IDENTIFICAÇÃO
Meu nome é Paloma de Melo e Silva Rocha, nasci em Salvador no dia 12 de junho, dia dos namorados, de 1960.
INFÂNCIA
Bom, eu nasci dentro da área cultural, digamos assim, pela filiação que eu tenho. Sou filha do Glauber Rocha e da atriz Helena Ignez. Desde a minha mais tenra ida...Continuar leitura
IDENTIFICAÇÃO
Meu nome é Paloma de Melo e Silva Rocha, nasci em Salvador no dia 12 de junho, dia dos namorados, de 1960.
INFÂNCIA
Bom, eu nasci dentro da área cultural, digamos assim, pela filiação que eu tenho. Sou filha do Glauber Rocha e da atriz Helena Ignez. Desde a minha mais tenra idade, eu vi todo o processo do Cinema Novo começar. Eu me lembro, aos três anos de idade, era dia do meu aniversário, meu pai saindo para filmar “Deus e o Diabo na Terra do Sol”. Então, eu sempre convivi com todo esse processo inicial dos anos 1960, do processo de formação da cultura no Brasil no que se diz respeito ao cinema, ao teatro, a própria música, era um período muito agitado. Logo, minha família, minha avó Dona Lúcia Rocha e minha tia Anecyr Rocha, que também era atriz, nós nos mudamos para o Rio de Janeiro no auge do processo do golpe em 1964, era uma barra pesada muito grande. Nós viemos da Bahia e ficamos ali no Rio de Janeiro. Meu pai já tinha vindo antes, porque ele já tinha feito “Deus e o Diabo na Terra do Sol”. Ele veio atrás justamente do projeto do Cinema Novo, ele tinha ido para Minas depois ele veio para o Rio e foi ali um período de muita efervescência. Eu vi toda aquela perseguição política. Vieram também da Bahia naquela época a Maria Bethânia, os Novos Baianos; ficaram todos hospedados na casa de minha avó num período curto. A minha avó fez as roupas para o primeiro disco dos Novos Baianos. A gente tinha uma intimidade muito grande, todos aqueles baianos conviviam muito e eu era menina, gostava de tocar violão, tocar tabaque, ficava correndo atrás de um e de outro. Depois veio o período mais bravo de 1968 com o AI-5, teve o exílio, foram todos, eu fui também. Estive no exílio algumas vezes acompanhando meu pai ou minha mãe, estive em Londres também. Eu fiquei sempre ali, convivia com aqueles artistas. Então acho que isso sempre teve impregnado, fazia parte da minha vida.
TRABALHO COMO ATRIZ
Aos 18 anos eu participei com o meu pai do filme “Idade da Terra”, onde eu estou como atriz e continuista, estou vestida com umas penas brancas tocando violão. Meu pai escrevia e compunha no violão. Depois eu fui pra Salvador, não, antes aqui no Rio de Janeiro fiz um espetáculo amador. Na época do “Trate-me Leão”. A gente tinha um grupo de teatro amador no Colégio Hélio Alonso, dirigido na época por Henriette Amado. A gente fez uma criação coletiva que se chamava “Eu quero brincar lá fora”. Fui para Salvador e fui ser atriz de peças infantis, entrei no teatro Castro Alves e tal, quando meu pai morreu e minha tia Anecyr também, que teve uma morte trágica. A cultura pra mim também se refere um pouco à tragédia da cultura brasileira, eu estou sempre dialogando com essas duas questões e, quando meu pai morreu, resolvi que eu não queria mais fazer... Não queria mais ser artista, queria ser cientista porque aos 18 anos de idade você tem uma hora que morre a tia, morre o pai, morre o avô... “Que diacho é isso?” “Que cultura é essa? Qual o valor que isso tem na vida?”
FACULDADE DE MEDICINA
Aí eu fui estudar medicina, porque eu entendia que o trabalho do ator e do médico era a mesma coisa, porque ambos eram intermediários de levar uma transformação ou um bem para o ser humano: o ator através da arte e o médico através da medicina. Isso eu entendia lá atrás.
FAMÍLIA
Mas assim mesmo eu tive minha primeira filha. Eu tinha um namorado em Salvador, o Zedi, e nasceu minha primeira filha Sara, logo depois que meu pai morreu, quer dizer, um ano depois. Sara Carolina está hoje com 22 anos. Mas meu casamento não deu certo, eu me casei com uma outra pessoa que era um artista plástico e eu tive minha segunda filha que é Helene. Tive minhas duas filhas e me mudei para São Paulo e logo que as meninas começaram a andar eu voltei e fui trabalhar na Embrafilme.
TRABALHO NA EMBRAFILME
Isso já em 1984, 1985, por aí e fui trabalhar na Embrafilme, na Cinemateca, trabalhando com prospecção de materiais. Comecei a pesquisar a obra do Paulo Emílio e fiz algumas mostras do Grande Otelo, em São Paulo na gestão do Carlos Augusto Calil que, por sua vez, estava organizando pela primeira vez a obra do meu pai, o legado cinematográfico dele. Minha avó na mesma época aqui no Rio de Janeiro organizava o Tempo Glauber e que hoje está com mais de 80 mil documentos da produção intelectual do Glauber.
PRIMEIRO FILME: “ALVORADA SEGUNDO CRISTO”
Eu entrei para essa área de novo e comecei a trabalhar e fiz meu primeiro vídeo em 1987, ainda estava começando o vídeo no Brasil, era um poema do Glauber chamado “Alvorada segundo Cristo” e na época eu fui favorecida pela lei Sarney. Montei uma produtora e a gente fez um vídeo de 45 minutos e foi uma produção muito bacana, com o Caetano, com o Grande Otelo e foi uma ficção documental, que não era um formato que cabia muito na época. Esse filme passou em Veneza. Depois eu continuei com a minha produtora em São Paulo, fazendo institucionais, um pouquinho de comercial.
FAMÍLIA / TRABALHO
Veio o Plano Collor e eu vim para o Rio de Janeiro. Eu tenho três irmãos, que têm uma diferença de 15 anos, que é o Erik Rocha, a Ava Rocha e Pedro Paulo Rocha, são bem menores. Então eu sempre cuidei das coisas do Glauber Rocha, sempre fui a irmã mais velha, sempre fui a primogênita. Era a que daqui dá, dá acolá, tentava distribuir os filmes, recuperar e organizar aquela coisa toda. Quando eu vim pro Rio, depois do Plano Collor, com
as minhas meninas já grandes, 9, 10 anos, fui trabalhar na TvE. E fiz um projeto na Rio Filme, chamado “Cinema na Universidade”, que já era um trabalho de formação de público; na época quem dirigia a Rio Filme era a Marisa Leão. Tinha um projeto de formação de público, que era levar filmes de 35mm para as universidades na periferia do Rio: montava, tinha um projetor 35, ia com debates e tal.
ASSISTENTE DE DIREÇÃO NA TV GLOBO
Depois disso eu recebi um convite para trabalhar na TV Globo, como assistente de direção de uma novela chamada “Pátria Minha”, do Denis Carvalho. E lá fiquei, durante oito longos anos. Fui assistente de direção, porque foi um período difícil também, eu precisava trabalhar. A minha avó estava organizando toda obra do Glauber no Tempo Glauber, eu dividia com ela o trabalho, a autorização para as mostras, o conceito de algumas coisas. Mas de fato eu batia o ponto mesmo no Projac e lá eu fiz diversas novelas, trabalhei com Jayme Monjardim, com Denis Carvalho, com Alvarenga, Jorge Fernando. Até que agora, no final da minha temporada de novelas na TV Globo, eu trabalhei com Luis Fernando Carvalho, na novela “Esperança”. Lá, tive uma infelicidade ou uma felicidade –
até hoje eu não sei – de ter derrapado no café da novela “Esperança” e o meu joelho trincou,
inchou, e tive que sair para operar, isso no dia do meu aniversário de 42 anos. Eu me lembro disso porque meu pai morreu com 42 anos, foi uma coisa muito curiosa.
PATROCÍNIO PETROBRAS: FILMES GLAUBER ROCHA FASE 1
Alguns meses depois da minha operação, fui convidada pela Petrobras para restaurar a obra dele pelo cinqüentenário. A gente já tinha feito o DVD de “Deus e o Diabo na Terra do Sol” pela Rio Filme, acho que isso chamou também a atenção da Lorena, que estava aqui na ocasião. E nesse projeto do cinqüentenário a Petrobras me convidou, o que foi pra mim uma grande alegria. Existia um projeto, mas não estava fechado – eu me lembro disso como se fosse hoje, porque a Lorena me ligou às 11 da manhã, eu estava em São Paulo, e ela falou assim: “Cadê o projeto do Glauber?” Ela falou: “Faz um pra mim agora, até as três da tarde, porque vai ter...” Aí meu companheiro, meu namorado, Joel Pizinni, que também é cineasta, a gente reuniu todos os esforços e fizemos o projeto. O projeto, ao longo de uma semana, se desenvolveu, também com o apoio do Melo. Daí a gente montou, eu montei um projeto inteiro em um mês depois: um projeto inteiro de toda a obra do Glauber, a coleção Glauber Rocha. Eu já não estava conseguindo mais distribuir nenhum filme, passar nenhum filme, porque as cópias estavam todas danificadas. Alguns filmes do Glauber como “Terra em Transe” e “O Dragão da Maldade” não têm mais negativo. O “Terra em Transe” tem um negativo novo hoje, ficou pronto ontem. Fui para São Paulo ontem com o projeto que é um filme importante do Glauber, um filme de 1967, um filme político, poético e absolutamente atual e a gente vai passa-lo em Brasília agora no dia 25 de novembro. E começou esse trabalho, enfim, um projeto com dedicação integral pra mim.
CINEMA - DOCUMENTÁRIOS
Mas além disso, eu desenvolvi nesse último ano com o Joel Pizzini alguns outros documentários pessoais e para o Canal Brasil. A gente fez o “Abry”, um documentário sobre a minha avó, o “Elogio da Luz”, um documentário sobre o Rogério Sganzerla e “O retrato da terra” que foi um documentário para o aniversário do Glauber do ano passado, sobre o Glauber, e que tem ganho vários prêmios em Salvador, Vitória e tal. E atualmente estou terminando esse.
TERRA EM TRANSE
Dois anos antes de vir para a Petrobras, já estava desenvolvendo o projeto do “Terra em transe” na verdade, com o documentário chamado “Depois do transe”, que foi a partir de documentos que eu pesquisei no Tempo Glauber, lá tinha um texto feito por ele que se chamava “Depois do transe”, que ele escreveu para uma revista da Embrafilme, onde contava um pouco a trajetória desse filme. O texto estava incompleto - engraçado que ele se chama “Em busca do ouro” - ele contava sobre a produção e falava dos atores. Eu mergulhei nessa pesquisa e convidei Joel para mergulhar comigo. A gente identificou 12 horas de material e encontrou um material que estava com a cineasta e historiadora Raquel Gerber em São Paulo, e ela falou: “Paloma eu tenho aqui.” Ele fala três horas mais ou menos em torno desse período político no Brasil, de 1968, faz uma trajetória e fala do filme, do “Terra em transe”, sobre a questão da colonização na cultura brasileira, que é uma questão histórica, trágica, também na América Latina. A gente montou esse documentário para o DVD do “Terra em transe”; eu dividi em 13 blocos como se fosse uma revista eletrônica, porque era muito difícil juntar tanto material. Ele conta passo a passo toda a trajetória do filme e isso sustentado por outras entrevistas como do Ismail Xavier, todo elenco, toda equipe, alem do
debate histórico do Museu de Imagem e do Som. Tem ainda o Hélio Pelegrino, o Joaquim Pedro de Andrade falando acerca do filme. É um material riquíssimo porque tem, além disso, as imagens, o making of do filme, que o Joel tinha encontrado com o Mário Murakami um tempo atrás e já tinham telecinado esse material, que eram as sobras do “Terra em transe”. No
making of, as cenas não são montadas, tinha ali uma segunda câmera. É um material precioso que vai acompanhar agora o DVD também. Então, esse projeto que a gente está fazendo aqui na Petrobras; tem a restauração dos filmes que, no caso do “Terra em transe”, a gente conseguiu fazer a partir de um contratipo que tinha combinado de som e de imagem.
TERRA EM TRANSE - PROCESSO DE RESTAURAÇÃO
Tinha riscos enormes, ficou um ano restaurando lá no Mega; o pessoal do Mega restaurou, o Fábio Fracarolli. Foi feita toda uma reprodução fotográfica do som antes de ir para o digital, foram feitas diversas cópias com diversas testes de cross modulation, como eles chamam, marcando a densidade do som até você chegar a um novo negativo em película. Então você pega aquela cópia em película do som e no pro tolls. E ontem, eu estava falando, ficou pronto esse novo negativo do “Terra em transe” restaurado digitalmente. A gente pegou o material, entrou na restauração digital e voltou para o novo negativo. É um projeto pioneiro aqui no Brasil, tanto do “Terra em transe” quanto do “Macunaíma”, que está obrigando o às empresas investirem em tecnologia, na formação de mão-de-obra especializada para a restauração digital que é uma coisa relativamente nova no mundo inteiro. E foi um processo muito difícil, mas eu estou muito satisfeita como resultado do “Terra em transe”.
TERRA EM TRANSE – RECUPERAÇÃO E CONTEXTUALIZAÇÃO
É o primeiro que está pronto. O DVD já está pronto também. Até o final do ano já está tudo aí disponível para as novas gerações. Eu acho que tenho desenvolvido um trabalho cultural que é um trabalho de recuperação, de recriação como eu digo e não de resgate, mas muito de recriação da memória. Por mais que
obedeça ao filme, por mais que o respeite, você está fazendo uma intervenção digital, você precisa recriar nem que você não recrie igual. E o trabalho do DVD vem com esse disco extra, que eu chamo de disco da memória – porque ele prepara, contextualiza, cobre todo o período histórico e político da época que esses filmes foram feitos para que sejam bem relançados. Tudo isso para você não pegar um trabalho que foi feito há dez, 20 anos atrás e soltar no meio do mercado. É a mesma coisa que você pegar um índio lá em Carajá e soltar ele na praia de Copacabana, ele vai ficar perdido ali. Esse índio é lá de uma tribo, você tem que identifica-lo, senão as pessoas não sabem, vai ficar todo mundo olhando.
Esse é o trabalho que a gente está fazendo. Eu acredito num sentido de uma reconstrução da identidade cultural brasileira, porque tem essa questão forte no Brasil hoje que é a questão da linguagem, da colonização da linguagem. Ontem eu até conversava com uma pessoa, não é que você seja contra a indústria – eu sou absolutamente a favor da indústria –, mas o sangue que corre, o imaginário que corre dentro dessa indústria, eu acho que pode se voltar mais para a nossa realidade. É tudo do ponto de vista da linguagem, a gente precisa re-alfabetizar a linguagem do imaginário brasileiro porque ele está aí, quer dizer, o imaginário popular está aí, ninguém está inventando a roda, mas é porque ficou um pouco uma cultura para inglês ver. Você começa a falar uma língua que não é mais a nossa, do ponto de vista da construção da linguagem.
TRABALHO NA ÁREA DE AUDIOVISUAL
A primeira dificuldade é a do mercado, porque fazer obras mais artísticas dentro da área do áudio-visual requer um subsídio que de repente não está tendo apelo comercial. Mas eu acredito que se pode investir justamente na construção dessa formação de público. Eu tive uma experiência muito feliz esse ano na prefeitura de São Paulo: a gente passou clássicos do cinema brasileiro ao ar livre nas praças de São Paulo, com o projeto Cinema no Parque ligado à Secretaria do Verde. Lá a gente passou “Deus e o diabo na terra do sol”, “O bandido da luz vermelha”, “São Paulo S/A” e também passou filmes contemporâneos como “Durval Discos” e “Amarelo Manga”. E você observava que, nos clássicos – tanto no “Deus e o diabo na terra do sol” passado no Ibirapuera quanto “Bandido da luz vermelha” que até é um filme mais popular que a gente passou no Parque da Luz – foram 560 pessoas e tinham os nordestinos. Em São Paulo tem muito nordestino, e eles paravam para assistir, porque viam ali a identificação com o sertão, com a seca, com a miséria, com a fome, com as coisas todas. Eu acredito nisso. Lembro que teve uma menininha: “Nossa como a música desse filme é bonita”. Ela estava ouvindo Vila Lobos pela primeira vez. Então não é porque é popular que tem que ouvir, sem querer citar nomes, músicas comerciais de bate-estaca. Eu acho que se subestima um pouco a sensibilidade da criança, do jovem, do espectador. E de uma forma geral, as pessoas se sentiram até lisonjeadas. Eram pessoas que iam tomar banho, se vestir, se arrumavam para ir ao cinema pela primeira vez. A gente colocou filmes que “Ah, são filmes herméticos, são filmes difíceis”... Eu acredito que não, inclusive eu acho que esses filmes estão com uma aceitação diferente do que se tinha há 30 anos atrás. Eu acho que o mundo mudou. Porque a linguagem ajuda, até a da televisão. E você vê o lado como é que junta todas as coisas, você vê até uma linguagem que é veiculada por aí em massa, ela de uma certa forma capacitou as pessoas a assimilarem a linguagem audiovisual, a montagem paralela, a montagem metafórica, porque isso você vê, está mais acostumado a ver na televisão, no cinema, sobretudo, na televisão. De uma certa forma, elas estão mais instrumentalizadas para assistirem uma obra mais difícil. Eu acho que existe aí uma alfabetização para a formação da linguagem audiovisual e acho que a gente pode investir em falar mais a nossa língua, mais a nossa cor de roupa, mais a nossa cor de cabelo, a nossa maneira de comer. Acho que podemos investir mais nisso, sem medo. Se eu não vender hambúrguer, se eu não botar hambúrguer no meu filme, meu filme não vende, será? Eu acho que se pode tentar esse caminho também, e é isso. Basicamente é assim o meu trabalho. Eu sou muito grata também a esse período que eu passei na TV Globo, eu aprendi muito, inclusive, sobre isso.
PATROCÍNIO PETROBRAS – FILMES GLAUBER ROCHA
Esse é o meu primeiro projeto e aconteceu assim, posso contar tudo? Eu já tinha lançado o DVD do Glauber Rocha “Deus e o Diabo na Terra do Sol”, a remasterização digital do filme, por iniciativa da Rio Filme. Fui no lançamento do filme Carandiru, e conheci a Lorena Coelho, mas eu nunca tinha conversado com ela justamente pelo constrangimento porque eu sabia que ela estava trabalhando aqui, e nesse dia eu passei por ela, falei: “Lorena, ajuda a restaurar a obra do meu pai” e dei um beijo nela, “O DVD “Deus e o Diabo na Terra do Sol” está pronto e tal...”. Passou, fui embora e depois de um ano, justamente, como falei, ela me ligou, eu estava em São Paulo, no Anhembi, fazendo esse projeto do Cinema no Parque. E ela me ligou e me pediu que encaminhasse o projeto o mais rápido possível, porque tinha a questão do cinqüentenário da Petrobras, porque estava sendo aprovado o projeto do Joaquim Pedro de Andrade, e ela não queria deixar o Glauber de fora, e havia o interesse em investir.
Então esse projeto, nasceu, além do desejo, da necessidade, da dificuldade que se tinha em exibir os filmes do Glauber, que se tem, quer dizer. A Petrobras em um primeiro momento queria só os DVD’s. E a Lorena perguntou: “Quantos DVD’s são?”. Eu falei: “São 11”. Ela falou assim: “Então orça isso e me manda.”. Eu fiz o orçamento dentro do valor que estava previsto aqui no aporte, que estava contemplado aqui no patrocínio. Mas eu fiquei com uma dor no coração terrível, porque sabia que ia haver um investimento da Petrobras –
e você não encontra patrocínio todo dia para fazer um trabalho – que eu ia fazer DVD’s, mas
que isso não resolveria o problema da obra. Então, me imbuí de coragem e vim a
Petrobras, até com meu advogado. Eu ia desenvolver esse projeto junto com a Mega Filmes e pensei: “Preciso trocar 11 por quatro.”
PRESERVAÇÃO DOS FILMES DE GLAUBER ROCHA
Dentro do orçamento, se eu telecinasse os filmes para alta definição para que eles pudessem voltar, porque os padrões de preservação da memória dos filmes devem voltar para película 35 milímetros, ou seja, você passa pelo processo de restauração digital porque o filme está lá, apodreceu, na Cinemateca Brasileira, por exemplo. Se você bota o filme em uma geladeira, o processo de fungo, de deterioração, que estraga o filme, aquelas manchas você consegue congelar; o que é bactéria você congela. Os riscos você não consegue tirar, você apenas
pode minimizar. Esses fungos, essas bactérias que ficam lá estragando o filme, os ácaros, você não consegue tirar aquilo, a não ser na restauração digital, porque consegue cobrir os risquinhos, tirar essas manchas. Então, você fez isso no digital, volta para um novo negativo e congela antes de começar a estragar de novo, e você tem o que se devia ter feito desde o começo. Agora é que está se desenvolvendo uma mentalidade de preservação, para que a pessoa preserve seus filmes desde a sua masteridade, mas não foi o que aconteceu com esses filmes desse período do Glauber, do Joaquim Pedro, do
Leon Hirszman. Era essa minha tristeza: vou fazer DVD, fazer remasterização digital, como já fiz, só não vou ter uma cópia 35 para exibir, não vou ter o negativo desses filmes, como é que é isso? Só que era fazer quatro e não 11, esses quatro sairiam muito mais caros, eles tinham uma questão orçamentária pesada. Eu me lembro que até passei uma madrugada inteira que nem uma mãe cheia de filhos, pensando qual era o mais fraquinho que eu tinha que alimentar primeiro. E aí os eleitos foram “Terra em Transe” e “O Dragão”, pelo fato de serem os clássicos e pelo fato deles não terem negativo. O “Claro” também não tem negativo, mas o tem uma cópia em bom estado. O “Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro” é o filme que está em pior estado. Queimaram os negativos, dizem que queimou. Existem documentos oficiais que eles se queimaram na França, no laboratório, em 1979, se não me engano. O Glauber ainda estava vivo e soube disso, e aí ficou essa conversa após a sua morte. O Carlos Augusto Machado Calil, que era presidente da Embrafilme, através de – ele conta isso no DVD – toda uma ligação no Itamarati conseguiu um documento oficial, dizendo que de fato esses filmes pegaram fogo. Os negativos. Ele conseguiu através do próprio autor do filme Claude Antoine dois masters que estavam na Alemanha, um do Dragão e um do Terra em Transe, masters da televisão alemã. Os masters foram feitos a partir de cópias. Então as cópias já estavam riscadas, quando eles reproduziram essas cópias dessas cópias riscadas. Esses masters ficaram com riscos fotográficos, entendeu? Mas coisas assim contínuas do rolo três, do rolo cinco, e outras deformidades mil. E no Dragão acontece um problema, porque pela versão que nos restou – uma versão francesa, e os filmes eram dublados naquela época –
toda vez que o Antônio das Mortes canta, toda vez que tem um cantador, aparece uma legenda em francês. E a cópia de som também é uma cópia monstro. A Cinemateca Brasileira, através do João Sócrates e do Mota, fez uma montagem a partir de uma referência íntegra; eles foram remontando a imagem e o som com o que a gente tInha, para montar essa cópia que se tem hoje. É ela que, teoricamente, tem que ir para o telecine, ou seja, ela precisa ser reproduzida para depois ir para o telecine. Agora a gente está fazendo uma pesquisa porque tem essa questão. Quando a Petrobras me convidou, imediatamente, eu convidei o Tarcísio Vidigal, do Grupo Novo de Cinema e TV, que é o produtor, o proponente e o responsável pelo projeto junto comigo. O Grupo Novo fez uma pesquisa e encontrou na Éclair uma outra cópia do “Dragão” que, possivelmente – a gente está esperando um laudo – estará em melhor estado do que essa que a gente tem aqui. Porque o trabalho de restauração é feito com três, quatro fontes diferentes.
PROJETO COLEÇÃO GLAUBER ROCHA
Então foi isso, eu me lembro que eu fui ao Mega e em uma grande reunião com os diretores e com os técnicos, eles mesmos me sugeriram: “Por que você não faz um projeto para telecinar tudo em alta definição?”, para HD na época, agora, 4K. Enfim, porque a tecnologia avança durante o próprio projeto, de filme para filme a tecnologia avança e a gente está sempre correndo atrás do que está surgindo. E você telecina tudo já para alta definição e depois faz a restauração digital de um a um e você printa um a um. Só que isso era uma coisa que aumentava cinco vezes o valor do projeto. Então eu tive que adequar isso à realidade para essa primeira fase – eu fiz a coleção Glauber Rocha em quatro fases. Nessa primeira fase, serão restaurados quatro filmes e printandos dois; quatro DVD’s e dois prints. Nessa primeira fase: “Terra em Transe”, “Dragão da Maldade”, “Barra Vento” e “Idade da Terra”, quatro DVD’s, printando o “Terra em Transe” que não tinha negativo e o “Dragão” também que não tinha negativo, que era colorido, que é o primeiro colorido, com as cores do tropicalismo, filme irmão do Macunaíma. E, graças a Deus, a Petrobras confiou no projeto, confiou em mim, porque eu falei assim, não vou dizer que seria jogar dinheiro fora fazer os 11 DVD’s, mas teria um imediatismo maior para solução do projeto, mais imediata, mas de uma certa forma, quem me garante os recursos complementares para voltar lá atrás e refazer todo o projeto? Porque ia ficar muito marcado depois, entendeu?
Então, graças a Deus, a Petrobras confiou e a gente está fazendo o melhor que pode, o melhor que o Brasil permite hoje. Tem hora que eu tenho vontade de pegar um avião. Por isso que é um projeto pioneiro aqui.
PETROBRAS – INVESTIMENTOS EM CULTURA
Eu acho que tem uma importância fundamental, ela tem produzido, tem investido basicamente em toda a cultura brasileira, mais especificamente no cinema brasileiro. Tem uma epígrafe do projeto que eu trouxe para a Petrobras, que é a epígrafe do Glauber dizendo que, na época, ele dizia que a Embrafilme era a nossa Petrobras, porque a Petrobras produzia minério vegetal enquanto a Embrafilme produzia a energia – não, que a Petrobras produz a nossa energia intelectual hoje. Então eu acho que, através da energia mineral, ela está produzindo nossa energia intelectual, energia imaginária, enfimRecolher