Ao falar de si, mesmo sempre corremos o risco de não ressaltarmos o que mais nos caracteriza, e nem de enxergarmos pontos significativos em nossa histórias, os quais, algumas vezes, preferimos esquecer. Mas acredito ser um bom exercício de caracterização de nossa própria identidade, ou seja, d...Continuar leitura
Ao falar de si, mesmo sempre corremos o risco de não ressaltarmos o que mais nos caracteriza, e nem de enxergarmos pontos significativos em nossa histórias, os quais, algumas vezes, preferimos esquecer. Mas acredito ser um bom exercício de caracterização de nossa própria identidade, ou seja, daquilo que pensamos sobre nós mesmos, que nem sempre corresponde com o que expressamos no dia-a-dia.
Penso que o que me mais marcou minha formação moral foi a origem em uma família humilde, na qual os oito filhos foram educados na religião católica, todos fizeram a "primeira comunhão", e foram ensinados a sempre se resignarem às "autoridades" e a saber colocarem-se no seu devido lugar de "pobres". Nada contra a religião católica. Ela apenas compõem este cenário. Logicamente, que com tanta subordinação, todos aprenderam direitinho a não ter autoconfiança e autoestima.
Diferentemente da maioria de meus irmãos, que sempre conseguiam dar uma escapuladinha para experimentar os prazeres da vida diante de regras domésticas rígidas, eu fui a mais quietinha e comportadinha. Aprendi a ler e escrever com apenas 4 anos (com 5 já lia fluentemente), fui ótima aluna no primeiro e segundo graus e aos 14 anos fui catequista até os 19. Resultado: servia sempre de exemplo e de justificativa para atitudes repressivas por parte de meu pai em relação às minhas irmãs (somos 6 mulheres e 2 homens).
Aos 19 anos ingressei na universidade no curso de serviço social e logo iniciei militância no movimento estudantil. Era o que precisava para conseguir coragem para extravasar o que sempre pensava sobre o mundo e sobre a vida, mas que não julgava capaz de expressar. Lógico que a reação em casa foi a pior possível, e acabei tendo que sair de casa e arranjar um emprego pela primeira vez, já que meu pai não permitia que as filhas mulheres trabalhassem. Durante um tempo morei com uma irmã casada (todas casavam aos 16 como forma de sair de casa). Fui procurar emprego pela primeira vez sem sequer conhecer o centro da cidade. No início foi bastante difícil. Morei em quartinhos, vagas e dividindo aluguel com amigos. Mas tinha a convicção de que era uma fase passageira e que iria conseguir meus objetivos.
Em 1986, comecei a namorar a pessoa que se tornaria meu companheiro por 11 anos e com quem tive um filho que tem hoje 7 anos. Foi uma relação gratificante, mais difícil, considerando-se que ele também é militante, sendo que hoje com um grau muito mais intenso de comprometimento, enquanto que eu investi mais na vida profissional. Mas tenho muito orgulho de ter vivido uma relação onde o respeito e a admiração mútua foi o que predominou, apesar de recentemente estarmos afastados (não sei se definitiva ou provisoriamente).
Este misto de pessoa frágil emocionalmente, fruto da socialização primária, e forte e determinada em seus objetivos, fruto dos desafios que tive que enfrentar para pagar o preço das minhas escolhas, fez de mim uma pessoa que, embora instável, valoriza o que tem de essencial na vida e nas pessoas. Orgulho-me de ter amigos que não se envolvem pelo superficial ou pelo aparente. Alimento-me ainda dos sonhos de uma sociedade igualitária onde os homens e as mulheres sejam feitos "para brilhar".
Atualmente, encontro-me feliz no envolvimento com meus projetos profissionais (curso mestrado em serviço social) e no acompanhamento do crescimento de meu filho, cujo nascimento me deu o mais valoroso dos títulos almejados : o título de MÃE.
(Tereza Cristina Ferreira da Silva deu o seu depoimento para o Museu da Pessoa em 22 de outubro de 1997 através do nosso site na Internet)Recolher