Memória Oral do Idoso
Depoimento de: Marina Garrido Monteiro
Entrevistada por Valéria
Local da Gravação: Oficina Oswald de Andrade
São Paulo, 15 de Outubro de 1992
Realização Museu da Pessoa
Código do Depoente: MOI_HV029
Transcrito por: Célia Galesi
Revisado por Fernanda Regina
P/1 - Eu acho que a gente podia começar a conversa com você falando o seu nome, a data de nascimento, nome dos seus pais, dos seus avós.
R - Meu nome é Marina Garrido Monteiro, nasci aqui em São Paulo mesmo, sou paulistana, dia 25 de novembro de 1932. Meus pais são Antônio Garrido e Linda Garrido, avós maternos são Maria Quileme Sino e Frederico Sino e paternos são Maria, ai o nome dela é desse tamanho, Maria Maldonado Alê Munhoz Garrido, como toda boa espanhola tem um nome desse tamanho, e o meu avô, Antônio Garrido. São espanhóis e os meus avós são italianos. Da Sicília.
P1: E você nasceu aqui em São Paulo?
R: Em São Paulo, meus pais também.
P1: Vamos falar um pouquinho da sua infância, você falou que nasceu na Aclimação.
R: É, eu morei na Aclimação muitos anos, praticamente minha vida toda. E eu morei pegado mesmo ao jardim da Aclimação. A divisa era uma cerquinha de taquara, sabe? De bambuzinho, assim, a gente tinha um buraquinho onde eu passava, tinha a lavadeira da mamãe que era uma senhora espetacular, a dona Inácia, que muita coisa boa me trouxe de ensinamentos e de bondade, ela que me salvava, apesar de ser filha única, eu apanhei demais, que eu era muito levada, ela que muitas vezes salvou de eu não levar uma surra maior. E ela tinha nove filhos e eu brinquei muito com eles, foi uma infância linda, maravilhosa, de muita brincadeira... E o jardim da Aclimação, na época que eu morei lá, tinha era mini zoo. Então, tinha também os animais, tinha macaco, arara, ursos, leões, um leão, duas leoas, tinha jacaré, tinha um mundo de coisa, pelicano, jaburu, tinha umas aves muito bonitas, papagaios, tudo isso. E tinha uns...
Continuar leituraMemória Oral do Idoso
Depoimento de: Marina Garrido Monteiro
Entrevistada por Valéria
Local da Gravação: Oficina Oswald de Andrade
São Paulo, 15 de Outubro de 1992
Realização Museu da Pessoa
Código do Depoente: MOI_HV029
Transcrito por: Célia Galesi
Revisado por Fernanda Regina
P/1 - Eu acho que a gente podia começar a conversa com você falando o seu nome, a data de nascimento, nome dos seus pais, dos seus avós.
R - Meu nome é Marina Garrido Monteiro, nasci aqui em São Paulo mesmo, sou paulistana, dia 25 de novembro de 1932. Meus pais são Antônio Garrido e Linda Garrido, avós maternos são Maria Quileme Sino e Frederico Sino e paternos são Maria, ai o nome dela é desse tamanho, Maria Maldonado Alê Munhoz Garrido, como toda boa espanhola tem um nome desse tamanho, e o meu avô, Antônio Garrido. São espanhóis e os meus avós são italianos. Da Sicília.
P1: E você nasceu aqui em São Paulo?
R: Em São Paulo, meus pais também.
P1: Vamos falar um pouquinho da sua infância, você falou que nasceu na Aclimação.
R: É, eu morei na Aclimação muitos anos, praticamente minha vida toda. E eu morei pegado mesmo ao jardim da Aclimação. A divisa era uma cerquinha de taquara, sabe? De bambuzinho, assim, a gente tinha um buraquinho onde eu passava, tinha a lavadeira da mamãe que era uma senhora espetacular, a dona Inácia, que muita coisa boa me trouxe de ensinamentos e de bondade, ela que me salvava, apesar de ser filha única, eu apanhei demais, que eu era muito levada, ela que muitas vezes salvou de eu não levar uma surra maior. E ela tinha nove filhos e eu brinquei muito com eles, foi uma infância linda, maravilhosa, de muita brincadeira... E o jardim da Aclimação, na época que eu morei lá, tinha era mini zoo. Então, tinha também os animais, tinha macaco, arara, ursos, leões, um leão, duas leoas, tinha jacaré, tinha um mundo de coisa, pelicano, jaburu, tinha umas aves muito bonitas, papagaios, tudo isso. E tinha uns macaquinhos muito mansinhos. Tinha um que era bravinho que, por sinal, me mordeu também. Mas, tinha um que era muito mansinho e a gente brincava com ele (riso), e como filhinho, a gente fazia miséria com aquele coitadinho, vestia o macaquinho, era muito gozado. Quer dizer, eu tive uma infância maravilhosa de jogar futebol, bolinha de gude, muito pegador. Você vê, eu tive uma infância linda, eu não... Apesar de ser filha única, eu tive a felicidade de ter sempre amigos maravilhosos, eu, mesmo na minha juventude, na minha mocidade, eu sempre tive gente muito boa perto de mim. Não fiquei melhor porque era peste mesmo, mas sempre gente muito boa, então eu tive sempre, sabe, a família do meu pai era muito alegre, uns espanhóis. Minha avó ficou viúva com seis filhos e o menorzinho tinha meses e o mais velho tinha oito anos. Quer dizer que foi uma tragédia quando ela ficou viúva, mas ela sozinha, numa miséria desgraçada, porque meu avô ficou doente, perdeu tudo, ela soube levantar, criar todos os filhos e sempre muita alegria. Eu nunca ouvi a minha avó dizer: “Hoje eu estou triste”. Nunca. Quer dizer que eu fui sempre criada num ambiente de muita alegria, sabe, a família muito alegre, muito feliz, muito cantando, brincando, minha mãe também cantava, tocava violão, tocava piano. Quer dizer, foi de muita música. Meu avô por parte de mãe tocava bandolim, então, sabe, de muita música, gostava muito de ópera, músicas italianas, espanholas. Quer dizer que foi um ambiente muito gostoso, de muita música, muita alegria, muita amizade, sabe?
P1: E a vizinhança?
R: Ai, ótima, ótima, ótima, gente muito boa, muito boa, sempre. Nunca tivemos problema nenhum que eu me lembre assim, da minha mãe, nunca, com vizinho nenhum, todos muito amigos. Como eu disse para você, a dona Inácia que era nossa, ela morava pegado que o marido dela trabalhava no Jardim da Aclimação, ele era varredor, ela me salvava, né? E também tinha uma senhora em frente, ali na rua Topázio que eu morei e em frente, esquina com a avenida Aclimação, era bem em frente de casa, e ela, então, também me salvava, muitas vezes mamãe queria me matar um pouco de tão levada que eu era e ela também me salvava. As amigas eram muito boas, eu estudei ali no Omar Sirveira, ali na Aclimação, mas era ótimo. Bom, eu tenho uma amiga que eu tenho, conservo ainda a amizade, eu estou com, tenho 59 anos, vou fazer 60. Desde os quatro anos que eu sou amiga dela e continuamos amigas. Minhas amigas todas, desde o ginásio, de onze anos, quando eu tinha onze anos eu entrei no ginásio, eu ia fazer onze anos, eu tenho as amigas até hoje que nós muitas vezes não nos visitamos, mas batemos um telefone, qualquer problema que a gente tenha, a gente... Nós nos comunicamos, uma dá apoio a outra, quer dizer, ótimas. Eu já falei, eu sempre, graças a Deus, tive sempre rodeada de gente muito boa, mas boa mesmo, então eu não senti falta de irmão, de irmã, de nada disso. Sempre muita festa...
P1: Ah, e as festas?
R: Ai, era uma delícia! Minha família era muito festeira, minha mãe era festeira. No meu batizado, eu fui batizada com nove meses, me contam que durou três dias. O meu casamento, quando que fiz quinze anos também, durou dois dias. O meu casamento, eu casei no dia primeiro de setembro de 52, no civil, e no religioso no dia três, até o dia cinco estavam lá em casa fazendo festa, quer dizer, porque a mamãe ia ficar sozinha (risos). Sempre muito gostoso, meu casamento também, quer dizer, as festas nunca acabavam, assim, sabe, como toda festa termina, né?
P1: Hã, hã.
R:. Não, a minha sempre tinha um pouco de continuação, sempre continuava. É, foi muito gostoso. E as festinhas era uma delícia. Naquela época não tinha perigo nenhum, né? Eu comecei a ir em festa, que eu adorava dançar, que na casa da vovó tudo era motivo para dança, sabe, a gente dançava, cantava, hesitava, fazia tudo. E, então, as festinhas, e o meu primo que era a paixão da minha vida, né, o sobrinho do meu pai, que era o único na época, que agora temos mais um, que é bem mais moço, mas aquela época era o Casinho. O Casinho, então, ele que me levou, foi a coisa mais linda, eu me senti tão importante porque ele já era moço e eu era menina, eu tinha treze anos, primeira festa, foi ali na rua José Getúlio, eu não esqueço, é foi dada essa festa no hall de entrada que era todo de mármore, de branco e preto. Foi lindo! Foi maravilha, sabe. E eu me sentia a pessoa mais maravilhosa do mundo. Eu era horrorosa, mas nesse dia eu estava linda, eu me senti uma maravilha, sabe, porque foi a primeira assim que eu dancei com gente fora da família, né, assim, foi muito gostoso. Esse baile foi o primeiro, foi o mais maravilhoso do mundo para mim. E o meu primo que me levou, o Casinho me levava também, naquela época que eu era menor, deixa eu contar que também é bom, não sei se a turma já contou, mas tinha a sessão zig-zag, no Santa Helena que foi demolido agora, ali na Praça da Sé, aquele prédio onde vários pintores trabalhavam ali, tinha um ateliê e tudo, pegado à praça da, ali da Sé, em frente à catedral, assim, do lado, você de frente para a catedral, do lado esquerdo. Era um prédio muito bonito, Santa Helena se chamava, tinha um cinema também Santa Helena ali embaixo. E nesse cinema, então, passava o zig-zag chamava a sessão. Então, passava aqueles desenhos, é que às vezes agora passa na televisão esses desenhos antigos e, então, eu também ia nesses desenhos. Só quando eu ficava de castigo, além da surra, minha mãe, então, dizia: “Então você vai ficar um mês sem ir ao cinema”. E aí eu não ia. Minhas primas iam, meu primo levava a gente. Ele era um amor de pessoa, até hoje, ele é um doce de gente e ele levava, sabe? A meninada toda, a gente tinha que se comportar senão ele não levava mais, aquela historiada toda. E foi muito boa, quer dizer, também isso, umas coisas boas desde pequena, que eu tinha o quê? Quatro cinco anos, a gente já ia ao cinema, assistia essas sessões de zig-zag, tudo. Que mais que eu tenho?
P1: Marina, quando a gente estava conversando antes você disse que você nasceu em casa...
R: Ah, sim, lá em casa...
P1: Então, naquela época não tinha médicos...
R: Não, tinha, tinha...
P1: Não com facilidade igual hoje em dia, por exemplo.
R: Não, tinha sim, por sinal médicos muito bons, tinha médicos excelentes, mas parto era uma coisa que se resolvia em casa com parteira. Quando ia, única das nossas primas, nós somos em um bocadinho de primas, única foi a Imara Lúcia, que foi a última, que é caçula e tem quarenta e tantos anos, mas é a caçula da turma lá do papai que foi para a maternidade, foi.
P1: As outras todas...
R: Todas, até ali ainda existe, ali na Lins de Vasconcelos é o hospital não sei que lá azul, uma coisa assim, um nome assim, Cruz Azul parece, uma coisa assim, e ela foi a única, porque nasceu bem depois e a titia já tinha uma certa idade, então, resolveu... Que senão todas nós nascemos em casa, todas, todas, todas.
P1: Então, era...
R: Era normal, sabe?
P1: Era uma prática mais corriqueira, né?
R: Era uma prática normal. É, corriqueira, não nada assim de extraordinário, não.
P1: Tá. Uma outra coisa que era mais ou menos corriqueiro, também, era as pessoas se utilizarem muito de chás, tomarem menos remédio, por exemplo, irem menos à farmácia do que hoje, né?
R: É. Não, mas aí, não sei, pelo menos a minha família. Médico, tinha o médico da família...
P1: Tá.
R: ...que acompanhava, depois que a gente nascia o médico acompanhava tudo, acompanhava desde vacina, isso tudo a gente tomava, vacina, acompanhava todo mês, levava mamadeira, mamãe não tinha leite eu, por exemplo, fui sempre acompanhada com médico para leite, tudo isso era normal. Médico, sim, acompanhando, né? Pediatra tinha e ele acompanhava até a gente, se Deus quiser, até praticamente morrer, ele ia acompanhando. E tinha, além disso, um médico da família que era de clínica geral, que hoje em dia está terminando. Esse médico também ele era, mas ele fazia poções, não era, era manipulado o remédio.
P1: Tá.
R: Não é assim que você chega, diga: “Olha, vá tomar esse tal remédio, você pega três pilulinhas”. Não. Ele fazia, porque ele conhecia o seu organismo, então, ele sabia a dosagem que você precisava de determinada medicação. Entendeu?
P1: Certo.
R: Não era feito assim de qualquer jeito. Não. Nós tínhamos. E além disso, tinha os farmacêuticos, que não é como agora, vendedor de remédio. Eram farmacêuticos. Meu sogro era farmacêutico mesmo, formado, em Belo Hori... em Minas Gerais...
P1: Ouro Preto.
R: ... Em Ouro Preto, eu tenho até o diploma dele com a medalha, tudo, que ele formou em louvor que ele era um crânio. Eram farmacêuticos. Então, os farmacêuticos, eu tinha, o farmacêutico, eu não me lembro o nome dele, Doutor Sorágio eu sei que era o médico da família, Doutor Sorágio e tinha o farmacêutico que ele também era praticamente um médico. Ele resolvia muita coisa, a única coisa que ele não podia era operar, mas por exemplo, se era um furúnculo ele arrebentava, sabe? Ele tirava, um curativo ele fazia e mutíssimo bem, às vezes, melhor do que o próprio médico, porque ele, era o dia-a-dia dele. Então, não, nós sempre tivemos esse acompanhamento. De médico, a nossa família pelo menos, sim. Agora, uma dorzinha de estômago, ah, não, a gente tomava chá de louro. A criançada, as vizinhas estava com dor de barriga, dá chazinho de erva cidreira... Erva cidreira não, camomila, sabe? Isso tudo, mas que a gente conserva até hoje. Se você vê, a gente conserva alguma coisa. Agora, medicamento mesmo, eu fiquei doente com sete anos, eu tive bronquite e aí eu me tratei com homeopatia, sabe? Lá em casa também não eram muito dados a remédio, injeção, essas coisas não, só em último... Graças a Deus também a gente teve uma saúde boa (riso), então não está precisando de muita coisa. Mas não tinha essas mesinhas como a gente faz, não. A gente era, nós tínhamos um médico da família e esse bendito farmacêutico, eu não me lembro o nome, que era fabuloso. Ele fazia maravilhas com a gente.
P1: Ah, você já mencionou o seu casamento que foi... Festa e tal...
R: Três dias...
P1: Conta um pouquinho como que você conheceu o seu marido...
R: Ai, foi gozadíssimo...
P1: Como que foi... (riso).
R: Você deve perceber que eu adoro falar. Gosto, gosto, minha vida é falar, não mal dos outros, mas eu falo. Então... É, falar mal dos outros eu não sou de falar mesmo, mas falar eu acho que é uma delícia, eu desabafo muita coisa que eu guardo, tudo eu falando. E na minha época era o máximo a gente passar trote pelo telefone. E uma minha amiga, aliás a sobrinha até da minha tia telefonou para mim e disse: “Ih, Marina”, porque eu era craque para passar trote, eu era ótima: “Marina, eu conheci um rapaz que é ótimo estudante de direito, não sei que, ele é maravilhoso, telefona para ele que você vai ver, você vai adorar”. Aí, tudo bem, me deu. Castrinho é o nome dele. Castro é sobrenome, mas a gente chamava ele de Castrinho nem sabia porque, porque era um nanico como eu. Aí, telefonei, aí fiquei falando, mas anos, fiquei mais de um ano falando com esse moço pelo telefone, sem encontrar. Era ótimo, foi numa época que eu estava com treze anos para quatorze e ele já estudava direito. Ele era amigo do meu marido, mas eu não estava sabendo, eu falava só com ele. Carlos trabalhava, então ele estudava, ficava mais tempo em casa, então, batia mais papo com ele. E foi ele que me deu muita leitura. Então, ele dizia, ele mandava eu ler, por exemplo, o Machado de Assis, ele pedia para eu ler tal livro e eu lia, depois nós debatíamos. Era uma conversa seríssima, não era de brincadeira não. E aí ele dizia daquele livro, conversava sobre o livro e tudo, e o que eu achava o que eu não achava me, muitas vezes eu comecei a enxergar mais as histórias, o que eu estava lendo, por intermédio dele que ele, como mais velho, ele tinha mais tarimba, então ele ia me dizendo e eu ia vendo mais. Então, foi uma... um ano maravilhoso, que é... Sempre gostei muito de ler, mas com ele então era uma maravilha que eu apesar de ter minha opinião eu ainda tinha a opinião dos outros. Foi excelente para mim.
P1: Essas leituras aí, você lia almanaques, não?
R: Não, não, livros mesmo, de Machado de Assis, há...Humberto de Campos...
P1: Romances.
R: Romances, depois “O Cortiço” porque ele me fez ler duzentas vezes, porque eu não estava entendendo, eu era muito criança, tinha treze anos. Mas eu não estava entendendo a filosofia que ele estava empregando, então, tive que ler trezentas vezes. E, sabe? Era como um professor que eu tive, sabe? De literatura. E ele era um rapaz muito inteligente. E uma vez, não sei porque, o Carlos que atendeu. E Carlos tinha uma voz belíssima, uma voz muito bonita. Aí fiquei batendo papo com ele, tudo, ele conversou comigo, não sei que, e passou. Depois, já fazia tempo que eu conversava com Castrinho e um dia nós combinamos os três, e você veja como era uma coisa muito inocente, os três, nós nos encontramos para irmos ao cinema, os três. Fomos, agora não lembro, parece que foi no Metro que eu fui, não me lembro que o cinema fui, ou Ipiranga. Naquela época era o Ipiranga, o Metro, o Marabá não era muito não, era mais o Ipiranga e o Metro e, depois tinha o Arte Palácio que a gente ia que era o máximo assim de cinema. Aí eu fui ao cinema com ele, e aí eu, o Castrinho, para falar a verdade, não, não... Era um amigo que eu tinha, não sei, tanto tempo conversando. E o Carlos se engraçou comigo. Aí teve um aniversário logo em seguida, foi em agosto, teve um aniversário da minha prima, ele foi, foi no aniversário, fomos mais uma vez ao cinema e ele sumiu, sumiu. Depois de dois anos ele vem me procurar. Aí eu estava já namorando, falei: “Mas ele vai levar o maior fora da face da terra”, porque nunca mais eu falei com ele, achei o máximo isso. Aí ele telefonou para mim, eu falei: “Vou encontrar, sim”, aí a minha mamãe me disse: “Mas você vai encontrar?”, “Vou, porque eu vou dar o maior fora nele”. Eu estava já namorando firmíssimo, ia morar até em Ribeirão Preto com o fazendeiro. Aí, casar né, que naquela época não era morar, é casar, tudo, e eu ia morar lá. Aí, quando eu fui, sei lá o que é que deu, menina, deu uma paixão dura que em nove meses nós casamos (riso).
P1: Nove meses...
R: Nove meses, é... Foi assim, bem rápido, casamos, foi muito gostoso, sabe? Foi depois de dois anos que ele apareceu e foi uma coisa muito interessante porque eu já estava mais do que entusiasmada para casar com o Roberto e no fim casei com o Carlos. E muito feliz, teve, não vou dizer que fui felissí... Nunca brigamos, não, brigamos para burro, discutimos, mas foi tudo assim com muito carinho, sabe? Que eu sinto que o Carlos tem por mim e eu tenho por ele, muito respeito.
P1: Voltando um pouquinho, você falou rapidamente da escola, né?
R: Ah, a escola...
P1: Conta um pouquinho da sua vida de escola.
R: Foi muito gostoso. Eu entrei cedo para a época. Eu entrei com quatro anos, chamava jardim da infância naquela época. Não era prezinho, não é nada, era quatro anos e a gente praticamente saía com seis anos, já alfabetizada. Se não sabia, pelo menos escrever um bocado, a gente já sabia todas as letras, escrever e ler alguma coisa. E era muito gostoso e eu fui no Jardim Escola Aclimação e logo depois mamãe passou para uma outra escola, que era o Macedo Vieira que ainda tem até hoje, na Loredo da Cruz e essa escola era uma delícia porque a professora... É tal coisa... talvez eu já gostasse de falar e ... ou não gostasse e ela incentivou isso. Era... Ela colocava quadros, um quadro, por exemplo, na parede. Isso eu achei fabuloso que até eu empreguei muitas vezes isso quando eu estava dando de Educação Artística e é fabuloso, e cada um tinha que fazer uma frase relativa àquele quadro. Depois ela unia todas as frases e fazia uma história. E, com isso, abriu muito a minha cabeça também, depois foi o Castrinho, que foi mais tarde com treze anos. Mas, aí abriu muito a minha cabeça porque eu comecei ver um quadro, me lembro que tinha um de um cachorrinho com um menino e tantas crianças falaram, tinha mais ou menos umas 25, 30 crianças na classe. Todas elas foram 25, 30 frases que foram feitas daquele quadrinho que aí eu comecei a observar melhor, porque tinha coisas que eu não via, que muitas vezes a criança usava a imaginação. E eu usei a minha também, mas não a dele. Quer dizer, foi... Abria demais a cabeça da gente e ensinava a gente a observar as coisas. Você observa muito mais pelos outros também...
P1: Claro...
R: Não é? Não é todo mundo. Por isso que tem pessoas que você gosta, tem pessoas que você não gosta, porque você vê uma parte da pessoa, o outro vê a outra parte e assim, eu fui, foi a minha maneira de fazer dissertação que eu comecei. Foi muito gostoso, tivemos uns colegas, sempre eu fiquei de castigo, isso era, eu era muito terremoto, nunca tirei dez de comportamento, sempre era dois, cinco. Assim, apanhava, chegava em casa, era terrível, muito terrível, era a guardiã dos pobrezinhos, sabe? Sempre aqueles que eu achava que eram pobrezinho, a professora fazia qualquer coisa e eu virava uma fera. Quer dizer, eu sempre fui muito assim, nunca cheguei a ser expulsa de escola, mas, porque eu não era malcriada. Eu tinha minha opinião e fazia valer minha opinião. E quando tinha, sabia, eu achava que estava certa e... Teve várias passagens gozadas e uma delas que eu comi trigo roxo que era um remédio para matar rato...
P1: Comeu?
R: Porque de tanto que eu ia apanhar naquele dia que eu tinha aprontado, então (riso) eu achei melhor comer trigo roxo, nesse dia apanhei porque comi trigo roxo, quer dizer, e não morri (riso). Pelo menos veneno de rato não me mata. Que mais que eu fiz? Outra vez eu bebi toda a tinta, fiquei de castigo na classe sozinha, aí, eu não tinha que fazer, bebi, que naquela época tinha o tinteiro, no meio da classe, era uma carteira de duas, né? Duas crianças sentavam e tinha o tinteiro no meio. E eu bebi a tinta de toda classe. Foi uma tragédia também. Apanhei pra burro, todo dia, isso era todo dia. Foi muito gostoso, eu tive amigos ótimos. O Macedo Vieira era misto, tinha gente muito, bons meninos formidáveis, depois teve... Depois fui para o colégio de freira São José, ali na rua da Glória, ótimo, também esse foi maravilhoso e meu avô trabalhava na tipografia Siqueira, que não existe mais, era uma grande tipografia. E ele, eu não sei que negócio ele tinha e ele foi falar com diretora da escola. Aí, ele chegou todo contente: “Ah, eu tenho uma netinha que...”, pai da minha mãe, ele falou: “Ah eu tenho uma netinha que...”; Ah, tem? Quem é?”; “A Marina Garrido”, a freira: “Ah, não diga, nom nom, ces un enfant terrible”; riso. Meu avô ficou a cara no chão, disse que não queria nem saber, ele queria dizer: “Não, falei o nome errado, acho que não é mais essa (riso). Porque eu era, eu aprontava, eu aprontei mesmo, graças a Deus, e não me arrependo.
P1: E você fez a Educação Artística?
R: Depois eu, fui a primeira, primeira Faculdade de Educação Artística, nem era a primeira, era de Educação de Música. Era Faculdade de Educação Musical e depois é que passou para Educação Artística, que foi, com eu tinha bem dito piano, e aquela historiada toda, então, fiz piano, me formei, dei o diploma a minha mãe e depois não quis mais, fui aprender sanfona, é violão, cantei, dei aula, fiz inglês também. Que mais que eu fiz? Ah, fiz um monte de coisas. Mas só que eu sou de fases, eu acabei, acabei, não quero mais, ah, eu acabo, eu encerro, eu não fico, sabe? Remoendo: “Ai, agora...” Não, não quero mais. Agora, pode ser que eu recomece outra vez, mas aquilo acabou, aquela fase acabou. Sabe? E eu fiz, fiz bastante coisa, assim, de, dei aula, que eu adoro dar aula, é uma das coisas que eu amo mesmo.
P1: Durante quanto tempo que você...
R: Não, eu dei aula assim de violão, dei de piano, dei de francês, dei, porque o colégio era francês e a gente era obrigada a falar em francês, né? De inglês também eu dei. Que mais que eu fiz? Ah, sei lá, ah, dei aula também, depois aí, quando eu fiz, dei aula de restauração de papel, de conservação de papel. Que mais que eu fiz? Meu Deus, ah sei lá...
P1: O curso de pós-graduação que você disse que ...
R: É, pós-graduação eu fiz de Museologia. Foi o primeiro ano que teve esse curso que agora infelizmente acabou. E foi ótimo, foi lá no Masp, o Bardi dando aula para a gente. Foi um desbunde, foi um curso espetacular, sabe? Uma turma muito boa, foi excelente, foi o melhor mesmo, modéstia parte foi o melhor curso que teve, os primeiros três anos. Depois já começou a decrescer, mas era uma delícia. Você estava no Masp, você já imaginou tendo aula no Masp? Para mim era o máximo, né? E muito gostoso. O Bardi que era aquela gracinha, ele dava aula aos sábados para nós, era muito gostoso, num bate-papo, nas experiências dele, sabe? Foi muito bom, foi um curso muito gostoso que eu fiz. Depois eu me especializei um pouco mais, assim, em papel, que eu gosto, e manufatura de papel e também conservação de papel. Dei cursos, dei curso alí no, para a escola de Biblioteconomia, ali da Escola de Sociologia e Política, do curso de pós-graduação também...Não! De especialização, eu dei curso para eles, ali no Museu Paulista, o Museu Ipiranga, ali que eles têm um laboratório excelente, e eles cederam o laboratório para nós darmos o curso, foi muito bom. Olha, foi uma delícia, viu?
P1: Fala um pouco do seu trabalho atual, de sua atividade, o que você está fazendo.
R: Loucura total.
P1: (riso)
R: É uma loucura total. Porque no momento em que você vai representar o seu diretor, no momento seguinte você está ajoelhada no chão (riso) limpando a vitrine. Quer dizer, é uma loucura. Isso é que é gostoso. A parte de Museologia e Museografia é gostosa, sabe? O Museu é gostoso por isso, porque você não fica num patamar, você desce, você faz de tudo, você é monitor, você é diretor, você faz tudo no museu. E agora, eu estou com um grupo excelente, muito bom. Não, eu tenho que falar a verdade, apesar de uma delas estar aqui, mas é um grupo maravilhoso. Não, verdade. Juntar um bando de mulheres e nenhuma matar a outra, eu acho uma maravilha. Não, fala a verdade! A gente tem que dizer porque eu vejo nos outros lugares, uma está de... Não, e depois, nós somos muito francas, o que a gente não gosta a gente já fala na hora, sabe? Não fica esperando falar atrás, nada. Quer dizer, é um grupo excelente. Então, nós fazemos montagem de exposição, nós fazemos, eu agora...acho que é a velhice também. Não sei, acho que é, aí então, eu estou fazendo agora, estou me dedicando, desde o ano passado, a Clara Dalembert foi nossa colega, agora ela saiu e está na prefeitura, é uma arquiteta, maravilhosa também, é uma amigona minha, sabe, aquelas amigonas, e nós fizemos um manual, que não tinha nada aqui em São Paulo, então, nós fizemos um manual sobre montagem de exposições. É o único que existe no Brasil, porque não tem, não sei se você procurou alguma coisa de montagem de exposição, não tem. E, então, nós fizemos, desde o pensamento de como começa uma exposição até o término na hora da devolução. Não é muito detalhado porque senão seria um calhamaço desse tamanho. É um livro, um manual que dá bem para você desenvolver todas as partes, toda a elaboração de uma exposição. E nós, então, demos cursos, nos pediram para dar, nós demos dois cursos alí na Pinacoteca do Estado e o final do curso era uma montagem de uma exposição. E o segundo curso que nós demos, nós, então, induzimos os participantes, que era tudo muito livre, liberado, e tudo, mas induzimos os participantes a fazerem uma montagem de exposição para deficientes, que no nosso manual tem um capítulo dedicado a deficiente, que é um público que geralmente a gente deixa de lado. Então, nós fizemos. E com isso, eu já fui, já transcrevi em braile, sabe? Então, eu tenho reglete lá em casa, que não é minha, é da fundação, mas a gente fica enquanto está usando. E eu, então, fiz as etiquetas em braile, eles fizeram uma exposição com obras de arte, sabe? Que foi a primeira, apesar daquela senhora dizer que já foram três vezes, mas foram com esculturas. E nós não. Nós fizemos também com pintura, que é uma coisa diferente. E eles acharam muito interessante, pelo menos as pessoas que eu vi, porque teve a pintura em tela e pintura em madeira, então, eles perceberam a diferença que há no suporte e a pincelada também que tinha, era meia com textura. Então, foi essa. Essa foi uma das coisas que me gratificou muito. Aí, depois essa exposição foi para a Estação Especial Lapa, até a dona Ika Fleury foi, porque nós apresentamos para ela, ela gostou demais da idéia, nos cedeu o espaço e nós fizemos. Essa foi uma das coisas sérias que eu fiz, aliás tudo eu faço com muita seriedade, com muito amor, viu? Apesar de ser assim, mas eu faço. Mas, meio assim, dando muita risada, assim, porque eu acho horrível a gente ficar muito séria, mas foi muito sério. A coisa foi muito séria e a, foi lá na Estação Especial Lapa, foi muito boa e com isso, nós mandamos para o interior esta exposição. E está percorrendo várias cidades, além dessa exposição, fomos convidados para fazer...Montamos uma outra ir para Marília, foi da Unesp de Marília, fomos convidados pela Unesp para fazer esta exposição lá e foi também agora para ...
P1: Pirassununga?
R: Pirassununga? Não, Pirassununga era o roteiro, uma outra, espera, foi, agora, bom uma outra cidade que também nos convidou...
P1: Bonito?
R: Não, foi...
R1: Capão Redondo.
R: Não, não, não... Eu não me lembro agora, mas foi também para mais uma cidade. E tem mais umas outras aí que querem....
P1: Matão.
R: Matão? Não foi, não. É...
P1: Foi Matão.
R: É. É. Foi para lá. E foi ótimo, gostaram, acharam excelente. Então, essa toda está sendo, e essa está indo, vai terminar dia 4 de dezembro, em Brodosqui, vai ser o último dia. Vai ser. Foi muito gostoso, é gratificante porque você está dando oportunidade de pessoas que não são incluídas nesse tipo de evento para elas poderem participar também. E o que foi interessante na Pinacoteca foi uma, depois a gente dava lápis e papel, lápis comum, preto aí e uma folha de sulfite para eles desenharem e uma das crianças desenhou uma bandeira brasileira, ela era de cadeira de roda com uma pessoa empurrando, que ela tinha muita dificuldade mesmo de empurrar, então tinha uma menina que estava empurrando e o quadro e uma escultura. Sabe? E a bandeira brasileira. Quer dizer, ela deu assim a entender assim que ela estava integrada, sabe, no contexto daquela exposição. Eu achei aquilo lindo, foi muito gostoso, essa é uma das coisas que eu gosto. E agora nós vamos fazer, posso fazer a minha propaganda, né, dessa, acabou.
P1: Claro.
R: Acabou?
P1: Não.
R: Ah, é tem uma exposição que agora está linda, a idéia não foi minha, foi da Diná (Yopsi?) que é a nossa diretora do departamento, do grupo técnico, né?, do Departamento de Museus e Arquivos, lá da Secretaria de Cultura, a ideia é dela e ela passou para mim a coisa. Então, fiquei mais ou menos como curadora e coordenadora, né? E então, nós fizemos uma exposição (fim do lado 1 da fita)
R: Então, fiquei mais ou menos como curadora e coordenadora. Então, nós fizemos uma exposição com bichos empalhados. Mas só que tem dioramas, as vitrines são montadas com dioramas, quer dizer que dá mais ou menos o habitat deles e não perfeito porque essa exposição vai excursionar, vão para mais de 20 cidades, vai ficar até o fim do ano que vem, de 93, mais de um ano vai ficar. Então, essa exposição vai, e também vai ter, nós conseguimos algumas aves, porque os que estão nas vitrines não vão poder ser tocados porque fazem parte do acervo dos museus, nossos, do interior. Então, mas eu consegui casco de tartaruga, tucano, vários pássaros, tatu, e parece que vou conseguir mais algumas coisas para colocar para quem também, quem quiser passar a mão passa, mas principalmente para deficiente visual que vai, então, sentir, porque acho que eles nunca sentiram um pássaro na mão, né? Empalhado também, tudo, então vai ser muito gostosa. Vai ter etiquetas em braile e vai começar agora dia 22 de outubro de 92 e vai...na Estação Especial da Lapa, às 14:30 vai começar essa exposição, já as entidades já estão hoje entrando em contato para, já consegui condução também, então vamos buscar as entidades, as crianças carentes, não só a deficiente, porque eu não faço nada só para um determinado grupo que aí você acha que está discriminando, você faz para o grupo em geral, dando chance para o deficiente também. Essa é uma das coisas gostosas que eu estou fazendo agora que é a minha paixão, e vai ser a última porque depois eu vou-me embora, vou para a Casa Brasileira, vou para o Museu da Casa Brasileira.
P2: Quero te fazer uma pergunta. Pela toda convivência que tenho com você eu sei que uma pessoa que marcou muito a sua vida, o seu pai.
R: Foi.
P2: Quer falar um pouco dele?
R: Ai, não vou falar, não. Porque senão eu choro (riso) Né? É. Não vou falar dele não. Tá? Mas eu gosto dele. Ele foi a coisa mais linda do mundo, tanto que até há pouco tempo sempre falei com ele, como se ele estivesse vivo porque eu acho que a pessoa se você lembra não morre. Não vou falar. Pronto. Chega. Está bom.
P1: E se você pudesse mudar alguma coisa na sua trajetória de vida, você mudaria?
R: Eu acho que eu não ia conseguir. Aí, eu teria que ser outra eu acho, sabe, a minha maneira de pensar, eu respeito muito o ser humano seja ele qual for porque eu acho que as pessoas são muito importantes. Quando eu dei aula, eu dei aula num bairro muito pobre, paupérrimo, sempre, desgramadamente pobre, e gostava demais de convívio com eles. Mas todo meu aluno, eu sempre falei para eles: o que é uma coisa rara, que é uma coisa importante? É uma coisa única. São coisas únicas. Se você tem um vaso, só um, que uma pessoa fabricou só aquele, é uma peça rara, é importante, e eu sou única, você é, e todo mundo é único. Então, eu acho que se você é única, eu acho que... E eu não posso me mudar, com os meus defeitos, com as minhas qualidades, também não vou ser tão modesta de dizer que não tenho. Tenho também minhas qualidades, meus defeitos, mas eu sou única e eu não vou mudar nada, minha vida foi muito boa. É, talvez eu devesse dedicar mais aos outros porque sempre minha vida foi muito boa. Às vezes, te juro mesmo, às vezes eu tenho vergonha de ser tão feliz porque, às vezes a gente vê tanta desgraça por aí e eu sou muito feliz, sou muito feliz mesmo, mesmo com o bruta problema que eu tenho eu acho que eu sou feliz, porque eu estou conseguindo superar esse problema, seja qual for, sabe? E eu sendo única, nossa, eu acho que, meu Deus, eu acho que Deus me privilegiou de ser eu única Marina. Porque eu não outra ali do lado que eu dissesse: “Não eu vou mudar porque eu pego aquela...” Não, sou eu.
P1: Você tem algum sonho?
R: Olha, sonho mesmo, sonho. Eu sempre tive muito pé no chão. Você deve ter percebido que eu me amo, que eu gosto muito de mim mesmo. Não vou dizer para você: “Não, eu prefiro”, não, não, mentira, eu me amo, eu gosto de mim, eu faço tudo para eu ser feliz, eu não faço daquela coisa assim: “Não eu...Meu filho, eu padeço num paraíso”. Não, eu curti demais o meu filho, eu curti demais a minha vida. Meu filho não me deu trabalho, minha mãe não me deu trabalho. Minha mãe ficou quatro anos com esclerose bravíssima. Nunca eu achei que minha mãe deu trabalho, porque quando ela ficou, quando ela já não me conhecia, eu achava ela engraçadinha. Ela ficou uma criancinha. Sabe, de modo que eu sempre levei para esse lado. Eu sou um pouco assim “Poliana”. Por isso que eu... Sei lá, eu, minha vida é muito boa e eu, gostosa, para mim, para você pode ser que para você minha vida seja uma caca. Mas eu gosto. Então, este sonho, eu gosto muito de viajar e, atualmente, não é possível. Então, eu sei que eu não posso, então vou fazer outra coisa. Sabe? Eu posso ler e viajo numa leitura, assisto a um filme e estou viajando. Eu gosto demais de bicho. Tenho uma cachorrinha que é a minha paixão da vida, tenho um passarinho, o Brijinim, que é um docinho que não gosta de mim, me bica pra burro, mas ele é uma gracinha, um canarinho. Quer dizer, sabe? Tudo isso é engraçadinho. Minha vida é gostosa, eu acho, eu nunca exigi nada dela e ela me deu muito. Eu acho. Me deu pais maravilhosos, amigos excelentes, avó, que foi um negócio minha avó, por parte de mãe, de por parte de pai, foi a coisa mais linda do mundo. Meus tios divinos, maravilhosos, minhas primas, convivi sempre com gente boa. As pessoas que eu não gostei, não vou também dizer que eu não gostei das pessoas, mas eu esqueci. Porque eu não vou perder tempo de falar de pessoas, sabe, eu lembrar de pessoa que eu não gosto. Eu posso lembrar assim no momento, mas depois acaba. Se você me perguntar de pronto assim de quem que você não gosta eu preciso pensar muito para lembrar porque eu esqueci. Eu tenho uma filosofia de vida, não sei se é certa, não sei. Eu procuro viver o que me aparece. E usufruo da vida conforme ela me dá, né?
P1: É.
R: Se te dá um limão, desde que você espreme (riso) e faz uma bela de uma limonada. E eu faço isso. Porque também não pense que minha vida sempre foi uma maravilha, teve momentos bem duros, momentos bem difíceis. Estou passando agora por um período desgramado (riso), daqueles danado de ruim e vamos levando, né, o que é que vai fazer? E vou fazer o quê? A vida vai rir de mim? De jeito nenhum, eu vou rir com ela e se ela me apoquentar muito eu vou rir dela (riso).
P1: Você teria alguma coisa para dizer, gostaria de dizer alguma coisa para as pessoas mais jovens, para as crianças, adolescentes?
R: Ah, eu não sei...
P1: Alguma frase?
R: Sabe, porque eu acho que eu não sou exemplo para nada, eu fui exemplo para mim de uma vida boa, mas acontece o seguinte, eu tive muita gente boa do meu lado e eu rezo para as pessoas, para o meu neto, para o meu filho ter as pessoas boas que eu tive, não as mesmas, mas outras que façam a mesma coisa e eles consigam perceber essas pessoas boas. Porque, honestamente, eu não sou grande coisa, as pessoas com quem eu convivi que foram maravilhosas! Foram de, eu comecei a trabalhar muito tarde, né? Comecei com 40 anos a trabalhar e numa ingenuidade total. Até hoje, né? De vez em quando eu me pego assim: “Mas meu Deus do céu, como eu não percebi isso?”. Porque sempre eu tive gente muito honesta, muito correta comigo, sabe? Então, de quando você começa a trabalhar você sabe que o mundo o outro, é uma floresta onde um come o outro mesmo, né?, aí você vê, e às vezes a gente topa com pessoas assim. Não vou dizer que não. Mas, e aí eu não percebo, sabe? Eu sou muito... Agora, não. Agora eu já estou mais sabidinha, né? Estou, não estou? Estou sim e agora eu percebo, assim, eu sinto. Engraçado desde que eu fui para a Federação Espírita eu fiquei com mais sensibilidade, que também faz tempo que eu não vou, mas, sabe, a gente percebe a sinceridade das pessoas. Não que eu, se é boa se é ruim. Não, a sinceridade quando casa, é questão de pele, você sente pele. Isso você sente. Agora eu já estou sentindo. Agora já podem me fazer, mas não assim como me faziam antigamente. Só quando voltava: “Mas como aconteceu, o que é isso?” (riso) Agora não. Eu acho que, olha, vivam, sabe? Eu acho única coisa, viva, ria bastante, mesmo da desgraça, conta as desgraças como sendo uma tragicômico, que é a coisa melhor do mundo porque (riso) se for ver, for levar a coisa para a tragédia você se mata. Tanto que a minha mãe estava esclerosadíssima, não me conhecia e eu achava gozadíssimo porque achava uma gracinha, porque ela ficou muito engraçadinha. Ela ficou, porque ela era muito, você viu pela fotografia, né, ela era uma graça. Então, ela pegava sentava assim ficava de madame, sabe, ficava e conversava, era uma gracinha. E eu achava aquilo lindo. Depois ela tinha um medo desgraçado de morrer, perdeu a noção. Quer dizer, eu achei que foi uma bênção dos céus para ela. Sabe, então, você, puxa vida, ela foi embora assim, sabe, foi devagarinho, muito devagarinho, foi gostoso, sabe, foi uma perda assim que eu continuei falando dela como se ela estivesse comigo. Que de vez em quando eu brigo com ela também, às vezes alguma: “Puxa, mamãe, porque você não me falou isso ou aquilo?”. Eu brigo que eu acho que ela deve estar me ouvindo também e a resposta vem de uma forma ou de outra, como meu pai também. Então, eu acho, viva, dê risada, aproveite os momentos, não deixe nada para o dia seguinte porque nada se repete, nada se repete. Se você tiver uma festa para ir hoje, vá. Não vai deixar para ir amanhã porque amanhã você pode ir, vai ser outra festa, vai ser outra alegria, mas tenha alegria hoje também. É isso que eu faço. Vivo e viva a vida (risos).
P1: Para finalizar, Marina, você acha importante deixar o registro da sua vida apesar de ter sido muito rápido, né, um pouco espaço de tempo aí, mas ficou registrado momentos que você selecionou para contar para a gente de sua vida. Você acha importante deixar esse registro?
R: Eu acho muito importante vocês se preocuparem comigo, não a minha vida, não eu, com toda a sinceridade, não acho. Que eu acho que deve ter gente com muito mais história. Não, tem. A minha história é importante para mim. Importante para mim, agora não sei se para vocês, mas essa preocupação que vocês têm conosco eu acho importante. Porque sabe o que acontece? Deve desmistificar, você é muito jovem, que uma pessoa de 60 anos ou mais é um bicho que chegou. E eu não tenho culpa se eu não morri. Entendeu? Eu estou nessa idade, não tenho culpa se eu não morri. Não tenho vantagem nenhuma sobre você. As experiências que eu adquiri, que talvez você tenha mais do que eu, não sei, em questão de vida, é porque eu não morri. A única coisa, a única vantagem que eu levo de vocês é que eu não morri ainda. Mas é importante para mim a importância que vocês estão dando para mim. Entendeu?
P1: Entendi.
R: Não eu importante. A importância que vocês estão dando para mim eu acho uma maravilha. Não, Rosa, não é pieguice não, eu acho gostoso, eu acho bonito isso de vocês.
P2: Mas você é uma pessoa importante.
R: Para mim. Para mim, eu acho.
P2: Não, para nós também, Marina!
R: Para meu pai eu era a pessoa mais maravilhosa do mundo. Minha mãe, não. Minha mãe era dureza comigo, mas meu pai achava: “A Marininha”, (riso) “É coisa louca do mundo”.
P1: Está bom.
R: É?
P1: Então, muito obrigada, Marina.
R: Ah, eu só tenho que agradecer vocês. Vocês foram muito gentis.
P1: Eu que agradeço muito.
R: E espero que vocês sejam tão felizes como eu, que é a coisa melhor do mundo chegar a 60 anos de idade e feliz.
P1: (Riso)
R: E feliz. Viu?
P1: Com certeza.
P2: Chega a ser sexy.
R: É
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