PARECE QUE ATRAI!
Impressionante a quantidade de casos e histórias de adoção que chegam a mim – não só profissionalmente. Muitos não imaginam que trabalho com "lactação adotiva", esta admirável capacidade feminina de secretar leite sem ter estado grávida.
Soube que ...Continuar leitura
PARECE QUE ATRAI!
Impressionante a quantidade de casos e histórias de adoção que chegam a mim – não só profissionalmente. Muitos não imaginam que trabalho com "lactação adotiva", esta admirável capacidade feminina de secretar leite sem ter estado grávida.
Soube que era adotado em uma reunião semanal de família, onde por uma hora debatíamos o Evangelho. Naquele dia, o tema escolhido aleatoriamente foi:
"Quem são meus pais e meus irmãos?".
Uma emoção grande nos tocou, tinha 11 anos e a notícia não me surpreendeu, parecia que de alguma forma eu já sabia, embora não houvesse nenhuma suspeita.
"Um grande número de crianças tem a fantasia de ter outra família, de ser o filho de outros pais diferentes daqueles que lhe cuidam. Diria que é uma fase típica, normal do desenvolvimento da criança (...)."
Lacan
Por "coincidência", dois anos antes tinha participado da adoção da minha irmã. Uma quase recém-nascida abandonada, com um eczema seborreico grave em todo o corpo, que foi levada à nossa vila para ver se alguém se compadecia e pudesse criá-la. Estávamos em uma situação econômica muito crítica, mas a decisão de nós 3 (Papai, mamãe e "eu”!) em adotá-la foi imediata. O seu primeiro nome eu escolhi – Marcia (nome de uma "paixão" de infância) e Cecília foi dado por meu pai, nome da minha avó paterna. Cuidei muito e ainda "tomo conta" dela, às vezes me descuido - ela está com quatro filhos! :).
Quando soube da minha adoção não sofri nenhuma crise, tão pouco me causou qualquer problema posteriormente – como temiam meus pais. Minha mãe até hoje detesta tocar neste assunto. Foi muito difícil para mamãe revelar circunstâncias dos meus pais biológicos. Parece que era uma jovem empregada doméstica de Copacabana que teve um caso com o seu patrão engenheiro. Ela não queria um filho e preferia uma menina. Um detalhe chocante – minha mãe relatou que quando foi me buscar me encontrou vestido com roupas femininas.
Os elos intermediários deste contato desapareceram, de modo que não há como descobrir o paradeiro deles – e nunca tive curiosidade.
Uma surpreendente descoberta
No começo dos anos 80 estava me formando em Medicina e estagiava em um hospital – o IPPMG/UFRJ que apoiava de forma muito especial a amamentação.
Um dia cheguei em casa e contei para mamãe como manejávamos a técnica de "Indução da Lactação" em mães adotivas. Ela começou a se emocionar e me contou que quando eu era bem pequeno, me colocava para mamar em seus seios, e eu os sugava, e que ela sentiu que começou a secretar um líquido de suas mamas (provavelmente, o colostro) e que não teve coragem de contar para ninguém esta sua secreta experiência. Então, descobrimos que ao final dos anos 50 participei de uma gostosa vivência pessoal de lactação adotiva.
Creio que este fascinante acontecimento provavelmente me impulsionou a fazer Pediatria e me especializar em Medicina Preventiva e Social, e cursando pós-graduação em Manejo Clínico da Lactação em San Diego, EUA; depois conquistando o título de consultor internacional pelo IBLCE, sendo atualmente docente de Puericultura na UFRJ.
Hoje recebo muitos pais que querem adotar, estão adotando, "sem querer", sem saberem da minha própria história.
Fiz questão de fazer estas revelações para que o silêncio de histórias tão bonitas não seja prevalente.
“... Se tudo anda bem com a adoção, então a história é uma história humana comum, e devemos estar familiarizados com os transtornos e contrariedades da cotidiana história humana em suas infinitas variações se aspiramos compreender os problemas inerentes a adoção."
"... ainda que a adoção resulte exitosa, sempre implica algo distinto do habitual, tanto para os pais como para a criança."
D. Winnicott
Todo filho é adotivo!
Meu carinho e agradecimento aos meus pais, Olga e Renato (já desencarnados).
Rio de Janeiro, 2 de maio de 2002.
Marcus Renato de Carvalho – www.aleitamento.comRecolher