Projeto Conte Sua História 2017
Depoimento de José Carlos Lúcio Júnior
Entrevistado por Rosana Miziara
São Paulo, 06/04/2017
PCSH_HV554_José Carlos Lúcio Júnior
Realização Museu da Pessoa
Transcrito por Liliane Custódio
Revisado por Paulo Rodrigues Ferreira
P/1 – José Carlos, você ...Continuar leitura
Projeto Conte Sua História 2017
Depoimento de José Carlos Lúcio Júnior
Entrevistado por Rosana Miziara
São Paulo, 06/04/2017
PCSH_HV554_José Carlos Lúcio Júnior
Realização Museu da Pessoa
Transcrito por Liliane Custódio
Revisado por Paulo Rodrigues Ferreira
P/1 – José Carlos, você pode começar falando seu nome completo, local e data de nascimento?
R – José Carlos Lúcio Júnior, 31 anos, nascido em 13 de março de 1986, em Santo André, São Paulo.
P/1 – Você prefere que lhe chame como? José Carlos?
R – Zé.
P/1 – Zé?
R – É.
P/1 – José, seus pais são de Santo André?
R – Meu pai é do Paraná, nasceu no Paraná, em São Carlos Ivaí. Veio para São Paulo com quatorze anos, na boleia de um caminhão, e por aqui ficou até seus últimos dias.
P/1 – E a sua mãe?
R – Minha mãe, nascida em Barretos... (breve interrupção). Então, volta na minha mãe. Minha mãe, Elza Maria dos Santos, nasceu em Barretos, São Paulo. Veio para Santo André com a sua família também, bem novinha, e aqui vive até hoje.
P/1 – Você conheceu seus avós paternos?
R – Sim. Meu avô paterno, Orlando Lúcio, o Landinho. Fui até recente lá para o Paraná, visitá-los. E minha
avó, Vicentina, que faleceu tem pouco mais de dois anos.
P/1 – O que seu avô fazia? Nós vamos falar um pouquinho da família do seu pai, depois da sua mãe.
R – Tá bom. Meu avô, ele tinha um sítio, propriedade rural lá no Paraná, então eles lidavam com animais, plantação, trabalhavam com esse tipo de situação. Minha avó também, ajudando, e a casa. Mas esse era o dia-a-dia deles.
P/1 – E você sabe que tipo de criação o seu pai teve?
R - Meu pai teve uma criação muito rígida, muito bruta. Para você ter uma ideia, com quatorze anos ele saiu de casa porque o pai dele não admitia um filho com mais de quatorze anos ainda dependendo dos pais. Então ele tinha já que se virar, seguir com suas próprias pernas. E isso moldou o caráter dele. Muito agressivo meu avô. Então, ele teve uma infância muito pesada e com quatorze anos já teve que dar rumo à vida dele. Foi quando ele veio para São Paulo. Veio na boleia de um caminhão, começou a trabalhar como ajudante de caminhoneiro - ele até virou caminhoneiro - e, na sequência, começou a operar guindastes. Então, ele trabalhava viajando pelo Brasil operando guindastes em portos e tudo mais.
P/1 – E a sua avó, a mãe dele?
R – A minha avó paterna também era muito rígida. Eu lembro que nas visitas que eu fazia até lá, muito machista, uma senhora muito machista. Eu fui com um cunhado e com a minha irmã, ela mandava minha irmã liberar meu cunhado para ir comigo na praça ver as mocinhas. Então, eles eram muito brutos lá no interior do Paraná. Mas um bom coração, eu imagino que eles tinham.
P/1 – E os pais da sua mãe, seus avós maternos?
R – Eu conheci muito pouco a minha avó materna, a Benedita. Então, a dona Benedita, eu tive um convívio muito curto. E o meu avô, o Alcides, que eu tive um convívio um pouco maior, que faleceu quando eu tinha em torno de doze, treze anos. A minha lembrança com eles é muito pequena e essa lembrança é também voltada... Meu avô era alcoólatra, então ele bebia muito, às vezes eu ia buscá-lo em ponto de ônibus, no Centro da cidade porque ele estava lá caído.
P/1 – Morava em Santo André?
R – Morava em Santo André também. Então eu não tive um convívio muito forte com os meus avós. Os do Paraná, por conta da distância. Depois de já crescido que eu consegui ir visitá-los. E os daqui, eu convivi pouco tempo com o meu avô, o “seu” Alcides. E era isso. O meu avô era uma figura folclórica do bairro, o “seu” Alcides. Tinha uma frase que ele falava: “Ô, netinho, vai buscar a pinguinha para o vô”. Então todo mundo brincava com isso por conta disso: “Vai buscar pinguinha para o vô, Carlinhos”. Mas era uma pessoa de um coração muito bom, muito querido por todos, apesar desse problema com bebida.
P/1 – E você sabe como seu pai e sua mãe se conheceram?
R – Minha mãe, viúva, já com três filhas, morando em Santo André. Meu pai trabalhava na época numa empresa chamada Fichet, falida já, de Santo André. E eles se conheceram em alguns encontros na cidade. Namorava numa praça, que hoje essa praça é em cima do meu escritório, na rua de cima do meu escritório. Então, minha mãe, sempre quando passa lá, ela conta que os primeiros encontros deles foram nessa praça, eles passavam namorando lá a tarde.
P/1 – Sua mãe trabalhava? O que ela fazia?
R – Minha mãe era servente escolar, trabalhava no grupo escolar Clotilde Peluso.
P/1 – E tinha três filhos já?
R – E tinha três filhas.
P/1 – De quantos anos?
R – A Débora, a Andreia e a Adriana, com uma diferença de idade de dois, três anos para cada uma. Hoje a Débora tem quarenta e oito, eu tenho trinta e um, não sou bom de conta.
P/1 – Quantos anos elas tinham quando eles se casaram?
R – Não sei. Não sei precisar. Tenho que fazer essa conta.
P/1 – E do que o marido dela morreu?
R – Não sei te falar. Acho que foi diabetes, se não me engano, mas não sei te falar.
P/1 – E eles trabalhavam no mesmo lugar? Como seu pai e sua mãe se conheceram? Desculpa.
R – Não, então... meu pai trabalhava numa firma e minha mãe trabalhava numa escola, mas eles se encontraram no cotidiano do dia-a-dia, não relacionado a nada do trabalho. Eles se conheceram, não sei precisar como foi, mas se conheceram nessa época.
P/1 – E aí eles se casaram?
R – Não chegaram a se casar. Eles compraram um terreno, que é a casa onde minha mãe mora até hoje. Eles compraram um terreno, começaram a construir e se juntaram, mas nunca oficializaram isso. E tiveram o primeiro filho, que foi o Fábio, que é meu irmão mais velho, de pai e mãe; na sequência, tiveram a Fábia, que é minha irmã, e depois, na sequência, dois, três anos depois, eu nasci.
P/1 – Então sua mãe tem seis filhos?
R – Minha mãe tem seis filhos. Meu pai também tem alguns filhos antes do casamento: o Flávio, que mora hoje em São Mateus, em São Paulo; a Karina e a Lorena, que eu ainda não conheço pessoalmente, mas acho que em breve faremos esse encontro, são gêmeas lá em Minas Gerais, mais novas que a gente. Então, enquanto ele estava com a minha mãe ele teve essas filhas fora do casamento. E ainda pretendo conhecê-las, têm vinte anos elas, hoje. Tenho contato só por rede social, mas ainda não conheço pessoalmente.
P/1 – E quando eles se casaram, eles foram morar onde? Nessa casa onde você mora?
R – Nessa casa, no Jardim Guarará, na Rua Mariano Procópio. No Jardim Guarará.
P/1 – E quem morava nessa casa?
R – Era um terreno. Era um terreno que eles compraram e construíram o primeiro cômodo dessa casa. Então nós morávamos em dois cômodos: um quarto e uma sala e cozinha, que era tudo integrado. E com o tempo, foi construindo um pouquinho mais: aí fez uma garagem, fez um espaço com uma espécie de uma lagoa para pato - tinha uma criação de pato, galinha, era muito gostoso. É um bairro bem... O ABC não chega a ser interior, mas era chão de terra, era atrás da escola onde minha mãe trabalhava, então tinha um espaço de lazer, vamos dizer assim, bem interessante, uma praça grande em frente... Um terreno, que até então era um aterro, que este aterro virou um espaço de lazer, nós jogávamos bola, brincávamos. Nossa infância foi toda nessa praça. Era muito gostoso.
P/1 – E quem morava na casa?
R – Quem morava na casa eram os seis irmãos: Débora...
P/1 – As três da sua...
R – As três: Débora, Andreia e Adriana.
P/1 – E os três...
R – E nós três: Fábio, Fábia e José Carlos.
P/1 – E como distribuía nos quartos assim? Como vocês dormiam?
R – Tudo junto. Era tudo junto. Conforme o tempo, foi aumentando esse espaço. E as irmãs crescendo, também foram se casando e indo para suas casas. E, no final, acabou que eram só os três irmãos mais novos, minha mãe e meu pai. Consequentemente, uma das irmãs também se separou, voltou para casa, mas isso a casa ganhando novos cômodos, crescendo e tendo novos espaços.
P/1 – Como eram suas brincadeiras de infância?
R – De todas. Eu era muito bagunceiro, meu irmão também. Aprontávamos muito, corríamos no telhado do vizinho, muito futebol, porque em frente à casa tinha essa praça, então tinha muito futebol. E sempre se instalava um circo em frente à residência, nessa praça. Pelo menos duas vezes por ano um circo se instalava naquela praça. E o circo era a nossa maior atração, eu amava aquilo, queria muito ir com o circo em algumas situações, mas não tinha condição. Mas comecei a participar do circo para não pagar entrada. Eu vendia maçã do amor, algodão doce, pipoca, e ajudando - sempre estava disponível para ajudar. Até que uma vez numa...
P/1 – Como você se ofereceu para trabalhar no circo?
R – Fazendo amizade com o dono do circo, o palhaço Mosquito, que era o Circo do Mosquito, o principal circo que ia àquela região. Eventualmente tinha outros circos, o Circo Barcelona, Circo Atari, mas a maioria das vezes era o Circo do Mosquito. Aí eu me aproximava desse pessoal, ajudava de alguma forma, carregando alguma coisa, no dia do espetáculo fazia essas ações, até que um dia ele me convidou para participar, para ser um dos... Teria a Noite do Terror, noite do Freddy Krueger naquele circo, e as crianças morrem no palco, fizeram um saquinho com um líquido vermelho e eu seria um dos participantes, com dez anos de idade, então eu ia ser umas das crianças que ia morrer no espetáculo. E aquilo me deixou encantado, que quis muito participar. Inclusive no dia, meu pai chegou de viagem, porque meu pai trabalhava como caminhoneiro, então ele viajava muito e vinha aos finais de semana. E quando ele chegou, eu estava me preparando para descer para o circo. Só que ele chegou, já tinha tomado algumas coisas e proibiu todo mundo de sair. Então, ele trancou a porta: “Ninguém sai”. E eu, deslumbrado com a possibilidade de ter minha primeira participação no circo, fugi de casa, pulei a janela de casa - era uma janela alta, aproximadamente uns cinco metros de altura até a laje, então joguei travesseiro, coberta, tudo na laje, me pendurei e pulei. E fui participar do circo. Naquela noite, eu não pude voltar para casa porque sabia que a surra ia ser grande. Meus irmãos já tinham apanhado bastante porque me deixaram ir e eu sabia que ia ser complicado. Como uma das minhas irmãs era casada e morava na vizinhança, então eu fiquei lá um tempo morando com ela para me safar dessa surra, que ia ser inevitável. E acabou acontecendo assim que ele me encontrou, uns quinze dias depois. Mas foi muito legal. Valeu a pena.
P/1 – Já vamos entrar no circo. Como era a convivência, na sua casa, com o seu pai, com a sua mãe, com as suas irmãs e irmãos?
R – Como eu disse, meu pai teve uma infância muito bruta. Ele apanhava muito do pai dele, então ele entendeu que aquilo foi bom para ele porque o transformou numa pessoa trabalhadora, responsável. Então ele entendia que aquilo era o ideal. Por isso que eu não posso julgá-lo por ser tão agressivo com a gente. Então, com a gente também ele era muito agressivo. Ele não era muito presente, estava sempre viajando, e quando vinha para casa, ele também bebia muito e isso o deixava mais violento. Então, era muito complicado. Minha mãe que sustentava os seis filhos sozinha. Ela trabalhava muito. Além de trabalhar na escola, ela trabalhava em casas de família, fazendo faxina para tentar dar uma condição mínima para os filhos, sempre dando bons exemplos, mas...
P/1 – E o dinheiro dele?
R – O dinheiro dele era para ele. Era para ele e não tinha... Ele até podia dar um... Quando ele estava, ele até ajudava o mínimo dentro de casa, mas minha mãe era responsável por toda a parte financeira. Minha mãe é uma guerreira que não tem tamanho.
P/1 – Tinha comemoração na sua casa? Festa, alguma coisa, almoço de família?
R – Tinha. Tinha.
P/1 – Como era?
R – Sempre quando... Seis irmãos, muito unidos esses irmãos, então em todas as datas festivas sempre existia... o mínimo que seja, um bolinho sempre acontecia. Era uma união muito gostosa. Foi muito bom, muito importante para a gente ter essa união, justamente por isso, ter só o meu pai como figura de homem na casa e essa figura não ser tão presente. Então, nós nos ajudávamos muito. E tinha muita festa, muita bagunça, a gente era muito festeiro. Muito bom.
P/1 – Com quantos anos você entrou na escola?
R – Eu entrei na idade correta. Na idade correta eu fiz o prezinho, já fui para a escola, no ensino fundamental, isso na idade correta escolar. Eu não terminei na idade correta porque eu não gostava muito de ir para a escola, muito bagunceiro, aprontava muito na escola, então fui terminar a escola muito tarde, já com vinte e dois anos. Mas entrar, eu entrei certo.
P/1 – Que lembrança você tem assim... Um fato marcante da escola nesse começo?
R – Então... na escola, eu sempre fui muito criativo, trazia as pessoas para próximo. Então eu lembro muito da escola, das amizades, das parcerias. Na hora do intervalo, na hora do recreio, eu sempre estava fazendo alguma ação, alguma peça. Por ter ligação com o circo, também levava isso para a escola. Eu tenho lembrança da escola nessa época - no Clotilde Peluso - dessa situação. Muita amizade, muita brincadeira, muita bagunça, e pouco estudo. Mas é essa lembrança.
P/1 – Que tipo de bagunça? Conta uma travessura aí.
R – De, por exemplo, como eu morava atrás da escola, eu e meu irmão fizemos uma espécie de escada furando a parede de trás da escola para facilitar nossa entrada. Então, com martelo, furamos a parede da escola para escalar, para poder ter acesso pela parte de trás. Então, quando a diretora soube dessa travessura não foi muito legal. E muita bagunça. Muita bagunça. Vivia fora da sala, era muita farra. Divertia-me muito na escola. Jogando bola.
P/1 – Teve alguma professora que te marcou?
R – Eu me lembro delas, mas eu não tenho nenhuma lembrança muito significativa. Tem a professora Cabral, que era muito rígida, batia com a régua na nossa mão e fazia acompanhar a aula em tempo integral, e a gente não ficava. Mas a escola não foi uma fase tão marcante na minha vida, não teve nenhum episódio tão marcante.
P/1 – Você teve algum tipo de formação religiosa?
R – Não. Não.
P/1 – Nem seu pai?
R – Meu pai era católico, mas não frequentava. Minha mãe, em determinado momento, começou a frequentar a Congregação Cristã no Brasil, que é uma igreja evangélica, cristã. Então eu passei a frequentar um tempo com ela, mas como criança, apenas acompanhando, mas depois não segui, não.
P/1 – E política, se falava na sua casa?
R – Nunca falou em casa. Eu sempre gostei muito de política, sempre quis me envolver muito com essa situação. Na escola, eu participava dos grêmios da escola, enfim. Mas dentro de casa não se tinha muito conhecimento. Primeiro que meu pai não estava tão presente, minha mãe que trabalhava muito e não estava ali o tempo todo. O meu convívio era com os irmãos, então política passava longe ali.
P/1 – Seu pai contava histórias do trabalho dele como caminhoneiro?
R – Não. Era muito difícil. Não tinha um convívio. Convívio era muito raro. Mas história, não tinha muita história, não. Nem do meu pai, nem da minha mãe. Minha mãe também, o convívio não era tão... Não tinha tanto convívio, então não tinha muitas histórias dessa fase. Depois de mais velho, minha mãe, com um pouco mais de tempo, aí sim a gente tem umas conversas da época em que ela morava em Barretos, criança, subia em árvore.
P/1 – O que ela contava?
R – Que subia muito em árvore, gostava muito de pegar fruta no pé. Como os dois sempre foram criados em sítio, então eles tinham essa situação. Mas não tinha muitas histórias, não.
P/1 – E você lembra a primeira vez que você viu o circo?
R – O que me marca muito é palhaço Mosquito, que era o dono do circo, porque quando chegava o circo, chegava o carro do Mosquito. Então, a criançada ia toda para lá, ia viver aquele momento, ajudar aquilo, então o circo marcou muito. O circo era muito legal porque era aquilo que a gente queria viver, eram as brincadeiras, correr dentro do circo. Até hoje, quando eu sinto o cheiro de lona quente, tem algum local que tem lona e o sol aqueceu aquela lona, me vem a lembrança do circo, na hora. E é muito gostoso. Então, o circo marcou muito, foi muito legal.
P/1 – E essa apresentação, como foi? Essa primeira sua?
R – A primeira? A primeira era a Noite do Terror, do Freddy Krueger, era muito simples: eu ia entrar no palco, a luz se apaga e eu apareço caído no palco, ensanguentado, que era uma bolsinha de sangue. Quando a luz apagasse, eu tinha que estourá-la no meu peito para causar aquele efeito de sangue, e o Freddy atacou mais alguém. Então, essa foi a primeira participação. E foi muito legal porque era meu sonho, com dez anos, participar, entrar no picadeiro, ajudar. Só que, na sequência, esse Mosquito começou a me ensinar algumas técnicas de palhaço, algumas apresentações, esquetes, comecei a participar de algumas scketchs de palhaço, bem pequenininho, era o palhaço Mundiça, e estava sempre participando. E eu comecei a me desenvolver legal naquelas apresentações, que sempre quando o circo ia, eu participava, era muito legal.
P/1 – Você era o palhaço Mundiça?
R – Eu era o palhaço Mundiça.
P/1 – No Circo do Mosquito?
R – No Circo do Mosquito. Isso.
P/1 – E você se lembra de alguma fala, alguma coisa que você fazia?
R – Lembro-me de uma que era bem engraçada. Ele falava: “Ô, Mundiça, cadê o galo?”. Eu falava: “Tá lá”. “Cadê a galinha?” “Tá lá”. “E cadê o pintinho?” “Tá aqui” (risos). Então, tinha uma série de piadinhas nesse sentido, que era muito gostoso. Era muito legal.
P/1 – Quanto tempo você ficou no Circo do Mosquito?
R – Então... o Circo do Mosquito ia anualmente lá para a região. Pelo menos duas vezes por ano ele ia a essa praça em frente à minha casa. Um ano depois dessas minhas apresentações ele parou de ir, porque teve um problema financeiro, não dava mais para ele se deslocar, ele se instalou em Mauá. Eu lembro que, na época, se falava disso, que eles estavam em Mauá e não iam sair de lá tão cedo. Só que eu gostava muito dessa situação. E eu tinha dois amigos que também participavam comigo nesse circo. Nós nos reuníamos dentro de uma garagem, montamos uma espécie de um picadeiro, usamos o auto-falante para inverter a saída do som e virar um microfone, instalamos em locais adequados para o som sair. Íamos de bicicleta rodeando pelo bairro, avisando que teria espetáculo na garagem. E isso começou a acontecer. Praticamente todo dia tinha espetáculo, o público ia aumentando, chegou uma ocasião em que a rua ficou lotada de gente para assistir à equipe de palhaço. Essa equipe ganhou um nome: Alegria Shows. Eu é que dei esse nome na época, foi muito legal. Eu tinha um amigo que trabalhava em uma gráfica e ele fez panfletos desse Alegria Shows. E esse panfleto, nós começamos a distribuir nas escolas da região. Isso eu já estava com doze anos de idade. E aí começamos a vender esse show de palhaço para as escolas. Até os meus quatorze anos, a gente já tinha feito em quase todas as escolas da região... a gente já tinha se apresentado vendendo a apresentação dos palhaços. Nessa época, o Mosquito perdeu o circo dele, colocaram fogo numa mudança de local. Quando ele chegou, tinham colocado fogo na lona, ele perdeu o circo dele, e ele veio morar próximo do nosso bairro. Ele teve ajuda de um dono de um desmanche da região e foi morar nos fundos desse desmanche. E o Mosquito começou a participar dos nossos shows. Então, agora ele não era mais o dono do circo, ele era uma espécie de nosso funcionário. E era muito legal, ele ensinou muito, a gente desenvolveu muito. Teve uma filmagem dessa apresentação, essa filmagem foi entregue na Record - na Rede Record - nós fizemos uma apresentação no Programa da Eliana, Talento Kids na época, ficamos super felizes. Imagina quando chegou essa notícia, a gente com doze anos de idade, a gente vai para a TV, nunca pensamos aquilo. Então foi muito gostoso, muito legal. Rodávamos a vila: “Vamos ficar famosos, passar na televisão, e tal” – avisando todo mundo para assistir. Chegamos no dia da apresentação, foi um fiasco a apresentação. Porque nós éramos três, um dos garotos, que era o Buiú... Era eu, o Carlos, que era o Caroço, e o Willian, o Pudim, que o apelido dele era Pudim porque ele era mais gordinho. Esse Pudim não pôde participar. Não sei por que, não lembro o motivo, mas ele não pôde ir com a gente. Então nós chamamos o Buiú, que sempre quis participar. Mas o Buiú tinha uma falha, que ele queria improvisar as coisas, e ele improvisava na hora errada e não dava certo. E levamos o Buiú para esse show, que acabou com a apresentação, quase derrubou o cenário da Eliana, ao vivo. Tinha uma parte da esquete onde um palhaço está no meio, que era o Carlos, o Caroço, que é o Palhaço Churrasquinho. Ele ficaria no meio, eu segurando o Churrasquinho, e esse Buiú daria um tapa. O Caroço abaixa e eu recebo o tapa, depois ela segue a sequência da cena. Então, se você mudar aquilo, atrapalha a sequência da cena. Quando esse Carlos abaixa, esse Buiú vai e bate no Carlos abaixado, que não era para fazer isso. Ao vivo me cai peruca e nariz do palhaço, aí todo mundo olhando, sem entender o que fazer, mudou toda a cena, atrapalhou tudo. Depois ele sai, tropeça, quase derruba o cenário, foi um fiasco. Infelizmente, foi um fiasco. Saímos dali... Legal, pelo menos teve a participação, foi bem interessante. Aí voltamos a nos apresentar nas escolas do bairro, até que chegamos a nos apresentar na Amélia Rodrigues, que é a Instituição Assistencial e Educacional Amélia Rodrigues. E nessa apresentação, eles me convidaram para participar com eles dessa apresentação. Então nós desenvolvemos outra dinâmica de apresentação e criamos um projeto para isso. Isso eu já tinha meus quatorze anos. Então, com quatorze anos, nós lançamos o Ciranda Comunitária, que era semelhante ao nosso show de palhaço - agora nós levamos esse show para as comunidades. Um circo na comunidade, em tese. E um caminhão com cama elástica, algodão doce, pipoca, cabeleireiro, médicos, e a gente fazia ações comunitárias nessas comunidades carentes, na periferia de Santo André. Isso foi muito legal, foi muito rico, aprendi muito com eles. A Cláudia Hablas, que era a assistente social da época, me adotou, praticamente, como filho. Me ensinou muito, me colocou em alguns cursos, comecei a fazer um curso de teatro no Imes, que é a faculdade em São Caetano, com uma referência muito boa. Ela me matriculou neste curso, me colocou em aulas de Português, reforço escolar. Mudou. Mudou minha história de vida naquela situação, porque tudo que eu tinha aprendido na rua foi muito bom, agora, eu aprimorei nessa instituição. Isso foi muito bom para mim. Até que o prefeito da cidade na época, o Celso Daniel, conheceu esse projeto, ficou encantado com o projeto, gostou muito de todo esse movimento, era uma ação voluntária, 100% voluntária, então ele entendeu um pouco melhor isso, ele passou a... Ele trouxe esse projeto para a Prefeitura, patenteou como Expresso Lazer. Mudou o nome do projeto, que era Ciranda Comunitária, agora era Expresso Lazer, já com profissionais da área. Eram professores de Educação Física, os médicos da Prefeitura, então, profissionalizou esse projeto.
P/1 – E você continuava participando das apresentações de circo?
R – Sim. Isso aconteceu durante dois anos: dos meus quatorze aos meus dezesseis anos.
P/1 – E a que lugares você iam? A que você ia? Era tudo fim de semana?
R – Sempre no final de semana. Durante a semana... Então, isso foi dos quatorze aos dezesseis anos, durante dois anos. Na semana, eu trabalhava como voluntário na instituição, ficava no restaurante ajudando, na livraria, fazia os cursos, estudava na parte da manhã. Então minha vida era lá durante a semana. No final de semana, nós íamos aos bairros das periferias da região do ABC. Então era essa dinâmica. Quando o prefeito Celso Daniel assumiu esse projeto, ele passou...
PAUSA
P/1 – Você estava falando que durante a semana...
R – Então... dos meus quatorze aos dezesseis anos, eu ficava na instituição trabalhando durante o dia, estudando, ajudando no que precisasse na instituição, e nos finais de semana ia fazer esse Projeto Ciranda Comunitária, junto com a instituição.
P/1 – E você recebia algum tipo de remuneração?
R – Não. Não. Na realidade era voluntário, todo o trabalho era voluntário. Mas eu recebia alimentação, recebia o vale transporte, porque de certa maneira era longe da minha casa, então eu recebia ajuda de vale transporte e alimentação no dia-a-dia. Mas eu passava o dia lá. Ia para a escola de manhã, à tarde chegava à instituição e saía de lá no final do dia, já ia para casa descansar. E, nos finais de semana, fazia essas apresentações junto ao Expresso Lazer, com a assistente social e toda equipe. Nós montávamos uma estrutura nas comunidades da região e ali eram prestados os mais diversos serviços, até odontológico. Era muito legal mesmo. Por isso, o prefeito, conhecendo esse projeto, o Celso Daniel, ele adotou isso para a cidade, aí passou a se chamar Expresso Lazer. O Expresso Lazer virou algo mais profissional, onde eu não me encaixava porque eu era uma criança e não tinha espaço, porque era uma coisa mais profissional. Porém, eles me colocaram em um estágio. Como eu já tinha completado dezesseis anos, eles me encaminharam para fazer um estágio no Banco do Brasil. E assim eu ia conhecer uma nova estrutura de trabalho, ia me profissionalizar. O estágio dá essa condição de você aprender uma profissão e, quem sabe, crescer naquela área. E foi isso que eles fizeram. Me encaminharam para o Banco do Brasil para fazer um estágio - o Menor Aprendiz, da época. Então, iniciei esse estágio no Banco do Brasil e me desvinculei desse projeto.
P/1 – Vamos voltar para ele.
R – Tá! Vamos voltar para ele.
P1 – Tem algum fato marcante, algum episódio que você passou nesse projeto?
R – No Dia das Mães, Projeto Dia das Mães, foi a primeira vez que a minha mãe me viu, viu minha apresentação. Até então ela nunca tinha... Ela sabia, porque era minha mãe, mas ela nunca tinha assistido. E, no Dia das Mães, foram chamadas as mães de todas as crianças do projeto e eu me apresentei como palhaço, e foi muito legal. Foi uma das minhas melhores apresentações até hoje, em termos de qualidade. Saí muito satisfeito daquilo e foi muito legal, uma fase muito boa. Aprendi muito. Eu lembro que íamos às comunidades, o pessoal nos recebia: “O palhaço...”. Levava-me para dentro da casa. As crianças: “Vem cá conhecer minha casa. Vem conhecer meu quarto”. Aquele barraco humilde, mas te tratando com todo carinho. Era muito gostoso, muito legal, muito gratificante. Por isso que eu não trocava aquilo por nada.
P/1 – Quando tua mãe te viu pela primeira vez, como foi? O que ela disse?
R – Minha mãe sempre foi muito fechada, mas ela gostou bastante. Poucos abraços, eu até brinco com ela até hoje, que poucas vezes ela falou “eu te amo”, abraçou a gente. Porque ela trabalhava muito, não tinha muito tempo para carinho, vamos dizer assim. Então, nessa época, eu lembro que teve... Ela tomou uma bronca da Cláudia Hablas, que era a assistente social do programa, que ela tinha que estar mais próxima, faltava um pouco desse contato. Mas foi muito legal, foi muito gostoso de vê-la ali assistindo, vendo um pouquinho do meu trabalho na época. Foi muito legal.
P/1 – Ela te disse alguma coisa?
R – Nada que marcasse. Foi mais o sentimento de vê-la na plateia. Que sempre tem gente te assistindo, te elogiando, mas ninguém próximo. E naquele momento teve, foi muito gostoso.
P/1 – Os teus irmãos, as tuas irmãs iam te ver?
R – Não. Na verdade, assim... minhas irmãs mais velhas acompanhavam porque elas trabalhavam em escola infantil e eu me apresentava nas escolas em que elas trabalhavam. Cada uma trabalhava numa escola diferente e eu me apresentava lá. A Débora, que é a mais velha, ela sempre me acompanhou, ela que levou a gente à Record na época. A Andreia também, que é a segunda, antes da mais velha, ela também me acompanhava bastante, gostava, ajudava, me levava ao teatro para assistir peças, então foram muito importantes minhas irmãs. Elas tiveram um papel muito importante nisso. Muito legal.
P/1 – E em alguma apresentação dessas, alguma história marcante?
R – Essas apresentações... É que eu era muito novo, eu não me lembro de detalhes dessas apresentações, eu me lembro delas acontecendo. Até os dezesseis eu até consigo lembrar algumas coisas, mas eu me lembro de chegar aos locais, me preparar. Autógrafo, acabava a apresentação, as crianças vinham me pedir autógrafo, era muito legal. Antes da Amélia Rodrigues, enquanto era o Alegria Shows, a gente cobrava da escola, se não me engano era em torno de um real por criança, e era cinquenta centavos para a gente, cinquenta para a escola. Esse dinheiro que a gente pegava, a gente comprava bala e pirulito para dar nas próximas apresentações, porque distribuía, era uma ação que a gente fazia também. Então eu lembro que eu era muito organizado nessas apresentações, montava todo o projeto, ia vender para as escolas, então eu tomava a frente disso.
P1 – E fora que ocupava bastante seu tempo, porque você ia nos finais de semana. Você tinha uma turma de amigos? Era dentro desse pessoal ou era fora? O que você fazia como adolescente, fora isso?
R – Tinha sim. Então... o nosso bairro sempre foi muito unido, as crianças brincavam muito, muito futebol nessa praça, quando a praça estava vazia, não tinha o circo lá. Porque até dos treze anos para frente, acho que nunca mais foi circo nessa praça. Então, a gente jogava muita bola ali. Era um campo torto, era na descida, então a gente jogava bola ali no campo torto, que o pessoal chamava. Ia para o porto de areia que tinha próximo ali da região, para nadar. Tem uma represa, a Represa Billings, em Santo André, a gente ia sozinho para essa represa, pegava ônibus para ir, nos divertíamos muito, muito, muito. Até tarde da noite brincando de esconde-esconde, de bicicleta, brincando de polícia e ladrão, andando pelo bairro, era muito legal, me diverti muito. Posso dizer que tive uma infância... Apesar de trabalhar muito na infância, porque eu tinha minhas atividades, mas eu gostava, fazia por gosto, eu também me divertia muito nas horas vagas com esse pessoal, com esses amigos do bairro.
P/1 – E na adolescência?
R – Na adolescência foi uma fase meio... Ainda bem que eu conheci a Amélia Rodrigues, porque era um bairro de periferia, algumas das irmãs tinham envolvimento com algumas pessoas já do outro lado, tinha uma irmã que era casada com assaltante de banco, e o outro era traficante. Então, esses eram meus exemplos de vitória. Porque, imagina, meu pai, que trabalhava muito, ele só me tratava mal, ficava pouco em casa, bebia, só que ele era o trabalhador. E do outro lado, eu tinha dois cunhados, que um era assaltante, outro traficante, e me tratavam super bem, e estavam sempre bem, roupa boa, carro bom, tudo da melhor qualidade. E o exemplo que eu tive formando minha adolescência era esse, que esse era o bom. Está entendendo? Eu não tinha o exemplo de vitória que o trabalhar é a pessoa certa. Porque minha mãe trabalhava muito, meu pai trabalhava muito, só que viviam sem dinheiro, sem tempo, sem nada. Esses não trabalhavam, tinham as atividades deles e eram as pessoas... E esse meu cunhado era o Cido Boy, o apelido dele era Cido Boy na época, ele era uma pessoa que tinha um carro conversível na época, me tratava feito um filho. Eu o tinha como pai. Então, conhecendo a Amélia Rodrigues eu vi o outro lado. Aí eu entendi que trabalhar não é assim. Trabalhar é bom, trabalhar é legal. Aí eu fui para o Banco do Brasil, com dezesseis anos. No banco, eu conheci outra realidade, eu fiz uma família dentro do banco, com pessoas honestas, do bem. Não que essas pessoas que eu conheci não fossem, mas o exemplo passou a ser outro. Então eu comecei a admirar mais essas pessoas e passar mais tempo com eles. Tem pessoas do banco com as quais eu convivo até hoje, tenho amizade até hoje. Tinha o meu gerente, que era o Márcio, da época, que eu saía do banco na sexta-feira, dormia na casa dele, ia só na segunda embora para ir trabalhar. Então eu tentei um pouco me afastar dessa situação. Mas sempre tive um bom convívio com a comunidade, sempre fui bem participativo na comunidade, bem ativo, mas graças a Deus tive bons instrutores.
P/1 – Você teve contato, sabe alguma história de assalto, de tráfico, dos seus cunhados?
R – O Banco do Brasil em que eu fui trabalhar... Esse meu cunhado foi preso neste banco, antes de eu trabalhar lá. Ele até me contava depois a história, hoje é falecido. Ele sobreviveu ao massacre do Carandiru, e faleceu num acidente de moto besta na rua.
P/1 – Conta um pouco a história dele.
R – Ele foi para minha casa quando ele saiu dessa época do Carandiru - eu era muito novo, devia ter quatro, cinco anos. Ele foi muito participativo na minha infância, porque até então, quando ele saiu, ele começou a fazer as histórias dele, mas eu não tinha conhecimento, depois que eu fui aprender. Mas ele conta que a porta era toda de vidro, ele pedia para todo mundo ficar em frente à porta de vidro, porque a polícia estava lá fora, teto de vidro, o helicóptero lá em cima, e ele sabendo que ia ser preso, então estava negociando. E ele contou uma parte disso, mas eu não tenho tanta informação dessa época.
P/1 – E você foi trabalhar nessa agência?
R – Nessa agência. Soube depois. Soube que isso aconteceu com ele, depois. Na agência, eu soube que já tinha acontecido esse assalto, mas não sabia que era ele, depois que eu soube que foi ele que participou disso. Mas era duro.
P/1 – E do seu outro cunhado, traficante, como você sabia? Como apareceu na sua vida?
R – Ah, você sabe porque ele era o principal traficante da região. De noite, ele saía para fazer a ronda dele com uma mini metralhadora no peito, então ele era bem conhecido. Ele foi preso, saiu, hoje ele é uma pessoa do bem, trabalhador, super bacana, nunca mais foi para esse lado. Mas é isso.
P/1 – Aí você entrou no banco.
R – Eu entrei no banco com dezesseis anos. Me apelidaram de Duracell no banco, porque eu não parava - ia de bicicleta da minha casa em Santo André até o banco, no centro de São Bernardo. Era um trajeto razoavelmente curto, então eu ia de bicicleta para o banco, muito animado, muito empolgado, aprendia muito. Dona Rita, que era a gerente do banco, todo dia ela me pedia para comprar dois pãezinhos e um cigarro. Então eu já descia da minha casa, já comprava. Quando chegava lá, ela pedia. Eu dava uma volta no banco, cumprimentava todo mundo, e pouquinho tempo depois eu voltava com o pedido dela. Ela: “Ô, Duracell, você é muito rápido”. Então, fui desenvolvendo essa parte profissional muito legal. Atendimento ao cliente, venda, comecei a vender no banco, então vendia título de capitalização, seguro. E ia muito bem, vendia mais que muito funcionário, e eu era estagiário na época. Ajudava todo mundo, participava muito. E o banco tinha uma situação... Toda última sexta-feira do mês se fazia os aniversariantes do mês. E eu, muito festeiro, trabalhei sempre com evento, adotei isso para mim, então eu ajudava a organizar essas festas. E a festa que seria só na última sexta-feira do mês, eu arrecadava um pouquinho mais do pessoal, dividia isso nas quatro sextas-feiras do mês e toda sexta-feira tinha festa no banco. E era uma equipe super unida, a gente participava das olimpíadas que o banco tinha com funcionários, era muito legal. Teve uma época que o superintendente regional do banco veio trabalhar na agência em que eu trabalhava. E por ele ver que eu conhecia todo mundo, tinha um bom entrosamento, ele me chamou para ir trabalhar com ele, na sala dele, e assessorá-lo. E ele fez uma festa regional. E, nessa época, eu gostava muito de rap, até fazia umas músicas, tal, eu fiz até uma letra, um rap para recebê-lo nessa festa. E no dia da festa lá: “Eu queria chamar o Duracell aqui no palco”. Todas as agências do ABC lá. Eu: “Eu tenho um rap aqui para cantar”. Até me lembro dele, desse rap, mais ou menos.
P/1 – Como era?
R – “Preste atenção que agora eu vou falar, é treze de dezembro a festa vai rolar. É festa de patrão e vai ser muito legal, quem tá organizando é o mano da regional.” – aí apontava para ele. “Mano da regional” era o superintendente da regional. Aí ele: “Que legal. Vem cá Duracell, eu tenho um presente para você aqui”. E me deu uma bicicleta na caixa, linda. Linda eu não sei, porque não cheguei nem a abrir. Só que eu tinha minha bicicleta, que eu a preparei com muito carinho, muito tempo, gostava, só andava de bicicleta, para onde eu ia, eu ia de bicicleta. Tinha uma pessoa no banco, falou: “Dou-te cem reais na bicicleta”. Eu falei: “Toma”. Vendi na frente do superintendente. Mas ele entendeu pela brincadeira ali, a farra, e foi muito gostoso, muito bom. E fiquei no banco nos dois anos de estágio. Infelizmente, no banco eu não podia ser efetivado porque você precisava do concurso, porque no Banco do Brasil é necessário o concurso. Então, esse próprio superintendente, que é o José Elias Neto, ele me indicou para a Caixa Econômica. Para a Caixa Econômica não, desculpa, para a Credicard, que era um parceiro do banco. Então ele falou: “Tem um rapaz aqui, ele está saindo do banco, receba-o aí”. E eu fui estagiar na Credicard. E na Credicard eu não gostei da equipe, porque eu tinha me acostumado, primeiro, com a minha equipe de palhaço lá, que era de uma familiazinha; depois para Amélia Rodrigues, que virou uma família maior; o banco, que também virou uma grande família. Quando eu chego à Credicard, é uma disputa muito grande de interesses, de vendas. O mundo de vendas é muito pesado. Então eu fiquei um ano ali e não gostei, encontrei o Neto, que foi o superintendente na época, e disse que eu gostaria de uma nova oportunidade em outro lugar, porque ali eu não tinha me identificado. E aí ele me encaminhou para outro estágio, agora na Caixa Econômica. Fiquei na Caixa mais seis meses, foi uma época em que a Caixa tinha muito estagiário e acabou que dispensou muitos deles, porque nas agências só tinha estagiário. Então foi uma reclamação geral e nessa leva eu fui dispensado. E eu só tinha feito estágio. E o agente de integração do meu estágio era o CIEE, Centro de Integração Empresa-Escola, que é o maior do Brasil, tem 55 anos de vida, são bem estruturados. Eu procurei o CIEE novamente e eles me conseguiram outro estágio, agora no Aramaçan, no Clube Atlético Aramaçan. Como eu disse, eu não gostava muito de estudar e uma das situações para você fazer o estágio era estar estudando, então eu comecei... E eu não terminava. Eu ia para a escola, não frequentava muito as aulas, então estava sempre repetindo, sempre fazendo novamente e isso me possibilitava fazer mais estágios. E no Aramaçan, eu fiz mais dois anos de estágio. E no Aramaçan eu me encantei com o mundo do marketing, eu vi que era aquilo que eu queria para a minha vida, porque ali eu fui para o departamento de marketing do clube, eu era sozinho no departamento - eu e o diretor - então eu cuidava da parte de comunicação visual, aprendi muito ali. Aí eu comecei a pegar firme na escola, porque eu queria já fazer a faculdade. Então eu queria ir para a Faculdade de Marketing, porque começou a me encantar aquilo. E eu comecei a aprender, e tal, consegui trazer um estagiário para me ajudar. Depois de dois anos de estágio eu fui efetivado no clube e trouxeram um estagiário para me ajudar e o departamento começou a crescer, ganhar corpo. Foi muito interessante. Todo esse tempo de trabalho, nos finais de semana eu continuei com as apresentações de palhaço, com uma equipe de palhaço, que ainda não passei por ela, mas ela estava nesse tempo. Acabei atropelando o Banco do Brasil, tal.
P/1 – Vamos voltar.
R – Vamos voltar. Antes do Aramaçan.
P/1 – Não, mas você continuou todo esse tempo que você estava nos estágios, você continuava como palhaço?
R – É. Em 2005. Em 2002 eu entrei no Banco do Brasil. Em 2004 eu saí do banco, fui para a Credicard, até 2005. Em 2005 eu conheci a Tulim Pim Pim. Eu já tinha parado meus shows de palhaço.
P/1 – Ah, você não estava fazendo. Você parou.
R – Não estava mais fazendo. Na época do banco, eu não fazia mais. Dedicava-me ao banco, vivia nos finais de semana com a equipe lá do banco, tal, dormindo na casa de um, de outro, era o mascote da equipe. E quando eu saí do banco, fui para a Credicard, eu vi um anúncio no jornal precisando de palhaço nessa Tulim Pim Pim, que é uma empresa de São Caetano, do Robson Martins. Então eu vi o anúncio, me candidatei a ela, fui à entrevista com ele e logo fui contratado e comecei a atuar como palhaço - eu era o Pim Pim. Era uma equipe de três palhaços: Tulim, Pim e Pim, eu era o Pim, um dos Pim. Na sequência, eu virei o Pim do meio, depois virei o Tulim, que era o palhaço principal porque eu fiquei na Tulim Pim Pim por quase dez anos, trabalhando muito em shows de festas de aniversário. Sábado e domingo eram quatro, cinco festas por sábado, quatro, cinco no domingo. Saía de um evento, ia para outro, duas peruas de equipe, então enquanto uma estava iniciando numa apresentação, a gente estava iniciando outra, depois trocava. Foi muito legal, uma fase muito boa também. Isso nos finais de semana. Todos os finais de semana, apresentação de palhaço, e na semana, os trabalhos, que aí eu fui para a Credicard, da Credicard para a Caixa Econômica, e depois para a Aramaçan. Mas, em paralelo, eu estava lá na equipe de palhaço. E no Aramaçan eu me desenvolvi muito.
P/1 – E teve um concurso. Quando foi o concurso de palhaço?
R – Foi um congresso. Um congresso de arte e mágica, recreação infantil, em Sorocaba, em 2010, com a Tulim Pim Pim. Eram quatro equipes de cada país, equipes bem renomadas e nós pegamos a quarta colocação, foi muito bom. Foi, bem dizer, a melhor equipe do país.
P/1 – E por que o nome era Tulim?
R – Não sei te falar. Diz o Robson que ele tinha um cachorro chamado Tulim, mas ele não sabe muito bem se foi esse motivo, porque o Tulim... Ele nunca me explicou direito o nome. Mas eu já perguntei para ele, só que não teve uma resposta tão bacana, não, do nome.
P/1 – Você se lembra de alguma esquete do Tulim?
R – O Tulim Pim Pim, na verdade - se o Robson vir isso ele vai até ficar chateado - mas a Tulim Pim Pim meio que me tirou o prazer de ser palhaço. Por quê? No circo, era esquete; na Tulim Pim Pim não era - era um show infantil dentro de uma festa infantil. Então, seu filho fazia aniversário, você convidava um palhaço, a gente ia para lá, ficava uma hora e meia fazendo recreação, fazendo brincadeiras. Você não tinha palhaçada, você não tinha esquete. Tinha a brincadeira das cadeiras, a dança das cadeiras, aí faz uma brincadeira com os pais, estoura bexiga, mas não tinha esquete. Isso meio que me tirou o prazer do palhaço, porque o palhaço é esquete, é a peça, é ter uma história. A gente fazia exatamente o que Os Trapalhões faziam no programa. Então, isso era o legal de ter aquela história. Na Tulim Pim Pim passou a ser apenas festa infantil. Teve uma época em que acabaram-se as festas e a gente foi para um hotel fazenda, aí era fixo dentro de um hotel. Então, em vez de a gente ir agora para as festas, agora as pessoas vinham até a gente para assistir a esse show de palhaço. Mas, basicamente, era isso. Tinha uma hora e meia de show de palhaço e meia hora de show de mágica, que o mágico era o Robson, um mágico excepcional. Ele era muito detalhista em tudo, então tudo na Tulim Pim Pim era muito bonito, muito rico, iluminado.
P/1 – Tem algum fato marcante de alguma festa?
R – A Tulim teve muito fato marcante.
P/1 – Eba!
R – Era muito legal na Tulim. A gente também construiu uma família muito boa. Teve uma vez que a perua pegou fogo. Abastecendo no posto de gasolina, um calor muito forte naquele dia, a gente lá, os personagens infantis, todo mundo fantasiado, eu de palhaço, esperando abastecer, daqui a pouco o cara deixou escorrer um pouco de gasolina, fogo na perua. Aí, imagina, saem correndo o Mickey, a Minnie, o Pateta, o palhaço. Correndo pela rua, a perua pegando fogo, vai explodir o posto, porque fogo dentro do posto, muito perigoso. Conseguiram apagar ali na hora e a festa para acontecer. Dali meia hora era a festa. Conseguiram arrumar um carro lá, levaram a gente para a festa, chegando à festa, só brincava assim: “Hoje a festa vai pegar fogo. Hoje vai ser legal”. Mas foi muito legal essa época. Tinha uma criança com síndrome de Down que eu fiz durante sete anos as festas dela. Um desses anos não fui eu o palhaço, eu não pude participar, estava em outro evento, foi outro palhaço e ela reconheceu que não era o Tulim, e não aceitou. Ela falou: “Eu quero o Tulim. Eu quero o Tulim”. Tiraram-me da outra festa para trazer, porque ela queria o Tulim, que era eu. Mesmo com a mesma caracterização, a mesma roupa, a mesma pintura, ela reconheceu que não era eu. Isso me marcou bastante, isso foi bem legal. Muito bacana. E a Tulim foi uma família, o Robson, um paizão. Nossa, o Robson foi meu pai, eu posso dizer. O Robson foi... Ter ficado dez anos com ele, ele foi um grande pai que eu tive, tanto é que no meu casamento ele foi o cerimonialista, que eu pedi para ele, e ele contou toda a minha história, de como a gente se conheceu e tal, eu e minha esposa. Foi muito lindo. Ele é um paizão que eu carrego no coração a vida inteira.
P/1 – E você namorava?
R – Então... eu comecei a namorar. Eu não tinha tempo para nada. Eu comecei a trabalhar na Aramaçan e conheci uma moça que trabalhava no Aramaçan. E olha que gozado, eu tinha uma... A primeira dama do clube, a esposa do presidente, a Laíse - era o presidente José Eduardo, um grande amigo até hoje - a esposa dele estava promovendo a festa das cafonas do clube. E eu era o fotógrafo do clube, porque eu trabalhava no marketing, era sozinho, eu fazia de tudo, então nas festas, eu que cobria. Só que não podia entrar homem na festa. Como eu tinha esse lance do palhaço, ela sabia, ela falou: “Caracteriza-se de mulher para ir fotografar”. Eu falei: “Vamos lá, não é?”. Fui ao Robson, fiz uma maquiagem, fiquei lindo, uma moça linda. E me caracterizei, tal, fiz uma farra. Foi uma grande festa esse dia. E eu conheci a Camila - que era a professora de balé do clube - nesse dia e me encantei com ela. A gente conversou muito no dia e eu comecei a prestar um pouquinho mais de atenção nela. Comecei a visitar um pouquinho mais o balé, ia lá fotografar, fiz amizade com a coordenadora lá do balé, que a indicou para mim, e eu comecei a me aproximar dela. E me aproximando, me aproximando. Só que era tudo errado. Ela fazia Psicologia, Faculdade de Psicologia, eu fazia supletivo; ela era professora de balé, eu era o palhaço. Então, eram dois mundos diferentes. Ela era de uma classe social melhor, então era complicado para eu chegar até ela. Entregava pizza à noite...
P/1 – Você?
R – É.
P/1 – Desde quando? Isso não tinha aparecido ainda.
R – Isso foi na época em que eu trabalhava no Aramaçan. Na época do Aramaçan, ainda à noite, eu entregava umas pizzas. Porque era estágio, estágio você ganha muito pouco. Então, para me manter... Era o que eu tinha para me manter. Então eu comprei uma moto e comecei a entregar pizza de noite. Então, eu entregava pizza a noite inteira para levar uma à noite para ir comer com a Camila, e sem ela saber que eu entregava, porque eu mostrava que era diferente.
P/1 – Ela não sabia?
R – Até então não. Começamos a nos envolver um pouco melhor e tal, conhecemo-nos muito bem, o relacionamento começou a vingar, ficar um bom relacionamento, ela me ajudou a terminar o supletivo para entrar na faculdade, fazia meus trabalhos porque eu não tinha tempo muitas vezes, então ela fazia para mim, tal, me ajudou bastante. E a gente começou a namorar, começou... Hoje estamos há dez anos juntos já: sete de namoro e três anos de casados. O namoro foi muito bom e estamos até hoje. O meu braço forte. Devo muito a ela. Muita coisa da minha vida eu devo a ela. Hoje a gente tem nosso apartamento, que a gente conseguiu conquistar juntos, um carro legal, então tudo isso foi com ela por trás. Muito bom.
P/1 – No Aramaçan te despertou essa carreira do marketing?
R – Do marketing. Por quê? No clube, eu era o faz tudo do marketing. O departamento tinha acabado de ser criado, eles me contrataram até errado. Esse CIEE, que era o agente de integração do meu estágio, ele me mandou de forma errada. Por eu ter repetido muitos anos, não sei qual motivo, eles deduziram que eu já estava na faculdade, porque se do Banco do Brasil fiquei dois anos já era para me formar no ensino médio. Aí, fui para a Credicard, fui para a Caixa, dois anos no Aramaçan, então eles acharam que era do ensino... Quando eles me mandaram para o clube... Porque eu fui procurar o CIEE para... Eles me encaminharam para outra vaga, eles me encaminharam para o departamento de marketing do clube, achando que eu fazia Faculdade de Marketing. Mas eu não fazia, eu estava no supletivo ainda. E quando eu fiz a entrevista com o Valdir, que era o diretor de marketing na época, ele não perguntou de faculdade, mas ele deu a entender que eu conhecia algumas coisas da área de marketing. E eu toquei a entrevista, fui muito bem na entrevista, passei. Na hora de fazer o contrato, me deram lá “Faculdade Unip” ainda, não sei nem por que me colocaram que eu estaria na Unip fazendo faculdade, mas eu não estava. Quando eu recebi aquilo eu não falei nada porque eu sabia que se eu falasse, ia perder o estágio. Então comecei a trabalhar. Aprendi, fui atrás, fiz curso por fora para aprender a manusear os programas, o CorelDraw da época, que era a principal ferramenta usada. E eu não fazia faculdade. E toda semana o cara do RH, o Gilberto, o Gibinha, que até hoje ele me puxa a orelha por causa disso, quando ele me vê... Ele não está mais no clube, mas quando a gente se encontra, são boas risadas disso. Ele me cobrava o contrato, eu falava: “Ah, estava fechada a secretaria. Ah, semana de prova”. E eu o fui enrolando, enrolando, enrolando. No final dos dois anos de estágio... De um ano de estágio, no primeiro ano de estágio, ele falou: “Olha, se você não trouxer amanhã, perdeu seu estágio. Acabou. Acabou. Não quero mais você. Se amanhã você não trouxer, não tem mais”. Eu estava com o contrato na mão, aí eu levei à escola, na época era no Fioravante Zampol que eu estudava, que era uma escola estadual lá de Santo André, porque eu fazia o supletivo. Eu levei lá à escola, a diretora também sem ler muito, ela foi, carimbou e assinou. Carimbo do Fioravante Zampol no lugar que era da Unip. Eu levei lá para o clube, falei: “Agora vai passar. Acabou a dor de cabeça de ele ficar me perturbando por causa deste contrato”. Em contrapartida, eu estava trabalhando muito. Festa havaiana eu subia em coqueiro para cortar árvore, para fazer decoração... Todo mundo me adorava porque eu trabalhava muito, e eles não estavam acostumados. O clube era uma espécie de repartição pública, todo mundo meio encostado. Então, chega um menino cheio de gás, a diretoria gostava do meu trabalho, mas tinha essa questão burocrática. Eu chego, entrego esse contrato. No outro dia, o Sílvio Arenas, que era o vice-presidente administrativo do clube, uma figura assim de botar medo, sabe? Ele usava aquele telefone que você colocava na orelha, o headphone, usava aquilo, era advogado, entrava na parte administrativa do clube, todo mundo abaixava a cabeça com medo dele. Ele entrou: “José Carlos, vem aqui à minha mesa”. Eu: “Putz, o que será que aconteceu? Alguma coisa tem aí”. Ele me chamou, pegou meu contrato, pôs na mesa, falou: “Olha, quando eu tinha a sua idade... Sua idade não, que você já está velho, mas eu estudei numa escola chamada Fioravante Zampol. Explique-me como ela virou faculdade”. Eu falei: “Ô, Sílvio...”. Eu não sabia o que falar. Eu falei: “Olha, desculpa, mas quando o Valdir me contratou, ninguém me falou que eu precisava estar na faculdade, mas depois falaram. Se eu falasse, eu ia perder. Eu estava gostando e tal, você vê meu trabalho aí, tudo mais”. Ele falou: “Então tá. Eu vou mudar seu contrato aqui, agora você vai ser estagiário de ensino médio e vai ganhar metade do que você ganha, e eu vou continuar com você. Mas você devia dar aula para esse pessoal aí que não quer saber de nada, porque não está trabalhando aí, não sei o quê”. Bom, legal. Fiquei mais um ano de estágio no Aramaçan. E de três em três anos troca a diretoria do clube, cada diretoria são novas cabeças, novos líderes, pessoas bacanas, e eu aprendia muito com esse pessoal. E eu me apaixonei muito pelo Aramaçan, tanto é que hoje eu sou sócio, ajudo o clube na parte da diretoria, na parte de marketing, o que precisa. Montei um grupo de empresários dentro do clube, então eu tenho uma... Mesmo fora...
P/1 – Vamos voltar. Você chegou lá, você não tinha vontade de fazer faculdade?
R – Ele falou: “Uma das condições, você vai se formar e vai entrar na Faculdade de Marketing”. Não, não falou qual faculdade, mas você vai entrar na faculdade. Dito e feito, me formei no ensino médio, com a ajuda da Camila, e passei a fazer a faculdade na Uniban, na Anchieta. Ia de bicicleta para a faculdade, porque nessa época eu perdi minha moto porque eu ganhava muito pouco, ainda tive metade do salário cortado, e não pagava os documentos da moto. Muita multa, gostava de empinar a moto, aí tomava algumas multas empinando, que virou um documento muito... Impagável. O valor do documento era mais caro que a moto.
P/1 – O que você fazia com a moto?
R – Empinava.
P/1 – Por quê? Você tinha mania?
R – Porque eu gostava. Era molecão, gostava de bagunça. Tomei uma multa tão pesada que o valor ficou mais caro que a moto, e a moto foi para o pátio. Perdi, voltei a andar de bicicleta. E eu estava entrando na faculdade nessa época, ia para a faculdade de bicicleta, super longe, mas ia tocando.
P/1 – E você morava na casa da sua mãe ainda?
R – Morava na casa da minha mãe ainda. Entrei na Faculdade de Marketing, continuei no clube, o departamento foi crescendo. Consegui contratar um estagiário para mim lá no departamento, e sempre essa questão de estágio...
P/1 – Mas aí você foi contratado no clube?
R – Fui contratado. Fui efetivado funcionário assistente de marketing. E aí contratei, inclusive, uma estagiária para mim. Agora eu tinha uma estagiária e depois um jornalista. Porque precisava desenvolver uma revista dentro do clube, então contratamos um jornalista. E o departamento começou a crescer. Um ano depois contratamos outra pessoa, começou a ganhar corpo. Hoje esse departamento tem dez pessoas trabalhando, fazendo aquilo que eu fazia sozinho há dez anos, mas muito mais estruturado, muito bom.
P/1 – E aí você saiu do Aramaçan? Você ficou quanto tempo?
R – Eu no Aramaçan... Essa questão do estágio sempre me motivou muito, por quê? Eu tive a oportunidade de estágio, mudou a minha vida. Eu aprendi muito, me desenvolvi profissionalmente, então o estágio sempre me encantou. Quando eu consegui contratar uma estagiária para mim, foi muito legal. A Ana Paula. Hoje ela está na Mercedes, uma carreira muito bacana. Então, foi uma oportunidade para ela, que ela se desenvolveu, então isso sempre me encantou. Em 2012 eu conheci a Abre - Agência Brasileira de Estágio - é uma franquia de agente de integração, semelhante ao CIEE. E tudo que eu fazia de estágio era pelo CIEE, e só tinha o CIEE na região. Então eu conheci a Abre, decidi conhecer um pouco mais sobre ela, tinha um amigo em comum que trabalhou na Abre, me levou para conhecer, conheci o responsável, conheci o presidente, “seu” Fernando, aí eu comecei a ir atrás de um investidor. Por ser uma franquia, eu precisava de alguém que investisse porque eu não tinha dinheiro algum. Eu fui estagiário a vida inteira, então o salário era sempre baixo. E quando eu fui efetivado no clube, o salário também não era muito alto e eu tinha que pagar minhas contas, me sustentar, pagar a faculdade, tudo sozinho, sem ajuda; então, dinheiro eu não tinha. Eu comecei a ir atrás de um investidor. E eu tinha um cunhado, que também trabalhava em banco, que já tinha um capital estabelecido. E eu propus para ele para a gente fazer essa parceria de comprar uma franquia da Abre e montar esse negócio no ABC. E, com muito custo, muita insistência com ele, consegui convencê-lo, convencer o franqueador a montar a unidade aqui com pouco dinheiro, uma estrutura enxuta. Para você montar uma estrutura da Abre hoje, o prédio teria que ser maior, a comunicação visual teria que ser padrão deles, muito caro. Então, teria um investimento muito alto. Eu não tinha, mas consegui convencê-lo a montar um escritório pequeno em Santo André. Então surgiu essa oportunidade, saí do clube para ir montar esse negócio.
P/1 – Quanto era o investimento inicial?
R – Eram duzentos e cinquenta mil, mas eu consegui fazer por oitenta, montar tudo a oitenta. E esse meu cunhado entrou com o dinheiro, o capital de giro, a gente começou a trabalhar e eu não parei.
P/1 – Em que ano foi isso?
R – Isso foi em 2013. Em 2012 eu conheci, em 2013 eu comecei a negociar e, no final de 2013, se concretizou. E aí eu montei a Abre no ABC, hoje é uma das melhores agências que tem na região, sem dúvida. E tem bons clientes, já tem em torno de oitocentas empresas cadastradas com a gente, setenta e cinco mil estudantes cadastrados com a gente. Então, criou um banco de dados muito bom. E estou desenvolvendo uma série de possibilidades. No próximo mês eu vou lançar um programa de TV da Abre falando sobre carreiras e profissões, dicas. Cada semana aborda uma carreira e a gente traz pessoas para debater aquele assunto. Então, uma empresa, um profissional, um acadêmico, um professor ou um acadêmico da área, e o estudante, para debater sobre todo aquele mercado, sobre todo aquele projeto. Isso... em maio a gente toca isso aí, com certeza. Já tenho alguns patrocinadores em vista, já tenho fechado com a TV que vai passar isso, que é a TV Mais ABC, que é o principal veículo de comunicação do ABC. Então isso já está certo, próximo mês, mais uma novidade.
P/1 – E você casou com a Débora?
R – Camila. Débora é minha irmã.
P/1 – Camila. Desculpa.
R – Casei com a Camila em 2012. Um casamento maravilhoso. Muito bom.
P/1 – Teve festa? Como foi?
R – Teve uma mega festa, uma das... Todo mundo fala que foi a melhor festa que já foi. Foi muito legal. Eu gosto muito de Bezerra da Silva, que é um samba das antigas e tocaram violino, Bezerra da Silva no violino. Foi muito lindo, muito legal. Muitos amigos, o pessoal do banco, o pessoal da Amélia Rodrigues, o Robson como cerimonialista, que era da Tulim Pim Pim. Então todo mundo que fez parte dessa minha história estava ali. Então, nossa... foi muito legal.
P/1 – E seus pais?
R – Minha mãe. Meu pai faleceu em 2007, logo quando eu conheci a Camila. Como eu não tive uma relação muito boa com o meu pai, a gente brigava muito por conta disso, mas eu sempre senti falta de ter essa figura paterna. E, em 2006, eu consegui juntar uma grana e ele estava morando no Espírito Santo, nessa época ele estava morando no Espírito Santo, trabalhando lá.
P/1 – Estava separado da sua mãe.
R – Não. Não. Minha mãe ia para lá nos finais de semana. Agora não era mais ele quem ia para casa no final de semana, agora minha mãe, que estava prestes a se aposentar, então ela ia, conseguia ir nos finais de semana lá para o Espírito Santo, onde ele comprou uma casa, montou lá uma estrutura para ele e passou a viver lá. Também já para se aposentar. Lá é uma terra muito boa, praia, muito gostoso lá. E, em 2006, eu falei: “Eu vou visitar meu pai, vou fazer as pazes e vou ter um pouco de amizade com ele”. Tinha feito dezoito anos, acabado de fazer dezoito anos e fui sem avisá-lo. Comprei passagem, fui ficar um mês com ele lá. Deu quinze dias, já não me queria mais lá: “Eu estou acostumado a viver sozinho”. Mas fizemos caminhada juntos, tomávamos uma cerveja juntos, risadas com os amigos dele ali, então foi muito legal. Foram quinze dias muito gostosos. Acho que foram os melhores quinze dias que eu tive com ele em vida. E, na sequência, como ele bebia muito, ele começou a ter uns problemas de saúde, diabetes, tudo mais, ele foi internado com uma infecção que teve na perna, a infecção se generalizou, ele ficou muito mal e teve falência múltipla dos órgãos. E ele ficou entubado alguns dias. Então, quando eu soube dessa notícia, minha mãe me ligou para ir para lá porque os médicos já tinham desenganado e tudo, então chorei muito na época, abracei um diretor, o Nelson, que era um diretor lá do Aramaçan na época, abracei-o muito na época, que era um paizão na época também, e fui. Cheguei lá, abracei lá, beijei, tudo, disse que perdoava tudo que tinha rolado, que o amo, essas coisas, saí da sala, morreu. Meio que só esperando, sabe? Esperando chegar para... Foi fogo. Mas foi bom. Foi bom porque teve um tempo muito rico em que a gente ficou junto. Pouco tempo, quinze dias, mas ainda bem que eu fiquei esse tempo, entendeu? Na sequência, um ano depois, ele já faleceu. Tive esse último contato, mas ele já não estava mais... É isso.
P/1 – Aí você se casou com a Camila.
R – Casei. Voltei, tinha acabado de conhecer a Camila. E a Camila foi muito importante porque me deu todo apoio, tal. E eu comecei a construir uma vida com a Camila. E a família da Camila... Tem um delegado na família que, antes de eu conhecer a Camila, eu o conheci porque a gente jogava bola junto, tal, na época do Aramaçan e tudo mais. E quando eu fui conhecer a família da Camila, ele estava lá. Ele: “Ô, Zé, que legal”. Conquistei a família. Ele falou: “Olha, quando vocês se casarem, eu vou vender meu apartamento para vocês”. “Ô, legal”. Sete anos depois a gente se casou, ele chamou a gente: “Olha, eu vou fazer uma coisa bem bacana para vocês”. Aí conseguimos comprar o apartamento dele, aí já providenciou o casamento, fez tudo que tinha que fazer. O Aramaçan deu o salão de festas para a gente, gratuitamente, por toda a amizade que a gente tinha, só que ela não quis. Ela visitou outro salão, que era lindo, e ela falou: “Não, mesmo pagando, eu prefiro no outro”. Não era nem melhor, mas ela tinha se encantado com aquele. Esforcei-me muito, trabalhei muito, entregava pizza, trabalhava de palhaço, trabalhava no Aramaçan, então me capitalizei e fizemos um casamento maravilhoso.
P/1 – Ela trabalha em quê?
R – Ela é psicóloga. Ela trabalha no Centro Psiquiátrico Bezerra de Menezes, em São Bernardo. Trabalha com saúde mental.
P/1 – E quando o Yuri nasceu?
R – Fomos para a lua de mel em 2013.
P/1 – Vocês foram para onde?
R – 2012 para 2013, ficamos pouco tempo casados e logo o Yuri nasceu. O Yuri nasceu em 2015, dezembro de 2015.
P/1 – Onde você passou a lua de mel?
R – Em Maragogi. Maragogi, Alagoas. Maravilhoso. Resort maravilhoso, tudo muito bom. Eu em Maragogi, andando na praia, com ela, de mãos dadas... Maragogi, Alagoas, não tenho nenhum convívio lá, nunca fui, não conheço ninguém de lá, estou andando de mãos dadas com ela, na areia, me passa um buggy, o cara passa, olha para a gente: “Zé, é você?”. Eu falei: “Não acredito. Como alguém aqui me conhece?”. Foi muito gostoso lá. Passamos em Maragogi, fomos para Porto de Galinhas, aquela região. Aí voltamos, e mais trabalho. Agora eu estou trabalhando bastante para manter essa família.
P/1 – Quais são seus sonhos hoje?
R – Meu sonho hoje é que minha empresa decole. Hoje o meu concorrente, que é o CIEE, que sempre me empregou, hoje ele tem um milhão de estagiários em São Paulo. Meu sonho é ter meus primeiros mil estagiários. Hoje eu tenho cento e cinquenta, depois de muito trabalho. Então, meu sonho... É claro que não é o sonho de vida, mas profissionalmente almejo isso para chegar e conseguir desfrutar de uma vida boa, dar uma condição boa para o meu filho, dar todo carinho do mundo, ser um pai... Sou um pai super carinhoso, tudo que eu não tive eu quero dar. Então é isso. Eu não tenho um sonho ainda tão concreto, eu tenho um sonho só profissional, que é chegar a um número razoável aí na empresa para depois aumentar esse sonho e chegar a um maior.
P/1 – Olhando sua trajetória de vida, você faria alguma coisa diferente na sua vida? Você mudaria alguma coisa?
R – Ah, não. Não, porque eu vivi tudo muito intensamente. Eu tenho apenas trinta e um anos e vivi muita coisa. Muita coisa. Com doze anos eu já era empreendedor, já montei uma empresa. O Alegria Shows era uma empresa. Não tinha os seus registros, nada, mas era uma empresa. E eu comercializava isso, então foi tudo muito intenso. Então, não dá para mudar nada, é uma história muito bonita. Eu tenho muito orgulho da minha história. Trabalhei muito para isso.
P/1 – O que você achou da experiência de contar a sua história de vida aqui para o Museu da Pessoa?
R – Legal. Porque essa história, a gente vai falando e vai revivendo muita coisa, vai se lembrando de pessoas, se lembrando de episódios, de fases da vida que, às vezes, você deixa para trás. Você não fala com ninguém sobre isso, você não fala sobre sua história o tempo todo, então se você puder contar isso, registrar isso, deixar marcado, é muito rico, é muito importante. Tomara que inspire alguém. É isso aí. A ideia é muito boa, eu parabenizo vocês, que o projeto é lindo. Ainda mais sabendo que são voluntários fazendo isso, então é muito mais gratificante. Parabéns.
P/1 – Eu queria agradecer, em nome do Museu, a sua linda entrevista.
R – Eu é que agradeço.
P/1 – Muito bom. Gostou?Recolher