Projeto: Diversidade e Inclusão no Mercado Financeiro - Banco Pan
Entrevista de Marcio Orlandi Júnior
Entrevistado por Bruna Oliveira
São Paulo, 02/08/2022
Entrevista n.º:PCSH_HV1225
Realizada por Museu da Pessoa
Transcrita por Selma Paiva
Revisada por Bruna Ghirardello
P/1 – Primeira coisa, Marcio, eu queria que você se apresentasse, dizendo seu nome, local e a data do seu nascimento.
R – Tá bom. Eu sou Márcio Orlandi Júnior, só Marcio... você falou – perdão – nome, data e local. Eu resido na Vila Madalena, estou falando nesse momento da Vila Madalena e minha data de nascimento é 08 de março de 1970.
P/1 – E o local em que você nasceu?
R – Ah! Eu nasci em São Paulo, sou nascido em São Paulo.
P/1 – E quais os nomes dos seus pais?
R – Meu pai se chama Marcio Orlandi e minha mãe Berenice Francisca Orlandi.
P/1 – E como você descreveria, tanto seu pai, quanto sua mãe?
R – Eu diria que meu pai é uma pessoa incrível, extremamente inteligente, que sempre me empurrou muito pra frente na vida, me desafiou muito e eu acho que tudo que eu conquistei eu devo justamente a ele e ao trabalho dele. Minha mãe é uma pessoa mais tímida, diferente de mim, eu não ‘puxei’ dela a timidez, (risos) mas ela é uma pessoa também maravilhosa, a gente tem um relacionamento muito bom, a infância e adolescência obviamente foi de muita briga, mas hoje em dia é tudo muito bom e é uma pessoa muito carinhosa com toda a família.
P/1 – E o que eles faziam?
R – Meu pai é economista, trabalhou durante muitos anos numa empresa conhecida, chamada Arthur Andersen, que era uma empresa de auditoria, depois ele abriu a própria empresa dele e, hoje em dia, está com quase oitenta anos de idade, está começando a se aposentar, ele trabalha ainda com alguns clientes, algumas coisas, de casa, mas já está reduzindo bem a velocidade, porque quer mais é ficar com os netinhos, do que qualquer outra coisa. E minha mãe trabalhou...
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Entrevista de Marcio Orlandi Júnior
Entrevistado por Bruna Oliveira
São Paulo, 02/08/2022
Entrevista n.º:PCSH_HV1225
Realizada por Museu da Pessoa
Transcrita por Selma Paiva
Revisada por Bruna Ghirardello
P/1 – Primeira coisa, Marcio, eu queria que você se apresentasse, dizendo seu nome, local e a data do seu nascimento.
R – Tá bom. Eu sou Márcio Orlandi Júnior, só Marcio... você falou – perdão – nome, data e local. Eu resido na Vila Madalena, estou falando nesse momento da Vila Madalena e minha data de nascimento é 08 de março de 1970.
P/1 – E o local em que você nasceu?
R – Ah! Eu nasci em São Paulo, sou nascido em São Paulo.
P/1 – E quais os nomes dos seus pais?
R – Meu pai se chama Marcio Orlandi e minha mãe Berenice Francisca Orlandi.
P/1 – E como você descreveria, tanto seu pai, quanto sua mãe?
R – Eu diria que meu pai é uma pessoa incrível, extremamente inteligente, que sempre me empurrou muito pra frente na vida, me desafiou muito e eu acho que tudo que eu conquistei eu devo justamente a ele e ao trabalho dele. Minha mãe é uma pessoa mais tímida, diferente de mim, eu não ‘puxei’ dela a timidez, (risos) mas ela é uma pessoa também maravilhosa, a gente tem um relacionamento muito bom, a infância e adolescência obviamente foi de muita briga, mas hoje em dia é tudo muito bom e é uma pessoa muito carinhosa com toda a família.
P/1 – E o que eles faziam?
R – Meu pai é economista, trabalhou durante muitos anos numa empresa conhecida, chamada Arthur Andersen, que era uma empresa de auditoria, depois ele abriu a própria empresa dele e, hoje em dia, está com quase oitenta anos de idade, está começando a se aposentar, ele trabalha ainda com alguns clientes, algumas coisas, de casa, mas já está reduzindo bem a velocidade, porque quer mais é ficar com os netinhos, do que qualquer outra coisa. E minha mãe trabalhou só até se casar, depois que casou com meu pai sempre cuidou basicamente da casa e dos filhos.
P/1 – E você tem irmãos? E como é essa relação, se você tem?
R – Eu tenho uma irmã, quatro anos e meio mais nova que eu, a gente se dá muito bem, a gente sempre se deu muito bem. Obviamente eu, como irmão mais velho, a irritei muito na infância, mas a gente se dá muito bem. Nós moramos, todos, perto. Então, meus pais moram a quatro quadras de mim, para um lado; a minha irmã mora a três quadras, do outro lado e eles também estão bem pertinho, um do outro. Então, está todo mundo muito próximo, a gente se vê com frequência e convive um na vida do outro, o que é muito gostoso.
P/1 – Como é o nome da sua irmã?
R – O nome da minha irmã é Cynthia Elaine Orlandi, agora Cynthia Elaine Orlandi Acedo.
P/1 – E você chegou a conhecer seus avós?
R – Sim. Eu tive a sorte de conhecer duas avós e um avô. O meu avô materno já era falecido, desde a infância da minha mãe, mas o meu avô paterno, minha avó paterna e minha avó materna eu conheci, tive vários anos com eles. A minha avó paterna foi a que teve mais tempo comigo, ela faleceu há poucos anos, com cento e um anos de idade. Já meu avô faleceu quando eu tinha dez, onze e minha outra avó quando eu tinha 21 anos.
P/1 – E como era a sua relação com eles? Você lembra de algum momento especial?
R – Com cada um deles teve sempre muita história. Meu avô, que foi o que eu perdi mais cedo, quando eu tinha, acho, onze anos, era uma pessoa... primeiro: eu sou o neto mais velho, o bisneto mais velho dos dois lados da família, então obviamente eu fui bastante protegido, bastante amado, e eu acho que isso me marcou muito, pelo fato de que todos eles, meu avô, principalmente, tinha um carinho todo especial por mim, eu era o neto querido, tão esperado e, assim, eu me sinto muito parecido com ele. Muitas coisas que eu sempre ouço de história parece que eu sou muito parecido com ele. É o lado italiano da família, que eu ‘puxei’ muito, inclusive fisicamente. Então, uma pessoa muito legal e o que eu me lembro dele é eu pequeno, ele me levando pra passear de metrô, coisa que era muito nova em São Paulo, na década de 1970 e era um passeio que eu adorava fazer. Da minha avó, esposa dele, tem tanta história, que aí já ela estava comigo até os 45 anos de idade, então, acho que talvez a história mais legal dela seja o quanto ela sempre cuidava de mim, na época do colégio. Ela era chata pra caramba na hora de fazer lição, era perfeccionista com tudo, então ela me fazia fazer vinte vezes as coisas, se não estavam bonitas o suficiente e eu falava: “Mas está certa a resposta, por que tem que estar bonito?” “Não, tem que estar bonito”. Então, ela era muito exigente nisso. E a minha outra avó era uma piadista, a que mais fazia piada na família, a que mais brincava com todo mundo e ela tinha uma mania que me irritava horrores, que era: eu chegava em casa, eu já via o chinelinho dela em algum lugar - porque ela vinha muito em casa, nos visitar – eu sabia que ela estava atrás de alguma porta, de algum móvel, pra me dar um susto e não tinha jeito. Às vezes, eu falava: “Eu não vou sair daqui enquanto ela não se mexer”, mas eu acabava esquecendo, andava pela casa e lá vinha ela: “Bu” e me dava um susto. Então, ela era piadista em todos os sentidos. Sempre me fez rir muito e a gente ria muito das coisas que ela aprontava.
P/1 – E quando você pensa na sua infância, tem algum exemplo familiar, alguma comida, algum cheiro que remeta a essa época?
R – A primeira coisa que me lembra é lasanha, por causa dessas duas avós. Eu sou uma pessoa muito chata pra comer, eu não como quase nada. Sou alérgico a muita coisa e chato pra comer outras. Meu namorado diz que eu tenho paladar infantil e é meio que isso mesmo, tenho o paladar bem infantil. E uma coisa engraçada nas minhas duas avós é: quando elas descobriam alguma coisa que eu gostava, as duas faziam pra mim e as duas queriam fazer a melhor. Então, tinha uma competição, elas não brigavam, mas tinha uma competição e quando elas descobriram que eu gostava de lasanha, era impressionante, porque eu almoçava na casa de uma todo domingo e jantava na casa da outra, almoçava lasanha e jantava lasanha e tinha que dizer que as duas eram boas e as duas eram maravilhosas, mesmo. Diferentes, mas maravilhosas. Então, é uma lembrança gostosa dessa época.
P/1 – E tem algum tio, primo, prima, tia que fez parte da sua família nuclear, que era importante pra você?
R – Sim, muito forte. Minha mãe tem uma irmã, elas são só duas irmãs e essa minha tia era muito ligada na minha avó e sempre foi muito ligada na família. Ela não se casou, então ela sempre orbitou em volta da família e isso é até hoje, com os meus sobrinhos, com os sobrinhos-netos dela, ela que vai buscar na escola, que leva na escola. Então, eu diria que a minha tia é meio que minha ‘rocha’ na vida, ela sempre foi a pessoa pra quem eu contava alguma coisa primeiro, com quem eu queria conversar, com quem eu queria tirar uma dúvida e sempre aquela pessoa também que apoiava pra tudo. Para o que quisesse, ela sempre esteve do meu lado, a vida inteira, então é minha ‘rocha’.
P/1 – Como era o nome dela?
R – O nome dela é Neide de Assis.
P/1 – E você sabe a história do seu nascimento?
R – Alguma coisa. Meus pais se casaram em 1968, eu nasci dois anos depois, meus pais eram bem novos, eu estava fazendo a conta outro dia, minha mãe tinha 25 e meu pai tinha 27, então eles eram razoavelmente novos pro primeiro filho, eu nasci em São Paulo, morei uma semaninha num apartamento que eles tinham, depois eles se mudaram para uma casa maior, acho que já estava nos planos, daí moramos um ano nessa casa, em Santana. Depois disso meu pai aceitou um emprego no Rio de Janeiro, nós mudamos pro Rio, então eu comecei a falar no Rio de Janeiro. Eu tinha um sotaque carioca perfeito quando eu comecei a falar. Só que com três anos a gente se mudou para Minas Gerais e aí eu comecei a falar com sotaque de mineiro. E voltei pra São Paulo, em 1976, já com seis anos de idade, aí aqui tinha o sotaque caipira misturado com carioca, que hoje em dia eu já perdi completamente.
P/1 – E você lembra da casa onde você passou a maior parte da infância?
R – Eu só não me lembro da casa do Rio de Janeiro, justamente porque eu saí de lá com três anos de idade. Eu tenho flashes de algumas coisas que eu nem sei se são verdade ou se foram sonhos, me lembrando de sair com cadeira de praia, pra ir pra praia, num hall. Então, deve ser onde eu morei, eu tenho essa lembrança, mas eu não tenho muito mais do que isso. Agora, todas as outras casas, na casa de Minas, as outras casas que eu morei aqui em São Paulo, eu tenho lembrança completa, consigo descrever cada quarto.
P/1 – E como que elas eram? A maioria delas.
R – A casa de Minas era simplesmente maravilhosa. Meu pai era presidente de uma mina de ouro em Nova Lima, no interior de Belo Horizonte. Perto de Belo Horizonte. Então, ele tinha uma casa, que era da companhia e era uma casa maravilhosa, um daqueles casarões antigos, da virada do século, gigantesca e, além disso, com uma piscina gigante, quintal, era quase um quarteirão de casa, uma coisa maravilhosa e eu brinquei muito ali, nadei muito naquela piscina, então eu lembro direitinho e era uma casa antiga, daquelas bem, bem, bem coloniais. E depois, quando eu mudei pra São Paulo, eram casas normais. A gente morou sempre em casa, mas grandes, todas, porque com uma irmã, eu, meus pais, a gente sempre teve o privilégio de ter uma casa boa e um espaço bom pra morar, com piscina, com tudo que uma criança pentelha quer. (risos)
P/1 – Ia perguntar quais eram suas brincadeiras favoritas nessa época. O que você gostava de fazer? Você tinha bastante amiguinhos, ou era mais quietinho? Como que era?
R – Minhas duas brincadeiras preferidas eram: andar de bicicleta e nadar. Sempre foram as minhas duas coisas preferidas. Não nadador, mas estar na piscina. E eu tinha vários amigos, porque na minha rua nós éramos em um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete, oito... umas nove pessoas, nove crianças mais ou menos da mesma idade. Da idade da minha irmã, até a minha variava, um ano mais velha. Então, a gente se divertia muito, brincava muito e depois, como fomos crescendo, aí vem escola, outros amigos, então eu sempre estive rodeado de gente, eu gosto muito de gente em volta de mim.
P/1 – E nessa época você tinha o sonho de ser alguma coisa, quando crescesse? Você tinha vontade de ter alguma profissão, ou você nem pensava nisso?
R – Acho que nada sério. Eu tive aquelas fantasias: “Ah, quero ser bombeiro”. Tinha uma época que eu falava que eu queria ser presidente da República, mas nunca foi nada sério. Eu nunca tive um sonho: “Ah, eu vou ser isso” e perseguir esse sonho, não. Eu acho que a vida... só na escola realmente eu comecei a perceber quais eram meus destinos, aptidões e ir atrás disso, como forma de trabalho.
P/1 – E onde você estudou?
R – Eu estudei o primário, o ginásio e o colegial no Colégio Rio Branco, ali em Higienópolis, com a mesma turma de amigos, então era legal porque durante onze anos eu convivi, basicamente, com as mesmas pessoas, entrando uma, saindo outra. Depois disso eu fui fazer a faculdade na Escola de Engenharia Mauá, fiz engenharia lá. Então, eu sempre muito fiel, eu não troquei de colégio, de escola e demorei muito pra trocar de emprego, quando eu comecei a trabalhar. Então, sempre convivi com grupos de pessoas que ficavam muito tempo ao meu lado.
P/1 – E ainda na escola, tinha algum professor, ou algum funcionário que marcou a sua vida, que você lembra de alguma história? Ou alguma matéria, também.
R – Matéria, o que eu posso dizer, eu sempre fui apaixonado pelas Exatas, o que acabou me levando pra engenharia. Então, Química, Física, Matemática foram, realmente, matérias que eu sempre gostei mais, porque era desafio, lógica, pensar e eu gostava muito disso. Professores eu acho que eu tive muitos professores que me marcaram, mas teve um especificamente, quando eu estava logo acho que no primeiro colegial, numa fase meio rebelde, meio bagunceiro, coisa parecida e esse professor, numa reunião de pais e mestres, virou e me chamou um pouco a atenção, falou: “Você faz muita bagunça na sala, mas eu percebo que você é um garoto inteligente, que você faz isso porque você já entendeu o que eu estou ensinando e acaba, com isso, se distraindo, mas você acaba fazendo isso e o prejuízo é só seu. Muda isso, pensa de uma forma diferente, foca mais, olha pra matéria, tenta entender além dela” e eu lembro que eu saí de lá meio chateado, eu falei: “Eu não sou...”. Eu não era, nunca fui o maior bagunceiro da minha sala, nunca fui um garoto-problema, muito pelo contrário, era bastante CDF, mas me incomodou que ele tivesse reclamado do meu comportamento. Então, eu mudei radicalmente a partir dali, tomando mais cuidado e agradeço muito a ele, até pelo fato de que isso me trouxe maior amor ainda pelo que eu acabei fazendo. E talvez eu tenha um outro professor pra comentar, que eu me lembrei agora, era um professor de História, ele foi meu professor muitos anos e um dia ele criou um trabalho. Eu diria que esse trabalho dele mudou a minha vida, de certo modo, porque nós tínhamos que fazer um trabalho sobre a crise de 1929, queda na Bolsa, a proibição de bebidas nos Estados Unidos, os gangsteres etc. Eu tinha feito o trabalho com mais dois amigos, um casal. Fizemos o trabalho, estava bem-feito e isso foi na véspera de entrar no cinema aquele filme, Os Intocáveis, que é bem famoso e era um filme que falava dessa época, justamente sobre o que tinha acontecido nessa época. Então, a gente decidiu ir ao cinema uma noite antes da apresentação, pra entrar mais ainda no clima do que a gente ia falar daquela época do mundo e, além disso, eu tinha conversado muito com meu pai, por ser economista, me explicando o que tinha sido a queda da Bolsa etc. Então, eu fui muito bem-preparado para aquela aula, tanto que meus dois amigos falaram: “Marcio, vai você e senta”. Eu, até ali – tinha dezesseis anos de idade – era um garoto muito tímido. Se você me pedisse pra ir lá na frente, pra conversar com a sala, eu fazia, mas de cabeça baixa, com vergonha. Eu não tinha nenhuma segurança de falar em público. E naquele dia, talvez por uma segurança grande com o material, com o que eu ia falar, eu lembro que eu simplesmente sentei na mesa do professor, olhei pra classe e comecei a falar. Tinha lá meus quarenta minutos, falei durante quarenta minutos tudo que eu tinha que falar sobre aquela época. Quando eu terminei, o professor começou a bater palmas, virou e falou: “Foi o melhor trabalho de todos”. Ganhei nota dez, ganhamos todos nota dez, mas acho que mais do que aquilo, ele depois ainda veio me chamar, falou: “Cara, você fala muito bem, se explica muito bem, tem uma tranquilidade pra falar” e ali, naquele dia, ele ‘criou um monstro’. A verdade é que ele ‘criou um monstro’, porque não tem coisa que eu goste mais do que subir num palco pra falar, hoje em dia e tem a ver, justamente, com esse professor, que acabou me levando, me fazendo gostar disso. Então, hoje, se me der um palco, eu estou nele. (risos)
P/1 – Lembra o que você sentiu, naquele dia?
R – Eu te diria que acho que foi, primeiro, uma descoberta, eu estava espantado, falei: “Gente!” Porque a classe inteira gostou, muita gente veio falar comigo, depois. E aí eu percebi... eu costumo dizer: “Eu sou uma pessoa tímida”. Existem momentos, situações em que eu estou em algum lugar e eu me intimido, me recolho, não falo com ninguém, acabo ficando sozinho, num canto. Isso acontece até hoje, se eu não me sentir no ambiente em que eu estou, mas eu percebi ali que é uma questão de exercício. Eu consigo, de alguma maneira, dominar essa vergonha, se eu preciso ou se eu quero, ou se eu tenho segurança no que eu vou falar e isso me faz chamar atenção, brilhar, as pessoas ouvem etc. Então, acho que foi essa transformação que mais me chamou atenção e a descoberta de que eu podia ser assim. E aí, tanto que muita gente, hoje em dia, quando me conhece, fala: “Não, você não é um cara tímido, de jeito nenhum”. Eu falo: “Eu sou, só que eu aprendi a dominar a timidez”.
P/1 – E você passou a adolescência inteira em São Paulo?
R – Sim, é. Depois que eu vim pra São Paulo, de volta, em 1976, eu sempre fiquei aqui. Com dezesseis anos fui fazer intercâmbio, esse tipo de coisa, mas passei o resto da infância aqui.
P/1 – Você foi pra onde?
R – Eu fui pra Flórida, para uma cidade chamada Jacksonville, estudar inglês, durante as férias.
P/1 – E tem alguma história marcante dessa época? Não só da viagem, mas da sua adolescência.
R – Muitas. Agora preciso pensar em alguma coisa, mas eu acho que talvez era, primeiro, o meu prazer em estar com amigos. Coitados dos meus pais! A minha casa era o ponto de encontro dos amigos, então todo dia, à tarde, se a gente não tinha prova ou nenhuma lição grande pra fazer, vinham os amigos pra casa, todo mundo na piscina, cantando, ouvindo música alta. Minha mãe eu não sei como não enlouqueceu com a bagunça que eu fazia, mas na verdade eles viam aquilo como uma coisa legal: eu estava em casa, com quinze amigos, sei lá eu, amigos e amigas e era uma bagunça, mas era gostoso e seguro. Eu acho que essa, talvez, seja uma lembrança mais gostosa. Fora isso era estudar, a vida era estudar. (risos)
P/1 – Eu ia perguntar se você gostava de sair nessa época, ou se era mais caseiro, como era?
R – Não. Com quatorze anos de idade eu descobri as matinês. Eu sempre fui um cara muito medroso com relação a fazer coisa errada, então eu nunca tentei entrar numa balada de maior de idade, enquanto eu ainda era menor de idade. Sei lá eu, de novo pela vergonha, talvez. Mas eu descobri as matinês lá, com quatorze anos e minha vida virou isso. Primeiro era shopping, no final de semana, passear no shopping, encontrar os amigos no shopping e domingo tinha lá a domingueira, que começava duas da tarde e ia até às sete da noite e eu infernizava meus pais, que eu ia, porque eu queria dançar. Eu gosto muito de dançar, sempre gostei muito de uma balada, até hoje, com 52 anos de idade, continuo adorando uma balada.
P/1 – E como você seguiu essa formação, até chegar na faculdade? Como foi a escolha do curso?
R – Então, isso é engraçado: no colegial ficou muito clara a minha aptidão e o meu gosto por Matemática, Física, Química e estava claro pra mim que era o caminho que eu ia seguir. Tinha acontecido uma coisa, mas quando eu tinha treze anos de idade eu descobri que existia... eu estou falando em 1983, é muito tempo atrás... eu e uns alunos do colégio descobrimos que ia acontecer o primeiro CompuCamp, era um acampamento de férias com aulas de computação e eu pirei, falei: “Eu preciso ir nisso de qualquer jeito, eu preciso participar, quero aprender a programar”. De novo: numa época em que ninguém tinha computador em casa, não existia computador pessoal, praticamente. Mas meu pai aceitou, no final fomos em quatro amigos da escola nesse acampamento de férias, que durava uma semana e eu aprendi a programar em Basic. Então, ali já veio a minha paixão por computador. Eu, por sorte também... por esforço do meu pai, logo depois disso ele acabou comprando o primeiro computador pra mim, pagou caríssimo, importou dos Estados Unidos, porque era o único jeito de ter um computador no Brasil, não existia ninguém que fizesse aqui. Então, ele trouxe um Apple pra mim naquela época e eu comecei a aprender e ele também, meu pai, como economista, já mexia com as primeiras planilhas de Excel, que não era nem Excel o nome, as primeiras planilhas eletrônicas e ele me ‘botou’ pra trabalhar com ele, nisso. Então, eu tinha o meu momento do dia ali, que eu tinha que ajudar meu pai a planilhar algumas coisas do trabalho dele e outro momento do dia que eu podia brincar, jogar, programar, fazer o que eu quisesse. Isso me mostrou claramente o caminho que eu queria seguir, que era o da tecnologia, pelo qual eu sou apaixonado até hoje. Então, a escolha foi complicada, de faculdade, porque eu escolhi três faculdades que eu queria fazer: Engenharia Eletrônica; depois eu ia fazer Computação; e, por último, eu ia fazer Física, porque eu tinha um sonho em criar hologramas. Meu sonho era esse e eu falei: “Eu preciso de programação, da eletrônica e física, pela questão da ótica”. E acabei fazendo só [Engenharia] Eletrônica e já fui trabalhar, porque a vida não é tão simples assim, mas o meu sonho era esse. Talvez venha lá de Star Wars, de ver a princesa Leia no holograma, eu falava: “Eu quero criar isso de verdade, eu quero que isso exista de verdade”. Era meu sonho no momento em que eu comecei faculdade, mas aí a realidade ‘cai’ e a gente acaba falando: “Não, eu vou terminar essa faculdade, vou trabalhar” e aí comecei minha carreira, que só deslanchou.
P/1 – E o que mudou na sua vida, nessa época da faculdade? O que você estava pensando, na sua vida pessoal? Como foi?
R – Eu acho que, talvez, a coisa que mais mudou foi que eu ‘ganhei o mundo’. Durante a faculdade... primeiro, a faculdade veio junto com tirar carta, com a maioridade, você já pode beber, dirigir, viajar. De novo: eu tinha a sorte de ter pais que sempre me suportaram, e então eu fiz coisas bastante diferentes, viajei para outros lugares do mundo. Eu, com vinte anos de idade, me mudei para Alemanha por três meses, pra estudar alemão, porque eu entendia ser importante pro trabalho, não que eu tenha nenhuma ascendência, família alemã, mas eu queria estudar alemão, então eu estudei bastante aqui no Brasil e, quando cheguei num certo ponto, falei: “Agora eu quero ir para Alemanha, praticar”. Então, acho que ‘ganhar o mundo’ foi o que a faculdade me deu de mais importante e talvez outras novas amizades, que duram até hoje. Metade da minha classe da faculdade é muito unida, até hoje.
P/1 – E nessa época você participava de atividade extracurricular, fazia estágio? Como era?
R – Que legal que você perguntou, porque isso é uma coisa, um capítulo bem legal da minha vida. No terceiro ano da faculdade - começou triste, mas foi bom – perdão, no segundo ano da faculdade, na metade do segundo ano o meu melhor amigo da faculdade faleceu em um acidente de carro, a pessoa com quem eu mais andava todos os dias, já estava convivendo com ele diariamente há um ano e meio e ele faleceu num acidente de carro, indo pra faculdade e naquele momento eu fiquei muito mal, me abalou muito a perda do amigo e eu comecei a não ir mais pra aula, teve um certo momento que eu não tinha paciência de ficar na sala de aula, porque tinha aquela sensação horrorosa de que ele devia estar sentado aqui do meu lado, só que disso saiu uma coisa boa porque, no final, eu acabava, eu ia pra faculdade, porque eu não queria levar bronca da família, nem nada, nem cobrança, mas eu não entrava na sala de aula, eu ficava fora e, nessas, um dia, eu vi um ciclo de palestras acontecendo na faculdade e fui lá, assistir as palestras. No final do ciclo das palestras, no dia, um grupo de alunos pediu para subir no palco e falar, fazer um anúncio pros alunos que estavam presentes. Eles eram todos formandos, iam se formar naquele ano e eles queriam fazer um apelo, para quem quisesse ali, dentro daquele grupo, eles tinham acabado de ouvir falar, talvez vocês conheçam, ou você, de um movimento de empresa júnior. O movimento de empresa júnior começou com uma matéria no jornal - não me lembro se foi no Estadão ou na Folha – escrita por um francês, que era o presidente da Câmara do Comércio Franco-Brasileira, contando sobre o movimento empresa júnior na França, o quanto isso profissionalizava as pessoas enquanto elas estudavam, o quanto isso dava oportunidade de uma experiência muito melhor do que estágio, ou coisa parecida e ele falava, na matéria que, se alguém quisesse, ele tinha muito material e contato com as empresas juniores da França e que ele poderia disponibilizar aqui. E esse grupo que estava lá, que pediu pra subir no palco, eram justamente pessoas que viram essa matéria, se apaixonaram pelo conceito, mas disseram: “Não é pra gente. A gente vai se formar daqui a quatro meses, porque já era segundo semestre, a gente vai anunciar a ideia e ver se alguém compra e a gente ajuda até o último dia que a gente puder”. E justamente eu e uma outra menina, que estávamos naquela plateia, que por sinal era da minha classe, mas eu não era tão amigo dela na época, nós dois ficamos, pra conversar mais, falamos: “A gente quer conversar, queremos entender o que é isso que vocês estão falando”. Então, eu sou um dos fundadores da empresa júnior da Mauá. Além da Mauá, propriamente dita, eu ajudei a criar o movimento empresa júnior no Brasil. Eu sou fundador da Mauá Junior e fui fundador da primeira Federação de Empresas Juniores de São Paulo, que é a Fejesp, junto com a irmã dessa menina, mais outras, porque ela era da Poli. Então, a gente juntou as primeiras empresas juniores de outras faculdades e resolvemos criar, já, uma federação, que poderia nos representar junto a órgãos de classe, ao governo, coisa parecida e aí então eu fui também presidente do Conselho da Primeira Fejesp. Então, é uma coisa muito legal, porque isso me distraiu em um momento que eu estava bastante triste na faculdade, mas ao mesmo tempo me deu um propósito. Eu tinha que criar um movimento. A empresa júnior trabalha como uma consultoria. Então, na sua especialidade, no meu caso engenharia, ou numa empresa júnior de psicologia é outra coisa, você é orientado por professores e os alunos podem aceitar projetos, serem contratados para fazer um projeto, para desenvolver o projeto para uma empresa, para uma pessoa e, de alguma forma, ganhar experiência na sua área de atuação. Então, ali ganhei uma experiência de negócio; de gestão de pessoas; de gestão de projetos; e consegui brincar um pouco com a engenharia, do jeito que eu queria. Então, foi uma coisa muito especial na minha vida e eu acho que foi o que acabou me levando para a carreira que eu acabei escolhendo. Eu comecei como consultor, numa empresa de consultoria, realmente por ter me apaixonado por tudo isso.
P/1 – Você contou agora que você começou nessa empresa de consultoria. Como foi essa primeira experiência de trabalho e, também, como foi seu primeiro dia lá?
R – Foi interessante, porque quando eu me formei, eu não fiz estágio. Então, pra deixar claro. Primeiro porque, na minha Engenharia Elétrica, não havia exigência de estágio, então eu pude me manter na empresa júnior durante um bom tempo que, pra mim, é um estágio, mas não é oficialmente e eu tinha que fazer projeto de formatura, esse tipo de coisa. Isso não me trouxe experiência que eu pudesse apresentar na hora de buscar emprego, quando eu me formei. E foi uma época, eu me formei em 1992, que não tinha muito emprego em São Paulo, não. Tinha muito emprego em banco, muito banco contratando, que era uma coisa que eu nunca quis - olha que ironia da vida – trabalhar em banco, mas era o que tinha, então eu fiz muita entrevista pra banco, eu me lembro que eu participei do programa de trainees da Unilever, também da Sony Ericsson, que estava chegando ao Brasil. Na verdade, na época, só a Ericsson. Mas o resto era banco. E eu, o tempo todo falava: “Cara, nenhum desses eu quero trabalhar”. Talvez a Ericsson, sim, mas os outros todos eu falava: “Não é o que eu quero trabalhar” e eu estava, já com ‘aquele bichinho’ da consultoria e, nisso, eu comecei a olhar pra isso: quais são as empresas de consultoria que estão contratando? E existia na época, agora chamada Accenture, mas na época era Andersen Consulting o nome antigo dela e eu me inscrevi na Andersen Consulting, pra fazer entrevista, passei por todo processo, acabei sendo aceito lá e já nem olhei as outras, já parei de ir às outras, porque eu falei: “Não, é aí que eu quero estar”. E sobre o meu primeiro dia foi interessante. Eu tenho mania de falar Accenture, embora não se chamasse Accenture na época, mas a Accenture tinha um programa que está ficando cada vez mais comum, mas para receber as pessoas novas. Tinha todo um treinamento, que durava duas semanas para fazer. Então, o meu primeiro dia e, na verdade, as primeiras duas semanas, foi trancado numa sala, com mais quatro pessoas que começaram comigo, nós éramos só cinco e nós quatro nessa sala, durante duas semanas, fazendo exercício, vendo vídeo, lendo matéria e supervisão zero, então você imagina a bagunça que ficou naquele primeiro momento. Dessas pessoas uma ainda é meu amigo muito próximo, os outros eu ainda tenho contato, mas não tão próximo, mas um é meu amigo muito próximo, então foi uma época engraçada e logo depois já me ‘jogaram’ num cliente e falaram: “Agora você vai pro cliente e vai ter que aprender a trabalhar lá, vão te ensinar lá o que você vai fazer”. E você vai com aquele medo, porque eu não tinha experiência prática nenhuma e me ‘botaram’ pra programar em Cobol. Eu falei: “Mas eu não sei programar em Cobol” “Estão aqui esses livros”, me deram uma lista desse tamanho, de livros e falaram: “Lê aí, vai aprendendo e daqui a pouco a gente conversa”. Então, o meu lado autodidata me ajudou muito, nessa época.
P/1 – Eu ia perguntar se você lembra o que você fez com seu primeiro salário.
R – Lembro muito bem. (risos) Com o meu primeiro salário, eu comprei uma televisão pro meu quarto. Eu consegui lá uma televisão com super desconto, era uma briga que eu tinha com meus pais, porque televisão era só na sala, ninguém podia ter televisão no quarto, eu comprei, só que era uma televisão enorme, meu quarto não era tão grande, eu nem precisava usar o controle remoto, eu mudava de canal com o dedo do pé, porque ela ficava no pé da minha cama. Então, foi assim acho que a primeira... não sei se foi com o primeiro, só, acho que não dava pra pagar, mas talvez eu tenha acumulado o primeiro e o segundo, pra isso. Foi alguma coisa assim.
P/1 – E o que você gostava de assistir?
R – Tudo. Eu, até hoje, tudo que tem a ver com ficção científica é, em primeiro lugar, a coisa mais importante pra mim. Então, eu sou um grande fã de Star Trek, Star Wars. Star Trek mais e qualquer série de ficção científica sempre foi o que me atraiu e eu paro qualquer coisa pra assistir, se for episódio novo. Fora isso acho que documentários, alguns que são interessantes, filmes, sempre foi a coisa que eu mais gostei.
P/1 – Me conta um pouco como foi passando a sua trajetória profissional. Pode ir contando.
R – Tá bom, beleza. Eu, quando comecei na Andersen Consulting, agora Accenture, eu comecei trabalhando para um cliente... eu não sei se eu posso falar nomes, então eu não vou citar nome de cliente, mas eu estava trabalhando num cliente que era o maior da empresa, naquele momento, o mais importante, um cliente difícil e... não adianta, acho que eu tenho que falar porque, na verdade, basta olhar meu LinkedIn, estão lá todos os meus projetos e clientes. Meu cliente era o Carrefour, que era bastante difícil, bastante exigente no que a gente precisava entregar eu cheguei lá ‘verde, verde, verde’, tinha que aprender e tudo o mais. Mas aconteceu uma situação seis meses depois que eu entrei, eu tive que acelerar muito, aprender muita coisa e aconteceu uma situação chata com a minha chefe, que era uma consultora já um pouco mais velha que eu, ela acabou sendo demitida por um desentendimento com o cliente e aí viraram todos para mim e falaram: “Marcio, você vai ter que assumir o lugar dela”, da menina que tinha sido demitida. Então, em menos de seis meses, já estava com a responsabilidade de uma pessoa que estava lá há mais de dois anos. E aquilo foi, obviamente, extremamente desafiador pra mim. Então, eu diria que a minha carreira começou com muito desafio. Eu lembro que eu fazia cem horas por semana de trabalho, era uma coisa assim, o que dava cem de horas extras por quinzena, porque era um absurdo a quantidade de coisas que eu tinha pra fazer. Às vezes, eu ia pra casa só pra dormir e tinha um final de semana, vai, mas durante a semana eu trabalhava feito um louco, porque eu tinha coisa pra entregar pro Carrefour e tinha problema. Era um sistema, então, às vezes, uma loja ligava: “Estou com um problema”. Estou falando de uma época de antes de internet, antes de conexão por cabo, ou coisa parecida, então tinha que ligar o modem aqui com o da loja, pra tentar descobrir. Tinha uma loja que nunca o modem funcionava, tinha que pegar uma fita daquelas grandonas, de minicomputador, levar pra lá, pra fazer a manutenção que eles queriam. Então, eu me lembro de situações de eu parar na estrada pra chorar um pouco, de tão cansado que eu estava, de tanto que eu estava trabalhando. Mas era um tempo feliz, porque eu estava aprendendo muito. Isso me deu uma projeção muito grande, porque eu, muito novo, já recebi as primeiras promoções na Accenture e isso acelerou muito minha carreira. Então, eu acabei ficando quatro anos trabalhando com esse mesmo cliente, até que me liberassem, porque não queriam de jeito nenhum que eu saísse, mas eu precisava fazer outra coisa. Daí eu consegui, dentro da Accenture, que me ‘jogassem’ num projeto nos Estados Unidos, eu morei durante oito meses em Chicago, fazendo um projeto lá, que me deu uma outra projeção, conheci gente do mundo inteiro da empresa, tive chance de expandir meu conhecimento, porque lá eu aprendi muita coisa nova e, quando meu chefe me trouxe de volta pro Brasil, ele falou: “Bom, agora eu vou te ‘jogar’ em coisas cada vez mais diferentes”. Aí, numa sucessão muito rápida, fiz um projeto para Sadia, agora BRF Foods; fiz um projeto para C&A; fiz um projeto para Brastemp. Na verdade, Multibrás, que era o nome da empresa que era dona da Brastemp, na época. Fiz projeto para Unilever, um monte de coisa. Então, era assim: a cada três ou seis meses era um cliente novo, uma adaptação nova, uma cultura nova, um problema novo. Muitas vezes a tecnologia que eu ia usar naquele cliente era completamente nova pra eles e pra mim, então eu tinha que aprender rápido, virar um mestre no assunto, para poder ensinar o cliente, então eu posso dizer que era a época mais gostosa da minha vida, em termos de desafio. A mais cansativa também, porque trabalhar com consultoria não é fácil. E daí eu acabei ficando na Accenture, por treze anos, trabalhei lá de 1992 a 2005. Então, ali tive uma carreira bastante acelerada, em 2005 eu estava muito próximo de ser considerado sócio da empresa, que é o nível máximo que eu poderia chegar, queria muito essa promoção, mas ao mesmo tempo eu via algumas coisas já que estavam me fazendo questionar se aquela ali era minha carreira, mesmo. Aconteceu uma situação - eu falei que lá atrás eu tinha trabalhado com a C&A – que o cliente da C&A, oito anos depois de eu ter feito um projeto lá me ligou e falou: “Olha, eu preciso de uma conversa com o Marcio, sobre um outro assunto. Ele pode vir aqui, pra fazer uma conversa comigo?” E eu fui, peguei meu carro e fui pra sede da C&A, conversar na época com o diretor de Marketing e foi interessante, porque já fazia oito anos que eu tinha saído de lá, eu já tinha trabalhado, estava completamente diferente o espaço e eu elogiei, falei pra ele: “Como está bonito o escritório, vocês mudaram completamente”. Na época que eu trabalhei a C&A tinha salas fechadas. Então, você queria falar com uma pessoa, você tinha que ir lá na porta, bater, a pessoa vinha, destrancava a chave, pra você entrar e quando eu fui já estava aquele ambiente aberto, todo mundo na sua baia, cada um chega e conversa com quem quiser, não tinha mais aquele nível de segredo e muita sala de reunião, que era um problema que eu me lembro na C&A, não tinha sala de reunião suficiente e tinha muita sala de reunião, todas com projetor e tudo o mais. Eu elogiei. ‘Jogando conversa fora’, eu elogiei: “Puxa, como está bonito o escritório, vocês reformaram” e ele virou pra mim e falou assim: “Você não tem noção do impacto que você causou nessa empresa”. Eu falei: “Como assim?” Ele falou: “Essa reforma a gente fez por causa do projeto que você veio fazer aqui, conosco. O projeto fez com que as informações ficassem tão mais abertas e fosse tão necessário dividir informação com todo mundo, pro nosso sucesso, que a reforma veio em consequência disso. Essa salas de reunião são feitas pra abrir o seu sistema na tela, todos os dias, pra poder a equipe inteira trabalhar junto, olhando pro sistema”. Aquilo foi maravilhoso. Eu posso dizer assim que, por um lado me marcou, porque eu falei: “Olha a transformação de um projeto que, na minha cabeça, tinha durado três meses e foi muito simples, mas olha a transformação que fez numa cultura de uma empresa!” Só que aí veio o lado ruim, eu pensei assim: “Poxa e eu não estava lá, pra viver essa transformação!” E foi quando eu comecei a questionar, a primeira vez que eu comecei a questionar se a consultoria era tudo isso mesmo, pra mim, porque eu falei, comecei a perceber: “Poxa, quantas empresas eu já saí, fiz alguma coisa e não vivi nem as dores, nem as delícias do depois?” Porque não é sempre que dá certo. Às vezes, você descobre que depois os caras jogaram fora o que você fez, usaram outro, fizeram outro, ou tiveram que arrumar muita coisa, porque não ficou legal da primeira vez. Então, eu cheguei à conclusão de que eu não tinha vivido, nenhuma vez, nem as dores, nem as delícias da transformação que eu causava. Eu ia lá, ‘botava fogo no parquinho e saía correndo’, meio que por aí. Nunca abandonei cliente, não é isso, mas viver a vida depois, eles que viviam, não era eu. E aquilo me fez questionar se eu queria viver aquilo, se eu queria ter essa chance. E foi uma época que muitas coisas estavam acontecendo. Eu era recém-casado naquela época, eu tinha acabado de me casar com a minha ex-mulher, eu estava fazendo um projeto que me manteve na Argentina durante um ano, então a gente ficava distante, estava correndo o risco de ser ‘jogado’ num outro projeto no México, que talvez eu fosse voltar pra São Paulo só a cada seis meses. Então, tinha um lado que eu estava distante da minha família que eu estava criando; por outro lado era o mesmo trabalho, a mesma coisa e veio essa pergunta: “Poxa, como será que é viver as dores e delícias da transformação que você causa?” E meio coincidentemente, nessa época, me chamaram pra uma entrevista, a pessoa que me chamou não falou pra quem era, mas falaram: “Quero conversar com você, eu acho que você tem o perfil correto pro meu cliente, vamos conversar”. Fui totalmente despreparado, desacreditado, mas falei: “Vamos conversar. Vai que é uma coisa legal, algum desafio interessante”. No final era a Natura, me convidando justamente para assumir uma parte da TI dela, que era a parte comercial, que foi sempre a área que eu trabalhei. Fiz lá uma série de entrevistas e me apaixonei pela ideia de fazer o que eu queria, que era ‘mudar de lado da mesa’, eu não ia ser mais o consultor, eu ia ser o cliente do consultor, ou a pessoa que, dentro da empresa, ia fazer a transformação. Acabei aceitando, foi um trauma na Accenture, meu chefe na Accenture ficou revoltado, porque depois de treze anos estava saindo, mas ao mesmo tempo ele entendeu, eu falei: “Está me chamando, eu preciso tentar ‘lá fora’. Se for o caso, eu vou pedir pra voltar, mas eu preciso experimentar sentar do ‘outro lado da mesa’. Eu quero ser um cara que vão bater ou que vão aplaudir dentro da empresa se deu certo o projeto” e aí eu fui pra Natura, comecei lá em 2005, fiquei dez anos na Natura e foi outro... sei lá como dizer... ‘furacão’ de coisas, porque ali na Natura eu comecei, como eu falei, na área de TI, cuidando de todos os sistemas comerciais. Logo depois, porque apareceu uma chance, eu mudei um pouco, foquei no digital, então eu acabei virando o responsável por tudo que a Natura fazia na internet, aí já não mais em TI, em Marketing, ainda era o marketing extremamente tecnológico, mas eu cuidava de tudo que a Natura fazia: as propagandas da Natura na internet, os sites, as redes sociais, que mal existiam na época, tinha Orkut naquele momento, em 2005, mas o Facebook estava vindo ali, logo depois, então eu acabei mudando para uma área de marketing, que era menos técnica, mas ao mesmo tempo com um tema muito técnico dentro dela. Fiquei nessa área até o final da Natura, eu saí da Natura em 2015, foram dez anos ao todo, os dois primeiros em TI e os outros oito cuidando do digital e eu diria que talvez a minha grande entrega - eu fiz muita coisa pra Natura – foi o e-commerce. Hoje em dia, se uma pessoa quer comprar um sabonete, um shampoo, tem o e-commerce da Natura, no site dela e quando você compra lá, tem muita coisa que eu e minha equipe juntamos, criamos e está lá, igualzinho, até hoje. Eu estou falando muito, mas só pra terminar aí, dali eu saí, depois, da Natura eu saí por uma sensação de dever cumprido, chegou em um ponto em que eu falava: “Já fiz a transformação que eu posso fazer na Natura, dar mais do que isso agora eu precisaria, pra crescer na Natura, ir para outras áreas, que eu não queria ir. Eu não queria ir pra Vendas, para Produto. Eu sempre fui um cara de tecnologia, sempre um cara muito apaixonado por isso. Eu não vou crescer aqui dentro, se eu continuar dentro da Tecnologia” e eu precisava procurar outra coisa. Apareceu na minha vida a Riot Games, que é uma empresa de videogames, dona do League of Legends, bastante conhecida por quem tem filho ou por quem joga muito videogame, então eu fui o diretor do League of Legends no Brasil durante dois anos, a minha responsabilidade era trazer tudo dos Estados Unidos pra cá, toda aquela tradução de preparação de materiais, ao mesmo tempo, cuidar das redes sociais, do relacionamento com o jogador brasileiro de League of Legends, que é muita gente, relacionamento com criadores de conteúdo, youtubers, cosplayers, também ao mesmo tempo criar eventos aqui no Brasil, específicos do Brasil, encontros de jogadores, participar de feiras etc. Foi um período mágico, eu te diria, porque eu sou apaixonado por videogame, minha casa já mostra o quanto tem coisa aqui, de cultura pop e ao mesmo tempo me deu a chance de treinar outros skills também, mais de relação com pessoas, jogadores, com todo esse grupo de criadores de conteúdo para League of Legends, que é gigantesco. Foi muito, muito, muito legal. Depois disso eu passei por uma startup, nada muito grande, que acabou não sendo lançada. A gente tinha uma ideia muito boa, mas não tinha os parceiros que quisessem fechar conosco. Trabalhamos dois anos tentando fazer a startup ‘explodir’, ela não ‘estourou’, então nós perdemos o investimento e aí a startup fechou e foi quando eu comecei a olhar o que eu ia fazer da vida, que apareceu o Pride Bank na minha vida, que nós vamos falar acho que mais tarde, um pouco. Essa é minha trajetória de vida profissional.
P/1 – Eu ia te perguntar passando por áreas diferentes, apesar de você estar no mesmo setor, que é TI, como foi mudar de área, pra você?
R – Por isso que eu digo que trabalhar na Accenture foi uma grande escola na minha vida, porque toda vez que eu mudava de cliente, eu estava mudando de área. Então, assim, quando eu trabalhei com a Sadia, eu estava falando de sistema de produção de comida, sistema de venda de comida. Quando eu fui trabalhar na Multibrás, que era dona da Brastemp, ali eu estava falando sobre vender geladeira. Depois eu estive na GM, na Fiat, no Carrefour. Então, essa capacidade de chegar em um ambiente completamente novo, que eu não sei nada e muito rapidamente aprender sobre o ambiente e poder contribuir pra ele, já veio desses 13 anos de Accenture. Então, na hora que eu mudei pra Natura, foi muito rápido absorver a cultura, tudo. A mesma coisa depois, na Riot; a mesma coisa depois, na outra startup que eu trabalhei. Virou, pra mim, coisa fácil. Não vou dizer fácil, mas é um exercício que eu já fiz muitas vezes. Então, é fácil, principalmente quando a cultura é completamente apaixonante. E no caso da Natura e da Riot Games, são duas empresas com culturas semelhantes e muito maravilhosas. A Natura tem essa cultura muito forte, da consultora, do cuidado com a consultora, do respeito a consultora, do quanto ela é importante para que o negócio funcione e isso ficou muito claro pra mim, eu me apaixonei por isso, lá e quando eu entrei na Riot Games, era muito igual. O cliente, o jogador vem em primeiro lugar. Se a gente estiver fazendo alguma coisa e isso vai machucar o jogador de algum jeito ou chateá-lo, nós não vamos fazer. Nós vamos jogar um ano de trabalho fora, mas a gente não vai fazer alguma coisa que seja ruim para o jogador. Essas culturas fortes, muito claras, me chamam muito a atenção.
P/1 – Marcio, eu queria que você me contasse como estava sua vida pessoal, para além da profissional, durante esse tempo, trabalhando primeiro na consultoria, depois na Natura e depois na Riot Games e como estava a vida do Marcio, quem era o Marcio, nesse momento, o que estava acontecendo?
R – Vamos lá! Está encaixando bem a história, porque aí vieram os turbilhões da vida pessoal. Eu acho que assim: a primeira grande parte, eu falei que eu fiquei treze anos na Accenture, eu posso dizer que os primeiros dez anos desses treze eu quase não tinha vida pessoal. Tinha no sentido de: tirei férias, vou viajar, tinha alguns amigos de vida, que eu via todos os finais de semana, mas eu não conseguia nem ter um relacionamento. Eu não namorei ninguém durante anos e anos, eu era quase que celibatário porque, na verdade, minha vida estava muito no profissional e no tempo livre eu queria curtir, eu não queria estar preso a ninguém. Ao mesmo tempo, se eu me prendesse a alguém, eu não ia poder dar tempo a essa pessoa, então eu fugi muito disso, acho que não era nem consciente, simplesmente aconteceu. Eu não tive relacionamentos os primeiros... até 1993 eu não tive nenhum relacionamento. É isso? Não, eu estou fazendo alguma conta errada. É por aí. Bom, eu sei que quando eu estava já nos meus últimos anos de Accenture - 1993, não, 1997 – eu acabei conhecendo a minha ex-esposa. Nessa busca de alguma coisa pra fazer, de alguma diversão, eu sou meio maluco, um dia descobri aqui em Pinheiros, não existe mais, um lugar que se chamava Hollywood Project, que era um lugar de dança country e eu me apaixonei por aquilo. Eu me apaixono pelas coisas mais exóticas do mundo. Me apaixonei por dança country, aquela dança do passinho, do cowboy, lá, daqueles passinhos que vai pra um lado, vai pra frente, vai pra trás, vai pro outro. Me apaixonei por aquilo, comecei a ir lá toda terça-feira, toda quinta-feira e todo sábado, pra dançar. Eu chegava terça-feira, nove da noite, saía uma da manhã; na quinta-feira igual e lá eu conheci a minha namorada mais longa, que durou mais, que acabou virando minha esposa. Nós nos conhecemos lá, acabamos casando quatro anos depois. Então, nesse período de Accenture eu fui de quase celibatário a namorando sério uma pessoa, até me casar. Então, meus últimos três anos na Accenture eu estava casado e aí veio aquela preocupação toda que eu comentei, de ser mandado pra fora, eu não queria aquilo, porque eu queria investir no meu casamento, eu não queria um casamento que eu fico distante, que ia acabar ruim. Então, a vida estava boa. Foi bom em todos os sentidos, eu não reclamo de nada, não me arrependo de nada, mas eu saí pensando já, o que eu pensava? Quero ter filhos, quero estar presente aqui, não quero estar viajando e a Natura me trouxe essa oportunidade, tanto profissional, quanto pessoal. Agora eu fico em São Paulo, posso cuidar da vida. Filhos não vieram, uma coisa que é uma pena. Na verdade, eu sempre quis filhos, mas a minha ex-mulher nunca quis. Era uma coisa que eu achava que talvez fosse uma questão de tempo, que ela ia querer um filho em algum momento, mas não, ela não queria e eu acho que é direito dela, mas acabou sendo uma grande diferença nossa, que foi nos afastando ao longo do tempo. Eu sei que quando eu fiz quarenta anos, eu falei: “Bom, agora eu não quero mais ser pai”. Eu sempre tive um negócio que eu não queria ser pai velho. Tudo errado, mas eu achava que eu não queria ser pai depois dos quarenta, então desisti e nosso casamento acabou acabando dois anos depois disso. Acho que a gente foi se afastando cada vez mais. Então, como eu estava falando antes de ser interrompido pela minha cachorrinha, eu estava, então, naquele momento, eu acabei ficando quatro anos namorando a minha ex-mulher e onze anos casado. Ao todo são quinze anos. Começou a chegar em 2012, aí eu já estava na Natura, já fazia bastante tempo e a gente estava muito afastado, embora a gente tivesse uma vida juntos, amigos, a gente já percebia que o casamento, em si, já estava meio desgastado. Não sei se foi a questão de filhos, eu não sei o que foi, mas um dia ela chegou pra mim e disse: “Olha, eu não estou mais feliz, eu vou sair, eu quero me separar, aluguei um flat e estou saindo de casa”. Então, foi uma decisão dela, em primeiro lugar, de sair e ela alugou o flat e foi morar nesse flat e eu fiquei bem mal, porque na minha cabeça tinha casado pra morrer do lado, era talvez até pela questão de religião, eu entendia que não, casamento é uma coisa sagrada e a gente vai lutar pra dar certo até o final, mas ela decidiu que não, queria sair, saiu de casa. Eu passei, eu me lembro, três meses muito mal. Isso foi em setembro de 2012, quando ela saiu e foi em dezembro de 2012 que a ‘ficha caiu’ pra mim, que o casamento realmente tinha acabado. Até aí eu achava que talvez fosse uma fase, ia passar um tempo e a gente ia conversar e a gente teve, de fato, uma conversa três meses depois e naquela conversa ficou muito claro pra mim que não tinha volta. Obviamente é um momento ruim, eu chorei muito, porque aquele momento foi, pra mim, o fim de verdade. Não foi lá em setembro, quando ela saiu de casa. Foi quando ‘caiu a ficha’. Desse lugar, é pra frente, não tem muito jeito. Tá bom, então meu casamento acabou, tenho que pensar em mim e ser feliz etc. Eu estava numa época bastante largado, estava pesando cento e dez quilos, largado mesmo, envelhecido. Era uma época em que eu estava, sei lá, focado no trabalho, mas infeliz na vida, acho que tinha muito a ver com essa história do casamento e eu tive que me reinventar inteiro, emagrecendo, cuidando de mim, então eu perdi 36 quilos, para poder chegar nos 76 que eu tenho hoje e foi uma luta, obviamente foi uma luta tudo isso. Mas mais do que isso eu tinha que olhar para a frente e falar: “Cara, eu não quero ficar sozinho, eu não quero ser uma pessoa sozinha na vida” e eu comecei a refletir, eu fazia análise naquela época, mas não era uma coisa que eu discutia com o analista, eu comecei a refletir muito sozinho: “O que eu quero?” Aí vem, talvez, o grande ponto: eu sempre soube, talvez desde algum momento da minha infância, que eu tinha atração por homens, mas não era uma coisa muito resolvida, eu neguei muito tempo da minha vida isso. Pô, se eu estou falando desde a adolescência, ali nesse momento tinha 42 anos, foi uma vida inteira de negação. Eu me casei com minha ex-mulher completamente apaixonado por ela, tinha desejo sexual, tinha tudo, então não era uma questão de me esconder no casamento, não era isso, eu me casei porque era apaixonado, porque queria formar uma família. Mas a partir do momento, com 42 anos de idade, que eu me vi solteiro de novo, separado, eu falei: “Bom, eu quero procurar minha felicidade” e veio muito à tona aquilo: o fato que eu sempre soube e sempre escondi de mim, ou ‘joguei pra longe’ o fato de que eu sabia que eu tinha atração por homens. E eu não sabia como começar, nem o que fazer, mas eu decidi que eu queria experimentar, ter uma experiência com homem, antes que eu pudesse decidir o que ia ser meu futuro e aí eu não tenho vergonha nenhuma de falar disso, tá? Eu comecei a pensar, isso já estava com 43 anos, então já estava meio velhinho, falei: “Bom, o que eu vou fazer?” Primeiro: tinha um lado que eu não queria me expor, eu tinha muito medo de me expor, até porque, naquele momento, eu não sabia se era isso que eu queria de verdade. Então, eu falava: “Eu não posso ir a um bar, uma balada gay, ou coisa parecida”. Até porque eu nem sabia onde tinha uma, mas a internet te mostra tudo. Ao mesmo tempo eu falava: “O que eu vou fazer?” Eu não sabia da existência de aplicativos, que hoje em dia existem tantos. Já existia o famoso Grindr lá em 2013, mas eu não sabia da existência dele. E não tinha... tinha chats do Uol, talvez, mas que coisa perigosa, falei: “Não, é ali que eu vou conseguir alguma coisa”. Então, eu não tenho vergonha de dizer: as três primeiras vezes que transei com um homem eu fiz isso com garotos de programa. Eu encontrei na internet garotos de programa, marquei, paguei e fui lá. Então, foi uma coisa mecânica, não era uma coisa de atração, de amor ou nada parecido. Era realmente sexo, para experimentar. E ficou claro uma coisa pra mim: primeiro que eu gostei e segundo ficou claro que não era essa vida que eu ia levar, a vida de quem paga por sexo ou coisa parecida. Eu não vejo nada de errado nisso, está aí cheio de homens heteros que vão atrás de prostitutas, está cheio de homens gays que vão atrás de garoto de programa e eu não vejo nada de errado. Simplesmente, para mim, que quer uma conexão mais emocional, do que só física, aquilo não tem, garoto de programa não traz uma conexão emocional. Então, ficou claro que não era aquele meu caminho e que eu ia ter que, de algum jeito, experimentar conhecer pessoas. Aí eu tomei uma decisão, falei: “Preciso viajar, para pensar na vida”. Eu já tinha tido acho que duas dessas três experiências, antes disso, falei: “Vou viajar, vou ficar um tempo fora, vou pensar” e aí eu já tinha ouvido falar no tal do Grindr, mas não sabia como funcionava, o que eu fiz? Peguei e falei: “Vou viajar, tirar férias”. Fui pro Havaí, do outro lado do mundo, o mais distante que eu podia, curti minhas férias e lá eu tive coragem de instalar o Grindr. Pela primeira vez eu instalei o aplicativo e falei: “Vamos ver como esse negócio funciona”, porque eu tinha ouvido alguma coisa: “Ele mostra a quantos metros de você está a pessoa”, então eu tinha medo gigantesco de exposição naquele momento, lembrando: eu estava trabalhando na Natura naquele momento e já estava há oito anos, portanto todo mundo da Natura conhecia minha ex-mulher e, se virasse uma fofoca, podia chegar nela, em todo mundo, nos meus pais e eu não estava pronto pra isso de jeito nenhum. Então, eu fui pro outro lado do mundo pra instalar o aplicativo, instalei e vi que não era assim: você põe foto se você quiser, você dá dados seus, pessoais, se você quiser, então você se expõe o quanto você quiser e o risco que você corre é gerenciável. Então, voltei pra cá, aí sim já com o aplicativo instalado e foi aí que eu tive os meus primeiros encontros com pessoas que, como eu, estavam procurando alguma coisa mais do que só... às vezes, só sexo, mas, às vezes, sexo e uma conexão, fiz meus primeiros amigos gays desse jeito, é engraçado e conheci meu primeiro namorado. Foi um dos primeiros caras com quem eu transei e acabou se tornando meu primeiro namorado e aí eu passei um período interessante, porque ele me ajudou a me aceitar. Até aquele momento eu não conseguia olhar pro espelho e dizer: “Você é gay”. Eu não conseguia falar: “Eu sou gay” em voz alta, porque tem todo aquele peso de preconceito da sociedade, cobrança pessoal, medo que eu tinha também, de família, até da minha própria ex-mulher descobrir e entender mal aquilo. Tinha um monte de medos associados, então esse primeiro namorado me ajudou a perceber que eu podia – eu não sabia se eu queria – viver uma vida dupla, que eu podia ter a minha vida profissional, minha vida com família e uma vida gay, do outro lado. Só que ao mesmo tempo que eu aprendi isso, me incomodava isso, que eu falava: “Não quero ser isso”. Eu sou aquela pessoa, vocês estão vendo o quanto eu falo, que a vida inteira, se me perguntam: “Como foi o final de semana?”, eu conto tudo o que aconteceu no final de semana. Então, durante esse primeiro ano eu virei uma outra pessoa. Na verdade, até os primeiros dois anos. Eu já não falava tanto o que eu fazia. Mesmo com amigos de vida eu não conseguia me abrir, então eu acabei inventando uma namorada que ninguém conhecia, que chamava Marcela, porque meu primeiro namorado chamava Marcelo. No trabalho me perguntavam o que eu fiz: “Eu saí com a Marcela, ela é uma dentista divorciada também, a gente está se conhecendo”. Eu inventei um monte de história e aquilo me incomodava horrores. A verdade é que eu olhava e falava: “Esse não é o Marcio, não sou eu”, que fica mentindo. Eu tinha que olhar uma revista Veja SP pra ver nomes de bares e restaurantes que eu tinha ido com ‘ela’, pra não dar um fora de falar um lugar que fosse muito gay. Então, eu passei um momento em que eu - uns dois anos, quase dois anos e meio aí - me escondi e no começo foi bom, depois de um tempo estava me incomodando isso, porque dá trabalho lembrar da mentira, chegar no trabalho e ter que inventar uma história e sustentar essa história na frente de outra pessoa, não contar uma história diferente e não é legal, pra mim não era, porque eu sou um cara bastante verdadeiro. E aí, no final das contas, com analista, obviamente, nesse meio tempo, me abri, conversei com ele e sempre disse pra ele que eu queria me fortalecer como pessoa, homem gay, pra poder falar mais abertamente disso. E o engraçado é, naquela época, ele me falava: “Você não precisa, não é obrigado, não tem que contar nada pra ninguém, a vida é sua, viva a sua vida” e eu falava: “Eu sei, mas eu quero ser uma pessoa abertamente gay, eu quero poder falar isso e te digo mais: ainda vou lutar pela comunidade”. Eu falava isso naquela época. E o que aconteceu foi que aí vem o lado turbilhão: bem na mesma época em que eu estava saindo da Natura, ou seja, os meus dois últimos anos da Natura, nos últimos meses, em que eu já estava fazendo entrevista pra ir pra Riot, veio o réveillon de 2014 para 2015 e eu já estava namorando um outro cara e nós fomos passar um réveillon numa balada gay e um primo da minha ex-mulher, que também é gay, estava nessa balada e me viu, me filmou e me fotografou beijando meu namorado e mandou no grupo de WhatsApp da família dela inteira. Então, ela, na noite de réveillon, recebeu um vídeo do ex-marido beijando um cara, numa balada gay. Eu já não devia nada a ela. Vou deixar bem claro que já fazia ali mais de dois anos que a gente estava separado, mas ela não sabia e a gente estava separado e não divorciado, até aquele momento. Então, quando ela veio - obviamente, umas duas semanas depois - me confrontar, me perguntar e já com toda noção errada de que, na cabeça dela, ‘ele sempre foi gay, me traía, ficava com outras pessoas e todo mundo sabia e ria da minha cara’, o que não era verdade, de jeito nenhum, então eu tive que ter uma conversa muito longa com ela, pra explicar o que aconteceu, como eu pensava e a gente acabou encontrando o nosso jeito, mas obviamente eu digo: a gente acabou seguindo em frente a partir daquele momento e ‘tocou nossas vidas’. Mas a partir daquele momento, do dia em que ela me confrontou, eu criei coragem e falei: “Vou sair da casa dela e vou pra casa dos meus pais e vou contar pros meus pais, porque eu preciso ‘sair do armário’”, correndo pra eles, com medo de que ela, num ímpeto, ligasse pra eles e me expusesse, ou coisa parecida, falei: “Não, quem tem que fazer isso sou eu”. Então, eu saí da casa dela, corri pra casa deles, sentei - e a minha tia, que eu comentei que é minha ‘rocha’ na vida, estava junto com eles – os três na sala e contei: “Sou gay, tenho meu namorado, estou vivendo uma vida totalmente escondida de vocês, mas eu sei o quanto vocês me amam, sei o quanto vai ser difícil esse momento de aceitação, de me entender, estou aqui pra conversar o que vocês quiserem, mas não é uma fase e vamos ter que conviver com isso, vamos aprender juntos como conviver com isso”. Foi o dia mais difícil da minha vida, posso deixar claro isso. Eu parecia uma criança, apesar de ter, naquela época, ali eu já estava com 45 e já fazia dois anos que eu estava saindo com homens, foi o dia mais difícil da minha vida, porque contar pra duas pessoas que me criaram, que tinham uma expectativa de vida minha e de certo modo, decepcioná-las, foi muito difícil. Mas por outro lado foi extremamente libertador. Meu pai reagiu razoavelmente bem, ele virou e disse que ele já estava até suspeitando. Como eu comentei, meu pai é um cara muito inteligente, então ele já tinha percebido que alguma coisa estava diferente, porque já fazia três anos que eu era uma outra pessoa... dois anos que eu era uma outra pessoa com eles, muito mais secreto, não falava o que estava fazendo, aonde tinha ido, então ele já estava desconfiado. Minha mãe, não, já foi mais pega de surpresa, reagiu bem mal no primeiro momento, que não queria saber de nada, que preferia ter morrido ao ouvir aquilo, que não queria conhecer ninguém, que queria que eu nunca mais falasse nisso, mas eu enfrentei e disse: “Não, nós vamos falar, sim. Eventualmente você vai conhecer e eu estou aqui pra conversar quando você quiser, mas eu sou seu filho, eu não vou deixar de ser e a gente vai enfrentar isso juntos”. Foi bem difícil, acho que levou alguns meses, até minha mãe conseguir me olhar no rosto. Eu encontrava minha mãe em qualquer coisa, ela não conseguia olhar no meu olho, falava comigo de lado, evitava me encarar, porque eu acho que ela ainda estava processando, mas foi. Levou um tempo, mas foi e toda vez que ela me cobrava: “Você está muito distante”, eu falava: “Eu estou muito distante porque você não quer saber da minha vida. Você quer que eu venha, eu venho inteiro”. E aí acabei... foi um momento extremamente complicado e não muito legal da minha vida, porque eu estava saindo da Natura, começando na Riot Games, um emprego maravilhoso, estava ‘saindo do armário’ para a família e, a partir dali, para os amigos e para Deus e todo mundo, então eu já comecei, na Riot, assumido, já levei o meu namorado na primeira reunião, primeiro encontro que teve de todo mundo de lá, foi extremamente bem aceito, muito bem e a partir dali eu tinha duas coisas: uma certeza de que eu queria continuar assim, abertamente, em qualquer lugar, então eu passei a ser muito mais verdadeiro em tudo que eu fazia e ao mesmo tempo eu tinha certeza de que eu queria ajudar outras pessoas. Eu queria que a minha experiência, sabendo - e aí é importante frisar – de todos os privilégios que eu tive na vida: eu sou um homem branco, cis, gay, que teve família, que teve dinheiro, que tem uma profissão garantida. Eu tenho milhares de privilégios e ainda assim sofri algumas coisas. Então, eu sabia que muita gente não tem muitos desses privilégios. A minha vida, comparada a vida de um homem gay, ou trans, uma pessoa trans negra, de periferia, sem emprego, morando na casa dos pais, é abismalmente diferente, mas eu sabia que a minha história podia ajudar algumas pessoas e que eu poderia fazer trabalhos, pra ajudar outras pessoas. Então, nessa mesma época que eu estava na Riot Games, nasceu uma outra grande paixão da minha vida, que é um coletivo que eu criei junto com mais outro amigo, chamado Caneca na Mesa. Eu esqueci de pegar a caneca, mas o Caneca na Mesa é um coletivo LGBTI+, focado em ajudar profissionais a serem eles mesmos, no ambiente de trabalho. Aí a preocupação é, primeiro: por que chama Caneca na Mesa? Nós temos uma caneca, que é o símbolo, a caneca tem o arco-íris desenhado em volta dela e a pergunta que a gente faz pra toda pessoa que a gente encontra é: “Você usaria essa caneca no trabalho?” Porque todo mundo tem aquela caneca, pra tomar café, pra tomar alguma coisa, em cima da mesa. A pergunta é: “Você usaria essa caneca?” Quando a pessoa responde que sim, ótimo, significa que ela é... não tem nenhum medo de ser ela: gay, lésbica, trans, o que for, no trabalho. Mas a grande maioria das pessoas responde que não usaria essa caneca na mesa de trabalho. “Por que não?” “Porque meu chefe não sabe que eu sou gay, ou eu não sou assumido na empresa, ou eu não quero ‘virar piada’, ou eu estou próximo de uma promoção, eu não quero correr risco de não ser promovido porque sou lésbica, gay, trans, bi”. Então, ficou claro pra gente que o Caneca na Mesa tinha esse poder, de criar um networking de pessoas que são LGBTI+, que podem trocar experiências, contar suas histórias positivas e negativas, a gente tem os dois, tem várias pessoas dentro do Caneca na Mesa, já é um coletivo de mais de cem pessoas, que se reúnem mensalmente e no Caneca na Mesa a gente discute, bate-papo, desde temas de conte sua história, tem o momento conte sua história e aí vem histórias muito boas e muito ruins, do tipo: “Estou com medo de perder meu emprego, porque meu chefe descobriu que eu sou gay. Não sei o que eu faço”. E tem momento também de bate-papo. Então, por exemplo: “Puxa, eu estou fazendo entrevista de emprego agora. Vocês acham que eu devo falar que eu sou gay, ou não, na entrevista?” Então, tem uma série de discussões que a gente tenta fazer, ninguém tem a resposta correta, mas é um momento de discussão, de troca de informação e networking também. Então, quem sabe de uma vaga divulga lá, pra outras pessoas procurarem, se inscreverem, coisa parecida. E é uma grande paixão da minha vida, o Caneca na Mesa já está aí há quase cinco anos, em março a gente completa cinco anos. Durante a pandemia obviamente a gente ficou um pouco afastado, foi um pouco mais difícil, fizemos algumas reuniões online, mas estava difícil e agora a gente voltou com força total, com reuniões mensais. A próxima, inclusive, é dia 13 de agosto. E é bem legal, um momento bem gostoso, bem descontraído e eu conheci gente maravilhosa, tanto no ser LGBT, em vários grupos que eu não conhecia. Por exemplo: o Caneca na Mesa, até cinco anos atrás, tinha pouquíssima convivência com pessoas trans. Agora tem muito mais, tem já um grupo grande de pessoas trans que eu conheço, que me contam as suas dores, que são muito maiores do que a gente pode imaginar, mas por outro lado também a gente ouve histórias de sucesso tão boas, outras pessoas que são assumidas no trabalho, que venceram ou que cobraram do trabalho uma postura. Então, isso é um negócio muito legal. E tudo isso acabou culminando... então, a minha vida pessoal e profissional se juntaram a partir do momento que eu me assumi e falei: “Agora, eu sou o Marcio, em qualquer lugar”. O Caneca na Mesa me deu alguma projeção, porque obviamente eu falo muito bem e, como eu gosto de contar a minha vida, eu já participei de vídeos para canais de Youtube, participei do BuzzFeed, do Põe na Roda, diversos outros canais que são importantes e isso acabou levando meu nome pra outras pessoas, lugares e foi aí que o Pride Bank entrou na minha vida. Você quer falar já de Pride Bank, como a gente vai fazer?
P/1 – Eu ia perguntar como que você encontrou, como foi esse encontro com a Maria Fuentes, que é a fundadora do Pride Bank e como foi esse momento na sua vida.
R – Então, eu conheci a Maria só já dentro do Pride Bank. Na verdade, o que acontece? Eu já sabia da existência dela, ela já sabia da minha, a gente já tinha ouvido os nomes em grupos de conversa ou coisas parecidas e aí, no Pride Bank, o que aconteceu foi: a Maria teve a ideia inicial, ou seja, quem pensou primeiro e não foi nem no Pride Bank ainda... o que acontece? A Maria é uma mulher de 62 anos de idade, lésbica, assumida desde a sua adolescência, portanto passou por muita coisa difícil, nas décadas de 1980, 1990 e que sempre foi muito militante e muito ligada ao movimento LGBT no Brasil. Então, Parada, ONGs, coletivos, todo esse tipo de coisa ela sempre participou, seja como voluntária, como organizadora, sempre foi muito ativa em tudo isso. E ela via que a grande dificuldade de qualquer ONG, coletivo, de qualquer pessoa que tenta fazer o bem social é, entre outras coisas, o maior desafio é conseguir dinheiro, como conseguir dinheiro, pra realizar a sua missão, seja ela distribuir sopa pra mulheres trans na rua, que estão na prostituição, seja criar uma casa de acolhida pra jovens e adolescentes LGBTI+ que foram expulsos de casa, ou que estão ‘viciados’ em droga, ‘perdidos’ de alguma maneira. Então, ela sempre viu que a dificuldade era: “como eu consigo dinheiro pra tudo isso?” e ela conta que ela estava na Parada - acho que em 2018 – de São Paulo, aqui, vendo a Parada, assistindo a Parada e pensando nisso: “Poxa, tanta gente que precisa, como é que eu faço? Como eu poderia criar alguma coisa que gere dinheiro pra comunidade?” E na hora que ela estava pensando isso ela viu no relógio da Paulista uma propaganda de cartão de crédito. Ela nem lembra que banco era, mas ela viu uma propaganda de cartão de crédito e ali que deu o estalo inicial. Ela falou: “Nossa, por que não criar um cartão de crédito que é pra comunidade LGBT e que dá o seu lucro para a comunidade, onde ela mais precisa?” Então, foi aí que nasceu a ideia inicial, ali, em 2018. Só que tinha um problema: a Maria não tem nenhum conhecimento de tecnologia, para fazer isso acontecer. Ela teve a ideia, mas e aí, quem é que faz acontecer? E ela saiu procurando, conversando com amigos: “Alguém sabe alguma empresa que possa fazer isso, alguém sabe alguém que conhece disso?” e ela acabou conhecendo os nossos sócios, que são os donos de uma empresa chamada Digital Banks, que faz sistemas para bancos. Então, ela cria justamente o que a gente chama de banco white label. Ela cria um banco, em questão de dias ela ‘bota’ um novo banco digital no ar, com todos os serviços. E ela conheceu, falou a ideia, falou: “Eu queria ver se vocês podem ser os fornecedores de software, para fazer isso aqui acontecer”. Os meus sócios, ali, se apaixonaram pela ideia, porque eles viram: “Poxa, não é só mais um banco digital, é um banco digital, com um propósito muito forte, que é esse, de ajudar a comunidade, tem um lado social muito forte. A gente não quer só ser o fornecedor de sistema, nós queremos ser sócios no Pride Bank, nós queremos fundear”, porque o outro problema era a grana inicial para colocar o negócio. “A gente dá esse dinheiro, nós vamos ser sócios do banco e faz o lançamento”. Só que aí vinha o próximo problema: nenhum deles é LGBT, embora sejam muito próximos, são apoiadores muito fortes da causa, mas nenhum deles é e nem queriam estar à frente do banco, porque eles têm que ‘tocar’ a Digital Banks e não o Pride Bank. A Maria também não queria ser essa pessoa de frente. Ela quer estar envolvida em absolutamente tudo, mas ela falou: “Não sou que sou a pessoa de frente”. Questão de timidez, de um monte de outras coisas. E eles falaram: “Tá bom, nós precisamos de um sócio final, alguém que venha com essa incumbência, de ser a ‘cara’ do banco, quem vai ser o presidente do banco, que vai estar em conversas com parceiros, que vai apresentar o banco, que vai representar o banco em qualquer situação”. E aí que aconteceu da Maria, conversando com um amigo meu, que era, na época, o coordenador de políticas públicas LGBTs do estado de São Paulo, ela comentou do banco, que ela estava procurando e ele falou: “Maria, o Marcio, fala com o Marcio, ele está lá com o Caneca na Mesa, é super engajado, ele acabou de sair de uma startup que perdeu investimento, ele está procurando alguma coisa e ele pode ser o cara perfeito”. Aí eles me chamaram pra conversar, os meus três sócios e a Maria, para uma conversa e foi ali que eu conheci pessoalmente a Maria, foi uma conversa que durou quatro horas e meia, a gente se sentou, nessas quatro horas e meia eles me apresentaram a ideia do banco, o que eles estavam pensando. Eu fui pra lá muito cético, que me disseram: “Um banco LGBT, vai lá conversar com eles”. Eu não entendi o que queriam. Mas quando eu vi a proposta, principalmente esse lado que, pra mim, é o grande diferencial nosso, de ajudar a comunidade, ONGs, coletivos, eu me apaixonei por aquilo, eu saí de lá já sócio e presidente do banco. Isso foi em 2019, meses depois o Pride Bank foi lançado.
P/1 – E nessa trajetória recente quais você acha que são os maiores desafios que vocês enfrentaram, no Pride Bank?
R – Olha, não são os que a gente enfrentou, são os que a gente enfrenta todo dia. Então, agora eu vou falar um pouco do Pride Bank, até contar um pouco da história dele. Então, esse foi o meu encontro com eles, foi o momento que eu me juntei, aí eu larguei tudo que eu estava fazendo e falei: “Me dedico, a partir de agora, pra Pride Bank, essa é a minha vida”, que não é uma decisão fácil, porque lançar um projeto desses é difícil, exige tempo, dedicação e, mais do que isso, enquanto o banco não crescer e não fizer dinheiro, eu estou vivendo com tudo que eu acumulei de dinheiro na vida, investi também, pus dinheiro no Pride Bank e vamos fazer acontecer. Então, o Pride Bank, pra explicar, é um banco digital, assim como Nubank começou lá, há vinte anos, foi o primeiro. Vinte, não sei, mas por aí. Então, é um banco digital, só que focado na comunidade LGBTI+. A nossa tagline é: “Banco Digital, com propósito social”, que esse é o nosso grande diferencial. E como é que nós funcionamos? Nós, por um lado, olhando pra comunidade LGBT como um todo, a gente provê pra comunidade inteira produtos e serviços, bancários ou não, a gente quer expandir, que são produtos interessantes pra comunidade como um todo. Pelo outro lado, a gente devolve parte do nosso lucro para a comunidade. Então, pra explicar, a gente devolve 5% do nosso faturamento bruto pra comunidade. Então, nasceu, junto com o Pride Bank, o Instituto Pride, que é responsável por escolher quais ONGs, coletivos vão se beneficiar. Hoje em dia a gente ainda gera muito pouco dinheiro, quase nada, mas a gente vai gerar muito dinheiro, naturalmente conforme o banco for crescendo e aí o foco é o Instituto Pride escolher quem vai ser beneficiado, por quanto tempo, como a gente ajuda e como a gente audita também, porque não adianta só dar o dinheiro, a gente tem que dar o dinheiro e ter certeza de que está sendo utilizado da maneira que foi combinado. E aí, em terceiro lugar, onde a gente quer impactar muito a comunidade, é devolver não só aqui, onde ela mais precisa, mas pra comunidade como um todo. Como? Sendo patrocinadores de cultura, entretenimento e esportes LGBT. Então, se tem uma peça de teatro LGBT, um filme, uma Parada, a Copa Gay de Futebol, nós vamos estar lá presentes, a gente quer estar lá como patrocinador disso. Esse é o nosso foco. Então, é desse jeito que a gente olha pra comunidade: produtos e serviços, ajuda onde ela mais precisa e devolve cultura, entretenimento, esporte, pra comunidade como um todo. E o que é o Pride Bank, então? Num primeiro momento, começou como um banco simples, digital. Nós tínhamos três, agora temos quatro produtos básicos: o primeiro produto é a conta digital, propriamente dita, a conta, que você abre, deposita dinheiro, paga conta, boleto, faz transferência, o que for necessário dentro da sua conta. Segundo lugar é o cartão de crédito. Então, no Pride Bank a gente tem o nosso cartão de crédito. Eu vou mostrar no vídeo, não sei se vai aparecer, mas nós temos quatro modelos diferentes de cartão de crédito. Tem mais esse aqui e mais um aqui, que está nessa outra carteira, esse aqui. Nós temos quatro modelos de cartão de crédito diferentes, mas todos eles, obviamente, bastante ligados à comunidade. Esse cartão de crédito, nesse momento, é só pré-pago. Ou seja: não é um cartão de crédito que te dá lá um limite pra gastar. Você gasta, funciona quase como um cartão de débito. Ou seja, o seu saldo na conta é o seu limite do cartão. Gastou alguma coisa, saiu da conta. Por que isso? Porque a gente descobriu que, dentro da comunidade, existe uma porcentagem muito grande de pessoas não bancarizadas, que não têm banco, ou que têm o ‘nome sujo’, ou coisa parecida. Então, um cartão de crédito pré-pago é muito mais fácil, você não precisa ter ‘nome limpo’, nada, que como o saldo é o limite, se você não tiver saldo, não tem limite, não pode gastar. E o terceiro produto que a gente tem são maquininhas para cobrança. Se você é um profissional autônomo, dono de um cabeleireiro, de um sala de massagem, bar, restaurante, o que for, você pode ter uma maquininha do Pride Bank e cobrar seus clientes com a maquininha, com vantagens especiais, se uma maquininha Pride Bank encontra um cartão Pride Bank, algumas coisas assim. Tudo isso faz com que a gente seja um banco, primeiro, muito simples. Estamos entrando agora em outras áreas como, por exemplo: seguros, a gente está começando a trabalhar com seguro pessoal, residencial. Estamos tentando seguro saúde. Ou seja, médico na tela num primeiro momento. Mas por que isso? Porque a gente entende que, pra comunidade, existe espaço pra criar esses produtos e serviços, cada vez melhores. Eu dou um exemplo sempre: o dia que a gente puder ter um plano de saúde pensado no LGBT, com clínicas preparadas, pensando numa pessoa trans, principalmente, que acho que é o maior exemplo, que tem uma dificuldade muito grande de encontrar um médico, em qualquer disciplina, que esteja pronto a atendê-la. Existem aqueles que são grossos e põe pra fora. Eu tenho amigos que contaram histórias assim: chegaram no médico... por exemplo: um homem trans, que chega num médico pra fazer um Papanicolau e o médico fala: “Eu não sei fazer isso, porque você é um homem pra mim, peludo”, mas não, era um homem trans, portanto tem vagina e precisa fazer exames. Existem aqueles que pedem desculpas, são simpáticos, mas dizem: “Desculpa, eu não estou preparado, eu não sei como te orientar”. E existem pouquíssimos, que estão preparados. Então, nosso sonho é sempre expandir os produtos do Pride Bank, olhando para essas necessidades da comunidade. Eu quero entrar em plano de saúde, em turismo, câmbio, investimento, plano pet, o que for. A gente vai entrar em tudo onde a gente acha que dá pra fazer melhor pra comunidade LGBT+, dá pra pensar melhor. Então, nosso cartão de crédito, por exemplo, hoje em dia, se você é uma pessoa trans ou se você tem um nome artístico, você põe o nome que você quiser no cartão, esse tipo de coisa. O plano de saúde também, vai te tratar pelo nome que você quer, pelo gênero que você escolhe, o seu gênero e não o que está num documento. Se você não tem documentação retificada, não tem problema, você vai ser respeitado do jeito que você pediu pra ser. E assim vai. Então, o Pride Bank é esse sonho, ainda muito pequeno, agora numa fase que a gente já chegou no limite do que os sócios conseguem fazer sozinhos e está na hora da gente crescer. Então, na hora, agora, da gente procurar investidores que queiram entrar, investir dinheiro no Pride Bank e, principalmente, investidores que pensam como a gente, porque não dá pra trazer um investidor que vai falar: “Não, olha, esquece essa história de doar dinheiro, vamos só fazer isso aqui”. Não. Por isso que é muito cuidadoso esse momento, de procurar o parceiro ideal, para trazer dinheiro e fazer o crescimento que a gente precisa, para que a gente possa cumprir a nossa missão social.
P/1 – Marcio, tendo ingressado há pouco tempo no mercado financeiro propriamente dito, eu queria saber de você como que você enxerga essa inserção e inclusão de pessoas LGBTQIA+ dentro do mercado financeiro, seja como investidores, seja como pessoas que têm uma conta no banco, ou seja, como funcionário também.
R – Vamos lá! Eu vou separar essa sua pergunta em duas: nós fizemos uma pesquisa logo antes de lançar o Pride Bank, para entender qual era a relação da comunidade LGBTI+ com seus bancos e a gente percebeu - era uma pesquisa pequena, não foi nada gigantesco – que existia um grande percentual da comunidade que tem medo de ir a uma agência bancária, porque tem medo de ser maltratado, que não tem uma relação de confiança muito forte com o banco. Também descobrimos que muitos não são bancarizados, não têm cartão de crédito, têm uma conta, mas não cartão de crédito. Então, a gente percebeu que existia oportunidade, sim, de fazermos um banco LGBTI+, justamente porque existia insatisfação com o sistema bancário, como ele existe e espaço pra gente. Então, isso continua sendo verdade. Já do ponto de vista de funcionários é interessante, porque logo depois que eu entrei, lancei o Pride Bank, eu fui convidado para participar de um grupo chamado Outstand, que eu não sei se vocês já ouviram falar, é um grupo que junta as comunidades LGBTI+ do sistema bancário brasileiro. Então, tem lá o grupo LGBTI+ do Itaú, o grupo LGBTI+ do Bradesco, do JP Morgan, todos eles juntos, num único grupo. Então, cada banco tem o seu e aí representantes deles participam do Outstand, pra olhar pro mercado financeiro como um todo. Fintechs, inclusive, não só os bancos estabelecidos. E aí eu descobri que existe a conversa sobre ser LGBT, o respeito ao LGBTI+ em praticamente todos os bancos e grandes empreendimentos, o que é muito, muito legal. Eu não fui a fundo, pra entender se tem ou não problema lá dentro, mas o que a gente consegue imaginar é: empresas são feitas de pessoas e pessoas, às vezes, seguem o que a empresa determina, mas, às vezes, não concordam como a pessoa determina, então acho que a gente ouve aí histórias de empresas que têm casos de homofobia, quase nunca é o posicionamento da empresa, às vezes, infelizmente é, mas não é sempre e, no caso dos bancos, o que eu estou vendo é: existe já um posicionamento muito claro de não discriminação, não LGBTfobia, nem nada parecido e, se existem casos, são isolados, de pessoas, que aí não estão respeitando nem as pessoas do lado delas, muito menos o que a empresa está falando. Então, o que eu tenho visto é: o caminho é positivo.
P/1 – E como você enxerga a importância de ser uma pessoa LGBTQIA+ dentro de um cargo de liderança? O que você acha disso? Como você enxerga essa importância?
R – Esse é um ponto muito bom, porque eu já passei, antes do Pride Bank... agora, no Pride Bank, obviamente, é mais difícil, porque dentro do nosso ambiente não existe nenhum tipo de intolerância, é uma coisa que a gente toma todo cuidado do mundo, com a nossa equipe e tudo o mais, a equipe ainda é muito pequena, mas é toda LGBTI+, ou muito ligada à comunidade, então a gente não tem problema. Mas nas empresas que eu trabalhei antes e principalmente nas três últimas, onde - não, nas duas últimas - eu fui assumido, na Riot e na startup, eu tive muito feedback positivo, por ser líder da empresa, abertamente gay. Eu me lembro bem de uma história de uma menina que eu mal conhecia, nessa startup, ela era de uma outra área, completamente diferente, eu não tinha nenhum tipo de ligação com o trabalho dela, do dia a dia, um dia ela se sentou do meu lado e falou: “Marcio, posso conversar com você um pouquinho?” Falei: “Pode, claro”. Ela falou: “Puts, eu queria muito te agradecer, por você ser essa pessoa aberta, ser você mesmo, onde você está, não esconder o fato de que você é gay, muito pelo contrário, mostrar isso. Eu ando muito de arco-íris, eu faço muito isso de propósito, porque isso me deu coragem de ‘sair do armário’ aqui no trabalho e ontem eu contei pro meu chefe que eu sou lésbica e foi muito bem, ele me respeitou, me acolheu muito bem, eu estou muito feliz de, pela primeira vez na minha vida, me assumir no ambiente de trabalho”. Aí já aproveitei e falei do Caneca pra ela, mas eu já tive mais de uma vez esse feedback, de pessoas que trabalhavam diretamente comigo, ou em outras áreas, dizendo: “Marcio, é muito bom ver alguém na liderança, que é abertamente LGBTI+, porque mostra pra gente que a gente também chega, que a gente também pode, que a gente também deve e que o ambiente é seguro porque, se você está aqui, também é seguro pra gente”. Então, eu acho isso, de novo, o que eu te falei, quando você me agradeceu por estar participando desse projeto, eu falei: “Pra mim isso é mais do que um prazer, é o meu trabalho, eu acredito que é minha obrigação contar a minha história, porque isso ajuda outras pessoas”.
P/1 – Essa pergunta é um pouco meio geral: queria saber, durante sua trajetória profissional, quais foram os principais aprendizados que você teve, vivenciou.
R – Pensando em todos os aspectos profissionais, eu acho que a primeira coisa é estar sempre aberto para aprender, a gente não chega em nenhum ambiente sabendo mais que todo mundo. Raras são as pessoas que são aquelas contratadas, porque são os gurus de um assunto e não têm nada que aprender onde elas acabaram de chegar. É uma mentira alguma pessoa que fale isso. Acho que a vontade de aprender, de ouvir, antes de sair dizendo como as coisas vão acontecer, é muito importante. Óbvio que você vem para contribuir, você é contratado por um ambiente para contribuir, mas você primeiro tem que aprender. Eu acho que isso é uma coisa importante. E a capacidade de aprender é uma coisa que a gente não para nunca de desenvolver e de usar. Então, acho que é uma coisa importante. E a outra coisa é sempre procurar desafios novos. É isso que eu sou apaixonado, por coisas novas, por alguma coisa que eu nunca fiz antes e que eu vou poder fazer, olhar para o que já foi feito, tentar fazer melhor, diferente e pensar constantemente em como você pode estar contribuindo. Acho que são esses meus grandes aprendizados. O outro é seja você mesmo, não mente porque, se você pode... óbvio: nunca se coloque numa situação de risco. Existem pessoas que eu sei que estão num trabalho porque precisam daquele trabalho e se perderem aquele trabalho vai ser um trauma pra família, pra eles mesmos, por dinheiro, por qualquer coisa parecida e o ambiente é nocivo, eu não digo que essa pessoa é obrigada a ‘sair do armário’, não. Acho que entenda o seu ambiente e se planeje. Se o ambiente é perigoso, eu vou trabalhar pra sair daqui o mais rápido possível e ir pra algum lugar onde eu possa ser mais aceito. Se esse é um ambiente perigoso, eu vou tentar ‘comer pelas bordas’ e tentar desconstruir esse preconceito, antes de me assumir. Então, não se coloque em risco maior do que você deve, mas assim que possível, seja você mesmo, porque mentir atrapalha muito, muito e nem sempre dá certo.
P/1 – E quais são seus sonhos profissionais, daqui pra frente?
R – Ai! Eu, assim, primeiro: meu único sonho é o Pride Bank crescer e ‘explodir’, aumentar produtos e serviços, a participação. Para dar alguns números a comunidade LGBTI+ no Brasil, tem diversas pesquisas que falam números diferentes, mas eu acredito que é de mais de vinte milhões de pessoas, no Brasil. É muita gente. É 8% da população brasileira, que é o que eu acredito que seja verdade. 8 a 10%. É muita gente. Tem muito dinheiro nessa história, muita necessidade diferente, muita gente com problemas diferentes, que precisam ser resolvidos, então eu acho que a oportunidade está aí, a gente só tem que encontrar os produtos corretos e as coisas corretas, para ajudar todo mundo e, obviamente, quanto mais pessoas da comunidade eu trouxer pro Pride Bank, mais dinheiro eu vou gerar para ajudar aquelas pessoas que eu preciso ajudar dentro da comunidade, que eu quero ajudar. Então, eu te diria: o meu sonho profissional é poder, daqui alguns anos, quando o Pride Bank - não é nem se – for um grande banco no Brasil, poder dizer: “O Pride Bank transformou, teve um grande impacto social na comunidade LGBTI+”. Esse é o meu grande, grande sonho.
P/1 – E qual o momento mais marcante... mais desafiador, da sua história profissional?
R – O momento mais... ai, foram tantos! Eu não sei se tem um específico. Eu te diria assim: sempre que eu me deparei, que eu parei e falei: “Puts, eu não sei o que fazer agora”, seja lá naquele projeto da C&A, no Carrefour, quando eu estava no começo, seja na Natura e eu falei: “Não, calma, respira, você vai ter condições, vamos lá, pesquisar, aprender, perguntar”. E, óbvio, talvez marcante no positivo foram sempre momentos de desespero total, mas de oportunidades. Isso acabou, de alguma maneira, me projetando depois, dali pra frente, porque eu resolvi o problema. Se eu for pegar, talvez a primeira vez que isso me aconteceu, que foi lá quando eu contei, aquela pessoa que foi demitida, repentinamente, e eu tive que assumir a área dela, sem experiência nenhuma, com seis meses de experiência na empresa, tive que assumir o trabalho que ela já fazia há dois anos e fazer um projeto que tinha acabado de ser vendido. Aí foi a primeira vez que eu percebi: “Puxa, as coisas ‘caem nas suas costas’ e você, de algum jeito, vai ter que resolver e com calma, com tempo, com dedicação, você consegue resolver qualquer coisa”. Talvez seja esse.
P/1 – Eu queria saber como é o seu dia a dia hoje, o que você faz.
R – Hoje o meu principal papel é representar o Pride Bank onde me chamarem, onde eu puder estar. Então, eu diria que, assim: isso tem precedência a qualquer coisa na minha agenda. Então, pra estar aqui com vocês; ou num almoço com o cônsul geral dos Estados Unidos no Brasil, que também, por sinal, é gay e quis fazer um almoço com lideranças gays; pra fazer uma palestra num evento que eu fui, há duas semanas, de empreendedorismo LGBT cruzamento com empreendedorismo negro, então fui lá, pra falar também, essa é a primeira coisa: onde eu puder representar o Pride Bank, eu estou lá. Segundo é olhar - óbvio, se eu não tenho nada disso acontecendo – o dia a dia do Pride Bank, ver quantas contas a gente tem, o que a gente pode fazer, para quem a gente pode olhar. Agora é nessa busca, também, dos investidores. Eu não tenho uma agenda muito certa, não. Ela é muito ‘tocar o que está explodindo’ no dia. (risos)
P/1 – E o que você mais gosta de fazer, no momento de lazer?
R – Normalmente, lazer, é assistir televisão. É o que eu mais gosto. Pode ver que a televisão é gigante, lá atrás, eu gosto muito disso. Óbvio, eu gosto muito de sair, de beber com amigos, então ir a uma balada, ou um bar, ou coisa parecida, é uma coisa que eu gosto bastante, mas se eu estou sozinho, eu vou ver televisão, assistindo alguma série, alguma ficção científica, algum filme, que é a minha paixão. Ou jogar videogame, é outra coisa que eu também sou bem apaixonado.
P/1 – E você tem, atualmente, algum relacionamento?
R – Sim. Eu estou namorando, já há um ano e três meses agora, quase quatro meses e, assim, eu não vou dar muitos detalhes, porque é interessante, mas eu estou namorando uma pessoa que não é assumida, então eu tenho que preservá-lo, protegê-lo. Como eu falei... uma coisa que eu nem falei lá atrás, mas eu acho que é importante, é: eu entendo que para absolutamente todo mundo existe uma jornada entre o momento em que a pessoa percebe ser LGBTI+ de algum jeito, seja o momento que ela tem a primeira relação sexual, ou no primeiro momento em que ela para pra pensar sobre o assunto e fala: “Eu sou L, ou G, ou B, ou T, ou I” e o momento em que ela é totalmente aberta em todo lugar, em toda a situação. Essa ‘estrada’ é super sinuosa, pra chegar nesse momento aqui, em que você realiza, até o momento que você vai achar natural, é super sinuosa. Pra algumas pessoas demora - pra mim demorou dois anos – dez anos e para outras ela nunca chega no final. Ela vai chegar aonde ela quiser e vai passar nas paradas que ela quiser. Então, existem aquelas pessoas que nunca vão contar pra família; que nunca vão contar no trabalho, mas a família sabe; existem aquelas que nunca vão contar em lugar nenhum; existem aquelas que todo mundo sabe e elas não estão ‘nem aí’. Então, eu entendo isso. Eu estou num relacionamento, nesse momento, com uma pessoa que ainda está se - não se descobrindo – permitindo abrir um pouco mais, ele era uma pessoa bem mais fechada, quando a gente começou, mas acho que o fato de estar namorando comigo, que sou um cara totalmente aberto, o força a pensar um pouco nisso. Ele já começou a conversar com a família, com algumas poucas pessoas da família. No trabalho não é uma opção, o trabalho dele é extremamente nocivo, não é um lugar onde ele vá querer fazer isso e assim vai, vamos ‘tocando’ a vida.
P/1 – E você não chegou a ter filhos, mas você comentou, no começo, que você tem sobrinhos. Você quer falar deles?
R – Eu não tenho filhos, eu tenho só uma filha de quatro patas, já tive outros, mas eu tenho uma filhinha de quatro patas e eu tenho dois sobrinhos. A minha irmã teve dois filhos. Eu não comentei, mas a minha irmã é casada com meu melhor amigo de infância, do colégio. Então, eu brinco que ele não era meu amigo coisa nenhuma, na verdade já ‘estava de olho’ na minha irmã, desde o berço. Mas eles se casaram, têm dois filhos, que são a alegria da família inteira, obviamente. Ela faz quinze esse ano e ele faz onze esse ano, estão bem novinhos e são muito especiais pra mim e principalmente porque, como eu não tenho filhos, tudo isso que eu estou criando, esse legado, vai ficar pra eles. Então, quem vai herdar o Pride Bank são o meu sobrinho e a minha sobrinha. Eu tenho noção disso. Acho que eu ainda não conversei com eles sobre isso, eu não quero que eles fiquem deslumbrados com nada ainda, mas eu tenho a ciência de que o que eu estou construindo não é pra mim, é pra deixar pra eles.
P/1 – E quais são as coisas mais importantes pra você, hoje?
R – Eu acho que o meu relacionamento é muito importante, porque ele está muito sério e eu quero. Como eu falei lá atrás, sexo é fácil de encontrar, é muito fácil; uma ligação emocional não é e eu busco a ligação emocional. Se fosse pra sexo, eu não namoraria, ficaria o tempo todo livre, ou solteiro. Mas não, eu quero essa ligação emocional e eu acho que eu encontrei, estou nesse relacionamento porque acredito que encontrei a pessoa, com todos os desafios que isso traz, até pela condição dele, de não ser assumido. Então, isso é uma coisa importante pra mim. A outra, de verdade, é esse meu papel de participar da comunidade de algum jeito contundente, ou seja, de que é possível ajudar. Então, acho que todo dia eu paro e penso nisso e falo: “O que eu posso fazer a mais? O que eu posso fazer diferente? O que eu poderia estar fazendo, que eu não fiz ainda?” E outra coisa eu acho que é ser feliz. Eu busco muito a felicidade. Falo: “Se a coisa não está me trazendo felicidade, eu tenho que repensá-la completamente”. E eu acho que eu sou bem feliz hoje em dia, com as coisas que eu escolhi na minha vida, as pessoas que eu escolhi em volta de mim e assim vai, vou seguindo a vida.
P/1 – Essa pergunta talvez você já tenha respondido, mas eu queria saber quais são seus sonhos pessoais, agora.
R – Meu sonho pessoal eu te diria que é viajar mais, eu queria viajar mais. Já viajei bastante, mas eu quero mais tempo pra isso. Já estou com 52 anos de idade, daqui a algum tempo eu queria poder dizer que o Pride Bank está ‘andando’ por conta própria, já tem as ‘pernas bem compridas’, pra ‘andar’ sozinho e que eu pudesse me afastar um pouco do dia a dia, ainda obviamente com um papel forte, de representação do Banco, isso eu não vou largar nunca, mas eu quero mais tempo pra eu viajar o mundo, que acho que é uma das coisas que eu mais gosto de fazer e fiz pouco, perto do que eu queria.
P/1 – Marcio, qual o legado que você deixa para o futuro?
R – (risos) Que pergunta difícil! Não sei se eu deixo legado, eu deixo minha história aberta, a minha trajetória aberta, um exemplo, bom ou ruim. Não dá pra dizer que eu só fiz coisa certa na vida. Eu fiz muito erro, cometi muito erro, desde erros nos meus relacionamentos anteriores, alguns deles eu errei feio, traí, fiz coisas erradas, de maneira nenhuma sou perfeito. No trabalho também não, também cometi erros, tomei decisões erradas e vivi as consequências, aquilo que eu falei, das dores e delícias. Eu tive oportunidade, tanto as delícias de fazer um bom trabalho, quanto as dores de fazer um mau trabalho e ter que sair consertando depois. Então, o meu legado acho que é minha história, meu exemplo e o Pride Bank, quando chegar a alguma coisa que realmente atinja impacto social, é o meu maior legado pessoal, físico. Apesar de ser um banco digital, o meu legado físico.
P/1 – A gente já está chegando ao fim, tem mais só duas perguntas, a primeira é que eu queria saber se você gostaria de contar mais alguma história que eu não perguntei, se você quer deixar alguma mensagem, esse momento é livre.
R – Eu acho que não. História eu tenho muita pra contar, sórdida e boa, mas acho que não, acho que do que importa, que é contar um pouco da minha trajetória, eu acho que eu falei os pontos principais. Se eu posso deixar uma mensagem, eu não sei, me pergunto quem vão ser as pessoas que vão ver esse material que a gente está criando hoje e eu sempre penso: existem duas pessoas, as pessoas LGBTI+, que já são LGBTI+, que querem ouvir pra se inspirar, pra ouvir a história de uma outra pessoa, ou porque de repente já me conhecem por alguma coisa e querem saber mais de mim, ou que nunca me viram na vida, ‘tropeçaram e caíram’ na minha história, mas eu quero muito acolher essas pessoas, mas ao mesmo tempo eu acho que existem aquelas pessoas que não são LGBTI+, que vieram e ouviram porque se interessaram, às vezes por motivos diversos e aí eu queria fortalecer a importância que vocês têm. Eu falo muito isso, em quase todo lugar que eu vou: a importância do aliado. Quem é? Aquela pessoa que não é ela mesma LGBTI+, mas que é uma pessoa que já se despiu de todo preconceito, de toda a LGBTfobia possível e imaginável e quer ajudar a mudar esse mundo, porque são essas pessoas que estão presentes nos piores momentos de uma empresa, de um lugar, onde um grupinho se junta e faz uma piada homofóbica, ou racista, ou coisa parecida. O aliado é aquele que está ali, naquela rodinha, uma piada foi feita e ele tem duas escolhas: ou ele ri junto, pra não perder a amizade dos coleguinhas, ou ele para e fala: “Olha, isso não é legal de falar, não está certo”. E se a pessoa é uma aliada, ela deveria se sentir encorajada a isso, a segurar esse tipo de comportamento, dar um feedback. Às vezes, não na hora, mas chama a pessoa do lado, que fez o comentário e fala: “Cara, não foi legal o que você falou”, porque o LGBT que foi vítima daquele comentário provavelmente não estava naquela roda, naquele momento. Então, não tem como se defender. Então, se tem uma mensagem que eu dou em todo lugar que eu posso, é a importância do aliado, porque ele pode fazer uma diferença em lugares que a gente não pode, porque a gente não vai estar lá. Se fizeram piada de mim em algum momento, em algum lugar que eu trabalhei, é certeza que fizeram, eu não fiquei sabendo, espero que alguém tenha me defendido.
P/1 – Eu queria saber como foi contar sua história hoje e ‘visitar’ sua trajetória, o que você achou.
R – Eu acho uma delícia. Embora eu já tenha feito isso algumas vezes, de uma maneira um pouco mais curta, aqui foi legal, porque as suas perguntas, no começo, me trouxeram outras coisas que eu nem imaginava que a gente ia falar e é uma delícia, eu adoro falar de mim, (risos) então eu me divirto com muito com isso e o tempo todo fico pensando: “Poxa, se alguém tiver a paciência de ouvir tudo isso, tomara que eu ajude essa pessoa, de algum jeito”.
P/1 – Marcio, muito obrigada, fiquei muito feliz de ter encontrado você hoje, de ter ouvido a sua história, foi importante. É importante essa história estar nesse projeto. Pessoalmente, eu acho incrível a sua história compor esse projeto de Diversidade e Inclusão no mercado financeiro e queria agradecer, em nome do Museu, em nome meu e do Alisson. Muito obrigada! Foi um prazer!
R – Que legal! Eu que agradeço a oportunidade. Olha só, depois de quanto? 2006 pra cá, 16 anos, que eu descobri a existência do Museu da Pessoa e passo na porta todo dia, porque eu moro aqui do lado. Finalmente, estou no Museu da Pessoa!
[Fim da Entrevista]
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