O sonho começa com uma conversa na casa de amigos que relatam uma viagem que fizeram, para uma cidade no interior de minas. Contam que visitaram um antigo correio meio em ruínas na região, e que conversavam com o jardineiro que limpava o jardim externo da construção com um rastelo. Nesse moment...Continuar leitura
O sonho começa com uma conversa na casa de amigos que relatam uma viagem que fizeram, para uma cidade no interior de minas. Contam que visitaram um antigo correio meio em ruínas na região, e que conversavam com o jardineiro que limpava o jardim externo da construção com um rastelo. Nesse momento eu me transfiro pro cenario da viagem e começo a caminha por dentro de uma mata junto com o jardineiro, conversando sobre qualquer coisa. Chegando no final da trilha, o jardineiro sem se despedir sai correndo, entra num carro grande estacionado logo à frente, e do porta malas deste saem dezenas de orangotangos muito grandes, me encarando enquanto atravessam em direção à mata, subindo aos céus pelas árvores. Instantes depois, ouço um radio de um guardinha que estava proximo, informando que uma mulher fora estuprada por um grupo de orangotangos, e que o estupro parecia um estupro humano, e foi flagrado por transeuntes, que chamaram a zoonoses e a polícia. Depois disso volto pra casa, e ao chegar há muitas crianças espalhadas por todos os cômodos. No saguão de entrada (que não é exatamente o do meu prédio, mas que da entrada para minha casa no sonho) tem uma criança deitada de barriga pra baixo, com a testa no chão e apoiada sobre os joelhos, sobre um tapete. É um menino e ele é puro osso, subnutrido, somente com a barriga inchada, como indicativo de alguma doença. Todas as outras crianças que estão comigo ficam impressionadas e agitadas diante da cena, mas eu as tranquilizo e as conduzo para minha casa. Chegando la, como dito, a casa toda foi tomada pelas crianças e ja quase não reconheço os cômodos. Por fim entro no meu quarto, e vejo duas tias avós minhas sentadas no chão, no meio dos entulhos revirados e desoladas, dizendo que estavam ali porque não havia outro espaço. De repente olho pela janela, e vejo meu amigo do inicio do sonho, aquele que me contava da viagem, junto com outros amigos, escalando minha janela com muita dificuldade, parece haver muito vento e intemperies no caminho. Eu imediatamente saio correndo em direção à janela mas não para acolhe-los mas sim para tranca-la, impedindo que eles entrem. Eu sentia que aquele meu amigo tinha traído minha confiança, pois ele com certeza deveria saber que o jardineiro da viagem que ele fez e com o qual conversara, trazia orangotangos que iria soltar e que iriam destruir a humanidade como estavam fazendo. Por isso não queria deixa-los entrar. Fecho a janela quase na mão dele, e eles deitados no prapeito desesperados suplicando, como se estivessem a beira da morte e sua sobrevivência dependesse de mim. Então eu grito: sabe porque você está tendo que subir pela minha janela e não sendo bem recebido como sempre pela minha porta?! e assim que eu termino de falar, na rua logo abaixo da janela acontece uma batida entre um caminhão e um carro pequeno, que se atingem frontal e violentamente, gerando uma explosão. Eu e meu amigo nos olhamos estarrecidos, e eu acordo.
Que associações você faz entre seu sonho e o momento de pandemia?
Existe um mal sobre humano, mas que se veicula através das ações humanas, tal como os orangotangos estupradores. Ele chega totalmente inesperado, transformando as relações e distribuindo o poder sobre a morte democraticamente, como diz Mbembe. Cada corpo é uma arma, por ser um possível vetor de contaminação, bem como nossas ações são determinantes para definir quem vive e quem morre. Por um sentimento de traição, que também é ensejado por esse momento em que somos colocados em certas disputas uns entre os outros (éticas, ideológicas, políticas), eu decidi que meu amigo que chegava pela minha janela podia morrer. Do mesmo jeito que não fui ao socorro da criança semi-morta sobre o tapete, apenas observando-a como um fenômeno a ser naturalizado, tranquilizando as demais crianças quanto à banalidade daquela cena. Por ourro lado, acolhia tantas crianças em minha casa que não mais encontrava lugar de existir, não reconhecendo mais seus espaços, perdendo a propriedade sobre eles. A figura das minhas tias, que sempre foram figuras muito elegantes, deixadas largadas sobre os esconbros do que um dia fora meu quarto, me remete a certas concessões de privilégios que tornarão obrigatorias, em um contexto em que a morte é a única coisa que passa a ser distribuída igualmente sobre todas as camadas sociais. E por fim, a batida de carro estrondosa nos alerta de que a catastrofe é uma sequência infindável de acontecimentos terriveis, que se superam cronologicamente em impacto.Recolher