O meu nome é Marcelo, eu nasci na Paraíba em 1987. O meu pai é vigilante em uma creche da rede municipal e a minha mãe é doméstica no Rio de Janeiro, quando eu nasci eles se separaram e ela me deixou com a minha avó materna para me criar e viajou para o Rio de Janeiro em busca de trabalho, pa...Continuar leitura
O meu nome é Marcelo, eu nasci na Paraíba em 1987. O meu pai é vigilante em uma creche da rede municipal e a minha mãe é doméstica no Rio de Janeiro, quando eu nasci eles se separaram e ela me deixou com a minha avó materna para me criar e viajou para o Rio de Janeiro em busca de trabalho, para garantir que a minha avó cuidasse de mim.
Eu tenho contato com o meu pai, ele mora no mesmo bairro que eu, só que eu tenho visto ele pouco, mas eu tenho contato.
Eu estudava na escola em frente à minha casa, eu fazia amizade muito fácil com os professores, a direção da escola, eu não era muito de ficar correndo, bagunçando, quebrando, embora acontecesse muito na escola, isso acontece até hoje, a criança corre, bagunça. Me lembro muito pouco, eu me lembro de uma professora que eu gostei muito, foi quem me incentivou na questão do teatro, através de uma dramatização que fizemos na escola em um período junino, eu comecei a gostar do teatro e gostava um pouco desse trabalho em grupo, reforçando o trabalho em grupo, porque antes eu brincava e a partir daí eu comecei a gostar mais, veio a questão do trabalho, de pensar no teatro para a minha vida.
Teve uma época na minha vida que o teatro foi muito forte. Eu via muito forte a questão da violência, nem tanto comigo, mas com os meus vizinhos, em casa era mais uma questão estrutural mesmo, mas com os meus vizinhos eu via muita agressão dos pais e eu não concordava com aquilo, mas eu era criança e não podia fazer nada, né? Através do teatro começamos vendo a questão da violência doméstica e foi onde fomos fazendo teatro e levando para o pessoal a informação com relação à violência doméstica, e tentando contribuir para diminuir um pouco essa violência. E como fomos vendo resultados eu me sentia satisfeito com o que estava fazendo.
Na minha casa eu não vivi violência doméstica. Como eu fui morar na casa da minha avó e ela começou a me educar, me criar, e tinha a minha tia que era responsável pelos dois filhos dela, a minha avó me punia diante de qualquer errinho que fazia, ela me batia e espera que a minha tia fizesse o mesmo com os filhos dela, isso não acontecia, ela se revoltava, e só eu apanhava. Todo mundo brigava, todo mundo bagunçava, e só eu que apanhava, mas assim, hoje eu não vejo como uma agressão tão forte, era mais umas chineladinhas, embora eu não concorde com as chineladinhas, mas era mais isso.
Existe também a questão da exploração sexual, que lá no bairro onde eu moro é muito forte. Inclusive, a Instituição Proamev [Pró-Adolescentes, Mulher, Espaço e Vida], quando ela chegou na comunidade, foi justamente por conta de ser uma área de prostituição. Como o bairro que moro é ao lado de uma BR, ali era rota de prostituição, de exploração sexual de adolescente e um número muito significativo de meninas do bairro vivia essa situação, hoje ainda não é tão diferente, ainda é muito forte a questão da exploração na comunidade.
Eu acredito que isso aconteça por causa de uma questão estrutural, é a minha visão, por conta da falta de qualidade nos serviços prestados à comunidade, por falta de uma área de lazer que envolva as crianças e os adolescentes, que dê uma ocupação, a questão dos empregos dos pais, que muitas vezes acabam pedindo para a menina ir à casa do vizinho pedir isso, pedir aquilo, e vai, o vizinho está sozinho em casa e quer algo em troca e vai se mantendo a situação, vemos muito isso, não muito também de chegar ao ponto de achar que o bairro é somente isso, mas trazendo para esse tema, é um pouco forte lá.
Hoje eu trabalho com um grupo de jovens, estamos trabalhando a questão de desenvolvimento comunitário. Quando eu passei pela Proamev eu recebi formação em uma metodologia chamada Mecom - Metodologia de Desenvolvimento Comunitário, e aplicamos na comunidade com liderança, com minorias do bairro, só que uma inclinação muito minha era ver a visão do jovem com relação ao seu bairro. E eu reativei um grupo de jovens que eu tinha iniciado quatro anos atrás e por conta da instituição eu tive que dar uma parada no trabalho e agora eu retomei esse ano e estou trabalhando com jovens essa questão de desenvolvimento comunitário. Fazemos uma análise, um diagnóstico da comunidade, partimos para a elaboração de um projeto e buscamos as redes sociais para articular o desenvolvimento desse projeto.
A Proamev trabalha com crianças, adolescentes e jovens, agora, trazendo a questão da família também, e nós trabalhamos com oficinas temáticas. Antes, tinha oficinas de arte e cultura, tinha regionais, capoeira, mas com o passar do tempo, como é uma questão de voluntariado, é difícil manter um educador participando. E também a questão da multiplicação, do multiplicador; a criança, adolescente hoje, está envolvida em programas do Governo e acabamos perdendo um pouco as pessoas para trabalharem. Mas continuam as oficinas temáticas com crianças, fazendo a formação, para nós multiplicadores dando informações na instituição, com crianças de oito a doze anos.
Naquele local que eu moro, que segundo o IBGE tem 18.332 habitantes e não tem uma área de lazer, eu acho importante o papel do educador. Não por eu ser o educador, mas que haja um educador naquele espaço, porque trazemos um pouco a reflexão de como é que eu estou vivendo. Vamos vivendo a coisa, vai banalizando toda a situação, não se inquieta, não se incomoda, e, quando isso acontece, não vê como é a realidade. E daí o papel do educador social é trazer uma reflexão pra eles, unir forças entre os jovens e tentar de fato mudar a realidade que estamos inseridos. Então, de fato foi importante o meu papel como educador ali dentro e de qualquer educador que chegue para contribuir.
Um dia importante no nosso calendário é o 18 de maio, é o dia que discutimos a questão da exploração sexual – não somente nesse dia – é um dia forte por conta da morte de Araceli, que foi abusada sexualmente por um grupo de jovens, não um grupo de jovens, um grupo, mas um número de jovens que abusou sexualmente dela. E de acordo com isso, se tornou essa data, que se dá um enfrentamento, que tem uma repercussão maior – que o enfrentamento ele se dá a todo momento - e tem uma repercussão maior, o dia do tema é esse, 18 de maio. E lá na comunidade, a Proamev sempre busca estar trazendo a discussão da temática, levantando projetos públicos.
Dois anos atrás, na ONG que eu trabalho, como trabalhamos com a questão da exploração sexual, que foi a base para a instituição chegar na comunidade, o Projeto ViraVida chegou na cidade e, vendo que éramos uma instituição que trabalhava com esse público, com essa temática, nos procurou. E nós encaminhamos alguns jovens da comunidade que viviam essa exploração sexual para o Projeto e foram participando e fomos acompanhando todo o processo dos jovens na primeira e segunda etapas que teve aqui.
O Projeto mudou a realidade, porque, muito além de estar na falácia dizendo somente: “A exploração sexual não, é crime”, toda essa questão oportunizou para os jovens viverem uma outra realidade, onde eu coloquei na comunidade, os
jovens hoje não têm acesso a curso profissionalizante, o desemprego afeta uma porção muito grande da comunidade. E vem um projeto que era para esses jovens, que estão sofrendo a violência, se qualificarem profissionalmente e para garantir uma inserção no mercado de trabalho. Eu acredito que o ViraVida tem contribuído muito e muito forte dentro desse processo da comunidade, de desenvolvimento.
Meu sonho é ajudar no desenvolvimento da sua comunidade. Primeiro, eu gostaria muito de fazer uma faculdade de Ciências Sociais, porque depois que eu li um livro, pesquisando pra fazer um dos meus trabalhos, eu pude estar vendo, enxergando a comunidade todinha dentro daquele livro, a questão de origem, uma visão de futuro, como é que isso vai terminar se continuar do jeito que está. Então, assim, eu queria estudar mais, aprender mais como é que a sociedade foi composta, como ela foi formada. E estou também vendo que não é somente uma questão da minha comunidade; a Sociologia, ela propõe a gente estar vendo experiências do passado também, que foram parecidas, que a gente está vendo que a realidade não mudou nada, pelo contrário, veio só falecendo e aí a segunda etapa, que já está no processo, que na realidade é a primeira no caso, fortaleceu a comunidade de fato, mostrou pra ela o potencial que ela tem e aí unir forças para que a gente faça juntos, porque sozinho não tem condições não, a barra é bem grande.
Para os jovens da minha comunidade eu diria para prestarem atenção na vida deles, que eles se reconhecessem como autores da própria história, porque a gente permite demais que as pessoas dominem a vida da gente, digam como é que a gente tem que ir, a roupa que a gente tem que vestir, o todo, com o passar dos meses eu já venho contribuindo nesse sentido, mas eu gostaria que outros também estivessem inseridos nesse momento e que eles se reconhecessem não somente como autores, mas também como atores, porque não adianta somente escrever, tem que viver também.
Nesta entrevista foram utilizados nomes fantasia para preservar a integridade da imagem dos entrevistados. A entrevista na íntegra bem como a identidade dos entrevistados tem veiculação restrita e qualquer uso deve respeitar a confidencialidade destas informações.Recolher