P/1 – Bom, eu queria que você falasse seu nome, o local que você nasceu e a data de nascimento. Vamos começar se apresentando.
R – Meu nome é Gersivânia, nasci no dia 21 de maio de 1979 na cidade de Solânea, na Paraíba.
P/1 – Qual é o nome dos seus pais?
R – Miguel Ferreira de Lim...Continuar leitura
P/1 – Bom, eu queria que você falasse seu nome, o local que você nasceu e a data de nascimento. Vamos começar se apresentando.
R – Meu nome é Gersivânia, nasci no dia 21 de maio de 1979 na cidade de Solânea, na Paraíba.
P/1 – Qual é o nome dos seus pais?
R – Miguel Ferreira de Lima e Gesina Ferreira de Lima.
P/1 – Eles nasceram também na Paraíba? Qual o local e a data de nascimento? Você sabe?
R – A data de nascimento da minha mãe eu sei que é dia 30 de agosto de 1936, a da biológica e a de criação, que eu também tenho uma mãe de criação é 27 de agosto de 1933.
P/1 – E os pais?
R – Os pais eu não lembro a data deles.
P/1 – Qual é o nome do seu pai de criação?
R – Graciliano Ferreira de Lima e a minha mãe de criação é Gertrudes, Ermínia Maria de Lima, na verdade, só que o nome dela de freira é Gertrudes, então, a gente chama ela de Gertrudes.
P/1 – O que os seus pais faziam?
R – O meu pai lutou na Segunda Guerra Mundial na Itália e quando ele voltou para casa, ele teve 18 filhos, que eu sou a caçula, e aí, ele e a minha mãe trabalhavam no colégio agrícola da cidade de Bananeiras, na Paraíba. Aí depois, eles foram para Campina Grande, que a minha mãe foi… o meu pai já estava aposentado e a minha mãe foi trabalhar na Universidade Federal da Paraíba de Campina Grande, então eles ficaram morando depois em Campina Grande.
P/1 – E como é que foi a sua infância? Me conta um pouco. Você falou que é filha de caçula de 18 irmãos…
R – É, na verdade, eu sou caçula de 18 irmãos e sou filha única, eu até brinco, eu falo: “Eu sou filha única de 18 irmãos”, aí todo mundo: “Como assim?” “Porque eu nasci e com três meses…”, quando eu fiz três meses de nascida, o último pedido do meu avô antes de falecer, foi que a minha mãe biológica, que tinha muitos filhos, me desse para a minha mãe de criação que tinha saído do convento e já era de idade, não ia poder ter filhos para ele criar e aí minha mãe não aceitou. Mas no dia do meu aniversário, não, né, mas no dia que eu completei três meses, aí o meu avô faleceu, aí a minha mãe ficou com remorso e me deu para a minha tia cuidar. E aí eu fui registrada com a minha mãe e fui criada pela minha tia.
P/1 – Como foi a sua infância?
R – Quando eu fui morar com a minha tia, então eu fiquei longe da minha mãe, porque a minha mãe morava nessa época, ainda nessa cidade, né? A minha infância foi complicada (risos), porque assim, até então, você fica meio… você começa a crescer e você começa a sentir falta de amigos, de primos, de irmãos e aí eu fui criada muito sozinha, eu brincava que eram quatro gerações lá em casa: a minha avó tinha cem anos, meu pai de criação, 80 e a minha mãe, 60. E eu estava totalmente fora daquele contexto, né? (risos) Então, eu deixava todo mundo doido, eu acredito, né? Mas assim, eu estudava bastante, sempre fui muito dedicada aos estudos, eu era bolsista no colégio em que eu estudava e assim, tenho recordações boas dos meus primos que foram… que eu tive muita convivência, que era a Samara, o Welinton, o Hilton, Graciano, Daniela e Júlio, esses foram os meus irmãos, porque eram os meus primos que eu tinha convivência de brincar durante a minha infância, mas eu gosto mais de lembrar da minha adolescência (risos).
P/1 – Você estava maior e você tinha os seus irmãos por perto na infância, ou não?
R – Não, não. A gente pouco se via, né? Assim, se via, mas não com tanta frequência, né? Eu só fui começar a ver os meus irmãos, mesmo, quando eu passei… que a minha mãe que era muito católica, imagina, eu virei crente, aí ela ficou muito revoltada na época e ela chegou a me expulsar de casa e eu fui morar com os meus pais biológicos por um tempo, e aí foi a época que eu comecei a conviver com os meus irmãos. E até hoje, a gente convive bastante.
P/1 – E isso foi com quantos anos?
R – Quinze anos, quando eu fui morar com eles.
P/1 – Você voltou para a casa dos seus…
R – Que eu voltei para casa, fiquei só três meses, na verdade, mas foi uma época que ali a gente começou a conviver com mais frequência e aí, eu comecei… foi bom, porque aí eu vi que eu tenho irmãos e… eu tenho 18 irmãos (risos).
P/1 – E como é ter 18 irmãos?
R – É muito bom! Só não dá para convidar nas festas de aniversário (risos), porque são os irmãos, os filhos, os… enfim, todos os meus irmãos, a maioria: quem não tem três, tem dois filhos. Aí já tem filhos dos filhos que já estão casando, enfim… família bem grande!
P/1 – Na fase da infância, como é que era a casa onde você morou? Como é que era o bairro? Você falou, na verdade, do contato com seus primos e posteriormente, já na adolescência, com os irmãos. Como é que é isso?
R – Na infância era engraçado, porque assim, minha mãe de criação mesmo, ele me criava muito assim, cercada, né? E aí a minha diversão era colocar as perninhas para de fora da grade da porta da minha casa e todo mundo que passava na rua eu ficava conversando (risos), todo mundo ficava chamando, fazendo amizade, sempre fui muito para fazer amizade, desde essa época. Quem chegava lá em casa, eu queria mostrar o meu quarto, meus brinquedos, então… e com os meus primos, eu brincava muito na casa deles, quando eu tinha oportunidade de ir para a casa deles, aí era… na minha casa mesmo, assim, tenho muitas recordações, mas assim, tem muita coisa assim que mexe com minha infância, né? Na verdade, as maiores recordações mesmo da minha infância, que eu tenho naquela casa não foram muito boas e é meio assim, complicado. Tem situações assim, que infelizmente, hoje eu não tenho vergonha de falar, tanto que eu vou falar num momento assim, mas é porque eu acho importante, eu sofri abuso, não pelos meus pais, graças a Deus, eles nem sabiam, por um tio meu, não foi… foi aliciamento, na verdade, mas foi dos três anos até os nove que perdurou isso e no começo, foi muito difícil. Hoje eu tenho facilidade de falar, porque realmente eu superei isso e hoje eu acho até bom para alertar outros pais, outras pessoas, mas foi muito difícil, porque eu era uma criança de três anos de idade e aí você vai sofrendo esse percurso na vida com uma certa ameaça e hoje em dia, quando eu vejo na mídia, as pessoas criticando outras que de repente, resolveram falar, aí falam: “Nossa, mas é para aparecer”, não, não é. Porque você quebra um tabu, você quebra uma ruptura na sua vida que depois disso, você começa a ter uma fase maturacional melhor. Porque até então, você fica vivendo por dogmas e até uma certa hipocrisia da sociedade e isso é o mais comum do que… hoje, eu sei porque eu já trabalhei com gestão de pessoas, hoje eu já trabalhei em situações em que muitas pessoas me procuravam e quando eu falava, as pessoas se abriam comigo. Então, isso é muito mais comum do que a sociedade apresenta. Então assim, foi uma fase difícil, quando foi com nove anos, eu simplesmente resolvi chegar para minha mãe e falar: “Eu sei que você vai me bater, porque ele falou que se eu contasse, a senhora ia me bater e a senhora não ia acreditar em mim, só que eu não aguento mais”, e aí ela se assustou: “Mas por quê?”, aí eu contei. Quando eu contei para a minha mãe foi um susto, ela não imaginava, era debaixo do teto, era debaixo dos olhos de todo mundo e ninguém via, então é uma coisa que marcou assim, a minha infância por um bom tempo na minha adolescência, eu sofri muito com isso, porque eu ficava: “Mas por que só eu?”, e hoje em dia eu não tenho mais esse “Por que só eu?”, porque eu descobri que muitas pessoas passam por isso, elas só não têm essa facilidade de contar, de abrir a boca e enfim, aí vive o resto da vida esse constrangimento. Então, hoje eu não vejo como constrangimento, eu vejo mais como um alerta, converso com os meus filhos abertamente sobre isso, hoje em dia e graças a Deus, acabei tendo um relacionamento com os filhos muito melhor do que se meus pais, que sabiam que isso existia em outras casas, se tivessem se atentado provavelmente, podia até ter evitado, você cria uma barreira entre a mãe e o filho que acaba prejudicando.
P/1 – E como que era depois dessa fase, obviamente, como que era a questão com os irmãos, porque nove anos, já passou, enfim, você passou por essa fase, aí você veio ao contato com os irmãos na adolescência. Eles iam para a sua casa com o seu tio ou você só encontrava na casa da sua mãe biológica?
R – Você fala com o meu tio…
P/1 – Com os irmãos, os 18 irmãos.
R – Ah tá, os meus 18 irmãos, a gente viajava muito, não, os 18 não, porque quando eu me dei por gente, digamos assim, a maioria já estava aqui em São Paulo, trabalhando. Então, eu tinha perto de mim, cinco irmãs e nós cinco éramos muito unidas, muito unidas mesmo, a gente viajava bastante, a gente ia para Natal, para João Pessoa, a gente ia em encontro da igreja, então foi uma fase muito gostosa, durou pouco, porque logo em seguida, eu já passei por outra fase que foi quando eu casei, mas assim, foi uma fase muito boa que eu vivi bastante, nem parece, tão poucos anos, foram três anos assim, mas que eu vivi intensamente, foi muito divertido, muito bom, mesmo.
P/1 – Você se lembra da escola?
R – Lembro. Nossa, a escola foi a melhor coisa da minha vida, eu sempre fui muito estudiosa, então eu consegui… na terceira série, eu consegui uma bolsa num colégio renomado de Campina Grande, Colégio Alfredo Dantas e lá, eu estudei da terceira série até o terceiro colegial. As amizades que eu fiz lá, até hoje, nós somos amigos, a gente já fez alguns encontros, marcamos e todo mundo foi lá se encontrar, inclusive, semana que vem, eu vou lá… quando eles vêm aqui para São Paulo, a gente se encontra, quando eu vou lá, a gente se encontra, então é uma amizade que perdurou todos esses anos.
P/1 – E os professores? O quê que você lembra da escola?
R – Nossa! Falar em professor, eu lembro de nomes assim, que nunca vai sair da minha cabeça, professor de Biologia, apesar de eu não gostar de Biologia, tinha um professor que chamava Lúcio Cláudio, que é inesquecível. Tive um professor que parecia com aquele ator do “Rei do Gado", esqueci, o Antônio Fagundes, que era o Professor Santiago, tinha o Alves que era professor de Geografia, tantos professores, assim, que marcaram nossa vida e eu me lembro bastante. Inclusive quando eu fiz o Enem, eu lembrava dos professores falando no meu ouvido e eu ia respondendo, falava: “Gente, estou lembrando disso aqui”(risos).
P/1 – E você lembra de alguma história? Alguma passagem com eles que foi importante ou engraçada?
R – Eu lembro de uma história engraçada, porque eu tinha um delay muito grande quando eu era adolescente, tipo por exemplo, cheguei numa quarta-feira, estava todo mundo prestando atenção numa aula de Matemática de um professor que era até professor universitário, dava aula pra gente, todo mundo lá quieto e de repente, eu comecei a rir e todo mundo: “Que foi?” “É que eu entendi agora a piada dos Trapalhões”, Trapalhões já tinha sido no domingo! Era quarta, então assim, tem coisas assim… teve uma situação, essa foi constrangedora, no segundo colegial, que eu estava na aula e o professor dando aula sobre um sistema auditivo e aí eu fiz uma pergunta mais tosca que… até hoje, quando a gente se encontra, todo mundo lembra, que eu perguntei se quando fazia lavagem de ouvido, se a água que entrava aqui saía pelo outro lado. Aí o pessoal olhou pra mim e falou: “Vania, você está assistindo muito desenho animado, está no segundo colegial, fazendo uma pergunta dessa!”, essa foi bem engraçada, são situações assim, engraçadas que tornam-se pérolas da sua vida e que enfim, você é aquilo que você vive, né, então não é ruim lembrar.
P/1 – A escola era perto da sua casa?
R – Era no centro da cidade, não era longe, não, morava num bairro vizinho.
P/1 – E você ia como para a escola?
R – Eu ia de ônibus, muitas vezes, eu ia a pé, porque eu sempre tive muito o vício de andar, às vezes, eu ia a pé também.
P/1 – Você ia a pé?
R – Ia.
P/1 – O percurso era sozinha?
R – Sozinha, às vezes, eu voltava com os amiguinhos da escola, também, a pé.
P/1 – Histórias desse percurso?
R – Do lado do colégio tinha a praça, a praça da bandeira, então às vezes, a gente saía do colégio e ia para a praça, já fui em estúdios de televisão lá, durante assim, no período de aula. Isso aí é questão da adolescência, se junta todo mundo, vira aquela bagunça, brincar, tudo é motivo de ir. Então, foi um período muito bom à época da escola, deixou boas lembranças.
P/1 – E o namoro, na época?
R – Eu não pensava em namorar não, estava pensando em estudar, eu só estudava, eu era muito estudiosa e enfim, eu tinha acabado de fazer o vestibular, foi em 96 que eu terminei, em 97, eu fiz o vestibular. Eu nem cheguei a assumir, porque meu namoro foi de quatro meses por carta. Uma coisa que mudou…
P/1 – Por carta?
R – Por carta. Não era uma coisa determinada, planejada, estava planejando minha vida, né, e a minha vida não planejava casamento…
P/1 – E quantos anos você tinha?
R – Eu tinha 17 anos e aí meu primo de São Paulo foi lá na Paraíba, a gente começou a namorar, ele ficou dois meses de férias, aí nesse último mês que ele ficou lá, a gente começou a namorar e ele voltou e antes dele ir, ele me deixou noiva. Mas eu falei para ele: “Olha, eu vou cursar um ano de faculdade, depois a gente…”, porque ele já era maduro, ele já tinha 26, então ele já pensava em casar, ela já tinha casa, ele já tinha uma vida estabilizada e eu nem… então, eu falei: “Eu vou ter que cursar um ano de faculdade, que é quando vai me permitir trancar para poder ir para São Paulo”, que era universidade pública e aí não foi possível, porque nossa, depois que ele veio, era… ligação telefônica ficou cara e as cartas, tipo, era carta pra lá, carta pra cá, mas aí a saudades foi aumentando, realmente, foi um percurso não esperado, mas algo que hoje eu não me arrependo nem um pouco, se fosse para fazer, eu faria de novo. Eu até brinco: “Minha vida após os 17”, porque realmente, a minha vida deu uma guinada depois dos meus 17 anos, foi quando realmente… hoje, eu me considero uma pessoa muito feliz.
P/1 – Você conheceu ele… ou você já conhecia, porque ele é, na verdade…?
R – Meu primo.
P/1 – Seu primo.
R – É, eu conheço ele desde que eu nasci, mas assim…
P/1 – Mas você tinha contato com ele?
R – Ele ia de três em três anos lá no nordeste, mas assim, ele era moço já e eu era criança. Eu lembro que uma vez, eu tinha nove anos e eu comecei a dar trabalho, lá, alguma coisa, ele falou: “Oh, moleca vai crescer pra eu casar com você”, brincando! Lembro também uma vez que eu tinha seis anos de idade, ele tinha 15, e eu joguei uma escova no rosto dele, porque… na verdade, antes de eu jogar a escova, meu primo ficou falando: “Você está gostando de fulano”, que era ele, do Djalma, “Não estou” “Está sim” “Não estou” “Está sim” “Não estou” “Está sim”, joguei a escova e machuquei ele, depois eu fiquei lá pedindo perdão: “Está vendo, tio falando que você está gostando dele!”, aí nesse dia, fizeram aposta, esse meu primo com o Djalma. O Djalma tinha 15 anos e o meu primo tinha uns dez anos e aí eles fizeram a aposta: quem casasse comigo, perdia a aposta. E apostaram um dinheirão tão grande que eu nem lembro, mas assim, enfim, meu marido perdeu a aposta, só não conseguiu pagar porque não deu para corrigir, porque era na época do cruzeiro, passou para tanta coisa, mas ele perdeu a aposta porque ele casou comigo. Foi uma brincadeira, na verdade, que o destino laçou, né?
P/1 – Seu marido morava onde?
R – São Paulo.
P/1 – Aqui em São Paulo?
R – Aqui em São Paulo. Ele se cresceu… ele veio para cá com seis anos, porque a mãe dele faleceu, e aí ele cresceu morando com a irmã dele, morou a vida inteira ali no Alto da Boa Vista. Depois que ele casou comigo, a gente foi morar em outro lugar. Hoje, a gente mora na região do Grajaú, que muita gente conhece.
P/1 – Você falou que é o Parque…
R – Brasil.
P/1 – Parque Brasil?
R – É.
P/1 – E aí, você veio para São Paulo, você casou com ele…
R – Casei com 17 anos, eu vim para São Paulo…
P/1 – Como é que foi a sua impressão de chegar em São Paulo?
R – Olha, quem vem para São Paulo para vir morar na Paulista, num lugar… é diferente. Provavelmente, você vai dizer que São Paulo é maravilhoso, mas quem sai de uma cidade pequena, mas uma cidade que tem qualidade de vida, que é o caso de Campina Grande, uma cidade maravilhosa e vem morar na periferia de São Paulo, nossa, para mim foi um baque! Eu demorei muito para me adaptar, sofri pra caramba. Nossa, demorei muito mesmo para me adaptar. Primeiro, que eu fui morar num lugar que na época, tinha um terreno cheio de cavalos, o cheiro que eu sentia era de estrume, não tinha isso na minha cidade, isso porque era Nordeste e todo mundo falava que nordeste, né… e eu fiquei: “Gente, isso aqui é São Paulo?”, quando eu saí da Paraíba, eu saí em 97, mas em 96 eu conheci a internet num projeto lá da universidade, e aí em 97, a inclusão lá da internet já estava acessível para os estudantes, tudo. Eu cheguei aqui, eu fui ter internet lá onde eu moro depois de dez anos. Então assim, foi um choque muito grande pra mim. Mas assim, eu acho que eu demorei muito para me adaptar porque fui morar em periferia, porque tudo é muito distante, você vai para um lugar, você viaja todo dia. Só que foi bom, porque depois, eu comecei a fazer processamento de dados, eu fiquei grávida, aí a gravidez era de risco e eu tive que parar. Por meio dessa gravidez de risco veio o André, que nossa, é a melhor fase, acho que toda mãe sabe disso, nem vou falar muito de filho, porque senão… porque a melhor coisa da vida é ser mãe, então assim, veio o André e depois, quando o André estava com dois anos de idade, ele chegou pra mim e falou: “Mamãe, o homem que gosta muito de você falou para mim que quer te dar um presente”, e eu olhei para ele, não entendi, falei: “Que homem?” “Estava aqui na escada”, a gente morava num sobrado, e eu: “Mas como era esse homem?” ”Não vi o rosto dele, ele era banco”, ele falava tudo enroladinho, “Ele era banco, tinha asa, mas falou que vai te dar um presente”, e esse presente foi, na verdade, o concurso dos Correios que eu tinha passado e estava na lista de espera, nem me lembrava mais disso, fazia dois anos e aí me chamaram para trabalhar e foi por aqueles dias em que o meu filho tinha anunciado. Aí eu comecei a trabalhar nos Correios e foi engraçado porque a primeira vaga foi para Osasco (risos). E não tinha acesso ao Grajau, então era um tormento para chegar. Só que todo esse sofrimento, esses baques, hoje em dia é muito engraçado, porque tudo o que acontece de dificuldades hoje em dia, eu tiro barato, dou risada e escrevo crônica (risos), porque aí você vê que é muito da cara que você encara, não é demagogia, não, é verdade. Você começa a encarar as coisas com dificuldade, mas que aquela dificuldade vai te atrapalhar, vai te impedir de chegar em um lugar, você não vai chegar em lugar nenhum, mas quando você começa a ver que as dificuldades vêm, mas aquilo é um motivo para você pular, para você… “Ixi, já passei por isso, vamo que vamo, vamo embora”, aí fui trabalhar em Osasco, depois fui trabalhar no Jaguaré, teve uma outra época que eu fui trabalhar na Saúde, mas aí demorava mais para chegar do que trabalhando no Jaguaré, que era engraçado, que eu entrava às oito horas, eu chegava lá às seis e meia, meu chefe olhava para mim: “O que você está fazendo?” “É porque se eu sair cinco minutos depois, eu chego às nove horas, ele não acreditava e era verdade, porque era um ônibus a cada 50 minutos e aí um dia eu cheguei atrasada, falei: “Porque eu perdi o ônibus, depois de 15 minutos”, porque saiu outro e já complicou a minha vida. Então assim, são coisas que você vai se adaptando, mas é como eu sempre falo para os meus filhos: “A borboleta para sair do casulo, ela só alça voo se ela sofrer toda aquela turbulência para sair daquele casulo, porque aquilo vai fortalecer as asas dela”, então na nossa vida não é diferente. Se a gente usa esses… todas essas coisas que acontecem na nossa vida como estimulo para você alçar seus voos, você vai longe! E eu estou voando (risos).
P/1 – Eu vou voltar um pouquinho, que eu queria saber, na verdade, você falou da faculdade, você cursou Administração?
R – É, isso aí foi… eu tinha dez anos já no Correios, trabalhava como atendente comercial na agência…
P/1 – Isso aqui em São Paulo ou lá?
R – Aqui em São Paulo.
P/1 – Lá, você não fez nenhum curso?
R – Não, porque na verdade, eu fiz vestibular e tive que largar, então quando você nem ingressa, não dá nem para trancar, né?
P/1 – Tá.
R – Você teria que ter cursado um ano para trancar e transferir, então, não considero. Foi Ciência da Computação na Federal e Ciências Contábeis na estadual na Paraíba. E aqui, eu fiz Processamento de Dados, mas aí eu tive que parar por causa da gravidez, então depois eu não estudei mais. E fazia dez anos que eu já tinha terminado o colegial, estava trabalhando nos Correios, eu não lembro, eu entrei… na verdade, eu entrei nos Correios no dia do atentado das Torres Gêmeas, em 2001 e acho que tinha uns três ou quatro anos que estava trabalhando nos Correios, quando alguém falou pra mim: “Por quê que você não faz o Enem?”, e eu: “O que é isso?”, foi no segundo ano de Enem “O Correios está fazendo inscrição para o Enem”, eu falei: “Nem conheço”, nem conhecia. Aí me falaram: “É bom você fazer para você ver como é que você está, não precisa para nada”, e na época, eu trabalhava muito, muito, estava assim, assoberbada de trabalho, estava bem complicado para mim, e aíeu fiz inscrição no ultimo dia, só para ver como é que era. Chegou o dia do Enem, o meu marido falou: “Ah, se eu fosse você nem ia, porque você nem estudou, nem nada”, eu falei: “É, não vou não”, isso era de manhã, a prova era de tarde. Quando foi pela tarde, eu olhei para o meu marido assim, a gente estava almoçando, era meio-dia, acho que a prova começava às duas, eu não me lembro bem, mas eu olhei para ele e falei: “Se você me levar lá, dá tempo de eu chegar ainda para fazer a prova?” “Por quê? Você está com vontade?” “Ah, estou pensando aqui, não paguei nada, não custa nada, né, só para ver como é que eu estou”, e quando ele foi chegando, a escola ia… era uma contramão, ele falou: “Eu vou te deixar aqui, você vai, que eu vou dar a volta no quarteirão, se você não conseguir entrar, eu já te pego e a gente volta” “Tá bom”, quando ele me deixou, que eu saí correndo que eu cheguei na porta da escola, a mulher me puxou e fechou aporta, eu fui a última que entrei. Aí, eu: “Nossa! Eu não sei não, acho que alguma coisa tem para mim”, aí foi nesse dia que quando eu peguei a prova para fazer, eu lembrava dos professores falando. Eu comecei a rir fazendo a prova, porque eu falava assim: “Gente, eu nunca vi isso”, eu lembrava, parecia um continuado assim, eu lembrava das questões, então assim, meu índice de aprovação foi muito bom. Redação, na época de escola, eu brincava que era zero ou um, que eu era péssima de redação e a redação do meu Enem ficou muito boa, ficou uma nota muito alta e as coisas vinham e eu ia escrevendo, foi bem legal, mesmo. E aí eu consegui bolsa de estudos, 100% de bolsa e cursei Administração na Unisa. Depois disso, foi promoção nos Correios, fui trabalhar numa célula dedicada a clientes estratégicos, então era o pós-venda só dos grandes clientes da empresa, eu fui viajar para Recife, para Norte e Nordeste, aí você começa outra vida. E aí, depois, tive a oportunidade de fazer Gestão Pública na Universidade Federal do Paraná e aí, depois disso, agora eu acabei de participar de um processo lá nos Correios de… apresentei um projeto em Brasília, e eles gostaram porque é um projeto de viabilidade comercial para empresa, eu tenho que desenvolver, mas assim, na verdade, é algo para trazer para empresa e eles aprovaram e vão poder subsidiar uma bolsa para mim na FGV de MBA. Então assim, são coisas que você olha para trás, fala: “Meu Deus, de onde eu saí e onde eu estou chegando!”, mas assim, sempre eu sei que na minha vida, sempre Deus está na frente. Então assim, tem o esforço da gente? Tem, mas é bíblico, se esforça que Deus ajuda. Então assim, a gente faz a nossa parte e a mente, deixa na mão dele, porque ele abre (risos).
P/1 – Você mora na mesma casa de quando você chegou em São Paulo ou você já…?
R – Já! Ixi, eu mudo mais que tudo! Eu fui morar, quando…
P/1 – Você lembra da primeira casa?
R – Lembro. Eu fui morar na Belmira Marin, numa casa de quatro cômodos, era bem pequena, a gente morou acho que uns três anos. Aí depois, eu mudei para um sobrado muito grande, mas tipo num lugar bem distante também, sempre lugar longe, sempre na periferia. Morei dez anos. Aí depois, voltei para onde eu estou hoje, e tenho planos de sair de onde eu estou também (risos), mas aí a gente acabou de… pela primeira vez para ir morar num lugar mais perto de algum lugar, eu brincava: “Queria tanto morar em algum lugar que me leve para algum lugar”, aí agora, a gente vai morar perto de uma estação de trem, ufa (risos).
P/1 – E você casou lá em Campina Grande, como é que foi esse casamento?
R – Esse casamento de quatro meses?
P/1 – É.
R – Meus pais quase endoideceram comigo quando eu falei que eu queria casar e eles falaram: “Não, então espera, porque…”, eu falei: “Pai, ele não vai esperar não”, e o meu pai queria fazer a festa, aquela coisa toda. Eu sei que os meus pais conseguiram organizar a festa em duas semanas, foi um negócio muito engraçado.
P/1 – O que você lembra da festa?
R – Eu lembro que eu trabalhei até quase a hora do casamento (risos) e eu lembro que o motorista se perdeu, eu cheguei com duas horas de atraso (risos), é que o motorista era de São Paulo (risos). Na verdade assim, foi um dia muito lindo, mas lembro muito mesmo do dia do casamento civil que foi na terça-feira daquela semana. A gente foi para… a gente casou, depois a gente foi para a minha casa, dos meus pais de criação e a gente fez uma oração lá e depois, a gente foi para a casa dos meus pais biológicos que tinha outro almoço lá e também teve uma oração e naquele dia foi um dia assim, muito especial para mim porque lá na Igreja tem algo que a gente chama Linguagem dos Anjos, que é aquela passagem de Pentecostes e as pessoas cristãs que são pentecostais, eles acreditam nisso e eu acreditava, mas eu não tinha e eu tinha cinco anos que eu pedia e nada. E como o nosso casamento foi em quatro meses, você imagina quanta dificuldade apareceu, você casar em quatro meses com 17 anos, “Essa menina está louca, né?”, mas eu tinha convicção que aquilo era o caminho mesmo que Deus tinha na minha vida e no meio dessas dificuldades, eu pedi um sinal, falei: “Então está bom, Senhor, eu acredito que esse casamento, tu vai estar nele, vai abençoar, mas para mim, no dia do nosso casamento, na oração do nosso casamento, tu me presenteia com aquilo que eu te peço tanto”, e aí, o quê que acontece? Quando foi… e o meu marido aqui em São Paulo passando por outras dificuldades referentes também ao nosso casamento, sem saber de nada, como eu tinha comentado com ele que isso era um desejo meu, fez o mesmo pedido. E aí quando foi no dia do meu casamento, na oração, eu recebi esse presente. Então assim, marcou muito, foi um presente que até hoje é uma coisa que eu vou levar para a vida e sempre quando vem as dificuldades, eu lembro disso, como se fosse uma alavanca. Agora, o dia do casamento, da festa, porque aí o que acontece? Evangélico tem aquelas coisas, casar virgem, mas tem que vestir o vestido branco, virgem ainda, né? Então, tu imagina, eu casei na terça-feira e a festa era só no sábado e eu tinha que ficar pura até o sábado. Então, era muito engraçado, porque quando chegou no sábado, porque: “Depois do casamento, a gente vai viajar para Natal” “Tá bom”, e aí quando foi no sábado da festa, teve toda a comemoração, tudo e ai, quando acabou a festa, meu marido: “Eu não vou conseguir viajar hoje porque eu tio está muito cansado. Então, eu vou te deixar na casa da sua mãe e eu vou para casa da minha irmã e depois, eu passo amanhã de madrugada para a gente seguir para Natal”, só que assim, na minha cabeça, eu falava: “Não, casou tem que estar junto, tem que dormir junto”, a minha casa estava lotada, cheia de gente, colchão por tudo que era lugar e aí ele: “Não, vou te deixar em casa”, e aí a gente já começou a… a primeira briga foi essa, né, eu não queria: “Não, você vai dormir comigo” “Não vou, não vou, casa cheia”, toda, aquela coisa toda, me largou lá, foi para a casa da irmã dele e eu fiquei lá chorando, resmungando. Então, você imagina aquela velharada das minhas tias, tudinho olhando eu brigando porque meu marido me deixou. Porque aí elas falaram o contexto: “Tu tinha que dormir com ele hoje”, então, elas
olhavam o contexto, elas ficavam imaginando: “Essa menina é danada, hein! Doida para fazer aquilo, lá”, mas não era, eu queria dormir com ele junto e ele não queria porque estava todo mundo em casa. E eu brava, nervosa e todo mundo com aquela cara de tipo… aquela cara de condenação, e eu lá reclamando. Quando eu entrei no banheiro xingando todo mundo, reclamando, casei, já estou brigando, porque eu sou muito expressiva, aquilo que não… não consigo guardar. Quando eu entrei no banheiro, entrei nervosa que eu falei, alguém respondeu, aí eu comecei a gritar, era um peru que o meu pai tinha comprado para matar quando a gente fosse viajar de despedida, almoço de despedida. Ele comprou o peru e colocou dentro do banheiro. Aí, eu ficava falando e o peru respondendo, aí eu mandava ele calar a boca e ele: “Glu, glu, glu, glu…”, então foi assim uma situação muito hilária, foi muito engraçado e aí eu falei: “Amanhã, nem venha, quando ele chegar aqui, eu não vou para Natal, eu não viajo mais com ele, eu não quero mais saber…”, que não sei o quê, resumindo, quando foi no outro dia que ele buzinou com a caminhonete, eu já estava com a mochila nas costas: “Tchau mãe, fui” (risos) então foi assim, foi muito engraçado o meu casamento (risos).
P/1 – E os filhos?
R –
Ah, os filhos… o André que é o meu mais velho, ele veio numa época muito difícil porque eu estava num processo de adaptação… eu demorei muito na adaptação em São Paulo. Então, eu estava com depressão e não sabia. Eu emagreci, eu achava que era câncer, eu fiz vários exames para descobrir, porque eu tinha certeza que era câncer, estava isso aqui, magra, cheguei a 47 quilos. E estava feia, viu, muito feia. Fiz até um antes e depois, mas enfim. E aí uma vez, eu fui na Igreja e veio uma palavra na Igreja muito bonita que falava que tinha alguém ali que o dom da vida ia ser gerado nela e por esse dom da vida ia vir o dom da alegria e a partir daquela palavra, a partir daquela vida, o dom da alegria… porque assim, a minha vida… nessa época que eu estava assim, que eu não sabia que era depressão, eu ficava: “Porque é melhor morrer do que viver, porque eu não aguento mais”, as dificuldades eram de adaptação mesmo, imagina, uma menina de 17 anos que não sabia nem cozinhar, casa… se preparou para ir para a faculdade e estava como dona de casa, então foi bem difícil. E o meu esposo, quando eu casei, ele tinha uma condição material e financeira boa e foi também um processo que ele começou a perder tudo. Então, juntou tudo, fez um bolo. E quando veio o meu filho, realmente, aquele dom da alegria, hoje eu falo para você: “Eu quero viver cem anos” e é por isso que eu até me inscrevi aqui nesse projeto, eu quero viver cem anos. A minha vida… hoje, eu tenho muito prazer de viver, passo isso para os meus filhos, a gravidez dele foi uma gravidez difícil, com dois meses de gravidez, o meu pai de criação morreu, daí eu tive início de aborto, então foi uma gravidez difícil de segurar essa criança e no dia dele nascer, quando o médico falou pra mim: “Sai daqui e vai direto para o Santa Joana que eu já estou indo atrás”, eu fui para o Santa Joana para ganhar neném e o meu médico foi sequestrado logo depois que eu saí, foi amordaçado, tanto que até hoje ele fala: “Eu odeio lembrar daquele dia”, eu falo: “Não fala isso, foi o dia em que o meu filho nasceu”, e ele chegou no hospital assim, atordoado, eu falei: “Meu filho, vá se cuidar, porque senão tu vai fazer um ziguezague aqui na minha barriga”, mas eu já estava em trabalho de parto. Quando o meu filho nasceu, faltou um pouco de oxigênio no nascimento, isso gerou umas consequências que só com dez anos a gente descobriu. Então hoje, eu tenho um filho especial, o meu filho mais velho. Ele tem dislexia, tem déficit de atenção nos estudos e aprendizagem, ele tem perda auditiva, mas ele é a pessoa mais especial que eu conheço.
P/1 – Qual o nome dele?
R – André Fernandes.
P/1 – E em que ano que ele nasceu?
R – Ele nasceu no dia 27 de novembro de 1998. Então assim, ele é um menino… ele que viu o anjo, então assim, ele sempre teve algumas coisas assim, que você via e falava: “Esse menino não é normal”, mas assim, o normal propositivo, né? Lógico, ninguém é normal, eu não sou normal, mas o André, ele é muito mais do que a gente imaginava, ele me surpreende cada vez mais, quanto mais dificuldade, mais ele se destaca. E aí quando ele estava com cinco anos, eu fiquei grávida do Felipe e foi muito engraçado, porque o André quando… tanto no primeiro ultrassom, tudo o que acontecia com o André, eu só chorava de emoção, quando o André nasceu eu chorei de emoção. Aí com o Felipe foi ao contrário, eu só dava risada, fui fazer ultrassom, eu dava risada, tudo eu dava risada, pode se espantar, eu tive neném dando risada e o médico brigando comigo pra eu não aspirar a criança, porque eu ficava rindo tanto, falava: “Eu nunca vi isso, parto sem dor, pelo amor de Deus, como é que eu vou saber que eu estou tendo contrações?”, ele: “Eu te aviso”, e aí falava: “Faz força”, e eu começava a rir, eu falava: “É muito engraçado isso e ele: “Vânia, para porque senão você vai ficar pondo para dentro” e foi um parto muito gostoso e foi uma criança também que… enfim, eu descobri que eu sou muito mais rica do que eu imaginava porque ter dois filhos é uma coisa assim, maravilhosa. Até hoje, a gente é muito junto, muito grudado com meus dois filhos. A vida deles foi realmente a continuidade da minha geração, continuidade da minha vida, é o que conclui aquilo que para onde a gente veio, nascer, crescer, reproduzir e essa parte final deixar para depois.
P/1 – O seu marido faz o quê?
R – Meu marido tem bicicletaria. Tanto que o meu marido, ele pedalava muito, porque ele sempre gostou muito de bicicleta, ia lá de casa para Santos e eu casei com ele, eu ficava: “Vai não, fica comigo. Vai não, fica comigo”, e aí, ele foi ficando, foi ficando, ficou enorme, porque na verdade, ele era muito atleta, e eu não sabia que era por isso que ele era magro (risos), aí eu brinco hoje que a culpa é minha, minha culpa. E até hoje, ele tem bicicletaria. Ele vende bicicleta, conserta, um ótimo mecânico (risos).
P/1 – E você antes de trabalhar nos Correios, trabalhou em algum lugar?
R – Com, ele, trabalhava na bicicletaria com ele.
P/1 – Na sua adolescência, você não trabalhou?
R – Não, no Nordeste, naquela época não tinha emprego, não. Todo mundo só estudava, tanto que eu fiz duas faculdades… tipo, fiz o vestibular, aí iria fazer as duas faculdades por isso, porque você pegava a federal e a estadual e mandava bala nas duas, porque emprego, as pessoas lá, ou sai carreira acadêmica ou concurso público, não tem… hoje eu não sei, porque mudou muito, mas naquela época era assim que funcionava.
P/1 – Quando você entrou nos Correios, que foi o seu primeiro emprego fora o trabalho no negócio do seu marido, foi isso? Você lembra o quê que você fez com o dinheiro, o primeiro salário?
R – Lembro.
P/1 – Como é que foi isso?
R – Comprei um presente de casamento para a minha irmã, um teclado que eu dei para ela. Foi… (risos)
P/1 – Foi importante?
R – Foi. Nossa, na verdade, o emprego foi engraçado, porque eu queria… minha irmã ia casar e eu tinha muita vontade de dar um teclado para ela e não tinha dinheiro. Teve uma época em que a gente estava financeiramente… foi na época em que o meu marido começou a decair, então eu não tinha de onde tirar, então eu ficava: “Senhor, prepare que o carro das Casas Bahia chegue”, e eu ficava esperando ou que alguém desse o teclado para eu dar para minha irmã. Lógico que essas coisas não acontecem assim, e aí parou o carro das Casas Bahia, eu falei: “Opa, é para minha casa”, não, era para o vizinho, mas tudo bem. E aí naquele dia que eu fiquei esperando até o final o carro das Casas Bahia foi o dia que chegou o telegrama do Correios para eu ir trabalhar. É, Deus dá a vara, você tem que pescar (risos). Aí eu comprei com o meu primeiro salário o presente para minha irmã que foi um teclado.
P/1 – Você trabalha até hoje?
R – Trabalho até hoje nos Correios.
P/1 – Quantos anos, já, nos Correios?
R – Treze anos de Correios, já.
P/1 – Como que é esse emprego na tua vida? Qual é a relação que ele tem? Qual o impacto?
R – Correios na minha vida, ele está muito antes disso, porque eu já me comunicava entre os Correios, né? Quando eu era criança, quando eu era adolescente, eu ia, me cadastrava lá para trocar cartinhas, o Facebook não existia, então era via cartas. Então, a gente ia lá, se cadastrava quem queria se corresponder, então conheci gente de Curitiba, de outros lugares. Então, me correspondia com pessoas. Depois, namorei por carta, quatro meses de namoro por carta e aí depois, sempre falei que eu queria trabalhar nos Correios, na verdade, não foi os Correios que me escolheu, eu que escolhi os Correios, só que demorou. Eu escolhi, demorou dois anos, mas foi o único concurso que eu fiz, até hoje, quando eu faço concurso, é para o Correios. Eu brinco que eu amo a empresa que eu trabalho, tem gente que se eu falar isso, vai falar: “Nossa, que hipocrisia!”, não é, porque na verdade, muita coisa da minha vida se passa por aquela empresa, pelo serviço postal e quando eu entrei no Correios que eu descobri que os Correios não era só serviço postal, que era muito mais do que tudo aquilo, aí que eu me apaixonei mesmo (risos). É porque hoje em dia, o meu foco hoje é a logística reversa, que está dentro dos Correios também.
P/1 – O que é a logística reversa?
R – É a reintegração dos produtos na cadeia produtiva, por exemplo, você pega uma bateria de celular que vai ser descartada, você retoma ela para produção e recicla, reutiliza e devolve. É um processo todo para evitar a questão ambiental, mesmo, a questão da sustentabilidade, para evitar esse acumulo de lixo, então aquilo que pode ser reaproveitado e reutilizado, ele vai ter esse ciclo de reutilização. E aí os Correios entram como um braço, porque na verdade, a gente não faz a logística reversa, mas a gente ajuda, nós somos parceiros de empresas que fazem, então a gente recolhe aquele produto. Só que hoje, no Correios é usado bem diferente, muito diferente. Por exemplo, você comprou um produto e-commerce, e você não gostou do produto, você liga para a empresa, a empresa: “Vou mandar o Correios aí buscar”, também é logística reversa, que a gente usa bastante lá.
P/1 – Você dá um outro destino?
R – É, na verdade a empresa pega de volta e te manda outro produto ou então, quando é um defeito, ela recolhe aquele produto, conserta e te devolve. Então tudo isso por meio da logística reversa que é algo que hoje eu quero me aprofundar mais, que é o meu projeto que vai…
P/1 – Que está lá…
R – Que Brasília aprovou para a gente fazer esse trabalho.
P/1 – Que você mandou para Brasília e dentro… mas é uma proposta dos Correios, é isso? Não?
R – A proposta que eu fiz, na verdade, foi para quê? Porque até 2020, a gente tem que se adequar a lei dos resíduos sólidos e cada estado, cada cidade tem a sua data, né? Então, São Paulo, todas as cidades de São Paulo, até 2017, têm que estar adequadas. E aí é onde vão entrar as empresas que vão fazer essa parte, porque por exemplo, sou uma empresa de telefonia celular, mas a fabricante, obrigatoriamente, eu tenho que recolher aquele descarte. Então, eu vou ter que fazer de tudo para que aquele produto que eu produzi não vá para o lixo, porque hoje tem isso, hoje é jogado de qualquer forma, prejudicando o solo e prejudicando o meio ambiente. Então, a empresa que produz vai ser obrigada a retirar. Como é que ela vai fazer isso? Ela que vai fazer? Não, provavelmente, ela vai conseguir parcerias de empresas que trabalham nesse segmento e o Correios vai estar lá junto.
P/1 – Eu estou me aproximando já do final, tem umas três perguntas, as últimas perguntas. E aí eu queria que você falasse sobre o seu texto.
R – Da poesia?
P/1 – É, que foi… como é que você chegou a isso? O quê que…
R – Geralmente, quando acontecem assim, as coisas difíceis, aí vira piada, né? Tanto que a minha primeira crônica foi uma tentativa de fazer uma ligação em vários orelhões na cidade, naquela época, celular não era tão… e aí cada orelhão que eu ia, um estava quebrado, o outro estava com defeito, o outro tinha um lixo que não dava para chegar. Sei que quando eu já tinha percorrido bastante distância né, cheguei num certo orelhão, quando eu consegui a ligação, uma perua foi… arrancou, só que tinha enganchado e arrancou o orelhão junto e eu sai atrás, correndo e aí comecei a chorar naquele dia e a minha prima olhou para mim e falou assim: “Nossa, mas isso é muito engraçado, porque…”, aí ela começou a relatar, quando ela começou a relatar, falei: “Isso dá uma crônica”, aí foi a primeira crônica que eu escrevi. Depois disso, teve o velório da minha prima, enfim, teve vários. Poesia eu nunca tinha escrito e aí um dia eu estava muito nervosa porque eu tinha que chegar a tempo para um treinamento nos Correios e toda hora acontecia uma coisa, tipo na cidade de São Paulo, com todo esse problema que a gente tem de logística, de trem e aí, o trem tinha dado problema, várias outras coisas que aconteceram no percurso para eu chegar e aí eu não consegui mesmo chegar no horário, fiquei muito chateada e aí comecei a… na hora que eu desci, já comecei a falar, mas aí eu falei: “Espera aí, deixa eu anotar isso que eu estou falando, porque está ficando bom”, e aí aquilo virou uma poesia e essa poesia foi publicada no Estadão e foi publicada… também ganhou o concurso Poetisa 2015, concurso de novos poetas e foi publicada em um livro também que eu vou ler para vocês. “São Paulo é assim, onde se vive, onde se deixa de viver. Cidade que não para. Não para de crescer. Cidade dos sonhos, sonho dos desiludidos, desilusão dos que sonham, dos que dormem e não acordam e dos que simplesmente não dormem. Cidade dos que vivem sem tempo, dos que não têm tempo para viver, dos que esperam para ir e dos que são empurrados para vir. Cidade de idas e vindas, dos que buscam a felicidade e dos felizes que buscam, dos que procuram o que encontram e dos que encontram o que procuram. Cidade dos que foram encontrados perdidos e dos perdidos que foram encontrados, dos que sabem o que procuram e dos que procuram saber. Mesmo na controvérsia da cidade dos que não mais procuram, dos que não sabem mais o que buscam e que nos desencontros encontrados foram perdidos, foram achados. Mesmo na controvérsia, não mais sabem qual a felicidade de se viver nessa cidade”, e aí é isso.
P/1 – Bonito. Parabéns.
R – Obrigada.
P/1 – Quais são as coisas mais importantes para você hoje?
R – Filhos (risos). Filhos é no topo, né? Tanto que eu brinco, se eu acreditasse em outras vidas, eu sempre ia querer vir mulher de novo porque eu queria ser mãe, porque eu acho que a melhor coisa que se inventaram na terra é ser mãe. Então, para mim hoje, a coisa mais importante são os meus filhos.
P/1 – Quais são os seus sonhos?
R – Sou mesmo muito sonhadora! Sempre sonho bastante. Graças a Deus, tudo o que eu sonho, tenho alcançado. Meus sonhos atuais… na verdade, o meu maior sonho mesmo é que os meus filhos, eles tenham em mim, uma referência de mãe e de pessoas que eles… que eu possa influenciar a vida deles e que a vida deles seja influenciada de gerações em gerações, para eu deixar a minha história na vida dos meus filhos e daqueles que me rodeiam. Esse é o meu maior sonho.
P/1 – E como foi contar a sua historia aqui?
R – Foi gostoso. Foi muito bom. Eu acho que é bom compartilhar, mesmo porque no futuro, pode ser que os meus netos estejam aqui ouvindo, meus bisnetos, tataranetos, que eu quero chegar a isso, até tataranetos. Vou viver cem anos, mas pode ser que com cem anos, eu ainda não lembre como eu era quando eu era jovem, então foi muito bom saber que a gente está fazendo uma história hoje, que essa história já foi construída, já foi desenhada há muitos anos, mas que a gente está repassando aqui para ficar guardada e ficar lembrada.
P/1 – Obrigada.
R – Obrigada.
FINAL DA ENTREVISTARecolher