Que É Isso, Colega?
‘’A desvantagem do capitalismo é a desigual distribuição das riquezas; a vantagem do socialismo é a igual distribuição das misérias’’.
( Winston Churchill )
Capítulo 1 – O Início
- É ele!
Quem me apontava o dedo era E.F. Trabalhava comigo ...Continuar leitura
Que É Isso, Colega?
‘’A desvantagem do capitalismo é a desigual distribuição das riquezas; a vantagem do socialismo é a igual distribuição das misérias’’.
( Winston Churchill )
Capítulo 1 – O Início
- É ele!
Quem me apontava o dedo era E.F. Trabalhava comigo na filial do Laboratório Lepetit onde eu havia alcançado uma promoção digna de risos: de faturista (tirador de notas fiscais daquelas no dedão mesmo com direito a Seis vias carbonadas) passei a Sub-Chefe de Escritório. Mais um menos um sub-treco do sub-troço da sua empresa.
Boas lembranças da Rua Bandeirantes com Monsenhor Claro e companhias do Carlos Rosa, Luiz Roberto, Chico, Duílio, Paulo Mukai, Benedito...
Ele se sentiu preterido? Seria essa a razão do dedo-duro? Ou seria sua pretensa amizade com o Senhor Professor Promotor Sylvio Marques Junior da Frente Anti-Comunista do mesmo naipe que o C.C.C. – Comando de Caça aos Comunistas.
Quem sabe até o final de minha história eu
identifique o E.F. Logo mais, detalho um acontecimento que reforça minha suposição...
E o “gorila” foi se aproximando com cara de pouco amigos, com um
- “me acompanhe”.
Eu quis saber para onde? Eu não sabia do que se tratava...
Recebi um
-
“o delegado explica”.
A delegacia ficava a uma quadra do meu trabalho, e, para lá fomos.
Ao chegar fui colocado a frente da “otoridade” que felizmente não guardo o nome que tascou um “o prenda e que fique sob minha custódia”. No momento também não entendi a colocação. Com o tempo aprendi que, pelo fato de ser menor de idade, não poderia ter sido engaiolado. Em seguida foi dada ordem para as tradicionais buscas na minha casa.
Sob o choro de minha mãe, Líbia Ghiroti Caputo, invadiram minha residência. E não é que encontraram material subversivo de importância vital para que o Brasil pudesse permanecer com suas fronteiras a salvo de invasão dos “vermelhos” ?: um radio galena ! Era um pequeno equipamento, somente de recepção de estações comerciais, locais e em AM (amplitude modulada). Mas, aí veio a questão para os inteligentes investigadores: seria para comunicar-me com Cuba? (vide uma foto ao final do artigo). Pegaram-me!!!! Um livro do Che Chevara!!!!. A cara (literal) do grande investigador encheu-se de alegria: que achado! Não teve o cuidado de abrir o perigoso documento, pois senão teria visto na contracapa a quem realmente pertencia e que, por questão de princípio, não declinarei. Simplesmente o envolveu em um papel de embrulho e colocou o meu nome...
Nesse ano, a revolução de Cuba era vista como exemplo à nossa juventude. Não entro no mérito a que se transformou. Ficou gravada na memória uma palestra do Professor Gutemberg sobre esse fato histórico no “salão” do ‘’Instituto de Educação Ernesto Monte’’. Fomos arrancados da aula para ouvi-lo. E valeu a pena! Era um excelente orador no meio de outras figuras antológicas: Professores Dimas, Aníbal, Gerson, Góes, Muricy, Tutinha, Sergio, Isaac,
De volta à Delegacia fui jogado numa cela. Lembro-me que desci alguns degraus e deparei com um cubículo de mais ou menos 12 metros quadrados.
Ao entrar, percebi que o chão estava coberto por colchões. Mandaram-me tirar os sapatos e aí vai outra piada; a primeira fica registrada a expressão do E.F. ao entregar-me:
Eu disse:
- Não vou tirar os sapatos, pois vou sair logo...
Ouvi risos e a justificativa: todos tiveram a mesma impressão e há dias estavam detidos (?).
Explicaram-me que algumas poucas almas que estavam interessadas naqueles ignorados idealistas haviam doado os ditos colchões; antes estavam dormindo direto no piso. Eu iria passar a minha primeira noite dormindo lado a lado, literalmente falando, dos novos colegas. Era muita gente (boa) para tão pouco espaço. Um fato pitoresco (seria esse o termo?) foi um espirituoso subversivo que, pelo fato de estarmos um juntinho do outro, dizia a todo momento: “agora é sua vez de levantar a perna!”. Um outro “perigoso terrorista”, Cajueira, tinha a mania de aproveitar as cascas de laranjas para com elas borrifar o ar dizendo que era para purificar o ambiente.
Não gosto de me recordar do banheiro (?). Nunca imaginei usar uma latrina daquela! Era contíguo à cela e tinha um vaso no nível do chão com dois lugares para pisar. Não sei se tinha descarga, e, pasmem (ou não?): não tinha divisão com o resto da cela.
O primeiro a dar-me boas vindas foi o Cleber Picirili, conhecido de alguns anos, vizinho de minha namorada, ex-namorado de minha cunhada Lays. Veio perguntar-me o que fazia lá. Expliquei que não entendia o motivo. Ele também não compreendia a sua prisão. Vim conhecer sua história ao ler o livro do Antonio Pedroso (“Subversivos Anônimos” pg 135, All Print Editora) fui apresentado aos demais “companheiros” que a memória não me permite lembrar-se de todos. Cito, como homenagem, alguns:
Cleber Picirili
Olavo Gil
Antonio Pedroso
Sebastião
Arcôncio
Padilha (merece um capítulo especial)
Nilson Costa (não me lembro dele na cela, felizmente)
Cajueira
Montanha
Antonio (?)
Capítulo 2 – A Disciplina.
Como já disse, minha memória é péssima. Mas, não dá para esquecer o trauma causado por esse lamentável e vergonhoso episódio a que eu e meus entes queridos fomos submetidos.
Algumas situações constrangedoras eu vivenciei. Vai merecer um capítulo. Alguns dos fatos que permaneceram registrados são, pouco deles, “agradáveis”. Se coloco assim guardo a devida e longínqua proporção à realidade vivida.
A cumplicidade dos “detidos” no relato de suas histórias como greve nas ferrovias, o esconde-esconde dos “homis”, da falta dos familiares, a defesa de suas idéias. Outra confissão: não as entendia muito bem. Porém, me interessava conhecê-la e as respeitava. Um ponto relevante foi tomar conhecimento, logo ao chegar, das tarefas que cada um deveria executar na limpeza diária no “alojamento”. Era pelo sistema de rodízio e cada preso fazia sua parte.
Ficou marcada indelevelmente a recordação do “toque de despertar”: 6 horas da manhã cantávamos a todo pulmão o Hino à Independência como se todo Brasil nos ouvisse (quanta ingenuidade). O “... já raio a liberdade” era cantado aos berros. Interessante que mesmo nos bancos escolares eu jamais havia cantado qualquer dos hinos pátrios com tanto orgulho. Uma confissão: hoje eles até me constrangem: não me envergonho de dizer isso. Vejo até com uma certa inveja (?) o entusiasmo dos torcedores em campo de futebol quando entoam o Hino Nacional. Que bom seria se tivesse verdade em suas letras...Desligo o botão de comentários políticos: não entro no mérito de esquerda, direita, partidos.
E vocês lembram do Hino à Independência? Vamos à sua letra, que é de Evaristo da Veiga. A música, de D. Pedro I:
Já podeis da Pátria filhos,
Ver contente a mãe gentil;
Já raiou a liberdade
No horizonte do Brasil
Já raiou a liberdade,
Já raiou a liberdade
No horizonte do Brasil.
Brava gente brasileira!
Longe vá temor servil
Ou ficar a Pátria livre
Ou morrer pelo Brasil;
Ou ficar a Pátria livre,
Ou morrer pelo Brasil.
Os grilhões que nos forjava
Da perfídia astuto ardil,
Houve mão mais poderosa,
Zombou deles o Brasil;
Houve mão mais poderosa
Houve mão mais poderosa
Zombou deles o Brasil.
Brava gente brasileira!
Longe vá temor servil
Ou ficar a Pátria livre
Ou morrer pelo Brasil;
Ou ficar a Pátria livre,
Ou morrer pelo Brasil.
Não temais ímpias falanges
Que apresentam face hostil;
Vossos peitos, vossos braços
São muralhas do Brasil;
Vossos peitos, vossos braços
Vossos peitos, vossos braços
São muralhas do Brasil.
Brava gente brasileira!
Longe vá temor servil
Ou ficar a Pátria livre
Ou morrer pelo Brasil;
Ou ficar a Pátria livre,
Ou morrer pelo Brasil.
Parabéns, ó brasileiros!
Já, com garbo juvenil,
Do universo entre as nações
Resplandece a do Brasil;
Do universo entre as nações
Do universo entre as nações
Resplandece a do Brasil.
Brava gente brasileira!
Longe vá temor servil
Ou ficar a Pátria livre
Ou morrer pelo Brasil;
Ou ficar a Pátria livre,
Ou morrer pelo Brasil.
Capítulo 3 - Saga dos Caputos?
Meu saudoso avô Braz Caputo, chegou da Itália, com o nome de Biaggio, lá pelos idos de 1920. Fugia dos percalços e conseqüências das lutas políticas do fascismo e socialismo. Algum tempo mais tarde viriam a esposa, Maria Carmela, filhos: meus tios Oswaldo, Emílio, Mario e meu pai, Atílio.
Não adiantou essa mudança de continente. Falante e polêmico recebia em sua alfaiataria, profissão que abraçou para ficar em nosso país, amigos italianos que trocavam idéias, discutiam política, cultivavam lembranças da terra mãe. Desnecessário dizer dos decibéis dessas conversas. Os bons papos continuam nos arredores do prédio onde tinha sua pequena sala. Numa delas, em frente a uma farmácia de propriedade de uma pessoa de sobrenome Murray foi um dos motivos de denúncia que o levou à prisão. Consta que ficou preso um bom tempo. A lembrança que tenho desse carcamano é do maior carinho possível e sei que a recíproca foi verdadeira: gostava de minhas travessuras. Recebi o apelido de Pedro Malazarte dele e dos tios calabreses a quem tanto admiro: quem se interessar por essa figura é só consultar a internet.
Como meu pai, meus tios sempre foram exemplos de luta, coragem e, acima de tudo, de honestidade.
Temos outro membro do clã das Caputadas que também foi detido: tio Emílio. Pasmem: ela praticava telégrafo em casa para um concurso do correio. Usava o que chamamos na gíria de radioamadores de “pica-pau”. O som obtido era local e não transmitido para lugar nenhum. Óbvio que inofensivo à segurança nacional. Mas um vizinho, tipo meu coleguinha E.F, fez o grande favor de denunciá-lo como espião. E lá se foi mais um Caputo detido. Ele conta que o delegado ao ver o tal aparato o liberou. Um grande abraço tio.
Ninguém faz um arroz tão solto como o senhor e sua receita de polenta, incrivelmente incrementada, é de lamber os dedos. Vou transcrever uma carta que recebi incentivando-me a deixar registrados esses acontecimentos.
Estimado sobrinho Lauro,
Saudações inclusive à Patroinha. Atendendo ao seu pedido, aqui vão algumas informações:
À rua 1º de Agosto há um sobrado na esquina do jardim, numa sala era a farmácia de um "Agente da C.I.A.", a salinha menor era do seu avô que era sempre provocado pelo tal farmacêutico, até que um dia o tal falou para o seu avô que os americanos invadiram a Itália. O velho retrucou que só se fosse de "jangada". Foi a conta de ser denunciado, foi preso e ficou na cadeia um bom tempo. Só saiu pela aproximação do Natal e pela boa vontade do delegado.
Eu também passei por isso.
Estava praticando telégrafo e fui denunciado, agora fico sabendo que você passou pelo mesmo vexame. Quanta honra Lauro!
Sem mais espero vê-lo breve.
Abraços do tio
Emílio.
Capítulo 4 - Os guarda-algozes da prisão:
O sadismo é bem típico da natureza humana. Não poderia ser diferente em alguns de nossos carcereiros. Divertiam-se com nossa situação e o maior prazer que tinham era o de nos ameaçar de transferência para o temido DOPS em São Paulo. Comentavam sobre o que acontecia com outros presos políticos nas dependências desse órgão de repressão. Vem à lembrança atitude diferente de outros guardas que nos presenteavam com revistas, velhas, mas sempre bem vindas.
Um fato que marcou de forma terrivelmente penosa foi de um dia ouvir gritos de dor, choro e ruídos de pancadas em um indivíduo no corredor onde ficavam as duas celas ocupadas pelos presos. A idéia que nos quiseram passar foi claramente: “você será o próximo!”. Não era possível discernir se essa pessoa era da outra cela. Os vizinhos de infortúnio deveriam pensar o mesmo. Seria um de nós? Não é preciso dizer o quanto isso pesou no sistema nervoso, trauma que nem sempre se consegue superar. A tortura que mais “doeu” foi de quem apanhou ou de quem ouviu o “recado”. É errado quem pede indenização ao Estado? Por outro lado, receber altos valores e/ou aposentadorias (sic), sem ao menos ter sido preso, está certo? Não se afigura mais com se fosse um “investimento” ao invés de se ter agido por idealismo? Deixo a vocês a interpretação...
Capítulo 5 - Especial – Ao Meu Pai, Atílio Caputo.
Calabrês baixinho, briguento e que gostava de uma encrenca. Tenho a quem puxar.
Rico como banqueiro de bicho, quando legalizado, pobre quando acabou o jogo proibido pelo Presidente??. Do chalé de Lençóis Paulista para as ruas de Bauru, carregando nas costas enceradeira e um rádio para demonstrar às donas de casas; teria que ligar os “modernismos” para que se conhecessem suas vantagens. Casa Christophe, representantes da Westinghouse, primórdios das Casas Bahia de hoje...
Posso imaginar sua preocupação com o filho do meio detido. Soube de duas histórias que o envolvem nessa fase da minha vida:
A primeira foi que ficou sentado nas escadas que descia até o porão onde estávamos, dizendo:
- Não saio daqui enquanto não o libertarem!
Foi ameaçado por algum delegadinho de plantão e de merda, cagão dos militares que “fosse embora ou iria me fazer companhia”. Saudades, velho! ...
Ouvi um outro relato de minha mãe que, mesmo passado tantos anos, meteu-me medo. O meu velho ficou sabendo por um amigo (daqueles de verdade, tão raros...) que eu seria transferido para São Paulo. Por sorte, um dos filhos, era do “lado da gloriosa Revolução de 64”. Foi acionado e, a pedidos, abreviou o meu processo (teríamos outro nome?). Essa a explicação de ter sido tirado da cela, “tocado piano” e me fotografaram, frente e lado, para ser fichado. Uma pergunta: onde está minha “inscrição” de subversivo? Será localizada nos arquivos tão inacessíveis? Ou foi “deletada” por ser menor de idade? Se o Doutor Pedroso se animar a dar entrada à minha ação em âmbito federal poderei descobrir. De princípio, diz ter alguma coisa no paraíso brasiliense. No estado, para variar, caminha a passos de cágado. Sinceridade: não espero receber nenhum centavo, pois não acredito na (in) justiça brasileira. Tenho motivos de sobra para pensar assim.
O próximo passo foi o do interrogatório. Foi no mínimo e graças ao meu pai sui-gêneris:
Tirado novamente da cela por dois amáveis cavalheiros. Um deles seria o filho do amigo do velho pai? Levaram-me para uma praça ao lado da prisão. Sentamo-nos em um banco e lá recebi uma dezena de perguntas. Como respondê-las? Não sabia do que falavam...
Uma ficou marcada: insistiam que eu confessasse (sic) que participava das reuniões políticas e subversivas na casa do Edson Bastos Gasparini. Conhecia-o por nome. Tive o prazer de cumprimentá-lo quando prefeito de Bauru, décadas depois quando de uma visita junto com representantes do Banco Francês e Brasileiro interessados em abrir filial em nossa cidade.
Por último saíram à caça de provas. Somente tinha um lugar que freqüentava: a residência de minha namorada à época e, hoje a patroinha, com diz meu dileto tio Emilio. Nilza, com 19 anos “confessou” que eu cometia um crime: o de namorá-la! Sem sucesso nada mais conseguiram. E nem poderia. A seguir foi a vez da sogra, dona Florinda e sogro, Sr Luiz. Bela imagem do futuro genro deve ter ficado: um ‘’derrubador’’ de regime político. Ainda viva, com seus 92 anos a lutadora dona Florinda Barbugiani da Silva recorda-se com fato e derrama algumas lacrimas. É e foi uma lutadora. Não foi alfabetizada quando criança por apanhar na mão com vara pelo Professor Reizinho: seu crime? Ser canhoteira. Com sua permissão, minha sogra, dedico seu choro à minha esposa, companheira (não petelha) de todas as horas...
Capítulo 6 - Uma (e Única!!!!) Visita.
Já tive oportunidade de dizer de como foram ignorados esses idealistas. Suas lutas, corretas ou não, seriam por e para quem? Pelo povo brasileiro? Defendiam, mesmo que inocentemente, o quê? O objetivo poderia ser o do benefício próprio, tão evidente nos dias atuais por esse bando, corja... Opa...estou fugindo do tema a que me propus...
E onde estavam? Afora os colchões doados, piso da cela, o que mais? Nada!
De repente uma surpresa para mim: a visita do, à época, Sargento Aniel. Eu servira no ano anterior o serviço militar na 6ª. Circunscrição Militar. Era, por coincidência, tudo na mesma Rua Bandeirantes: quartel, trabalho e delegacia.
Por esses dias encontrei o agora delegado aposentado, Doutor Aniel Chaves. Pedi-lhe autorização para fazer citação desse episódio que jamais esquecerei. Disse que se sentiria orgulhoso. Orgulhoso e grato também sempre serei por ter sido lembrado numa situação que passava. Jamais poderei agradecer-lhe o suficiente, pois sei do risco que correu em sua carreira militar por ter sido corajoso o suficiente para quebrar as barreiras que, tenho certeza, lhes eram impostas.
Capítulo 7 - Antonio Padilha – O Verdadeiro Agitador de Massas
Um pouco de humor e um pouco de história. Digo humor hoje, passados mais de 40 anos.
Tive o prazer de uma pequena convivência com um senhor, Antonio Padilha. Creio que era o mais velho do grupo. Tinha uma padaria na Rua Araújo Leite.
Por isso o título desse capítulo: nós brincávamos muito com ele sobre o tema e dizíamos que ele era o verdadeiro e único ‘’agitador de massas’’.
Às vezes levávamos vantagem com sua atividade. Seus familiares mandavam pães, roscas, bombas (doces), Nisso havia de prático o comunismo exercido de pronto por todos os que defendiam (ou diziam defender) a bandeira nacionalista: dividir as coisas... dos outros.
Foi com ele que aprendi a me calar sobre minha prisão (sic). Contou-me que o único motivo de estar na cadeia era que havia sido preso em 1932. Daí a expressão de “Perseguidos de Sempre” muito bem colocado pelo jornalista Zarcíllo Barbosa em seu artigo “Fama e Anonimato” (‘’Subversivos Anônimos”, Pedroso Jr, Antonio). Trataremos disso no momento oportuno.
Capítulo 8 - Encontro com o E.F. na Companhia Telefônica Brasileira
Voltemos a falar do E.F. Provavelmente mais um esbirro da ditadura. Teria mais motivos para desconfiar desse dedo-duro além do fato de me apontar quando da “visita” do gorila que me arrestou?
Já havia se passado alguns anos desde a derrubado do governo João Goulart. Naquela época estava trabalhando em São Paulo e, quando não vinha à Bauru, lá passava o fim de semana. Não deixava de ligar para a noiva. Usava o posto da CTB, na Rua sete de Abril e a espera variava de duas a três horas para que se completasse a ligação. Numa dessas vezes E.F. e eu nos deparamos...
Ele também deveria estar aguardando sua vez de ser chamado. Foram em vão os avisos pelo autofalante: “Sr. E.F cabine 2”... Sr. E.F. cabine 2”... O homenzinho simplesmente desapareceu.
Por diversas vezes procurei saber dessa figura. Nada. Com o advento da internet fiz buscas, usei ferramentas do tipo web-lista. Nada também.
Seria suspeita infundada da minha parte?
Que inimigos podemos ter aos 19/20 anos? Hoje, aos quase 65 faço coleção. E os agradeço todo dia: suas críticas, se corretas, apontam os meus defeito e me corrigem...
Capítulo 9 - Saí no Jornal! – Sessão “Polícia”?
Não era página policial, mas, foi o que se entendeu.
No dia 22 de Janeiro de 2007 fui notícia de jornal. E deu o que falar. A sessão “Politicando” do Jornal da Cidade explora alguns fatos políticos e onde são narradas algumas histórias. A referência a mim foi a seguinte:
“É rápido... vou embora já!
“Preso pelos legionários da FAC, em virtude de denúncias de colegas de serviço, o então jovem Lauro Caputo é conduzido para a cela. Um dos presos dirigiu-se a Lauro:
- Tira os sapatos, guarda na “sapateira” e toma uma ducha para esfriar a cabeça!
- Não precisa... vou embora rápido, responde o amigo Lauro.
- Sei que vai, responde Olavo Gil Fernandes. Faz uma semana que estou aqui e achava que ia ficar cinco minutinhos.
De fato, Lauro completou uma quinzena como refém da FAC.
Antonio Pedroso Júnior - www.chineloneles.blogspot.com”
Foi o suficiente para uma chuva de comentários “solidários”.
- Você viu o que escreveram sobre você?! ...
- Porque fizeram isso?
Explico eu. Não se conhece de maneira corrente a sigla “FAC” – Frente Anti Comunista já citada anteriormente. Há que se usar o “erramos”, pois se colocou “colegas” no plural, quando na verdade a suspeita é sobre UM colega. Jamais fiz qualquer conjectura que a denúncia poderia ter partido de qualquer outra pessoa do escritório ou mesmo entre minhas poucas amizades da ocasião.
A quem prestou apoio e sentiu-se preocupado comigo os meus agradecimentos. Por favor, só atentem que a prisão foi política e ocorreu no ano de 1964...
Tive o cuidado de pedir ao parceiro Pedroso que fizesse algum esclarecimento complementando a nota. Depois desisti. Têm tantos figurões que já estiveram atrás das grades e estão dando as cartas por aí.
Capítulo 10 - Visitas de ‘’Degustação’’ –
Algumas imagens foram apagadas da memória. Outras, por mais que se queira esquecer teimosamente permanecem vivas. A maioria delas é, no português claro e com franqueza em expô-las, foi o de medo. Trataremos delas em momento apropriado.
Por enquanto vamos deixar registrados alguns fatos. Interessante (?) a perversidade dos humanos (?). Não tem outra explicação! Era prazer do Dr. Silvio Marques Junior fazer visitas, que chamaremos de “degustação”. Vinha sempre nos “visitar”. Sadismo, com toda certeza. A reação da grande maioria era o de correr até a pequena porta da cela para saber notícias de eventuais libertações. Provocava verdadeiro congestionamento! Poucos conseguiam ouvir ou ser ouvido. Um dia, o parceiro de infortúnio, Olavo Gil, fez uma exigência: que se fizesse um semicírculo de maneira que todos pudessem fazer suas perguntas. Eu nem sabia o que perguntar...
Capítulo 11 - O Susto em Bauru
Foi lançada uma bomba de gás lacrimogêneo (de Verdade) no corredor onde ficavam as duas celas. Imagine-se o pavor! A única defesa que nos sobrava era um “revezamento” no solitário chuveiro. A água ajudava a suportar os efeitos do gás.
Quem jogou? Pelo que posso lembrar veio da rua. Além de faltar apoio sobravam agressões que quem discordava, com violência, dos ideais defendidos pelos meus novos amigos.
Capítulo 12 - O Medo em São Paulo:
Logo após essas atribulações vividas foi fechado o Laboratório Lepetit S.A. em Bauru onde trabalhava e fomos transferidos para a matriz que ficava em São Paulo.
Em seguida fui trabalhar em um banco que ficava na área central, Rua XV de Novembro. Fazia falta, por motivos profissionais, continuidade na minha formação escolar. Havia parado no segundo ano do antigo Curso Científico. Fiz exames de adaptação e comecei a cursar Contabilidade. Tínhamos um professor que era militar e pela forma de agir e falar demonstrava estar fazendo parte do “sistema” tantas vezes fazia comentários positivos sobre a “Gloriosa Revolução de 1964”.
Foi um tempo de chumbo com reação às primeiras passeadas estudantis. Da janela do banco assisti em algumas ocasiões o embate entre a repressão militar e os estudantes. Lembro-me da chuva de papel picado que era jogado sobre os moços e as bolinhas de gude que deixavam sobre o leito da rua com os inevitáveis escorregões dos cavalos que levavam os soldados.
Bateu o medo de que me procurassem de novo. O clima ficou-me pesado: no trabalho, na escola em casa. Tive a infeliz idéia de pedir socorro ao tal professor. Contei minha história e pedi que sondasse em órgãos de repressão se meu nome fazia parte de alguma lista de “procurados”. Meu receio maior era ser vítima da Operação Bandeirantes, de triste memória. Alguns dias depois veio me dizer que “nada constava”. Se fiz uma asneira perguntando para quem não devia, fiz outra. Fui questioná-lo se a tal consulta não iria provocar algum problema complicando a minha situação. Creio que dá para imaginar a descompostura e vexame a que fui submetido...
Capítulo 13 - O Terror no Rio Grande do Sul
Já fui “caixeiro-viajante”. Vendia coleções de livros por esse Brasil afora. Em pouco tempo conheci boa parte do interior paulista, algumas cidades de Goiás, de Minas, Paraná, Santa Catarina, etc. Nada mais era do que um disfarce para efetivamente vender rifas. Compre coleção tal e ganhe tantos números para concorrer: carros da época, como Gordini, Dalphine, e outros atrativos prêmios. O público alvo era os bancários das pequenas cidades do interior do país que ganhavam bem e não tinha onde gastar. Era fácil vender e a comissão convidativa. Eu estava num ônibus, pois à época não se tinha mordomia de viajar de carro, trabalhando em cidades gaúchas. A já comentada pouca memória e alguns neurônios restantes me fazem lembrar, sem grande certeza, de um nome de cidade: Rio Grande. Recordo-me que tinha um quartel e, de repente, o ônibus é parado em uma barreira militar. Entram dois soltados, com metralhadora em punho e se colocam em posição de mira, cada um para um lado do veículo. Outro começa a pedir documentos. Analisa e verifica se consta de uma lista que carrega consigo. Foram minutos de terror até chegar a meu assento e, ufa...! Eu não estava nessa relação. Para encurtar o relato: dei meia volta, fiz mil baldeações e voltei para Bauru pedindo minha demissão. Não quis mais viajar.
Capítulo 14 - O Porquê do Meu Silêncio por Mais de 40 anos.
O motivo que me encoraja a escrever, longe de se pretender ser um “escritor” é tão somente de se fazer um registro. Excluindo-se as pessoas diretamente relacionadas ao fato, nunca, a ninguém, fiz comentários sobre o episódio. Nem aos meus filhos que se surpreenderam quando mencionei minha intenção, ingênua até, de pretender receber uma indenização do governo pelo que passei. Fiz isso, por não acreditar que sai enquanto vivo estiver. Que fique com herança para eles. Ou melhor, espero que fique...
Já tive oportunidade de comentar sobre o conselho do “agitador de massas, Sr. Padilha que foi novamente detido por ter participado de outro movimento há décadas. Também para ilustrar transcrevo a ótima colocação que o jornalista Zarcillo Barbosa faz no livro já citado do Antonio Pedroso Jr. sobre o episódio do Ato Institucional nº 5 e preocupação das autoridades de plantão em que não se publicasse no jornal local, Diário de Bauru, nada sobre a violência praticada à democracia já mencionada no capítulo 7. Fica bem caracterizado o receio que, qualquer pessoa pudesse nos fazer companhia na prisão. Eu nunca tive a intenção de ser NOVAMENTE “um dos escolhidos de sempre”. Sintam o clima!
“Eu nunca havia recebido tantas visitas ilustres como naquele final de dezembro de 1968. Nenhum dos visitantes estava preocupado com cortesias próprias de fim de ano. Incomodava-os a possibilidade do” Diário de Bauru “publicar alguma crítica ao Ato Institucional nº 5 que o governo ditatorial da Costa e Silva acabara de impor ao povo brasileiro. O primeiro a chegar foi o delegado do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS). Em seguida apareceu o comandante da 6ª. CSM, Circunscrição do Serviço Militar do Exército (nota do autor: unidade que em 1963 eu servira). Como redator-chefe do jornal sempre mantive bom relacionamento com essas autoridades, embora à distância. A intenção não foi de me pressionar, como censores à priori. Quase em tom lamurioso e com salpicos de vergonha pediam que não noticiasse nada sobre aquele diploma truculento oficialmente divulgado em” A Voz do Brasil” que, simplesmente fechava o Congresso Nacional, cassava mandatos políticos e suprimia o habeas-corpus. Comprometi-me a ser o mais lacônico possível. Alguma coisa tinha que ser dita, diante do impacto do tema.
No dia seguinte publiquei – amedrontado, confesso – que a cidade estava calma e a população havia recebido ‘’quase que com indiferença’’ o tal Ato Institucional. Era verdade. Conclui dizendo que haviam sido presos “os suspeitos de sempre”. O coronel Cantídio Bretas, comandante da 6ª. CSM, homem cordato, filho da grande poetisa Cora Coralina, mandou me chamar “com urgência” logo que o jornal circulou. Apresentei-me com presteza na Unidade e antes de qualquer cumprimento já foi dizendo que queria saber quais eram os “suspeitos de sempre”. Tentei explicar que era só uma ‘’figuração literária’’, consagrada pelo filme “Casablanca”. “Lembra quando mataram o comandante nazista no Marrocos e o chefe da gendarmeria francesa, sem muito que fazer manda prender “os suspeitos de sempre”? Ainda bem que ele havia assistido ao filme e aceitou a explicação. Salvei-me com essa história. Os bauruenses eternamente suspeitos eram, exatamente, os biografados nessa obra, em grande parte... ’’
Como simples homenagem, mesmo que tardia, relaciono os “subversivos” que foram citados na obra já mencionada. . Dizem que posso estar numa próxima edição: confesso, não faço nenhuma questão. Muitos deles me ajudaram a suportar os dias de prisão:
Análio Gilberto Smith
Francisco Caetano
Joaquim Mendonça Sobrinho
Jofre Correa Neto
Jose Ivan Gibin de Mattos
Oswaldo Pacheco
Oswaldo Penna
Alberto de Souza
Antenor Alves
Antenor Dias
Antonio Padilha
Antonio Pedroso
Assis Moreira Silva
Carlos Roberto Pittoli
Célio Gonçalves
Cléber Picirili
Delamare Machado da Silva
Edson Francisco da Silva
Edison Bastos Gasparini
Enéas Ildefonso Martins
Família Trevisan
Francisco José de Oliveira
Homero Penteado
Irmãos Zogheib
Isaias Milanese Daiben
Jéferson Barbosa da Silva
Geremias Renato Gomim
João Batista Dias
Jonas Paes Cavalcante
Mario Levorato
Milton Bataiola
Milton Dota
Olavo Fernandes Gil
Ramiro Pinto
Romeu Cajueira de Freitas
Sebastião Pereira da Silva
Há alguns meses, no escritório do Dr. Pedroso, reencontrei-me após décadas com o Sebastião Pereira da Silva. Fomos “reapresentados”. E ele, com espanto, disse:
- É aquele menino que foi preso conosco?
Respondi – Era, Sebastião, era...
Dedico à:
Atílio Caputo – saudades, velho pai
Nilza P.S.Caputo – essa sim, verdadeira “cumpanheira” e patroazinha.
Álvaro Caputo – mano velho, exemplo que sempre tentei seguir.
Dr. Pedroso – pela luta de se manter acesa a esperança de justiça e, com seus livros, deixar que a história faça o julgamento correto...
Rádio Galena (do site: http://www.bn.com.br/radios-antigos/montagem.htm)
Nota: o perigoso “equipamento” apreendido não era tão “sofisticado” como o do exemplo...
*
Para funcionar nosso rádio de galena, vamos precisar de uma boa antena e um bom terra, juntamente com um fone de ouvido de alta impedância e uma dose extra de paciência para procurar as estações. Se chegou até aqui na montagem, você é persistente o bastante para fazê-lo funcionar.
Qualquer dúvida, não exite em me contactar.
João A.B.Mello.
Lembrete:
1-Devido a este tipo de rádio não ser alimentado com nenhum tipo de fonte ou bateria, o nível de áudio obtido nos fones é muito baixo, e de difícil percepção, sendo necessário estar em um ambiente bem silencioso.
2-Tente captar inicialmente, as estações mais fortes de sua cidade, e se estiver usando o "bigode de gato", terá que achar com o alfinete, o ponto exato do semicondutor, existente na pedra de galena, (vá cutucando levemente a pedra) perceptível através de um leve chiado. Com o auxílio do eixo de sintonia, varie o acoplamento das duas bobinas, até conseguir ouvir a estação local.Recolher