crescer e cada um ir para um lugar, aí deu uma afastada, mas a gente percebia que minha avó era bem... Matriarca, assim, ela ficava se ocupando dos filhos e reuniões e tal, era bem italiana, os almoços eram bem barulhentos.
P/1 – E tinha uma coisa assim das crianças ficarem de um lado e os adultos do outro? Como é que era isso?
R – Eu acho que sim, porque éramos muitos, eu lembro assim dos primos e a quantidade de primos que tinha, era muita gente, a gente saía pra fazer arte mesmo, na época ou rua ou brincar no jardim, mexer com coisa que não pode da avó. Então eu me lembro dessa fase gostosa, a minha infância eu curti mesmo.
P/1 – Você tem irmãos?
R – Tenho um irmão mais velho, eu sou a do meio e tem uma mais nova.
P/1 – E como era o cotidiano da sua casa em Ribeirão?
R – Minha casa em Ribeirão? Então, com meus irmãos, eu não sei se é comum em toda família, mas meu irmão tinha a fama de ser mais velho, mandão, era uma diferença grande de três anos. Eu lembro que toda vez que eu queria brincar com ele eu mais atrapalhava do ponto de vista dele do que brincava, então quando eu queria brincar de rua assim... Mas eu me divertia muito, eu lembro que minha mãe falava que eu era um moleque, eu saía atrás do meu irmão pra brincar de bicicleta, subir em árvore, carrinho de rolimã. Então a gente brincava, na minha infância eu brinquei muito na rua e todas as brincadeiras de rua do interior, sabe? Betes (?) que você bota as latinhas e vai jogar e eu brincava com os meninos contra a vontade do meu irmão, porque tinha que levar uma menina junto e se ele falasse palavrão eu ia contar pra minha mãe, então ele tinha que se comportar diferente. A minha irmã também teve cinco anos de diferença e eu cuidava assim, não dava pra eu brincar junto, mas minha mãe mandava “olha sua irmã”, então o destino era olhar a minha irmã, eu brincava e de vez de em quando eu tinha que procurar onde ela estava, mas foi assim muita brincadeira com um e com outro.
P/1 – Como ele chama?
R – Meu irmão chama Álvaro e minha irmã Ana Helena.
P/1 – E como era Ribeirão Preto de quando você era criança? Você falou que dava pra brincar na rua, né? O que você se recorda?
R – Então, eu às vezes fico pensando, tentando até comparar com hoje porque eu tenho filho pequeno e meu marido querendo dar mesma vida que a gente teve, né? E eu penso assim que foi muito bom, porque a gente tinha liberdade e não tinha medo, a gente não vivia assim com medo, apesar de eu achar que minha mãe tinha, porque quando eu sumia, ela ficava brava, né? Mas a gente ia e ela falava: “onde você foi?” “eu fui lá numa praça longe que tinha árvore, nós fomos pegar fruta” tinha amoreira na rua, então a gente ia com o embornal mesmo pegar fruta e de bicicleta, andava muito de bicicleta, não tinha telefone pra avisar. Então às vezes a gente esquecia a hora e quando eu voltava minha mãe estava preocupada, mas tinha muita liberdade, sem medo e hoje apesar de não ter isso, não tem muitas coisas, não supre a vida externa que a gente tinha de contato na rua e tal. E eu pude viver isso, acho que pelo fato de estar no interior, eu não sei se São Paulo era assim tão de rua como era em Ribeirão Preto.
P/1 – Agora tinha algum lugar que vocês não podiam ir? Porque era longe? Era perigoso?
R – Não, eu não me lembro disso, porque onde eu morava a gente podia ir, assim, que eu tivesse vontade de ir que era proibido, não, só era proibido namorar, porque minha mãe não deixava, brincar de beijo, abraço e aperto de mão não podia e era uma coisa que todo mundo fazia. Então quando começava a brincar eu pedia: “não brinca dessa brincadeira se não eu tenho que entrar” aí eu lembro que era uma coisa que me deixava triste, eu não podia brincar de beijo, abraço e aperto de mão.
P/1 – E tinha brincadeira de roda e essas coisas ou...
R – Tinha muito da rua, esconde-esconde, mas de roda eu já não lembro, porque assim, com dez anos a gente brincava às vezes de lenço atrás que era acho que a única brincadeira de roda que eu lembro, esconder alguma coisa e você tinha que pegar, eu sempre gostei de atividade assim física que você tem que correr. Eu não fui muito de cantar, na época de cantar na mocidade eu já tinha casado, então eu pulei essa etapa.
P/1 – Tina, onde você estudou lá em Ribeirão Preto?
R – No colégio Marista.
P/1 – E como é que era?
R – Eu estudei a vida toda até casar, eu não sei aqui, mas as pessoas também passam a vida toda num colégio, né? Normalmente, eu entrei no pré, primeiro ano e fiquei até o segundo quando eu saí pra casar e os amigos continuam, até hoje eu tenho contato com algumas amigas e o pessoal de Ribeirão continua sendo interior, né? Por mais que Ribeirão cresça, eu tenho contato sempre com todo mundo, né? Não é tão afastado, tão difícil quanto São Paulo.
P/1 – E o Marista tinha que tipo de educação? É um pouco diferenciado, né?
R – Era um colégio bom, eu não sei dizer hoje, mas era um colégio bom e com uma educação religiosa também de fundo. Então eles eram exigentes e eu acho que na medida boa para a educação, nada muito... Mas tinha controle, na entrada e saída você tinha que deixar sua carteirinha pra verificar presença, então era controlado se comparar com hoje, teus pais sabiam tudo que passava, né? Em reuniões de pais e tal, mas eu nunca me senti sufocada por isso, eu não pulava muro e essas coisas, então eu nunca... Mas era um colégio controlado e religioso.
P/2 – Tinha bastante frequência de aula de religião? De ritual?
R – Tinha o normal. Eu acho que fazia parte do currículo do MEC [Ministério da Educação] a religião, eu não sei hoje, mas fazia parte do currículo ou então aquela OSPB [Organização Social e Política do Brasil], né? Porque a gente não aprendia nada, se você perguntar o que eu aprendi em OSPB eu não lembro direito e era assim: você tinha que rezar e tal, mas não era obrigada a... Tinha as aulas de religião que você era obrigada a frequentar por fazer parte do currículo, mas eles não forçavam, tanto é que a minha família toda era espírita, né? Minha mãe é Kardecista e a minha mãe sempre foi muito assim de... A gente lia o Evangelho toda semana em casa, mas a minha mãe sempre fez questão que eu procurasse a minha religião, nunca me prendeu ao Kardecismo.
P/1 – E no Marista tinha capela?
R – Tinha, tinha igreja, muita gente que eu estudei junto casou no Marista, estudou e casou no Marista porque a igreja era bonita e eu pude frequentar também porque minha mãe nunca foi contra, mas não era obrigatório.
P/1 – Mas dentro do colégio assim vocês tinham essas atividades religiosas?
R – Não, não tinha por obrigação nenhuma atividade religiosa.
P/2 – Mas você se interessou? Como é que foi?
R – Não, minha mãe não me deixou em dúvida, mas chegou uma hora... Porque eu tinha muitas amigas que faziam a comunhão, eu comecei a frequentar a igreja e não gostei, eu não sei se é porque era parada ou se porque com dez anos a minha mãe me deixou livre e eu não me interessei. Aí depois passou e eu não quis fazer primeira comunhão e passou, mas a formação religiosa sempre teve presente na minha vida, pela minha mãe, por eu ir à missa, eu não posso dizer que eu não acredito em nada, eu acho bobeira, apesar de não ter feito a mesma coisa com meus filhos, eu tive uma formação religiosa bem presente.
P/1 – E assim, seus amigos de escola, de juventude quem eram, assim? Amigos, amigas?
R – De escola? Vamos sempre citar que juventude minha eu estava casada, então até... É gozado que se você pegar a minha turminha e a do Raí, a minha turminha era CDF que sentava na primeira, segunda, terceira, quarta fila, a gente tinha um bloquinho de alunos que sentavam nas primeiras fileiras e se reunia pra fazer trabalho de escola e eu tinha uma turma... Essas meninas também, eu não quero aquela imagem de carola, mas a gente tinha o hábito de visitar essas quatro, asilos e gostávamos de alguns programas alternativos para aquela época e de mexer em alguma coisa já filantrópica, uma empurrava a outra “ah, vamos visitar o orfanato”? “ah, vamos.”
P/1 – Vocês que tinham essas ideias?
R – Foi motivada, eu acho que as primeiras visitas com creche, o Marista tinha o Paud’alho que era um orfanato e cuidava de crianças e tal, eu acho que foi o primeiro estímulo da gente foi com a escola.
P/2 – Você lembra mais ou menos quantos anos você tinha?
R - Quatorze pra quinze, um ano antes de casar, foi nessa época. Eu acho que assim, a gente estava procurando até se direcionar o que ia fazer, né? Eram coisas que se a gente falasse pros pais, eles iam deixar, não era focado “ah, vamos fazer isso que eles vão deixar”, mas era assim: “ah, a gente vai fazer uma visita assim, vai pegar tal ônibus, pode ir?” “Pode, quem vai” “vai fulano, sicrano.” Então era assim, a gente se interessava em conhecer coisas que estavam sendo feitas e até por pensar o que a gente ia prestar e tal, mas era bem diferente das possibilidades de hoje, né? De cursos e tudo tinha uma gama bem maior.
P/1 – Então quando a gente fala dessa juventude como foi assim, você conheceu o Raí, ainda nova como é que... Isso aí está no assunto já, né?
R – Eu não tenho coisas pra contar de dezesseis até o segundo colegial, eu era super dedicada ao estudo e ao esporte assim no geral, eu gostava de atividades assim de mexer e tal, eu nunca fui ligada à boneca, nunca fui uma menina tranquila, sabe? Calminha, então eu sempre fui agitada, eu lembro quando eu não saía porque eu estava de castigo e vice versa era sempre assim: eu fazia coisas, sumia até tarde, tinha horário pra subir, eu não subia, então: “fica de castigo aí” e no outro dia eu não descia. Sempre eu desafiei meu pai e minha mãe bastante por esses negócios de horário e tal e casei cedo, eu conheci o Raí nessa época com dezesseis...
P/2 – Ele era da escola Marista?
R – Ele era do Marista e a gente se conheceu no segundo colegial, por coincidência ele repetiu, porque eu sou um ano mais nova e eu sei que ele me conta, eu não sei se ele se lembra, mas ele me conta, ele andava num grupinho de quatro, os quatro mais bonitos da escola, nossa! Como chamavam a atenção e um deles era meu primo, eles eram famosos porque jogavam tudo, esses quatro jogavam basquete, vôlei, futebol, faziam todos os esportes e um dia meu primo falou que ele estudando junto tinha perguntado: “quem é aquela bonitinha?” Aí meu primo falou: “tira o olho, porque é minha prima” e eu estava no primeiro colegial e no segundo colegial a gente caiu junto. Aí então começamos a trocar bilhetinho na classe, eu comecei a ajudar nos trabalhos escolares e assim a gente começou a namorar na escola.
P/1 – Aí já casou?
R – Então, eu engravidei no final do ano pra casar assim... Eu me lembro da dificuldade minha na adolescência foi essa época antes de casar, eu tive que começar a trabalhar, meu pai faliu e eu tive que... Na época o Marista... Já tinha passado agosto quando meu pai falou: “não tenho mais condições de pagar e tal” e eu não podia entrar no colégio de Estado, não tinha vaga no colégio ali, eu perdi o ano e não ganhei bolsa e aí eu tive que começar a trabalhar. Então eu ia pra escola de manhã, trabalhava num consultório oftalmológico da uma às sete e pagava o Marista, mas eu não queria sair do colégio, né? Porque a vida inteira eu estudei lá, faltava um ano pra me formar e não era... Assim, a gente sabia que quem tinha bolsa na época era quem representava o colégio nos esportes, então tinha um monte de aluno que tinha bolsa e na época eu fiquei super revoltada, porque fazia anos que eu ficava entre as cinco melhores da classe, ganhava medalha de melhor aluna e tal e eu não me conformei “falta um ano para me formar, não é justo e tal” e eu não consegui transferir para um colégio de Estado no meio do ano. A minha sorte é que eu arrumei um emprego e não pude continuar até o final, porque no final eu engravidei.
P/2 – Até o segundo?
R – Até o final do segundo, eu engravidei em outubro, eu acho e chegou janeiro eu estava de dois, três meses e em fevereiro eu casei e aí esse ano eu perdi, não dava, eu estava bem grávida, eu estava de quatro meses. Porque a minha filha quando engravidou, a minha neta nasceu em janeiro, então deu assim pra ela terminar o ano, ela teve em março começaram as aulas, ela não perdeu o ano. Eu perdi vários depois pra terminar o terceiro colegial.
P/1 – Mas vamos voltar um pouquinho, como você arrumou esse emprego no consultório?
R – Eu não sei se foi anúncio no jornal, porque não foi por indicação, eu não sei se eu fui e escutei alguma coisa, eu tinha trabalhado numa boutique, eu era nova, quinze anos, então tinha trabalhado numa lojinha, mas eu não lembro ninguém da lojinha ter me indicado, eu trabalhei na época de festa fim de ano, então precisava e depois você sai. Eu falei pro meu pai, não era fim de ano não, eu trabalhei em julho e aí eu falei pro meu pai: “eu vou ver se consigo trabalhar de novo e pagar o colégio” e eu consegui, mas eu não lembro quem indicou. Eu sei que era secretária, precisava bater ficha, ler alguma coisa, foi fácil, aí eu entrei, né? Sem problemas.
P/1 – E aí com a gravidez o que mudou na sua vida? Tudo, né?
R – Tudo, tudo porque foi... É gozado como a gente amadurece sem perceber, mas foi difícil porque assim nós dois chegar para os pais, você não tem como pagar, você tem que pedir, né? Então era muito mais complicado, eu vejo meus filhos a cara de pau que eles têm, tudo parece normal, não trabalham, ficam até vinte anos em casa assim. A gente tinha um respeito diferente, tinha um zelo e apesar de fazer coisas erradas a gente tinha vergonha de falar, né, “e agora vocês nos ajudam? Vocês nos mantêm” aí já ficou mais sério porque o Raí estudava, ele tinha que treinar, então voltava a noite e eu ajudava no que eu podia a minha sogra lá dentro porque estavam mantendo a gente. Mas eu lembro que até minha filha nascer, de enxoval da Emanuella eu tinha um macacão novo, uma roupinha nova, o resto era usado, esses dias ela falou: “mãe...” esses dias não, têm uns quatro anos ela falou: “mãe, gozado eu tenho a impressão que fui adotada, não tem foto, não tem vídeo” porque até os quatro anos a gente não tinha máquina, né? Mas foi muito bom pra amadurecer pra ver a vida como ela é, a gente viu a vida muito cedo.
P/2 – E como foi quando vocês ficaram sabendo que estavam grávidos?
R – Então, eu lembro direitinho que quando minha menstruação atrasou, a gente ficou naquela “será que estou ou não estou?” Aí você fica esperando, aí descia, não descia e ficava aquela história e às vezes a gente saía e eu falava: “acho que agora desceu” e ia pro banheiro ver se descia, eu era muito criança mesmo, com dezesseis anos não dá pra esperar maturidade nenhuma. E a gente acha que não, que não vai estar porque meus cálculos a gente fez na conta certa e foi um susto, eu nunca pensei em casar e o Raí chegou e falou: “não, vamos sim, eu vou falar com meus pais” e meu sogro na época era muito bravo. Eu lembro que falei: “nada, não precisa casar, você me ajuda”, ele tomou aquela posição “não, mas eu sou o pai, como não precisa casar?” eu falei: “você sempre vai ser o pai”, ele falou: “eu quero casar, nós vamos dar um jeito.” E aí antes de avisar meu sogro ele foi... Ele treinava esporadicamente no Botafogo, porque ele levava tudo muito na... Na idade irresponsavelmente, ele ia treinar, ele não precisava treinar, ele jogava bem e ele não indo treinar chegava no campeonato o técnico escalava, então ele não ia treinar. Então ele foi falar sério com o presidente “eu quero começar treinar sério, porque eu preciso receber, eu vou casar”, o cara na época falou: “tudo bem a gente te contrata” eu lembro que ele ganhava um salário e meio e era isso. Então ele foi falar pro pai que já tinha arrumado emprego, porque a gente tentou com o salário dele e o meu alugar alguma coisa e não deu certo. O meu sogro ficou muito bravo, porque a gente chegou e falou: “eu tenho serviço, ela também, a gente está pensando em alugar alguma coisa” e com o dinheiro não dava mesmo. Então a gente ficou no começo foi com a ajuda deles, o meu pai estava falindo, né? Então foi uma coisa complicada, tudo ao mesmo tempo.
P/1 – E aí como se desenrola essa história?
R – Então, eu acho que dessa história o que a gente tira de verdade, eu acho que a gente aprende, você começa a observar que é quase com todo mundo, é o que eu falei: o Brasil tem um histórico de quem não nasce em família rica pra chegar em algum lugar, ele é muito ajudado e eu acho que foi isso que aconteceu com a gente. Em várias épocas teve alguém que deu a mão e a possibilidade de ele continuar fazendo o que ele queria, o que ele acreditava foi sendo possível. Então eu acho que isso é assim até com as pessoas que querem estudar e não conseguem, você arruma um padrinho que paga uma faculdade. Então isso eu acho que está na história do brasileiro que não nasce muito bem se ele tiver uma ajuda, ele... Eu acho que a gente acredita nisso e foi assim por quatro anos, sempre tinha uma historinha, o Sócrates tinha carro, ele foi pra Itália e deixou ele com o carro emprestado, às vezes a gente tinha dinheiro pra pôr gasolina às vezes não e aquele carro ficava parado. O carro quebrava, era um Fiat 147, eu sei que de vez em quando saía aquela fumaceira e tal e a gente deixava em casa. Então vinha diretor do Botafogo e via ele chegando de ônibus e perguntava: “o que aconteceu?”,
“não, eu estou sem carro” aí mandava arrumar o carro. Então sempre foi assim sempre alguém aparecia e dava uma mãozinha aqui e outra ali, eu lembro da primeira convocação dele, a minha filha já tinha três para quatro anos.
P/1 – Convocação pra seleção?
R – Mas assim um pouco antes disso falando da educação da Emanuella, eu lembro que a gente... Como ele ganhava muito pouco não dava pra fazer nada, às vezes assim até as saídas eram limitadas, eu lembro que às vezes a gente pegava dinheiro e ia gastar num fliperama e assim a gente perdeu a Emanuella pela primeira vez no shopping porque eu achei que ele estava olhando e ele achou que eu estava olhando e a gente jogando fliperama e ele olha assim: “cadê a Emanuella?” aí saía os dois desesperados. Assim histórias assim têm um monte.
P/1 – A Emanuella tinha quantos anos?
R – Três, ela era pequenininha ainda, ela não aguentava ficar esperando a gente jogar, né? Hoje meu filho joga com três, mas a gente era muito criança, essas coisas assim eram várias. Eu lembro as primeiras saídas quando ele começou a jogar melhor, ele foi pra Campinas e depois voltou e quando ele voltou a gente já conseguia sair pra barzinho, né? Ribeirão tem muitos barzinhos na rua e a gente saía e levava a nenê que já estava com dois pra três anos no carro atrás. Então era assim, ela acordava, a gente tirava par ou impar pra ver quem ia dar voltinha de carro pra fazer ela dormir de novo, né? A hora que eu penso isso, eu falo: “como você conseguiu passar... Educar, sair bem”, hoje eu falo: “ai que bom” porque nossa! Isso foi...
P/1 – E como é assim ser esposa de um jogador de futebol? Acaba acompanhando muito a carreira, né?
R – É, vira torcedora, então desde o começo eu ia com ela pequenininha, com três, quatro meses eu ia pro campo, meu sogro ficava assim no camarote, eu sentava nas cadeiras e levava o Moisés, um trambolho com o nenê dentro e minha sogra tinha medo de ficar porque ela era pequeninha, aí chegou num ponto que um dia meu sogro falou: “olha, eu não aguento mais ver ela lá com esse carrinho no campo, então pode ficar com o bebê.” Porque eu ia a todos os jogos e eu gostava, você vira torcedora, você vira palpiteira, você acha que vai dar palpite... Teve uma época que ele falou: “você não comenta futebol comigo à noite, eu chego não vamos falar de jogada e do que eu poderia ter feito” porque você vai conversar e o cara acabou de jogar e bem ou mal ele não quer escutar, né? Mas você participa muito intensamente.
P/2 – Você já curtia futebol antes?
R – Não, mas você aprende, são muitos jogos por semana, mas três, quatro anos de futebol... Quando eu vim pra São Paulo, no começo quando eu ia ver eu tinha amigos que iam junto com a gente e falavam: “está impedido”, eu fui pedir pra explicar o que era impedimento, eu não sabia o que era impedimento. Então no começo eu não entendia de futebol, depois você entende quando o gol é bom, bonito, quando é coisa difícil, quando... Sabe quem jogou bem, sabe avaliar o time, aí é mais gostoso, né? Mas o que não impede de você tão participativa, você ver jogo que você fala: “ai meu Deus, agora eu estou aqui a uma hora e meia, que jogo é esse?” Está frio e jogo está ruim, quer dizer, você participa de tudo, né? Jogos bons, jogos ruins e o pessoal falando na orelha, né? Às vezes criticando, essa é uma parte muito ruim, você está como desconhecida lá e se ele está jogando mal tem sempre alguém falando e comentando “tira, por que esse cara não se machuca?” Você sofre, eu lembro que eu... Até foi uma coisa gozada, porque depois que eu separei e foi um momento muito difícil pra mim a separação, mas parou minha gastrite, eu acho que a minha vida era mais tensa.
P/1 – Com certeza.
R – Eu era muito preocupada e esse negócio de jogo, de participar estressa, a tua vida vira em função disso, onde você vai morar, o que nós vamos fazer? Quais são os próximos anos?
P/1 – E tem aquela coisa das crianças, a escola, né?
R – E as crianças também, eu acho que hoje em dia a gente vê o pessoal que trabalha até tarde também e está sempre viajando, mas isso chega a ser uma coisa normal, eu não pude ter uma vida tão profissional também por morar fora, eu acho que aqui em São Paulo é mais tranquilo porque você tem mais estrutura.
P/2 – Vocês casaram e ficaram em Ribeirão? Como que era?
R – Ah, ficamos em Ribeirão quatro anos, até então ele não jogava futebol, ia lá mais ou menos, quando eu engravidei, ele se profissionalizou e aí ele ficou no júnior muito tempo porque era menor. E com vinte anos ele fez alguns jogos bons em campeonatos de juniores que tem por aqui em São Paulo eu acho e aí foi quando ele saiu pra Campinas, mas sempre em Ribeirão, sempre no Botafogo e depois quando ele foi chamado pra São Paulo minha filha já tinha quatro anos, então a gente veio pra cá mais tarde.
P/2 – Que ano que era?
R – Ela com quatro, ela é de 83 era 87.
P/1 – Ele veio direto pro São Paulo?
R – É, ele passou acho que mês, na verdade eu acho que ele foi pra meio ano pra Ponte Preta e quebrou o dedo do pé, aí engessou a tempo de se restabelecer e não jogou. Então eu acho que foram seis meses, ele foi para um campeonato e acabou não jogando, tanto é que ele foi só pra Campinas, morou numa república que tinham alguns outros jogadores e eu ia ver os jogos. Então eu ia no fim de semana, passava a folga junto segunda, terça e vinha embora. Não valia a pena você transferir o dinheiro que ele ia ganhar nesse contrato, se eu fosse não ia valer a pena, então... Foi a época que eu acho que a gente comprou o primeiro apartamento, então pra economizar eu nem cheguei a ir pra Campinas.
P/2 – O apartamento era em Ribeirão?
R – Era em Ribeirão e aí depois no outro ano ele veio pra cá em 87, mas antes dele vir pro São Paulo ele foi convocado pros jogos da Copa América? Não, não sei torneio de... Mas antes teve outro que também a gente em casa, em Ribeirão, o Datena veio dar a notícia e o Datena chamou: “Raí, Raí você acabou de ser convocado” e ele falava: “Datena, você está brincando?” Aquele jeito brincalhão do Datena porque a seleção já tinha ido, acho que um machucou, não pôde ir e ele foi depois e ele achou que era brincadeira do Datena, né? Aí depois veio pra São Paulo se estabelecer em São Paulo e você sente um pouco a mudança do interior pra São Paulo.
P/2 – O que você fazia além de acompanhar, assim, você tomava conta da Emanuella pequenininha?
R – Então, eu sempre quis fazer no começo alguma coisa, mas a hora que eu cheguei, a gente chegou aqui em setembro você vai arrumar casa, vai atrás de decoração e tal. Aí chegou janeiro ele foi com o São Paulo fazer uma... Ah, eles fazem dez, quinze dias de preparo fora, eu não lembro pra onde foi, se foi pra Campos, eu sei que eles foram pra fora e o Raí voltou com a ideia de ter outro filho. Aí eu pensei “mas agora?” “se não vai ficar muito distante, a Emanuella está com quatro, eu quero família grande.” Então eu pensei: “bom, eu paro mais um ano, vou engravidar agora...” depois nasce a Raíssa, depois eu dou tempinho e vou fazer alguma coisa e nesse meio tempo quando ela tinha dois pra três anos tiveram os jogos do São Paulo no Japão e aí sai a notícia de ir pra França. Então eu tive a Raíssa já pensando: “bom, ela vai nascer no fim do ano e depois eu retomo o cursinho e depois eu presto vestibular” e cada vez foi adiado, porque acontecia alguma coisa e eu lembro que na época que elas começaram... Quer dizer, a Raíssa com quatro e a Emanuella com nove quando a gente foi pra França, apesar de que elas sofreram muito a adaptação, a Raíssa sofreu muito e ela não queria de jeito nenhum.
P/1 – Ir pra França? Ela não queria?
R – Ela sempre foi avessa à mudança, depois chegou com dez anos, ela não queria voltar, né? Ela gosta, ela é meio fixa, era, né? Mas com quatro quando a gente foi, a gente chegou e foi o pior ano de frio depois de não sei quantos anos, então a gente pegou neve em novembro e pra entrar na escola, ela não conseguia se comunicar,então ela não entendia o que era outra língua, a Emanuella já... A gente colocou a Emanuella no Liceu Internacional, então tinha seção portuguesa e a Raíssa a gente colocou numa escolinha do lado de casa e às vezes ela ficava com muita raiva porque aquela mulher, a professora “aquela mulher não entende o que eu falo, eu quero água e ela não me dá água.” Então era assim, ela achava que aquela mulher era má, mas... Ela demorou mais que o normal pra falar e todo mundo fala que de três a quatro meses é uma adaptação, quando ela começava a soltar alguma coisa que ela falava errado, começava a gozação, então tinha a turminha de amigos, ela falava errado, então ela esperou a época que ela começou a falar fluentemente uns sete, depois o francês, aí ela não passou vergonha. Então ela demorou.
P/1 – Como vocês fizeram pra aprender o francês? Foi toda uma adaptação, né, Tina?
R – Foi, nossa! E é difícil no começo, aqui quando o Raí soube que ia pra França foi em janeiro, a gente foi só em julho, agosto e nesse ínterim, nesses seis meses a gente fez curso, mas quando você chega lá, você percebe que o curso não valeu muito, né? Seis meses, então a gente sabia, eu tinha tido aula de apresentação, quantos filhos, casado ou solteiro, restaurantes, aula de restaurantes e tal. E quinze dias depois a Raíssa ficou doente e eu falava: “eu não tive aula de médico?” Eu queria ter feito essa aula pra explicar o histórico da Raíssa porque a Raíssa nasceu com um problema super grave, a gente quase perdeu a Raíssa, apesar... Você fala assim: a Emanuella não foi uma criança que a gente planejou e nasceu forte, foi a primeira menina da família do Raí, só tinha homem e ela nasceu com 54 cm e 4 quilo e duzentos, nasceu criada. E a Raíssa tinha quarto, tinha tudo, a gente preparou tudo e ela quase morreu, ela fez um pneumotórax, uma coisa e na época eu falava: “por que eu não fiz aula de médico pra contar tudo que ela já teve”, de vez em quando ela fazia pneumonia. Aí teve um conflito na França na época, quando a gente chegou, a gente foi fazer... Continuar francês na Sorbonne, eles tinham um curso de francês e história da civilização francesa. Então essa foi uma fase muito gostosa, porque ele saía do treino de metrô e como lá tudo é muito pontual, a minha estação era outra só que eu saía de casa e pegava o de tal hora porque ele já estava no último vagão, eu levava um lanche e a gente ia pra Sorbonne fazer o curso quatro vezes por semana. Então foi bem gostoso voltar a estudar nessa época e depois eu vivia brigando, mas eu não podia trabalhar na França, né? Não tinha essa autorização, ele tinha e eu não podia, então era fazer curso, estudar, aprender mil coisas, mas eu não ia poder trabalhar, aí quando ele começou, deu pra fazer mais coisas quando ele começou a ter ideias, as criativas, né? “Vou querer fazer um show brasileiro aqui na França”, a gente gostava muito da França e gosta ainda, eu acho que a gente teve uma recepção muito boa, foi difícil no começo, mas a gente fez grandes amigos e a gente viu que tinha uma ligação, porque todo mundo fala que eles não gostam de estrangeiro, mas eles sempre tiveram um olhar carinhoso com o Brasil, a gente sentia que brasileiro era melhor aceito. E tinha esse carinho e eu acho que o Raí foi percebendo e falou: “se eu fizer um show brasileiro aqui...” Todos os amigos curtiam música brasileira, eles adoram ver sambar, eles querem aprender a dançar, “então vamos fazer um show”, então comecei a ajudar assim quando ele começou a ter as ideias à parte do futebol, “dá pra fazer isso?” E ele continuava jogando e eu fui fazendo as outras coisas pra ir ajudando a pôr em prática as ideias, então eu participei disso.
(troca de fita)
P/1 – Então, Tina, você estava falando em fazer alguma coisa ali do Brasil na França, né? Fazer um show? Fazer alguma coisa cultural?
R – E mesmo quando a gente ia em alguns shows brasileiros que tinha... Eu lembro que a primeira vez que eu fui ver Marisa Monte foi lá e ela não era conhecida aqui ainda...
P/2 – Que ano era?
R – Nós fomos em 93, final de 93 e ela não tinha estourado aqui ainda e assim a gente via essa receptividade do povo francês e ele botou na cabeça que ele queria levar o Gil, uns quatro, eu não sei citar o nome dos quatro, né? E aí acabou virando que ele encontrou um diretor da Globo no avião que estava fazendo na época aquele show dos 500 anos do descobrimento, aí falou: “ah, então a gente podia fazer esse show lá.” Então a gente foi para um show maior com vários artistas e acabou virando, acabou acontecendo no Paris Saint-Germain. Isso assim, eu entrei, o Sóstenes entrou porque tinha que fazer o contato daqui pra lá, tinha que traduzir, então vinha com o francês do pessoal do Paris Saint-Germain e voltava até tudo se realizar.
P/2 – Você ajudou na produção, botou a mão na massa, né?
R – Não foi fácil, né? Fazer o contato e o Raí teve sorte de na hora que ele pensou, primeiro ele encontrou o Gil no avião, aí comentou com o Gil e o Gil topou e achou a ideia bárbara. E aí numa outra vinda pra cá sempre com o futebol, eu não sei se ele estava vindo com um jogo da seleção, ele senta do lado de uma pessoa que ele não conhecia e era o diretor da Globo. Então ele cita a ideia e tudo virou, a gente tem várias histórias assim, né? Que acontece, que ele tem a ideia e acaba virando e dá certo, vem tudo a calhar. Então até a ideia que era menor, trazer quatro ou cinco pra fazer um show acabou virando grande, né? Virou um show grande.
P/2 – Vocês fizeram outras coisas desse porte?
R – Não, isso foi em 2001, eu sei que aí o tempo dele estava menor, começou a ficar mais justo por causa dos campeonatos também como aqui dois, três campeonatos e já estava com a volta preparada, né? Foi em 98? Eu não lembro direito quando foi o show, eu sei que já estava preparada a volta e não deu mais tempo e aí na hora de voltar teve a ideia da fundação, mas assim, a gente usou muito tempo lá pra viagens, eu sei que na época que a gente foi... Começamos a ganhar mais dinheiro nessa época e quando eu voltei, eu conheci melhor a Europa que o Brasil, porque até então eu não tinha tido a possibilidade de viajar aqui, né?
P/1 – E lá onde vocês foram? Porque é mais fácil, né? De trem...
R – É mais acessível, você encontra promoções direto, antes de vir embora já tinha Eurotour, então já dava pra ir pra Londres rapidinho e tudo muito mais barato e você cria... Quer dizer, a gente aprendeu a criar hábitos que a gente não tinha, porque talvez na idade de ter, você começa a sair de casa com quinze, dezesseis anos pegar uma mochila e sair, a gente casou. Então nós não tivemos o hábito de viajar, né? Fomos aprender a viajar depois. Aí ele jogando, ele ia concentrar um mês, eu pegava as meninas e ia viajar, então eu aproveitei, eu viajei bastante por lá e todas as férias dele de dois meses coincidia o mês, dez dias era na Europa e depois vinha pra cá, sempre tinha uma passadinha pra conhecer algum lugar diferente. E mesmo às vezes rapidinho no final de semana fomos até Viena, então andava de metrô tudo muito rápido. Então às vezes se a gente tinha um fim de semana a gente passava viajando, raramente passava em casa.
P/1 – E quando você ia com as meninas pra onde você curtia ir, assim?
R – Olha, não tinha um lugar certo, eu cheguei a fazer viagem gostosa de trem, a gente pegava às vezes as mulheres de outros jogadores, tinha mulheres de mais brasileiros lá, até a do Ricardo Gomes que hoje é técnico. Eu já cheguei a sair com a Cláudia, os filhos, a sogra, a minha sogra e a gente foi pra Genebra, fomos passar fim de semana em Genebra. Então eles iam jogar e várias vezes que eles tinham jogos lá em Munique, a gente ia pra Munique. Então ia antes, ia na quinta, passava dois, três dias, assistia o jogo e voltava, porque era um mundo novo, né? Tudo era novo e foi ótimo.
P/1 – Teve alguma viagem assim que pra você foi marcante?
R - A que eu curti mais com o Raí e a sem o Raí, com o Raí foi gozado, porque outro dia eu falei isso e ele falou: “eu não me lembro disso”, eu lembro que eu queria fazer uma viagem... Eu queria na época ir pra Tailândia, eu queria andar de elefante, “mas que ideia, de onde você tirou isso?” Eu queria ter história pra contar e eu falei: “já, já eu vou ser avó e não tenho história pra contar, estou com trinta anos” e logo depois... A gente atrai, né? Vou ser avó, ele falou: “você fala muita besteira”, ainda bem que eu pude contar que já andei nas costas de elefante, a gente foi pro Sri Lanka e pras Maldivas. E foi engraçado... É engraçado esse lance de você pegar o hábito de viajar, isso é tão natural que quando eu cheguei... Ele teve três dias de folga, ele chegou e jogou, fez o jogo do Corinthians e fez gol e tal, aí falou: “nós vamos tirar quatro dias.” Eu peguei um ônibus e fui viajar, vim pra Porto Seguro com o Raí depois da final que ele fez o gol. Mas era tão tranquilo viajar assim, demorou pra cair a ficha que eu estava aqui no Brasil de volta, nós ficamos dentro do hotel, em Porto Seguro não deu pra sair, mas realmente era uma delícia viajar, né? Esse do Sri Lanka foi muito bom, porque era um passeio descoberto, era do Clube Med, eles têm umas viagens que chamam descobertas, então era um país pra você andar, andar, sair cedinho de ônibus. Então a gente saiu do norte onde é o limite, onde dá pra conhecer o Sri Lanka e demos a volta e depois, eu acho que dois ou três dias de repouso, então a gente foi pra Maldivas fazer mergulho. Então foi assim muito gostoso e essa viagem tem isso, porque eu me lembro que eu queria andar nas costas do elefante.
P/2 – E as meninas junto?
R – Não, a gente foi sozinho, a gente trazia minha mãe pra ficar com as meninas e esses dez dias... Quer dizer, teve a Itália também, esses dez primeiros dias que eram nossos e que a gente fazia sem ser no Brasil, porque depois a gente tinha que vir ver todo mundo e tal, as pessoas morriam de saudade e minha mãe ficava e eu saía com ela sozinha pra aproveitar. E na Itália foi a mesma coisa, nós alugamos carro e foi indo e, curioso, na Itália também foi uma delícia a viagem e foi muito gostosa, porque a gente ia a lugarezinhos bem desconhecidos, pequenos, de carro, mas era obrigatório parar numa cidade grande, hotel grande porque o Guga estava jogando, foi quando ele foi campeão. Nossa! Então tinha isso, tinha o Guga no meio da viagem inteira, a gente parava e tinha que mudar “aqui não, aqui nessa cidade tem hotel grande e tem TV.”
P/2 – Vocês dois ligados em esporte, né?
R – Não, mas ele era mais, né? Essa história de parar no meio da viagem pra ver Guga era ele. E a gente chegou a Milão e a gente saiu de longe andando, andando de carro e em Milão quando o Guga começou a ir pra frente, ele falava: “se o Guga chegar na final, eu quero ver”, eu falei: “pô, mas vai cair no meio das férias” “não, mas eu quero ver.” Faltavam uns cinco dias pra terminar as férias e aí chegamos em Milão pra ver a semifinal quando ele se classificou, a gente pegou o avião, ele veio assistir o jogo do Guga e voltamos pras férias, nossa! Ele estava muito feliz... Primeiro porque ele tinha se dado bem no futebol e sofreu muito pra acontecer isso lá, né? Também ele penou, penou frio, a antipatia do começo “esse cara não joga nada” e na hora que deu certo, ele falou: “é muito bom ver um brasileiro se dar bem, eu quero ver esse cara ganhar lá.” E a gente foi pra assistir o jogo e depois continuamos as férias.
P/1 – Onde foi o jogo?
R – Foi na França, Roland-Garros. E assim, eu sei que cada joguinho mandava um fax, mandava parabéns de onde a gente estava e voltou pra ver Roland-Garros e ele falava: “é um prazer” e é uma coisa que depois você que sofre assim fala: “pô, todo mundo devia prestigiar um brasileiro que está fora e se dá bem, né?” Porque não é fácil, não é fácil, ainda mais esportista que sai às vezes sem falar a língua, sem adaptação nenhuma, nunca viajou na vida. Aí a gente foi e viu o jogo, mas um ponto muito bom pra gente foram as viagens, poder conhecer a Europa, aprender muita coisa.
P/1 – E as meninas nessas viagens quando você ia com elas, elas adoravam, né?
R – Então, elas aproveitaram também, não têm o mesmo olhar que a gente, né? A gente foi pra Viena, eu lembro que a Raíssa tinha uns sete anos, fomos a Viena e era aquele negócio: “tem que ir mais um?” Mas a mais velha já curtia mais, a Emanuella estava com doze pra treze e já curtia, mas elas curtiam as viagens, né? Teve uma viagem que eu fui pro... Essa eu fui sozinha com elas pro... Não foi sul, foi sudoeste da França e eu fui parando, um dia eu parei num albergue, outro dia eu parei num castelo, num chateau, então era assim cada hora uma hospedagem diferente. Então o dia que a gente parou no castelo tinha tipo uma fazendinha atrás do castelo, então tinha animais, eles criavam pra fazer o foie gras, tinha os patos. Então assim elas aproveitaram muito e eu acho que na época mesmo gostavam, elas não gostavam de viagens culturais, né? Mas o fato de andar de trem, de ficar de metrô e andar normal na rua, isso foi uma coisa muito importante pra gente, eu acho que a gente saiu do Brasil numa época que não dava pra fazer nada mais por causa do Raí. Era impossível um passeio de gente normal, ir ao zoológico, ele tirava férias e qualquer coisa que a gente pensava era assim: “deixa, vamos ficar em casa” então esses cinco anos em termos de família foi muito bom também, porque deu pra gente aproveitar junto ir ao Mc Donald, fazer tudo que era normal.
P/1 – Lá eles não têm essa coisa assim de ídolo, de mito? É mais normal isso?
R – É mais normal, o pessoal fala que no Rio também é mais tranquilo, né? Os jogadores e tem o pessoal famoso da Globo que anda e tal, mas aqui em São Paulo ficou muito difícil, né?
P/2 – É um assédio muito forte, né?
R – Nossa! E não sei por que... Quer dizer, fora o lado da beleza, porque tem outros bonitos, né? Todo mundo pergunta: “por que ele virou símbolo sexual?” Ele é bonito realmente, mas teve uma onda que eu acho que também... Ele começou a sair muito em revista feminina e isso deu certa prejudicada, porque a mulher se você falar em jogador, você não conhece jogador de futebol, né? Você não consegue visualizar a pessoa é só quando ela começa a ficar marcada que sai em revista feminina, eu acho que isso deu além da beleza que toda mulher conhecia, velhinha, nova, velha gostava porque queria ele como filho. Então ele fazia o bom moço sempre e agradava desde velhinha a mocinhas, era complicado.
P/1 – E teve uma ascensão também na carreira aqui no São Paulo, né?
R – Teve. O último ano, o time do São Paulo foi todo... Então o time era bom no geral, todos, né? Então eu acho que foi o quê? O último ano, não, antes, eles começaram a ganhar, ganhar, então foi muito título e fica muito visado, né? A mídia é um foco, porque não era um campeonato só que estourou e acabou, aquele grupinho veio e passou anos, eu lembro que pra gente, assim, a primeira festa no Gallery, o primeiro título eu não sei dizer se foi paulista ou... Mas a primeira vez que eu fui ao Gallery eu ligava pra esposa do Zetti e perguntava: “que roupa que vai? É muito chique?” Passaram uma, duas, três e depois era assim: “você vai ao Gallery?” Parece assim agressivo, mas foi um momento do São Paulo muito bom, o Raí fala que o time era muito bom, então tinha muito título e ninguém queria ir mais a festinha de campeão, no começo a gente achou o máximo e depois tinham aqueles propósitos, tinha que seguir uma coisa, não era uma festa à vontade, né? Tinha os horários de tudo.
P/1 – E vocês eram amigas assim? Você e a esposa do Zetti? Vocês conviviam?
R - Bastante, eu lembro... Então a gente tinha a turma que saía mais, eu acho que eu era uma das mais velhas se não me engano e tinham muitas que também não podiam sair, porque o São Paulo nessa época coincidentemente fazia tudo para que... Eu me lembro do Fernando Casalli Del Rei falando da família, ele falava isso e realmente por trás ele falava coisas assim, domingo de páscoa que a gente passava sozinha, era dia das mães. Então o Fernando sempre fazia reuniões familiares e isso, assim, a gente trocava figurinhas e quase todas tinham a mesma vida, sempre sozinhas, sempre com os filhos lá e todo mundo sempre pelejando porque os caras estavam sempre viajando, você via de vez em quando, né? Isso por um lado a gente reclamava, né? E isso por outro lado o casamento fica uma beleza, né, você está sempre com saudade, você vê o teu marido duas vezes por semana, é uma visita praticamente, ele falava que era visita em casa. E com as mulheres a gente tinha um bom relacionamento, fazíamos curso juntas, era companhia, né? E os horários meio desencontrados da gente, a gente podia sair juntas na segunda, porque sábado e domingo não dava, saía segunda, pegava um cineminha na quinta, então dava pra coincidir as agendas, né?
P/1 – Maravilha. Voltando um pouco pra França na chegada ali, quando você soube que estava negociando de ir pra França, assim, o que veio na cabeça, Tina?
R – Não era o lugar que eu queria ir na época, porque tinha duas oportunidades, o Raí depois fala, eu não sei se era o Real, não, eu acho que o Ricardo Rocha que era um grande amigo meu, eu adorava a esposa do Ricardo Rocha também, ela era muito engraçada e estava na Espanha e o Raí teve uma proposta da Espanha. O Ricardo estava no Real, eu não lembro que time, junto com o Paris Saint-Germain e eu queria ir pra Espanha, muito mais fácil falar espanhol e ele falou justamente isso: “a Espanha eu tenho a impressão que é meio aqui, eu quero aprender outra cultura, eu quero mudar e vai ser bom pra gente.” Isso ele me falou na época e eu achando que tudo ia ser mais fácil pras crianças e ele: “não, a gente vai pra França” e na época os dois quase com a mesma proposta, ele falou: “não importa se o outro chegar, eu quero ir pra França” quando ele bota uma coisa na cabeça não tem jeito, porque todo mundo falava: “você controla, ele faz o que você quer”, não é bem assim, porque quando ele fala é assim, não adianta ou eu vou ou ele vai sozinho. Então quando ele decide sempre foi do jeito dele e aí a gente foi pra França e eu fiquei com um receio muito grande, eu era feliz aqui, né? E a gente sempre foi muito família do lado dele e do meu lado também, aquele lado de italiano e desde que a gente casou era assim: “vamos jogar baralho na casa dos meus pais.” Então eu senti que ia perder muita coisa e pensava no futuro das crianças, eu pensava “vai ser melhor” e foi muito difícil, a França foi muito difícil. Foi engraçado, porque eu sou comunicativa e ele mais fechado, eu sentia falta de conversar, então eu entrava no carro e ele dava bom dia, bonjour, seja bem-vindo e eu apertava “vai, fala de novo bom dia pra mim”, eu me sentia muito só, né? Então o carro era meu amigão, era o único que me dava bom dia. Nossa! E as crianças eu já pegava de manhã a turminha chorando, aí a Raíssa chorando, a Emanuella chorando “tá frio, tá frio, não gosto daquela escola.” E depois eu acho que a gente aprende isso até hoje pra poder citar alguma coisa, um amigo meu me falou anteontem que tanto faz a escola, porque se a pessoa é inteligente o futuro, a profissão, o importante é a faculdade que você vai fazer, se você fizer uma boa faculdade, você faz um ano de cursinho e faz uma boa faculdade e você tem um bom emprego. Se você for ver a lógica não está errada, hoje o meu marido é alemão e eu penso assim eu que convivi com outras crianças, você crescer com uma boa educação que vem da escola também, o hábito de ler, por mais que você tenha mesmo emprego. Então a questão do emprego não é tão importante, mas a cultura é uma coisa que vem com uma naturalidade imensa, meu marido fala cinco línguas, ele comenta todos os artistas, assim pintores da época, ele entende disso, aí ele vai falar de uma árvore, ele entende de planta. Assim, é uma cultura que você adquire com uma boa escola que ela é natural, ela passa a fazer parte de você e te forma outro cidadão. Eu acho que isso é importante, você não deve estudar só pra arrumar um emprego e ter um bom emprego, ter uma boa carreira e ganhar dinheiro, né? Você tem uma base, uma estrutura e eu acho... A gente estava falando sobre escola, eu acho que isso mostrou pra mim que a cultura é uma coisa de berço, né? Ela faz um diferencial na pessoa muito grande.
P/1 – E aí as crianças tiveram essa oportunidade lá na França, né?
R – Nossa! Muito, a Emanuella é uma hoje que eu falo... Há muito tempo ela fala quatro línguas e foi uma coisa natural pra ela, porque você aprende... Bom, primeiro ela falava português, o francês ela aprendeu, lá da quinta pra sexta você é obrigada a ter uma língua e você chega à oitava e tem que fazer uma opção pela segunda língua. Então é na escola, é uma coisa que todo mundo tem e é bem dado o inglês da escola, porque eles fazem o intercâmbio, então na época que ela estava no Liceu, ela fez intercâmbio com uma menina que depois virou amiga, ela foi pra Espanha e a menina veio pra cá, eles iam acampar, sabe? Fazer coisas que não eram naturais pra gente e pra Emanuella veio muito fácil, né? O aprendizado das línguas e a maneira de procurar as informações e depois chegou aqui também e teve uma boa escola e as coisas são mais naturais e acessíveis, né? A Raíssa tinha o hábito de ler, ela vinha nas férias, ela lia livros assim com facilidade e isso foi uma coisa que ela manteve...
P/1 – Em português? Ela não esqueceu o português?
R – Não, eu ensinei português, então... Assim, a escrita, porque eu levei as apostilas que eu pedi na época do colégio da Emanuella e comecei a alfabetizá-la...
P/1 – Ela foi com dois anos, né?
R – Foi com três anos, de três pra quatro, ela fez quatro lá e eu levei as apostilas do colégio da Emanuella e comecei a ensinar línguas, não a língua, a língua falada ela sabia, né? A escrever, a ler e ela veio pra cá lendo português e escrevendo português sem problema.
P/1 – E ela não confundia com o francês?
R – Muito, muito.
P/1 – Algumas palavras são meio similares, né?
R – E outra, o som também se você... Eu lembro uma que foi muito gozada, o Raí ainda não tinha chegado aqui, eu estava num flat e ela veio com uma redação e eu não estava entendendo, tinha uma parte que tinha no meio da floresta e ela falando das árvores e tal e ela botou um Box e eu falava: “Raíssa, o que é Box”? “Box da floresta” e pra entender que era o bosque, porque ela escutava e se ela não lia a palavra... Ela podia me perguntar o que era, mas tinha muito som pra ela que ela não sabia como era o som direito e como ela escutou a tia falar bosque, ela pôs Box e falava que era Box, não é só que ela escreveu errado “Box de floresta.” Então ela teve dificuldade de ouvir assim como a Emanuella teve também na França de escutar no começo quando você não sabe ler e tal, ela teve e pra escrever, e uma coisa gozada, um diferencial da Europa também pra cá é que ela foi tida como atrasada na escola um pouco infantil, porque ela brincava de boneca com dez anos, ela queria levar... Aqui não se usa mais, levar boneca na escola, lá as crianças na Europa são mais crianças, né? Por mais tempo, a sexualidade, vir com roupinha bonitinha, batom, maquiagem é bem mais tarde, é muito diferente isso daqui, eu lembro que a Emanuella com dez, doze anos ela vinha pra cá, dançava, quando nós chegamos a Emanuella com treze pra catorze anos estava na onda Boquinha da Garrafa, né? E a gente via crianças em programa fazendo isso, então o pai estimula a criança a dançar, estimulam algumas coisas que lá na Europa não se faz, é muito de brincar. Então eu lembro que fui chamada na escola porque eles não sabiam se a Raíssa ia acompanhar a quarta série porque ela era muito infantil e é bem diferente, né?
P/1 – E a adaptação assim das comidas? Da gastronomia?
R – Elas tinham que ficar o dia inteiro na escola e era bandejão e comer legumes, lá não tem arroz, feijão e o pessoal é acostumado a arroz e feijão, né? Se você não faz o feijão, você faz o arroz e lá não tem. Então elas aprenderam a comer legumes porque senão ficavam com fome, no bandejão da escola tem a carne e sempre tem um legume, uma verdura, um legume cozido, uma omelete com beterraba, com cenoura e não tem arroz e feijão, só se for uma salada diferente, põe arroz gelado, elas falavam: “arroz gelado”, era na salada. Mas elas se adaptaram, a Raíssa que era mais resistente, ela se revoltava contra as coisas, eu acho que levava mais tempo pra ver que era aquilo que tinha que ser, então a revolta dela, ela se negava a comer, ela chegava com muita fome em casa, coitadinha. Eu tentava pôr lanche, alguma coisa, mas não tem hora de recreio, era a hora do almoço o intervalo e sentiram um pouco mais, mas foi bom também porque saíram de maus hábitos para bons hábitos. Então foi uma passagem boa.
P/1 – O que mais assim a gente não perguntou da França?
R – Que eu lembre foi isso, foi importante, fora o lado bom da vida, eu acho que pra abrir a cabeça de conhecer outra cultura e ver que existe, né? Outro tipo de vida baseado na educação, pra gente foi importante e eu tive uma escola particular, eu tive o Marista que na época era um bom colégio e tal, mas a facilidade que a escola proporcionou pra você, viagens, né? Então a Emanuella, ela esteve um ano... Todo ano você escolhia um esporte, uma viagem de esporte ou uma viagem de turismo e ela escolheu turismo e eles estudaram seis meses Roma e depois tinha dez dias em Roma. Então ela com doze anos ela falava: “eu conheço isso...” E um dia a gente conversando, ela vendo uma foto falou: “ah, isso me lembra uma praça em Veneza” aí você fala: “nossa! Eu fui conhecer Veneza com 27, 28 anos.” Então faz um certo diferencial você... Abriu a minha cabeça, foi muito bom em termos de ver o que acontece por aí, né? Sair daqui do Brasil e ter feito o diferencial na educação das minhas filhas e o fato de que pude viajar muito, aproveitar essa fase, apesar de ter sido doído na época eu não poder fazer nada. Tiveram várias vezes discussões em casa de família assim, eu falava: “eu queria estar trabalhando, não adianta só fazer o curso, eu nunca vou usar...”
P/1 – Eu fiquei curiosa, você falou dos cursos e que cursos você fez lá?
R – Não, eu fiz curso assim, eu fui pra Sorbonne aquela vez, fiz um curso de inglês e também tinha o horário de buscar as crianças na escola, então você fica muito ali girando em torno de filho, mas eu pude fazer o inglês, o francês e fiz um curso de culinária, porque eu tinha na cabeça abrir... Eu fiz o Cordon Bleu, eu queria abrir um restaurante, eu sempre adorei isso, então nos últimos seis meses eu fiz o curso e era três vezes por semana o dia todo.
P/1 – É um curso puxado, né?
R – Foi um curso puxado e não cheguei a abrir o restaurante, quer dizer, cheguei a abrir o restaurante onde eu não me ocupei da cozinha, eu não ocupei porque eu arrumei uma pessoa, eu queria ter filho e tal, aí eu pensei: “eu acho que prefiro ter filho do que restaurante” e parei na época. Mas hoje eu trabalho com outra coisa, com nada do que eu estudei, mas sempre senti... Naquela época não poder trabalhar, não ter uma profissão, hoje eu acho que me faz menos falta, porque eu trabalho de outra maneira. Mas a única sensação de tristeza que eu tenho daquela época, às vezes de brigar, porque eu queria que ele arrumasse um visto pra eu fazer alguma coisa.
P/1 – E, Tina, a gente vai começar assim... Eu sei que daqui a pouco acaba a fita e você tem que sair também, mas pra gente encerrar essa parte França, você comentou no workshop que vocês perceberam uma estrutura que existia na França que permitia oportunidades que muitas pessoas ajudaram vocês, vocês falaram um pouco isso no workshop aquele dia, né?
R – E foi até outro dia eu citando a facilidade que a gente tem de ajudar os outros e como a gente às vezes se comove de ajudar um pessoal na rua “vamos fazer isso” e o que pro francês isso é revoltante. Então chocou no começo até a gente entender as culturas diferentes de um e de outro, uma vez andando de metrô um super amigo que eu gostava foi super grosso com um mendigo e ele falou: “por que não vai ganhar a vida, pedir é fácil” e pra gente não é fácil ganhar a vida. E ali ele contando pra mim: “ele estudou igual eu”, eles sabem quem é francês e quem não é, porque tem muita gente de fora, tem um pessoal que passa fome e tem o francês que é molecada e ele fala: “pô, estudou” “mas como estudou?” Porque a gente sabe aqui no Brasil quem não tem condições, lá o fato da gente estar num lugar, a minha filha estudava a 200 metros e eu tinha uma empregada e a filha da minha empregada estudava na mesma escola. Então você começa a entender o porquê da intolerância com quem não se deu bem, né? A falta de tolerância que você fala: “ele é pobre e você não quer ajudar” porque a gente se sensibiliza, você pensa: “pô, a pessoa não teve chance na vida” teve, não é ninguém porque ele não luta. Depois você duvida disso “como esse cara teve chance?” E a gente começa a conhecer pessoas que não trabalham, vai trabalhar um ano e aí pega mais um ano de seguro desemprego na França. Aí você fala: “realmente, o cara pra não se dar bem é porque ele não quis” porque tem estrutura, tem saúde, educação, a alimentação na escola é maravilha, todo mundo tem direito. Então você fala: “pô...” e você começa a ver que aqui... Você ver que o brasileiro rala muito mais que o francês, né? Porque o francês já vem com um monte de coisas, ele já tem aquele pacotão de escola, comida e ensino gratuito e não aguenta, você vê, o serviço difícil lá na Europa é português que faz, é gente que vem pra ralar. E o brasileiro não, o brasileiro tem uma boa vontade e falta essa ajuda, né? Falta o básico que é a educação, a gente não sabe lutar, né? Não sabe ir atrás que não tem isso nem no histórico da gente, né? Mas eu até fico pensando de onde é isso, aonde vem isso do livro 1808 que fala que isso já é caracterizado da época dos portugueses que o pessoal que veio pra cá já veio pra não lutar com o Bonaparte, já veio fugindo achando uma solução melhor pra ficar tudo em paz. Mas eu acho isso, a verdade é que aqui é muito desigual pelo fato de você não ter o básico, não te dá meios de lutar com nada, né? Ter um bom emprego e a gente falava: “nossa! Que diferença” que bom a gente saber que faz isso, primeiro foi com a história da menina da empregada que é uma gracinha, a gente se fala até hoje e eu falava: “olha, pequeninha e está na mesma escola que a minha filha” que bom, né? Que bom se fosse sempre assim e foi assim que começou na época de voltar o Raí teve oportunidade de também fazer bons contatos aqui e foi onde começou a ideia “ah, vamos pegar pelo menos dez pra tentar pensar no futuro, dar oportunidades, dar um bom ensino e tal.” Então no começo a ideia da fundação era pegar um grupinho de dez, quinze e fazer estudar do pré à faculdade como se fosse isso uma missão.
P/1 – E dar oportunidade pra essas pessoas, né?
R – É. E ficou um pouco maior, né? Mas a ideia era essa: dez, quinze pessoas e a formação de...
P/2 – Como é que vocês foram amadurecendo assim essa ideia?
R – Então, a ideia era essa, o amadurecimento dela foi o apoio que a gente teve da Fundação Abrinq quando a gente caiu aqui, caiu nos braços da Ana da Abrinq e ela começou: “espera lá, isso aí não pode fazer, não é viável por Lei”, a gente questionava: “como não pode, se eu quiser pegar dez crianças...” ela falava: “não tem como pegar dez crianças, não pode.” E aí foi mostrar, dar essa formação do que estava acontecendo na época de possibilidades educacionais de quando dá pra repartir o ensino de que idade a que idade, de quem era responsável, a Prefeitura era responsável por quê? O Estado por quê? Crianças com que idade podia pôr junto, porque não era pegar dez da mesma idade, né?
P/2 – Mas como vocês foram parar na Abrinq?
R – Um comercial que o Raí fez pra Abrinq, um comercial dos dentistas, eu não lembro, não sei como chama a organização. E ele no fim desse comercial que ele gravou, ele conheceu a Ana que estava lá orientando e tal e a ideia já existia e a gente conversou em casa e ele falou: “Tina, eu já sei quem você vai procurar, liga pra Ana.” Mas ele no momento não conversou detalhes com a Ana, ele tinha isso na cabeça, falou que era alguém de uma ONG da Abrinq e que era pra eu vir ver como fazia. Então, assim, realmente a acolhida da Abrinq foi grande, porque eu marquei, liguei pra Ana e falei: “olha, eu estou aqui sou Cristina e a gente tem vontade de montar...” Eu não sabia se era fundação ou o que, porque também depois disso você vai ver que existe instituto, fundação e que um é diferente do outro, organização. Então eu não tinha nada na cabeça, então eu sabia o que falar assim, eu sabia qual era a nossa ideia. E a gente foi conversar e aí sim foram várias conversas até ela entender o que a gente queria e de repente ela traduziu numa linguagem pra ajudar com educação, porque não tinha uma coisa formatada, né?
P/2 – Quando vocês pensavam nessas dez crianças como que era essa, entre aspas a adoção, né? Como vocês imaginavam que ia ser?
R – Você fala critério?
P/2 – Adotar como? Ajudar como?
R – Não tenho ideia, porque a ideia era dar uma boa escolaridade que a gente achava... Talvez até... Não lembro como foi assim a ideia dos dez, dos quinze, mas era ter um prédio onde pudesse pôr, eu não sei se chamaria de orfanato, onde elas viveriam, a gente conseguiria dar o estudo, mas eu sei que era dar estudo pra dez ou quinze, a primeira conversa foi essa. Aí depois com a Ana eu ia e voltava, trazia o que podia e o que não podia.
P/1 – Mas tinha um olhar assim, além da questão da formação educacional, porque você falou em colocar as crianças na creche, a questão assim também sobre a família também?
R – Eu acho que não tinha ainda, porque a gente não pensou em adotar, mas em nenhum momento eu me lembro de ter conversado com o Raí, como ele falou: “a gente pega um grupo de crianças, umas dez, quinze e vamos dar formação” que era acompanhar, dar um acompanhamento escolar pra essas dez, quinze até se formar e depois... Eu lembro que ele já falava isso, depois a gente vai ter um embasamento, a gente vai poder provar que isso faz diferença, sabe? Era uma coisa bem de coração, de cabeça e de crença, de acreditar que isso faz.
(troca de fita)
P/1 – Então, Tina, retomando a nossa entrevista, a gente estava conversando sobre o começo da fundação Gol de Letra o que movia vocês a pensar numa fundação, né? Que era ajudar dez crianças, mas por que ajudar essas pessoas?
R – Por acreditar até por ser a nossa história que é meio a cara do Brasil, porque se você não nasce numa família onde já... Se você não tem as mesmas condições financeiras, você não chega a ser competitivo e nem tem a mesma chance. E nós tivemos a oportunidade de cada momento decisivo ter alguém pra falar: “olha, continua fazendo o que vocês estão fazendo” e dar uma ajuda aqui e outra ajuda ali. Então foi uma questão de ter tido essa oportunidade de acreditar que se você desse a oportunidade muitas pessoas vão alcançar coisas, uma vida melhor, possibilidades de lutar e partindo daí a gente achava: “vamos fazer isso com um pouco de pessoas, vamos pegar umas dez crianças...” E era um pouco da gente, porque a gente sempre teve alguém que aparecia em momentos cruciais e: “não continua... Vai seguindo” e foi essa oportunidade que a gente teve e queria passar. E aí veio, depois da ideia o Raí teve um contato com a Fundação Abrinq, com alguém da Fundação Abrinq, a Ana Maria, e me colocou em contato e falou: “vai lá, liga pra Ana e fala que é da parte do Raí e vê onde ela pode te ajudar.” Então na Fundação Abrinq, na pessoa da Ana foi tudo no começo pra nos colocar a par das Leis, das possibilidades, do que era viável ou não e a gente teve um respaldo institucional deles muito grande, muito importante.
P/1 – Como que a ideia foi se transformando? Porque foi junto com a Ana Maria que vocês foram aprimorando a ideia da fundação, né?
R – Então, primeiro foi achar o foco, que idade, com o que trabalhar, a ideia era trabalhar com a educação “bom, então vamos ver as possibilidades”, então tinha que saber que crianças colocar, o que podia ser feito e onde a gente poderia encontrar parceria. Assim dependendo da idade era a Prefeitura ou era o Estado e isso foi assim, a gente cobrando também essa posição e ajuda que todo mundo tem que reivindicar, né? E aí a gente conseguiu achar... Chegamos ao Governo com a Lila Covas e ela dispôs pra gente uma série de prédios que estavam vazios, ela colocou à disposição pra gente ver onde seria essa fundação. E aí a gente escolheu, na época eu subi lá na zona norte, subindo a Vila Albertina e eu vi muita criança na rua e muita criança pequena com irmão mais velho atravessando na frente do carro e eu já tinha visitado outros lugares, mas assim calmos com muitos velhinhos. Então foi achar o foco que era criança, achar um local propício e cobrar a ajuda do Governo que entrou, fez a parceria e cedeu pra gente o prédio.
P/1 – Tina, como é que foi pra você, porque você falou assim que sempre quis trabalhar, né? Aí você recebeu essa missão de colocar de pé a fundação, como é que foi isso pra você?
R – Você sabe que na hora que a gente está fazendo as coisas e as coisas estão acontecendo, hoje eu falo: “nossa! como é que foi” porque eu consegui muita coisa, mas foi fácil assim, eu não me lembro de uma coisa difícil. Era constante, um trabalho constante, a gente tem que visitar, tem que fazer isso, tem que fazer aquilo e à partir do momento que você se dispõe, disponibiliza teu tempo pra isso as coisas foram acontecendo. E eu acho também na época que eu percebi, assim, a gente tinha vontade de ajudar, mas no caminho você vai encontrando muita gente com essa disposição e eu acho que o Brasil tem essa riqueza porque quando as pessoas vêm... Apesar de ter muita gente que faz ou engana e tal quando você tem uma coisa séria, uma proposta séria você encontra um monte de gente. E a gente teve muita ajuda no começo e achamos o prédio e depois fomos fazer licitação pra ver construtora, o prédio estava abandonado há uns oito anos, seis anos e precisava reformar e tudo precisava de dinheiro e aí a gente achou uma construtora que entrou em parceria, assim, a gente pagou só o que ela gastou, a mão de obra foi toda dela, então... A gente foi ao BNDS [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social] pedir a verba pra obra e tudo documentado e conseguimos o apoio do BNDS. Então assim as coisas foram acontecendo realmente, inacreditável pra mim, porque a hora que aconteceu a inauguração, estava lá o prédio, a reforma, as pessoas, estava tudo acontecendo.
P/1 – Você chegou a acompanhar esse processo da reforma do prédio?
R – Sim.
P/1 – E não tinha problema da escola que tinha tráfico? Uma disputa? Porque vocês chegaram lá ocupando o espaço, né? Como é que foi essa relação?
R – Eu acho que com o bairro foi bem aceito, porque a disputa assim era um prédio fechado, muita gente já tinha tentado o prédio e logo que eu cheguei a pessoa que tomava conta falou: “olha, ninguém consegue esse prédio, esse prédio está fechado outros já tentaram, a polícia militar já tentou” eu falei: “ah, vamos ver, né? Estão me oferecendo se eu falar que quero, eu acho que vai dar certo.” E acabou dando certo, né? E eu acho que pela região, pelo bairro a gente foi bem aceito, porque as pessoas gostaram de ter um serviço, estava todo mundo muito curioso também, o que vai virar aqui e tal. E a gente teve uma receptividade boa das pessoas, porque desde o começo começamos a trabalhar com as crianças, era mais um lugar a serviço da população ali, tinha uma creche pequena, então a demanda do bairro era grande e ainda continua, né? Então foi bem aceito.
P/1 – Nessas primeiras visitas a Vila Albertina, além dessa quantidade de criança com seus irmãozinhos ali, o que mais te chamou a atenção Tina?
R – É uma carência, quer dizer daquela primeira vontade de ajudar, você se frustra até um pouco porque a necessidade é muito grande, tem coisas que acontecem que não passam na nossa cabeça, né? Porque a gente apesar de saber da necessidade de todo mundo, da pobreza grande no Brasil você não tem conhecimento de nada do que acontece, né? Da carência e ao mesmo tempo isso aumenta a vontade de você sair, no começo tem isso, você vai pedir dinheiro, vai pedir verba “que feio, né?” Não é que feio, você fala: “gente se eu posso fazer alguma coisa, eu vou meter as caras” porque é muito longe do real, eu lembro de poder oferecer isso pras minhas filhas também, esse contato e eu acho que isso faz parte da formação como a gente teve em criança, de visitar com a mãe a creche, visitar, levar uma roupa, isso é cultural. E a Raíssa uma vez viu numa seleção, a gente selecionando as crianças, a história de um pai que as crianças comiam dia sim e dia não, no dia que a Prefeitura dava leite, ele não podia dar, elas comiam e dormiam às quatro horas da tarde. Então elas eram realmente subnutridas e isso na cabeça da minha filha com doze anos, ela falava: “como come dia sim, dia não, isso não existe.” Então assim daquela vontade de ajudar que você fala: “olha tem gente que não tem estudo” não é muito pior, né? Tem gente que não tem o que comer, então isso motiva ao mesmo tempo te motiva, te dá um impulso e além dessa motivação... Eu acho assim foi um prazer encontrar muita gente trabalhando a favor, isso também ajudou, ajudou na nossa formação, o Instituto Airton Sena e outros, a Kellog, as reuniões tudo que se falava no momento do terceiro setor. Isso foi um impulso e um pouco da quebra do medo de não ser... Porque quando você não se profissionaliza no ramo... A gente falava assim: “como que a gente vai conseguir manter essas crianças?” Esse medo de... Eu lembro que era um medo do Leonardo também, ele falava: “pô, isso é um compromisso muito grande a gente dar esperança para essas crianças e depois se não conseguir manter” e isso na minha cabeça, porque eu estava lidando ali direto com as instituições e com o público, eu falava: “isso não vai acontecer, a gente nunca vai encontrar as portas fechadas.” Mas eu via motivação de muita gente e muita gente a favor de ajudar, isso me motivou e me quebrou o medo na época.
P/1 – Dessas pessoas que foram chegando no início, a Ana Maria que ajudou muito a constituição e ela indicou a Sônia London, né? Como é que foi o trabalho da Sônia contigo? Foi bem intenso, né?
R – Foi. A Sônia saiu comigo pra campo pra me mostrar, nossa! Eu às vezes penso hoje na Sônia e imagino o quanto ela se chocou com os meus comentários, porque assim de educação em formação a gente não tem de saber o que faz, o que não faz. Então ela foi me dar uma visão do que era todo tipo de trabalho que estava sendo feito no Brasil pra gente poder selecionar o que era bom ou não. Então as coisas, o lado profissional da coisa, quem fazia... Sabe? Trabalhar com a educação você não pega uma moça que está fazendo café e vem dar aula, porque isso acontecia muito, ela falou: “vamos profissionalizar porque tem uma chance de dar certo.” É essa visão que a Sônia me deu e também trouxe pro grupo, é isso, não fazer economia em qualidade se a gente quisesse, não só ter sucesso com as crianças, mas se manter, porque fazer uma coisa bem feita, né? Então com a Sônia eu conheci vários estabelecimentos desde creche, muita coisa que estava sendo feita e depois a gente não conseguiu ter a creche na fundação, mas a ideia inicial era a creche, criança e adolescente. Depois a gente ficou só com adolescentes no início. Mas essa formação de visitar, de profissionalizar, de nos profissionalizar e de nos mostrar tudo que podia ser feito.
P/1 – Você se lembra de alguma visita assim especial?
R – Não, eu me lembro de ter conhecido o trabalho da Crecheplan, mas eu não lembro onde eles estavam, eu fui a várias creches onde estava sendo implementada... Eles tinham um projeto de profissionalização legal também e eu fui visitar alguns projetos e tal, mas eu não lembro o nome pra citar, mas eu sei que eu visitei os trabalhos deles. A Sônia me levou também pra conhecer o Instituto Ayrton Senna e me enfiou num curso de capitação de recursos, ela meio que dirigia “você precisa fazer isso” e às vezes eu questionava, né? “Mas por quê?” Ela tinha que ter paciência pra explicar bem o abecedário inteiro desde o A pra mim. E é isso, eu encontrei pessoas que tiveram paciência de ensinar e foi muito bom.
P/1 – Isso também está no contexto um pouco do começo do terceiro setor, né?
R – É. Eu não sei hoje como está pra quem quer começar, mas falava-se muito na época, tinha muitos eventos, muitos acontecimentos, muita gente mostrando como já era lá fora. Então isso me deu uma ideia assim, abriu muito minha cabeça, porque você chega com uma vontade de ajudar e não é tão simples, né? Eu acho que você pode ajudar, é simples ajudar, mas se você quer uma coisa que se mantém é complicado é oneroso, você tem que ter um programa, não é tão simples você falar: “eu quero ajudar” como a gente tinha na cabeça; “a gente pega uma criança e dá estudo pra ela” é bem mais complicado que isso.
P/1 – E como a Vila Albertina, a comunidade, o entorno recebeu?
R – Foi muito bem aceito, a gente se adapta também às leis do bairro, então tem um equilibro entre nosso trabalho, né? Não é que a gente se adapta e faz o trabalho, não, a gente tem o nosso trabalho sem quebrar algumas regras que também existem de funcionamento, existem as Leis que falam: “hoje não abre, hoje é perigoso abrir”, então você cumpre algumas coisas, mas a gente tem muita parceria com o bairro, têm parcerias com escolas, parcerias com supermercado. Então eu acho que assim existe a colaboração do bairro em si por um bairro melhor, todo mundo quer chegar ali com uma boa intenção, tem apoio ali, né?
P/1 – E o fato de ser assim o Leonardo e o Raí, duas personalidades assim que a gente estava comentando que se destacaram na copa, né? Tinha aquele clima todo?
R – Então, tem um lado vantajoso, porque pra mim abriu portas, né? Usar a imagem deles e abre muitas portas e tem um lado da expectativa que você vai trabalhar com criança e a criança acha que é futebol, né? Ali até desmistificar que ia ser uma escolinha de futebol, a molecada aparecia, aí é o lado ruim, porque você criou uma expectativa, a criança acha que vai sair jogando, vai ter a mesma vida e não é assim, né? Então teve que mostrar que não era uma escola de futebol, porque o assunto não era futebol, tem o esporte como um apoio, como uma coisa boa, saudável como estímulo, mas não era o fundamento da fundação não era o esporte.
P/1 – E você lembra como foi se formando essa equipe, porque você falou da Sônia que ela foi te direcionando e a equipe depois pra poder trabalhar mesmo? Como ela foi sendo composta?
R – Então, por indicações a gente foi conhecer alguns trabalhos, na área da educação eu me lembro do Marcelo Jabur que a gente foi visitar alguns programas, algumas coisas que ele estava colocando em prática, que eu não vou lembrar o nome, mas era muito legal e tinha muito a ver com o que a gente fazia, o esporte assim ajudando na educação, motivando e muitas coisas super legais. Então ele entrou na parte do projeto como coordenador dessa parte de esporte e foi um trabalho junto com a Sônia, ele fazia parte da coordenação pedagógica do esporte. Mas também foi quando a gente focou o objetivo, a missão, como seria o trabalho, as pessoas que deveriam estar pra formatar o projeto pedagógico, né?
P/2 – Aliás, você falou missão, né? Como é que foi surgindo essa ideia da missão, dos valores? A primeira coisa que a gente vê quando chega lá, né? O cartaz com as missões, como é que isso foi sendo desenhado?
R – Então, foi super legal porque a gente veio um pouquinho com as ideias caseiras, né? Em mesas de debates e tal e aí nessa parte institucional até a gente desenhar direitinho o que era a missão, focar o que a gente queria, a intenção também, né? Porque você tem que ver uma intenção pra ter uma missão, eu acho... O que você queria com a coisa antes de ter a missão, né? E aí tinham mesas de debates na Fundação Abrinq com pessoas muito legais na parte de Educação, na parte de Direito e a Fundação Abrinq disponibilizou... Eles tinham vários parceiros na época que vieram ajudar nos debates na hora de fazer a nossa missão, o nosso... Ah, discutir tudo, eu não me lembro de todos os nomes, mas eu sei que foi assim, foi numa mesa na Abrinq e que a gente passou, acho que uns três dias assim em vários horários diferentes formatando o conceito pra escrever.
P/1 – Como surgiu o nome Fundação Gol de Letra?
R – Não lembro, eu sei que o Pitti Brant na época, a gente estava decidindo o nome e alguma coisa tinha que ser educacional pra começar a dar visibilidade, porque a coisa não era só futebol, né? Como é que nós vamos tirar isso, porque todo mundo que vai chegar você vai apresentar a Fundação do Raí e do Leonardo vão falar: “é alguma coisa de futebol” e a gente queria alguma coisa que tirasse esse estigma logo de cara, né? E o símbolo, a gente pensou no símbolo “ah, então é educacional, vamos pensar alguma coisa com livro e tal” e eu lembro que o Pitti ajudou também na decisão do nome, mas eu não me lembro de quem foi o nome, alguém de vocês sabe? Alguém contou?
P/2 – O Pitti citou isso na entrevista dele, mas agora eu não lembro.
R – Eu acho que tem a ver com ele, porque ele entende de futebol, ele sabe o que é gol de letra e ele tinha essa ideia do livrinho, então eu acho que a sugestão deve ter sido disso, porque a gente não tinha ideia específica de nome, né? A gente tinha sempre a ideia de trabalhar com a educação.
P/1 – Tina, vamos voltar um pouquinho no começo da fundação, que eu acho importante ter o seu olhar, é essa parceria do Raí com o Leonardo, né? Como surgiu essa ideia dos dois?
R – Bom, eles são amigos, muito amigos de longa data, né? De muita confiança e respeito, admiração, bom, tudo que é a amizade demanda, pede e o Leo desde a época que ele jogou a primeira vez no São Paulo a gente sabe que ele também tinha intenção de fazer alguma coisa com criança, o Leo começou antes do Raí a comprar coisas, guardar coisas pensando em crianças, acho que aquele terreno em Niterói, ele falava: “um dia eu vou ter um projeto, vou trabalhar com esporte e criança.” Ele sempre teve isso e o Raí sabia, então na hora que a gente começou a... Isso foi depois do primeiro contato com a Ana depois que as coisas ficaram assim mais definidas, a gente foi fazer a proposta pro Leo. Então eu passei uma hora e pouco com o Leo no telefone, ele em Milão e eu explicando tudo, porque ele queria saber detalhes como era e muita coisa... Porque na época eu tinha vindo nos eventos do terceiro setor, eu podia estar explicando melhor e convencendo melhor que o Raí, porque o Leo era assim: vontade ele sempre teve, mas ele tinha o pé no chão, mais pé no chão que o Raí, porque o Raí sempre foi um sonhador e o Leo falava: “cara, mas isso é perigoso, pegar trezentas crianças e depois? Se você não conseguir você vai abandonar? Não pode abandonar no meio, isso é sério.” Então era assim, tinha que tentar falar que “não, nós não vamos abandonar” e no fim eu lembro que eu falei: “pô, se durar cinco anos, durou cinco anos, se durar...” a gente fez alguma coisa durante um período. Eu sei que eu convenci num telefonema longo, mas saí festejando porque eles decidiram abrir junto já... Eu já tinha tudo mais detalhado pro Leo, o Leo era mais pé no chão, saber como ia funcionar, qual era a ideia e tudo, mas assim que ele tinha uma ideia, tanto é que ele já tinha muita coisa em Niterói pra estar colocando dentro do projeto, entendeu? Sempre foi um desejo dele também trabalhar com esporte e criança.
P/1 – Dessa época da implantação qual você acha que foi a maior dificuldade que você teve?
R - Maior dificuldade? Então, tem uma coisa triste que eu lembro que... Eu não encontrei muitas dificuldades fora as normais que eu acho que: “bom, se você vai batalhar não é tão simples, né?” Agora uma coisa ruim que eu lembro é infelizmente muita coisa que não é séria acontecendo, então as brincadeirinhas que você... Você vai com uma papelada, você tem um trabalho super legal, às vezes você vai apresentar e a pessoas que está ali, você apresentando o projeto, ela dá uma cantada pra perguntar se não... Faz uma brincadeirinha se não é lavagem de dinheiro? Isso daí é bom pra efeito fiscal, então você fala: “nossa!” até você provar que é um trabalho sério no Brasil e no começo eu não entendia por quê? E depois você começa mesmo a ver “bom, existe mesmo ONG que...” Mas eu sempre achei que quem tivesse ingenuidade, mas pô quem abre um negócio pra ajudar, tem intenção, aí você começa a saber da história, né? LBV [Legião da Boa Vontade], outras histórias e aí você fala: “bom, o negócio é grande mesmo.” Então é isso, a dificuldade de você ter um trabalho sério onde tem muita coisa que não é séria, então é isso: a dificuldade de provar que é sério, uma dificuldade de provar sem existir, porque quando você está começando a existir é a parte mais difícil. Então até pra você ter o certificado de utilidade pública que te ajuda bastante você precisa de três anos, aí você fala: “como é que eu vou sobreviver três anos?” Se tudo é mais caro, eu não posso ter...
P/1 – O certificado da isenção?
R – É. Então quem ajuda no começo, nos três primeiros anos, ele ajuda por ajudar, porque ele não tem bônus nenhum, então ele não está livre de imposto e nem nada, porque depois fica mais fácil pra você conseguir, né? Então o começo é isso, a dificuldade de provar que você tem um trabalho sério, a intenção é boa e eu acho que nisso ajudou a cara séria do Raí e do Leo, né? O comportamento deles contribuiu além deles serem jogadores e terem a evidência, o bom comportamento dessas pessoas, a seriedade deles ajudou, porque é difícil você fazer captação com uma ONG tendo muita coisa acontecendo ruim, né? Então essa é uma coisa difícil que aconteceu.
P/1 – E esses aprendizados do terceiro setor, você estava falando do certificado de utilidade pública, uma série de legislação, de coisas assim que são detalhes, né? De dedução de imposto de renda, como você foi aprendendo isso?
R – Então, você aprende como vai funcionar, mas tem o pessoal que cuida, tem a parte administrativa da fundação que fala que com isso fica mais fácil, você tem a parte de contabilidade que te explica como você vai conseguir algumas coisas. E você aprende que essas Leis vão te ajudar, mas a parte de administração eu nunca fiz.
P/1 – Você fazia era captação?
R – É, captação.
P/1 – Você falou que não tinha vergonha de pedir?
R – Não.
P/2 – Você se lembra de alguma situação assim... O seu primeiro contato pra tentar conseguir alguma coisa?
R – Eu lembro que os primeiros contatos, eu acho que uns dois ou três a Sônia foi comigo, aí depois ela me largou, mas eu via, eu tinha... E eu sabia falar bem do projeto, porque a gente tinha participado da construção e tudo, todos os detalhes das reuniões pedagógicas, eu sabia... Eu tinha um conhecimento muito forte disso, de tudo que era pra acontecer e era fácil vender porque era verdadeiro, eu acreditava naquilo, né? E tem que ser só isso que você vende, porque é uma ideia e vender uma ideia é difícil até acontecer, isso foi uma das dificuldades e outro lado de ser o Raí e Leonardo às vezes eu marcava uma reunião que pra mim era séria pra uma captação, aí eu escutava isso: “se a gente contribuir o Raí não faz uma propaganda pra tal refrigerador?” “ah, você não consegue falar com as esposas do jogador tal, tal e tal se a gente ajudar.” Então assim misturava o lado do jogador com o pedido e assim até ficar claro foi uma dificuldade.
P/1 – E como você ia lidando com essas coisas? A primeira reunião sem a Sônia?
R – Eu acho que já estava bem, cara de pau já, eu não tremia tanto, eu não tinha vergonha de apresentar a fundação, eu achava que... Na minha cabeça quem não ajudava é porque não entendia direito o projeto, eu achava que o projeto era muito bom.
P/2 – Você falou que participou assim daquela seleção das crianças, a primeira seleção?
R – Não, não, eu seria incapaz de ficar e aguentar tudo, né? Eu conheci as histórias e a gente estava ali, conhecia as pessoas, mas na entrevista...
P/1 – Já tinha uma equipe pra fazer isso?
R – Tinha uma equipe profissional e assim, eu acho que tem que ter o emocional trabalhado, porque eu não conseguiria ficar mesmo ainda estando lá ou atuando lá, eu não gostaria de estar perto e ver as entrevistas, porque é muito difícil selecionar, pra mim, né? Você tem vontade de falar sim pra todo mundo e você tem que limitar, você tem que saber quais são os critérios de necessidade, né? É uma coisa difícil de estipular, saber qual é o mais carente, pra quem você vai dar o lugar, então é complicadíssimo.
P/1 – Definir quem é mais carente, quem é menos carente, né?
R – Então, não sou capaz.
P/1 – Tina e o dia da inauguração, você recorda?
R – Nossa! Bem. Então, esse dia eu estava muito nervosa apesar de ter planejado um discursinho, eu lembro que eu não conseguia ler o que eu tinha escrito, porque eu estava muito emocionada, não era só um nervosismo assim, era emoção mesmo, né? Porque às vezes você fica nervosa com alguma coisa, mas eu estava emocionada e eu não conseguia falar direito no meu discurso. Mas é ver isso que é um projeto grande, quer dizer ver um sonho que ficou grande, né? Aquele medo também, você tem um medo de estar dando aquela expectativa pra aquele monte de gente, monte de criança. Estava no alto assim da quadra do bairro, você olhava e falava assim: “nossa! Meu Deus tem que dar certo, agora começou mesmo.” Então dali não podia mais não dar certo, né? Mas foi uma mistura de emoção e orgulho, porque eu fiquei orgulhosa também.
P/1 – E a expectativa das crianças? Dos pais? Como é que foi nesse dia?
R – Então, eu acho que... Eu não sei avaliar, eu sei que estava tudo... Que eu vejo, que eu consigo decidir assim é pouca coisa, porque quando alguém fala: “pô, eu vi você”, eu não lembro dessa pessoa no lugar. Então eu acho que eu estava meio cega, eu não tenho uma avaliação desse dia direito.
P/1 – E o começo das atividades assim o que você se recorda? Como vocês começaram?
R – Eu não lembro muito, não posso falar muito disso, do começo das atividades, eu lembro mais da parte mais executiva assim de: “olha, não está dando certo com a escola paulista, vamos fazer isso, vamos fazer aquilo, agora vamos botar um consultório” e ficava mais no escritório aqui antes de fechar do que lá. Então eu não convivi com as crianças e com o bairro, os eventos depois da...
P/1 – O escritório era em Perdizes?
R – É.
P/2 – Mas como foi nascendo essa ideia, por exemplo, de: “OdontoPrev, vamos trazer a OdontoPrev” pra atender as crianças, como é que foram surgindo essas ideias? Porque até então era um atendimento assim: complementarização escolar, né?
R – Então, mas eu acho que a Odontoprev foi no momento que eu já não estava, foi uma parceria que primeiro a gente conseguiu... A gente foi trazendo tudo que podia como parceiros, né? Pra ir melhorando, porque é como você falou, tinha aquele projeto e depois o projeto foi crescendo e era assim: “a gente tem uma sala aqui se desse pra trazer o atendimento básico de educação...” Ah como eu poderia dizer? Da escola paulista, quando a gente colocou uma enfermeira ali, a sensação foi essa, o acesso fica mais fácil com a moçada de questionar, o atendimento profissional pra tirar dúvidas, um atendimento bem básico, mas necessário. Então foi ótimo e foi uma parceria muito boa, quer dizer, aí já começou a ficar um pouquinho maior que a escola, né? Então você ocupa uma sala com isso, eu acho que depois disso veio a UNIMED e foi: “nossa! A gente está pensando em expandir, vamos dar plano de saúde” então a ideia é assim se você tem um projeto, ela começa... Quanto mais você puder fazer, você vai fazer, mas na época da Odonto eu já não estava mais, eu não me lembro de como a Odonto chegou.
P/1 – Mas aí o próprio funcionamento da fundação foi trazendo esses parceiros?
R – Foi e foi muito assim de... Você começa a trabalhar no bairro, você começa a ver a carência e a facilidade de você estar no bairro e já com um trabalho acontecendo fica mais fácil você ir procurar um apoio “olha, nesse bairro não tem isso, não tem aquilo, vamos fazer uma parceria.” Aí as parcerias, elas acontecem, quer dizer beneficia todo mundo, mas fica mais fácil pra trabalhar, né?
P/1 – E aí foi tendo esse lado de troca?
R – É, no começo tem, né? Mas eu acho que até hoje tem o lado do terceiro setor dessas pessoas que entram com a vontade e tem um lado que sobrevive da troca, né? De um retorno do bonito, de ajudar, essa firma tem parceria, faz um projeto legal e é uma maneira de mostrar uma conscientização de uma forma legal e eu acho que isso ajuda na... Eu não posso condenar.
P/1 – Não é de todo ruim?
R – Não, e um lado do politicamente correto que eu acho que sinceramente todo mundo devia fazer, porque melhorava um pouquinho a cara de tudo, né? Essa história de que cada um tem um trabalho e fala, quem sabe o vizinho se emotiva em vez de criticar e faz um também e começar a ajudar, ter o seu trabalho politicamente correto e as pessoas dão visibilidade porque isso é bonito e tal e estão fazendo o bem, ótimo.
P/2 – Só pra eu ter uma ideia, você pegou a Gol de Letra desde o início e até que período?
R – 2001, 2002, até a primeira oficina de troca com a França, eu acho que foi 2001, até final de 2001.
P/2 – Essa primeira oficina como é que foi essa ideia?
R – Então, quando o Raí conseguiu uma parceria com a França, com o governo francês, eu não sei especificamente o que, eu estava recém saindo, porque foi logo que ele parou o futebol e eu ajudei muito na época que ele estava ausente e eu estava mais presente. Quando ele parou o futebol, ele teve muito mais tempo pra se identificar e aí ele já mais tranquilo e o negócio andando bem profissional e o Raí começou a fazer a parte que eu fazia. Quer dizer, não precisava mais eu estar indo buscar alguma coisa porque ele estava presente, então eu fiquei tranquila de sair sabendo o que ia acontecer melhor até. E ele fez essa parceria e pra mim foi uma coisa porque eu já estava saindo super emocionante, porque eu falei: “olha que legal porque agora a gente troca cultura, né?” E de uma forma assim, não é que é uma forma simples, mas é simples assim como eu falar: “vamos conhecer a casa do Monet”, estar aqui perto, você traz uma oficina da França de grafite, quer dizer, é um acesso pras crianças, para os interessados ali do bairro de trocar cultura, né? Um aprendizado duplo que você vê o interesse dos franceses pelo que se faz aqui, então realmente é uma troca. Então teve a oficina de maquiagem, era uma formação em maquiagem, pintura, eu acho que teatro, hip-hop e eu acho que foi o meu último trabalho que eu vim pra traduzir as crianças na época, participativo foi meu último evento.
P/1 – Você chegou a pegar aquele dia de fazer a diferença?
R – Eu não participei, mas ainda estava.
P/2 – Você não participou, mas chegou a acompanhar?
R – Ah, sim, os resultados, saber o que aconteceu, como foi no bairro.
P/1 – Porque foi a primeira vez que saiu dos limites da escola, não é?
R – É. E aí você percebe que a gente está lá, mas que a carência do bairro, né? Porque você começa a oferecer alguns serviços, a fila de gente pra tirar RG, eu acho assim a carência de tudo e tudo que você oferece ainda dá a sensação de que é pouco, né? Porque o pessoal precisa mesmo, mas eu não participei desse dia.
P/1 – E olhando assim pra comunidade hoje, você nota diferença na comunidade? No entorno? Nas casas? Na atitude das pessoas?
R – Eu acho que existe um respeito diferente, uma confiança no trabalho, existe um respeito de algumas coisas, sabe? Assim: “isso é bom, aquilo não é” a cabeça das crianças, você percebe uma moçada disposta a fazer uma história, a fazer a história dela e eu acho isso legal, com uma fé de que: “não, a gente faz também” e é super visível, eu acho o trabalho... Não é que é super visível, mas elas sabem que está ali que pode estar em outro lugar, é como se eu desse uma esperança “ah, eu estou aqui, estou fazendo um trabalho aqui, eu vou numa oficina, eu vou viajar, eu vou apresentar lá.” Eu não acho que isso é sonho, é errado você dar essa perspectiva independente de ser a fundação ou não, todo mundo tem que ter essa perspectiva de que o seu trabalho pode ser visto, né? E eu acho que é isso, você começa a mudar essa cara das crianças, de fé, de “não, vamos trabalhar, vamos fazer um pouquinho ali, um pouquinho aqui, vamos acontecer.” E eu acho que é isso, o bairro ele trabalha muito agora assim pro bem dele, né? Pro bem público “ah não, a gente faz isso porque é bom pro bairro” é uma consciência do bairro, eu não acho que seja só a fundação, mas é a cara do bairro, né? Eles procuram muito as coisas boas pra realizar.
P/1 – É interessante como a Gol de Letra...
(troca de fita)
R – (...) Uma coisa de que: “ah, valeu a pena”? Quando você pergunta se valeu a pena o que você acha que você fez ou o que você acha que a fundação representa é isso? Não é tudo aquilo que você fala: “ah, acho que posso fazer, resolver”, não, mas você começa a aprender que um pouquinho que você muda, muda bastante, porque esse pouquinho pode ser uma vida, mas é uma vida e uma vida não é pouquinho, né? Então você fala: “mudei” quando você pega uma criança falando: “isso mudou minha vida” aí você fala: “nossa! maravilha.” Não é todo mundo que vivenciou ou de lá saiu e aproveitou e tudo aconteceu como você gostaria, mas é pensar que algumas vidas você mudou, algumas percepções das pessoas que estão lá você pode ajudar. Eu acho que isso compensa, sem dúvida nenhuma, qualquer esforço e tem uma história assim que eu achei muito bonitinha, a gente teve as oficinas de vídeo e um pessoal da turma de vídeo nosso formando, um pessoal que se formou, a primeira turma fez nosso vídeo institucional. E depois numa das viagens nesses encontros de terceiro setor alguém encomendou pros meninos esse trabalho. Então foi o primeiro trabalho deles, eles se colocando no mercado e o primeiro dinheiro que eles ganharam eles compraram uma ilha e deram pra Fundação Gol de Letra, isso pra mim foi... “Fica aqui que é pra todo mundo usar, pra mais gente ter acesso, fica à serviço da comunidade.” Então o que eles tiveram... Então isso pra mim... Você fala: “olha, está mais do que compensado, né?” é muito bom, é recompensa demais.
P/2 – Só uma coisinha, você chegou a pegar a abertura da unidade de Niterói?
R – Não. Eu peguei assim já meio de fora, eu fui lá duas ou três vezes, fui visitar várias vezes, mas eu não fiz parte do funcionamento. Eu me lembro do projeto, assim, diferente ter participado do projeto, porque tinha o Marcelo Jabur: “a gente tem que fazer algumas adaptações”, então eu me lembro de estar super ciente, porque eu também entrava na parte de captação, a gente... Eu participei de todo projeto, ele tinha algumas características diferentes pelo local e tal, mas eu não peguei funcionando.
P/2 – Você pegou o início assim, o desenho, né?
R – O desenho, as pessoas mesmo antes de começar a funcionar com crianças.
P/2 – A formação da equipe também?
R – Da equipe também.
P/2 – Como que foi isso, você se lembra como foi essa seleção? Porque aqui você estava mais próxima, né? Vocês se deslocaram?
R – Acho que foi a Sônia e o Marcelo Jabur, eu me lembro da Sônia e o Marcelo Jabur indo várias vezes fazendo essa seleção, eu acho que foram os dois que decidiram. As pessoas no começo colocaram os projetos, explicaram como ia funcionar, eu acho que foi a Sônia e o Marcelo Jabur.
P/1 – Eu ia falar, antes da Gol, é de referência, né? Que começou ali a escola e hoje é referência você vai tomar um ônibus pra ir pra lá, você fala; “eu quero descer...” todo mundo conhece, né? Porque inclusive antes nem passava ônibus ali, é a Gol de Letra. Então virou uma referência pra região ali é uma coisa que... Eu acho que vocês não tinham dimensão disso, né?
R – Não, não tinha mesmo, não sabia que ia ficar assim, mas é bom, né? Você saber que é uma boa referência, a gente não tinha assim a ambição de... Mas é bom.
P/1 – E outras entidades, porque agora tem a Rede Vila Albertina, eu não sei se você chegou a pegar o processo que eles começaram a participar, foi posterior, mas a Gol de Letra, ela acabou inspirando pra que outras entidades se agrupassem ali na região, uma coisa que também era meio...
R – Então, essa parte eu achei muito legal... Essa parceria, porque se você falar “ah, você começou a trabalhar com outras entidades e fazer...” Não é projeto juntos, mas é um ajudar o outro na realização, isso é uma coisa que funciona super bem, pelo menos ali no nosso estabelecimento o contato com as outras, essa ajuda mútua ali das instituições, eu acho maravilha, porque é uma troca muito grande e muito boa.
P/1 – Eu acho que é interessante, uma coisa que... Acho que foi o senhor Oliveira que passou por aqui, ele falou que tem uma coisa que é o espírito comunitário ali que nem tinha tanto antes da Gol chegar, era um lugar de criminalidade e não sei o que e que era muito difícil. E com a Gol de Letra lá, as crianças estão podendo brincar na rua, os vizinhos estão podendo conversar, esse é um espírito que foi assim: passou, também é como se tivesse uma troca assim na relação, se estabelecesse uma relação de fato comunitária, né? Eu não sei se isso também estava... Assim se pensava isso como valor, mas parece que isso é passado também, né?
R – Então, isso me surpreende nessa atitude desse grupinho de edição, de editores que fizeram a oficina lá, quer dizer, nunca... Não se cobra, nunca ninguém cobrou isso, é um coisa que eu acho que eles viram assim como pra gente: “a gente foi ajudado e acho que é assim que vai virar, eu vou fazer um mundo melhor porque eu fui ajudado” e isso a gente passa sem saber que passa e a maior prova disso é esse pessoal ter... O primeiro dinheiro que eles pegam, compram uma ilha e colocam lá pra todo jovem poder ter oportunidade de fazer um curso e tal. Isso foi o máximo, quer dizer, um valor que ele aprendeu que deu certo pra ele e que ele quer passar pra muito mais gente. Eu acho que é isso, o trabalho gera isso, né? Você faz, dá certo e é uma coisa que se propaga, né?
P/1 – Maravilha. Já partindo assim para umas perguntas mais de avaliação, né? Como é que você avalia a trajetória da Gol de Letra assim nesses dez anos? No sonho e em tudo que realizou?
R – Então, hoje eu não sou a pessoa mais indicada pra fazer essa avaliação, né? Porque eu estou de fora, hoje eu estou muito a parte do que... Eu só sei isso, essa grandeza que ficou, eu estou de fora, mas eu olho assim: puxa, no começo quem diria que a gente ia fazer um trabalho que ia poder oferecer tanta coisa com essas trocas, né? Trocas culturais e ganhar também, por exemplo, lógico que a gente ganha com isso, né? O prazer de ver que o trabalho deu certo, mas eu acho que depois da minha saída assim de fora... O que eu sei que acontece e que eu acho muito bonito aonde conseguiu chegar, acho muito legal as pessoas que se dedicam pra isso há anos e conseguir fazer esse trabalho chegar desse tamanho hoje, né? Ter essa influência no bairro, nas crianças e ficou muito grande.
P/1 – Vocês não imaginavam, né?
R – Não, não imaginava esse poder de transformação, porque você faz pequenininho, você pensa em talvez trezentas, quatrocentas crianças ali dentro. Então muda, muda o bairro, muda a forma do bairro agir, a participação de todo mundo, você começa a apresentar uma melhora, o bairro começa a melhorar, ele vai... Não é por si só, mas você cria o hábito de: não, o que a gente pode fazer, parece que isso entra na cabeça de cada um, né? “Que dá pra fazer pra melhorar, vou buscar alguma coisinha melhor.” Eu olho a fundação de fora hoje e admiro pra caramba, eu admiro as pessoas que ficaram, que tocam, que estão lá lutando pela sobrevivência, né? Cada ano mais difícil, são guerreiros, mas quem está tem que pensar que é muito compensador, né? Porque é um trabalho que dá certo, que dá resultado.
P/1 – E da sua passagem pela Gol de Letra o que você aprendeu assim que você considera importante?
R – Ah, tem muita coisa, tem muito o lado pessoal, tem muita coisa que... Primeiro que foi mais uma coisa que eu botei que faz parte de tudo que eu realmente resolvi fazer acontecer, eu acho que isso não sou eu, eu acho que tinha que fazer parte de todo mundo, essa força que você fala: “a hora que eu decido fazer um negócio, eu vou fazer” não é que parece simples, mas é lutar por alguma coisa e essa parte da fundação assim foi de um sonho, você fala: “eu vou lutar”, o projeto hoje parece imenso, porque ele está grande e tal, mas ele começa pequeno, né? Então é isso, essa é uma lição que eu trago, que eu passei pros meus filhos “quando você quer uma coisa, você vai atrás e efetivamente acontece.” Então essa questão de luta, a fundação é uma conquista mesmo e muito pessoal também, porque eu sei que foi o prédio, foi a obra. Então tudo foi questão de ir atrás e isso pra mim... Sabe? Me acalmou, porque uma época da vida por seguir o Raí e não ter um projeto pessoal e ficar meio que ajudando todo mundo, mas na hora de realizar você... Isso provou pra mim “se você decide fazer alguma coisa, você vai, você faz" então me deu uma acalmada nesse... Hoje eu tenho mais tranquilidade, eu começo uma coisa eu consigo ir acreditar, me dar uma força. E fora essa coisa muito pessoal é o lado assim filantrópico ter o que você falar “eu consegui fazer alguma coisa por alguém” olhar uma criança e falar: “eu acho que foi bom porque eu mudei a perspectiva dessa criança", isso faz bem pro coração, são duas coisas diferentes uma é o ego com total força, outro o seu lado assim carente de ajudar ou de fazer alguma coisa que também te nutre. Então os dois lados a fundação compensou.
P/1 – E aí em 2001 você se afasta da fundação? Você já está separada do Raí?
R - Já, nos separamos antes da inauguração na verdade. A primeira vez ele saiu de casa na inauguração e depois em 2001 eu já estava há dois anos separada.
P/1 – E aí você segue uma carreira tua, né? Você vai abrir restaurante, usar o curso que você fez no Cordon Bleu, como foi isso, Tina?
R – Então aí fica aquela vontade, as crianças grandes, “o que eu vou fazer”? Eu comecei antes do restaurante a trabalhar com reformas, comprar casas, reformar e vender. E foi uma coisa que me deu muito prazer, hoje eu retomei isso...
P/1 – De onde veio essa ideia?
R – Não sei, talvez de mexer na minha casa, de reformar. Aí eu fui fazer paisagismo, porque eu sou muito manual, sempre fui, mexer com tudo desde costura, cozinha. E quando eu comecei a reforma mesmo, durante a obra eu ia fazer um mosaico, uma mandala diferente, eu ia fazer o paisagismo das casas. E já me ocupava e tocava a obra e assim foram sete casas, mas aí eu parei...
P/1 – Você comprava a casa?
R – Comprava, reformava e vendia e virou uma coisa assim pra mim... Os amigos falavam: “faz isso aqui, vem ver o que você acha, vem dar uma ideia aqui”, eu acho que eu sou criativa nisso, aí deu certo, até eu comprar um prédio maior, porque antes eu comprava casinha pequena pra reformar, parecia um bom negócio. Aí eu vi que dava pra montar um restaurante e aí eu falei: “eu paro de comprar, de fazer e vou ficar quieta aqui nesse, vou abrir um restaurante e tal” e abri um restaurante, mas não com vontade de cozinhar pra muita gente, o meu lance de cozinha é um prazer mesmo, mas é de amigos e tal, eu não tinha ambição de ser uma cozinheira e ter muito trabalho assim que eu acho que um chefe de restaurante tem, né? E aí fiquei uns seis, sete meses, achei o trabalho árduo, um restaurante é muito mais difícil que obra e é difícil assim quando você está com certa idade de 35, você tem uma regra que você não teve nunca de horário, essa disciplina se eu precisasse eu teria, né? Mas a obra não, eu passo às sete horas, solto o serviço às sete e meia tomando café com o pedreiro e solto o serviço e pronto e vou atrás de material, você não precisa ir... Todo dia você passa pra ver o que foi feito e tal, mas você não tem aquela hora, se eu faltar eu ligo pro mestre de obras, então você tem uma disponibilidade de tempo maior e o restaurante não, você tinha os horários, é muito restrito e tua vida volta a ficar muito ali presa e eu nunca fui... Não me acostumei e também pelo trabalho, logo eu conheci o meu marido que quis um filho, ele não tinha filhos e aí eu acho que as duas coisas não davam o restaurante, o bebê. Aí eu fechei o restaurante.
P/1 – Como você conheceu o Norman?
R – Então, na minha casa, um amigo trouxe pra um jantar, passou algum tempo a gente voltou a se falar por e-mail e um dia eu voltei a vê-lo, eu não tinha inaugurado o restaurante. Então eu penso: “se eu tivesse o conhecido antes talvez eu nem tivesse inaugurado o restaurante” e realmente no meio de um restaurante, de tentar fazer dar certo um projeto desses, você engravidar com quarenta anos e ter um filho ou eu deixava o restaurante ou cuidava do filho, as duas iam ser muito pra mim, né? E eu resolvi fechar e hoje eu estou cuidando do bebê e voltando pra obra, estou com outra casa já.
P/1 – Mas o restaurante a decoração era sua? Ele era muito gostoso.
R – Você chegou a ver?
P/1 – Eu fui lá com a Sônia.
R – Tudo desde a obra, era um prédio super velho, a decoração tudo, tudo... Uma coisa que eu me identifiquei muito, eu gosto muito de fazer e na época assim logo separada eu comprei um sítio, mas eu mudei o sítio inteiro, encontrava com o paisagismo e tal, eu gostei muito, onde eu fiz o curso de paisagismo. Eu adorava ir pro CEAGESP [Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo] ver planta e mexer com tudo assim de terra, eu gosto, eu acho que me dou melhor do que numa coisa assim de disputa de... Restaurante é muita coisa, eu acho muito difícil o ramo, é muita gente, muita briga interna, você trabalhar com garçom e... Porque você tem que ter uma equipe que todo mundo queira dar certo, né? Todo mundo vestindo a camisa, eu não consegui tempo hábil pra montar uma... Eu fiquei sete meses aberta, eu não tinha muita experiência com isso, mas hoje eu volto pra obra, porque eu acho fácil.
P/1 – Por que você gosta da obra, porque não é fácil uma obra também, né? O que você gosta?
R – Todo mundo que pede pra eu fazer às vezes eu toco obra de amigos e tal, eu tenho duas equipes de pedreiros super fácil, eu me dou bem... O pessoal reclama de marceneiro, eu não sei, eu acho que eu tenho uma equipe boa, acho fácil, eu gosto de mudar o lugar, você pegar uma coisa velha e você fala: “nossa! O que dá pra fazer?” A cabeça vai a mil e deixar bonitinho assim fica personalizado, né? Fica com a minha cara, eu acho bonitinho. Eu gosto de mudar.
P/1 – Maravilha. Tem alguma coisa que você acha que a gente precisou perguntar e não perguntou? Que a gente esqueceu?
R – Não, eu acho que não.
P/1 – Tem uma coisa que ficou faltando lá no começo, de onde vem o seu apelido?
R – Tina? De Cristina, o meu irmão que não sabia falar Cristina, é sempre irmão que coloca apelido, o meu irmão colocou, ele é três anos mais velho e não conseguia falar Cristina e botou Tina e ficou.
P/1 – E você gosta?
R – Ah, eu gosto, eu me identifico muito, muitas vezes às pessoas só me chamam de Tina, Cristina é raro quem não me conhece. Então eu me identifico mais com Tina do que com Cristina.
P/2 – Tina, só uma curiosidade quando você falou que gosta de mudar, na verdade é a questão de transformar, né? Que eu faço um link com a Gol de letra queira ou não a transformação está lá na Gol você transformando, aí você foi transformando casas e aí vai transformando...
R – Ah, eu gosto mesmo é de pensar por aí mesmo, em tudo que você pega você dá outra cara, eu gosto assim também se eu dou outra cara à minha casa, eu vivo mudando assim porque passam dois, três anos eu falo: “Nossa! Precisa fazer alguma coisa aqui.” E talvez seja isso, é um lado meu que como eu não transformo muito eu sou meio assim fixa, então essa transformação eu uso em outras coisas, né?
P/1 – E é um talento que você tem, né?
R – Eu acho, porque assim sem informação, foi natural, aí eu acho que é talento, quando é uma coisa que você tem como dom, né? De pegar uma coisa, olhar, eu consigo ver uma coisa muito feia, por exemplo, muita gente vai comprar, vai comprar uma casa e falam: “eu não compro isso aqui nunca”, eu tenho uma amiga que viu minha casa no Guarujá e falou: “Tina, qualquer coisa eu ia parar na frente” quando eu comprei, eu falei: “vem aqui”, mas a casa é muito feia. Então quando você vê a maneira que ela pode ficar e eu gosto de fazer ela chegar onde ela podia ficar, eu gosto disso.
P/1 – E de onde você tira essas ideias? Além do curso de paisagismo, você busca fonte onde?
R – Em revistas de decoração, assim, na Arquitetura e Construção eu vou me interar de preço de metro quadrado em feira...
P/1 – E a vivência na Europa você acha que...
R – Não.
P/1 – Os jardins lindos, maravilhosos, você acha que alguma coisa influenciou?
R – Ah, o meu primeiro aprendizado com terra e com planta foi do meu vizinho francês, né? Porque ele me ensinou como mexer com as plantas e tal, ele era um senhor velhinho e ele era o dono da minha casa. Então ele vinha constantemente no meu jardim, então a gente começou a trocar e realmente foi onde eu aprendi a mexer com terra, foi com ele. Aí eu plantava e era um prazer, talvez esse prazer eu não recupere aqui, mas era um prazer assim de chegar no inverno, o Raí falava assim: “você é louca” eu pegava 150 mudas de tulipa, porque eu acho lindo tulipa, eu punha na terra e novembro estava muito frio do lado de fora e você tem que enterrar, porque ela congela e depois que ela congela, ela nasce, em fevereiro eu abria o portão e elas estavam começando a apontar, então eu falava: “o sol está aí” porque ela aponta realmente a hora que está vindo o verão. Então é isso, você aprende a ver as estações e aqui não dá pra... Mas eu aprendi a mexer na terra lá.
P/1 – Maravilha. E, Tina, o que você acha da Gol de Letra registrar a sua história nesses dez anos? Esse trabalho que a gente está fazendo com a Gol?
R – Então você sabe que eu não pensei muito nisso, porque na minha história, né? Eu até achei engraçado quando cheguei aqui pra falar da minha vida e o porquê, né? Pra entender a fundação e tal, mas é outro olhar que nem eu tinha dado pra fundação, pra tentar entender o porquê da fundação, saber da minha história e tal. Mas eu achei legal, eu acho que tem a ver até o fato de você ter lutado por uma coisa acontecer tem a ver com a sua história, com a sua formação, com pai, mãe etc. e tal, porque eu não posso dizer que com a ideia do Raí se eu não tivesse participado tão... Acolhido a ideia eu não teria dado assim é porque faz parte da minha história também. Então eu entendi, eu achei muito legal a busca do primeiro momento.
P/1 – Maravilha. Você acha que ficou faltando alguma coisa?
R – Não, vocês reviraram bastante.
P/1 – Obrigada pela entrevista, Tina.Recolher