Projeto: BNDES-Rio
Depoimento de José Pio Borges de Castro
Entrevistado por Márcia de Paiva e Heloísa Gesteira
Entrevista realizada no Rio de Janeiro, em 8 de maio de 2002
Realização: Museu da Pessoa
Código do depoimento: BND_HV017
Transcrito por: Samir Pérez Mortada
Revisado por Fernanda Reg...Continuar leitura
Projeto: BNDES-Rio
Depoimento de José Pio Borges de Castro
Entrevistado por Márcia de Paiva e Heloísa Gesteira
Entrevista realizada no Rio de Janeiro, em 8 de maio de 2002
Realização: Museu da Pessoa
Código do depoimento: BND_HV017
Transcrito por: Samir Pérez Mortada
Revisado por Fernanda Regina
P/2 - Posso te chamar de José Pio, de doutor José...
R - Não, Zé Pio, ou Pio. O pessoal do banco chama mais de Pio.
P/1 - Boa tarde, Pio. Gostaria de começar essa entrevista pedindo que você me repita seu nome completo, local e data de nascimento.
R - José Pio Borges de Castro Filho, local de nascimento é Rio de Janeiro, e data 13 de janeiro de 48. Boa tarde também. (riso)
P/1 - Qual o nome dos seus pais e qual era a atividade deles?
R - O meu pai chamava José Pio Borges de Castro, eu era o filho caçula do segundo casamento dele, E Minha mãe (Circe?) de Carvalho Pio Borges. Meu pai era militar, foi professor desde cedo. Saiu da Escola Militar e logo foi professor; foi professor de todos os tenentes da revolução dos vinte: do Juracy Magalhães, do Juarez Távora, do Prestes. Depois ele deixou de ser professor e foi secretário do estado do Rio. Duas vezes. Foi secretário de obras, e secretário de educação, do Distrito Federal também. E minha mãe era professora. Primeiro professora, depois professora catedrática, também a vida toda.
P/1 - E você tem irmãos?
R - Eu tinha seis do primeiro casamento do meu pai. Hoje já dois faleceram. E uma do segundo casamento, com minha mãe
P/1 - José Pio, vou te pedir para você me contar um pouco da sua infância. As brincadeiras, onde você morou aqui pelo Rio...
R - Praticamente eu nasci aqui no Flamengo, mas logo com dois anos de idade eu mudei para o Leblon, onde morei quase toda minha vida. Depois inclusive nós vendemos a casa, ficamos com os apartamentos e hoje o prédio ainda chama Pio Borges. Eu estudei em colégio público a vida toda; estudei no Instituto de educação, lá na Tijuca, no jardim de infância aí numa escola primária. Naquela época, fiz de militar, porque a tendência era ser militar também. Eu fiz concurso para o Colégio Militar, entrei lá com 10 anos de idade. Pensava que ia ser militar até mais tarde, mas aí foi já no começo dos anos 60, no meio dos anos 60. Já o interesse pela vida militar havia decaído muito. E foi bom eu ter ficado esses sete anos lá, porque eu decidi que não dava muito para aquilo. Eu realmente fiz engenharia, mas uma vida... Gostava de praia, jogava vôlei... Enfim, uma infância absolutamente normal. Depois eu fui para a PUC aqui no Rio, onde fiz engenharia.
P/1 - Voltando um pouquinho para a infância. Como era o Leblon na época?
R - O Leblon era um fim-de-mundo praticamente. Copacabana era o lugar charmoso da época. Ipanema já era uma coisa meio deserta, e o Leblon era o fim do mundo. O bonde acabava no Bar 20, ali onde tem aquele obelisco horrível hoje. Poucos bondes iam até a Ataulfo de Paiva, Adécio Ferreira. Eu tinha meio vergonha de dizer que morava no Leblon, porque era um lugar considerado quase como o Recreio dos Bandeirantes, coisa assim, longe. Mas muito tranquilo por outro lado. Eu jogava bola na rua; havia poucos carros, então você não tinha dificuldade de sair de lá, porque o tráfego não era muito ruim. Eu sempre gostei muito do Leblon, mas não era um lugar glamoroso como Copacabana na época.
P/2 - E como você ia para a escola? Se o bonde ia até Ipanema, você ia até Ipanema...
R - Nessa época eu estudava no Instituto de Educação. Quando eu nasci, meu pai já tinha sessenta e poucos anos, 65 anos. No final da vida ele foi presidente do Conselho Nacional de Águas e Energia Elétrica, o que era correspondente ao (DENAE?), o órgão regulador da do setor elétrico na época. Ele tinha motorista, então eu ia de motorista para o Instituto de Educação, e depois, na época do Colégio Militar, eu pegava ônibus, já era mais velho um pouco.
P/1 - E seu pai em casa tinha uma formação muito rígida, de cobrar estudo?
R - Minha mãe era mais cobradora. Meu pai tinha uma rigidez mais de formação militar, de horário, de acordar cedo, de almoçar cedo, de jantar cedo. De todo mundo sentar-se à mesa, de não poder sentar-se à mesa sem camisa... Essas coisas todas de certa disciplina, mas de cobrar estudo mesmo a minha mãe era obcecada com esse negócio, de ter que tirar uma nota, essa coisa toda. Mas foi bom para mim de certa forma.
P/1 - E aí na sua juventude o que você mais lembra? O que você mais gostava de fazer?
R - Na escola primária eu era mais... O Leblon é muito isolado, eu tinha amigos ali... No ginásio realmente que eu comecei a me integrar mais. Teve um período que nós moramos um ano na Tijuca, que era ali mais perto do colégio militar, e eu tinha muitos amigos lá. Aquela coisa normal, jogava bola... Depois, quando morava no Leblon, sempre gostei muito de mar. Eu fazia pesca submarina, eu pegava... Nos primórdios do surf eu pegava onda ainda com prancha de madeira, depois com prancha de...
P/1 - Isso é legal.
R - Eu fui um dos primeiros surfistas do Rio de Janeiro. Rico, que hoje é o cara que faz pranchas, era garoto, era mais novo que eu, era um menino naquela época. Basicamente era um pouco entre mar, porque era perto, e negócio de rua: jogar pelada na rua, aquelas coisas.
P/1 - E as pranchas vocês que faziam? Tinha lugar para vender?
R - Tinha um lugar que vendia, lá na Francisco Otaviano. Tinha um lugar que vendia umas pranchas de madeira. Eu gostava, eu vivia no mar. E eu pegava onda legal, cara...
P/2 - Muita gente pegava onda nessa época?
R - Não. Quase ninguém. Pouquíssimas pessoas. Uma vez ou outra aparecia um sujeito com uma prancha de fibra que tinha trazido dos Estados Unidos. Quando o surf começou a pegar mesmo para valer, aí eu já tinha carro, já comecei a me interessar por outras coisas, aí larguei.
P/2 - E nunca mais pegou prancha nenhuma?
R - Nunca mais. Agora tem uns amigos que estão querendo que eu volte (risos). Ir para Florianópolis para aprender de novo e voltar. Eu vou pensar nisso.
P/1 - Será que é igual bicicleta?
R - Acho que não, acho que precisa de uma forma física boa. Bicicleta qualquer um vai.
P/1 - E na faculdade? Como foi?
R - A faculdade para mim foi um grande alívio porque a disciplina do Colégio Militar é muito... Até hoje o pessoal do Banco brinca comigo porque eu sou muito rígido nesse negócio de horário: marcou para aquela hora... Eu tenho horror de atraso. Isso é um pouco das coisas que eu não gostava na época, mas que ficaram impregnadas no meu ser. Esse negócio de cumprir horário, tal. Quando eu fui para a PUC, aí foi uma liberdade extraordinária; uma faculdade na Gávea, eu com carro, com 18 anos de idade.
P/1 - Mas era raro um garoto na época, com 18 anos, já com carro.
R - Era raro. Não tinha muitos. Tinha. Na PUC sempre foi um pouco mais um negócio de elite, mas não eram todos. Eram poucos, uma meia dúzia, uns dez naquela turma que tivessem carro naquela época. Mas para mim a vida foi... Inclusive nos dois primeiros anos de faculdade eu não estudei quase nada. Eu tinha estudado tanto no vestibular e na época do Colégio Militar, que era muito bom. Eu passei muito bem no vestibular. Aí nos dois primeiros anos eu não quis saber de nada; só voltei...
P/1 - Me conta então desses dois primeiros anos.
R - Não, eu passava evidentemente. Mas eu passava assim, estudando minimamente, para passar. Depois, no terceiro, quarto ano, na pós-graduação, eu estudei de novo. Mas nos meus primeiros anos de faculdade foi certa liberdade.
P/1 - Muita paquera?
R - Muita. Leblon naquela época, um carro... Era um negócio, festa o tempo todo. Era época de boates no Rio de Janeiro... (Bar Torre?), aquelas boates antigas do Rio: (Zumzum?), (Bateau?), (Geral?), enfim. Foi uma época em que eu realmente relaxei um pouco. Morava na zona Sul, estudava na zona Sul; não estudava muito... Foi ótimo.
P/1 - E tinha alguma expectativa na sua família em relação à carreira a escolher?
R - No começo havia um pouco em relação a esse negócio de ser militar, mas depois... O importante era estudar; minha mãe sempre tinha esse negócio: “Tem que se formar, tem que se formar bem...” Mas havia na cabeça dos meus pais, principalmente da minha mãe, certa ideia de que a carreira normal era ser funcionário público. Por acaso eu acabei no BNDE, mas era alguma coisa desse tipo, de ir para alguma coisa, alguma organização pública. Não era natural a ideia de uma carreira privada, de montar um negócio, como muita gente que eu conheço, que tem essa formação mais voltada para a iniciativa privada. Eu não, a minha formação... Meus pais professores, militar... Era muito mais na linha ou de ser professor, ou de... Eu pensei muito em uma época de estudar matemática, ou então fazer algum concurso público em alguma coisa qualquer.
P/1 - O trabalho em um órgão público era algo seguro? Havia também essa ideia?
R - Não era só isso. Quer dizer, era isso também, porque naquela época, por exemplo, o militar era uma classe média alta. E hoje se inverteu isso; as carreiras nas estatais tomaram o lugar classe média alta, que naquela época, até os anos 50, anos 60, era muito de militar e professor. Segurança era importante, mas havia também um pouco da ideia de serviço público no sentido nobre do termo, de que você tem que servir ao seu país. Ganhar bem era importante, mas não era o objetivo fundamental do que você devia buscar.
P/1 - Você entrou na faculdade mais ou menos que ano?
R - Eu entrei em 66.
P/2 - Você chegou ainda a pegar parte da Revolução.
R - Peguei, peguei. Eu vi o Vladimir Palmeira entrar na mala de um carro, e falar ali naquele ginásio da PUC, e depois sair de novo na coisa. Teve dia que... Eu não estava nesse dia, mas houve dias em que vinham carros com soldados, e encostavam todo mundo na parede. Bem no fim dos anos 60, na fase crítica. Mas naquela época eu estava preocupado com festa, não tinha muito engajamento político, não. Em me lembro que achava legal, que via o Vladimir Palmeira... Foi antes do sequestro, daquela coisa toda. Eu achava interessante aquilo, mas não era uma coisa que eu participasse naquela época, não.
P/1 - A PUC também teve todo um envolvimento, até pelos padres, né?
R - Mas menos. Não era tanto quanto a Faculdade de Direito, aquelas outras faculdades ligadas a UNE naquela época. Nacional, etc. Que tinham um compromisso, uma participação política mais intensa. É claro que tinha gente da PUC também, mas não era tanto quanto... E principalmente engenharia; engenharia era um bando de bobalhões (risos) que não sabiam de nada, só sabiam fazer conta...
P/2 - Era uma área menos politizada.
R - Era uma área menos politizada. Eu testemunhei algumas coisas, mas eu não participava tão ativamente, não.
P/1 - E o seu pai? O que ele comentava?
R - O meu pai era muito velho nessa época. Porque o meu pai, como eu te disse, quando eu nasci ele tinha 65 anos. Ele foi professor dos tenentes. Então, quando eu tinha 20 anos ele tinha 85 anos. Já estava aposentado, já estava começando naquela fase decadente. Infelizmente quando a gente é adolescente a gente não pergunta tanto aos nossos pais quanto a gente deveria, principalmente quando o pai é mais velho. Hoje eu me arrependo de não ter perguntado um monte de coisas, porque ele nasceu no século 19. Mas naquela época ele já não... O envolvimento dele... Evidente que por ser militar ele tinha... Mas por outro lado ele era muito amigo do... O Prestes sempre gostou muito dele. O Prestes dedicou a ele... No Cavaleiro da Esperança, do Jorge Amado, tem um capítulo sobre meu pai. O capítulo três ou quatro, se eu não me engano, é sobre o meu pai. Na Escola Militar. Ajudou o Prestes, ajudou as filhas do Prestes quando o Prestes esteve exilado. Ele não tinha radicalismos de direita ou qualquer coisa desse tipo, não. Pelo contrário. Sempre foi muito ligado ao pessoal do PTB, PSD. O Juracy... O Juracy odeia ele, mas o Juarez Távora... Já na Revolução Militar ele não tinha nenhuma vinculação política ou de interesse, não. Ele já era praticamente aposentado.
P/1 - Você fez a sua pós-graduação quase em seguida do curso, né?
R - Fiz em seguida. Comecei a fazer o mestrado em engenharia logo em seguida. Mas eu rapidamente percebi que esse negócio de engenharia mecânica eu não queria. Eu não queria ir para uma fábrica. Eu fiz estágio na IBM na época em que a IBM estava construindo a fábrica em Campinas, e havia a oportunidade de ir para Campinas, mas eu não quis trabalhar numa fábrica de computadores em Campinas, então eu imediatamente comecei a fazer o mestrado. Eu descobri nesse negócio da engenharia industrial, da área de finanças, um interesse maior, que acabou sendo a coisa em que eu me dediquei mais.
P/1 - Qual foi a universidade em que você fez o mestrado?
R - Na PUC também. Engenharia Industrial na PUC. Mas quando eu estava no meio do mestrado surgiu de repente um anúncio no jornal de um concurso em que eu fui lá e fiz, na Fundação Getúlio Vargas, e passei. Era o BNDE. Eu não sabia nem para o quê eu estava fazendo o concurso; eu só sabia que era a Fundação Getúlio Vargas que estava fazendo. E passamos três na época: eu , o Pedrinho Paccini - que é o... Eu não sei bem o que ele está fazendo, mas era superintendente do Banco -, e outro, o Luiz Fernando Schneider - que também está no Banco; acho que se aposentou, não sei. Então nós três passamos nesse concurso, e eu fui bater no BNDE. O Primeiro... Não é para falar de coisas que eu trabalhei, mas o meu primeiro chefe foi o Saturnino Braga, o senador. Logo de cara, quando eu bati lá no Departamento de Estudos Econômicos, era o Roberto Saturnino, que era uma figura charmosíssima, tal. E aí começou.
P/1 - Ele foi entrevistado.
P/2 - Mas como foi essa história? Foi fazer um concurso e não sabia exatamente para que era?
R - É, eu fui à praia de Botafogo fazer um concurso, tal. Era exatamente na área de matemática financeira; eu estava com aquele negócio muito na cabeça, estava estudando isso. E passei. Eram 70 candidatos, passamos três. Nos chamaram e eu fui lá trabalhar com o Saturnino.
P/1 - Esse concurso foi em que ano? Você lembra?
R - Em 71. No comecinho de 71, que eu comecei no BNDE em junho de 71. Junho ou julho de 71. Aí eu fiquei um período muito pequeno, uns três meses, com o Saturnino. Logo depois eu tenho impressão que o Saturnino saiu para ser candidato a Senador pela primeira vez.
P/1 - Mas esse setor era planejamento?
R - Departamento de Estudos Econômicos. Era o equivalente hoje à área de planejamento. Eu dei uma sorte incrível, porque eu fui trabalhar com uma das pessoas... Não sei se já comentaram. Eu acho que havia duas pessoas assim que influenciaram o Banco. Que não foram diretores, mas que influenciaram demais a formação das pessoas do Banco. Uma era o Rangel, que todo mundo fala, e outra era o Euricles. O Euricles foi naquela época o equivalente a um chefe de departamento, um superintendente, mas é um homem brilhante, de um charme extraordinário. E foi quem me cativou para o BNDE; foi quem me despertou o grande gosto para projeto, para o desenvolvimento, por tudo aquilo; por ler, por estudar. Ele era cativante, porque ele gostava das pessoas jovens, motivava muito. Durante o tempo em que eu trabalhei com ele, aquilo foi uma semente que foi colocada, e que até hoje tem o seu efeito.
P/1 - Isso funcionava quase como um grupo de estudos...
R - Não, era a parte de projetos, mesmo; não era estudos, não.
P/2 - Mas essa generosidade deles, de passarem as informações...
R - Naquela época tinha pouca gente jovem no Banco; o Banco tinha 600 pessoas, a maioria já com certa idade. Foi um desses períodos em que passou 15 anos sem ter concurso, então tinha um gap muito grande entre nós e os últimos que haviam entrado. Então, havia um afã muito grande de... As pessoas do Banco eram... Eram e são muito generosas com quem entrava, e eu conheci gente extraordinária. Lembro que o primeiro dia que eu cheguei ao Banco para trabalhar, era eu, e se eu não me engano eram três... Uns três lugares vagos. Os três estavam presos (risos). Era o Júlio Mourão, o Carlinhos Telles... E o Dager de Amaral. Esse não estava preso, não; estava lá. Mas as duas cadeiras do meio eram de gente que estava presa (risos). Mas aí fui conhecendo as pessoas do Banco, os advogados... Era um pessoal muito inteligente, os almoços eram muito agradáveis, a gente discutia política internacional... Eu comecei a mexer com projeto. Foi no começo dos anos 70, então foi o começo daquele período de substituição de importação. Bens de capital, tal... Iam aqueles grupos grandes visitar empresas...
P/1 - Quais foram as empresas que você lembra que você foi nesse início?
R - Nessa época eu trabalhava na área de metalurgia e bens de capitais. Villares, Bardella, Eletrometal na época... Enfim, todas essas empresas de equipamentos. E a gente trabalhava muito em conjunto também com o Sebastião Soares, que era da área de siderurgia. Então, aqueles projetos já da USIMINAS, do começo da USIMINAS, COSIPA, Anhanguera... Eu me lembro que logo que eu cheguei lá eu fui para o FINAME fazer um levantamento... E foram as duas coisas que me seduziram do Banco. A primeira foi essa, que eu passe um mês na (FIRCE?) que era controle de capital estrangeiro, para levantar equipamento que havia sido importado para o Brasil. Eu fiz um levantamento por setor, etc. e tal, fizemos uma proposta e criou-se o famoso FINAME de longo prazo. Naquela época o FINAME era uma linha de três anos, uma linha de curto prazo, e nós sugerimos criar uma linha de financiamento compatível com as linhas de financiamento para equipamentos importados. Eu lembro que o ministro era o Delfim, aí saiu em todos os jornais: “A nova linha de...”. Eu achei o máximo de ter trabalhado em uma coisa que foi noticiário em todos os jornais. Achei fascinante. E segundo, eu me lembro que uma vez a gente estava lá, e aí o Euricles ia visitar uma outra empresa; eu estava trabalhando em outra empresa. O Euricles ia para São Paulo levando um grupo grande, e ele chegou para mim... Eu assim, recém formado. Falou: “Nós estamos viajando, então qualquer coisa você responde pelo Departamento”. Aquilo para mim, eu acho que nem quando eu fui presidente do BNDE foi uma honra tão grande quanto esse deixar daquele dia tomando conta do Departamento.
P/1 - O Euricles era o chefe do departamento?
R - Era. Aquilo ali me cativou realmente.
P/2 - A confiança...
R - É, a confiança... E aí realmente o que a gente aprendeu naquela época foi muito interessante.
P/1 - Comenta um pouco também da situação do país naquela época. Como estava? O que vocês discutiam?
R - Bom, era ainda a época do Governo Militar, mas foi a fase de substituição... Foi o começo, um pouquinho antes dos grandes programas de desenvolvimento, de substituição de importações. Quando nasceram os programas de insumos básicos, os programas de bens de capital, o programa de papel e celulose, o programa de fertilizantes; e um pouco antes dos grandes investimentos em petroquímica, em fertilizantes, em papel e celulose, etc. Naquela época, o foco era metalurgia, siderurgia e bens de capital. Logo depois passou para a área de insumos básicos, e a coisa tomou um porte bem maior. Mas isso já no meio dos anos 70, já em 75, 76, 77, por aí.
P/2 - E nesse departamento você ficou quanto tempo?
R - Eu fiquei um ano e meio. Logo no começo de 73 eu saí...
P/1 - Só um minutinho. Você entrou já contratado como engenheiro?
R - Eu entrei contratado com engenheiro, mas naquele concurso, como eles estavam com dificuldade de pessoal... Esse concurso da Fundação Getúlio Vargas não era oficialmente um chamado concurso público. Então eu não entrei no quadro do Banco nesse período, eu entrei através desse contrato em que a Fundação Getúlio Vargas trazia mão-de-obra para eles. O contrato terminou em 73, e não havia concurso previsto para aquela época, não havia autorização para fazer concurso, aí eu saí e fiquei dois anos na IBM. Mas na IBM na área financeira. Aí eu terminei o meu PhD... O meu mestrado. Fiz mais um semestre e terminei o mestrado, que eu tinha mais ou menos interrompido nesse período. E aí fiquei dois anos na IBM, na área financeira. Foi muito interessante porque eu trabalhei um bom período em auditoria. Eu, como toda a pessoa recém-formada em engenharia, não tinha a menor noção do que era uma fatura, do que era um livro-razão, do que era lucros e perdas... Aprendi isso tudo sendo auditor. Era uma auditoria operacional, não era uma auditoria sofisticada, mas para mim foi interessante, porque foi quando eu aprendi a ver as coisas lá no fundo. E depois desses dois anos eu voltei; teve uma oportunidade lá e eu voltei para o Banco. Aí sim teve um concurso de sênior, já para pessoas... E eu passei. Eu fiz o concurso e passei em primeiro lugar.
P/2 - Esse concurso foi em 74?
R - Eu não me lembro quando foi exatamente, mas eu já tinha entrado, eu entrei de volta como contratado, fiquei um período num departamento e passei para assessor de um diretor. Foi o meu primeiro cargo gerencial, de executivo. Era assessor do Gilvan, um diretor que era do Banco do Brasil. E aí como assessor eu fiz concurso junto com uma porção de gente, e passei. Aí entrei para o quadro do Banco propriamente dito.
P/1 - E aí você foi para que área? Voltou então para o Banco...
R - Aí eu já estava no Banco de volta e fiz o concurso dentro do Banco. Eu já estava de volta no Banco, como assessor se eu não me engano, fiz concurso e passei. Foi um concurso grande, que muita gente passou e tal. A maioria das pessoas hoje que estão no final da carreira no Banco são desse concurso. E o que aconteceu? (pausa).
P/1 - O trabalho de assessoria então...
R - Aí eu fui assessor... E logo depois aí eu fui... Talvez fosse uma das épocas mais fantásticas do Banco... O Luíz Antônio Oliveira, hoje presidente da Globo Cabo - que era presidente da __ -, passou a ser chefe de departamento de indústrias químicas, e eu saí de assessor para gerente do Departamento de Indústrias Químicas. Mas gerente naquela época, eu tinha 11 pessoas subordinadas a mim. Gerente naquela época era muito mais do que muita chefia de departamento hoje em dia. No Banco tem departamento para tudo; multiplicaram-se os cargos gerenciais. Era coisa para burro. Eu tinha vinte e poucos anos. Foi 75, então eu tinha 27 anos e já era gerente. E numa época extraordinária, que foi a criação dos polos petroquímicos, a criação da Aracruz, a criação da Riocell... Enfim, todos os investimentos de insumos básicos, principalmente nessa área de indústrias químicas. Programa de fertilizantes... Foi um período extraordinário. O Banco fez o concurso, e a maioria das pessoas que entraram para o Banco e hoje estão como superintendentes entraram nesse período. Mas entraram como recém-formados, e nós éramos os gerentes, chefes de departamento daquela época. 76 especificamente. A maioria das pessoas que hoje é superintendente do Banco entrou naquele concurso, que já foi posterior ao que eu já tinha feito antes.
P/1 - Por essa época o BNDES cria também aquelas subsidiárias, aquelas agências. EMBRAMEC...
R - Isso. FIBASE e IBRASA. Eu não tinha contato com todas, mas muito com a FIBASE, porque como nosso departamento era de insumos básicos. Indústrias químicas, nossa relação era com a FIBASE, que o diretor na época era o Zé Clemente, que depois virou diretor do Banco. Meu amigo até hoje. Mas já era uma pessoa mais velha; quando eu entrei no Banco pela primeira vez, o Clemente já era uma pessoa sênior. Era um sujeito inteligente. E tinha também o Paulo Domingues, que ficou muito meu amigo também, que foi diretor da FIBASE. A gente trabalhava muito junto com a FIBASE, porque tinha sempre financiamento e participação acionária nesses projetos de insumos básicos.
P/1 - Isso já era uma abertura das atividades do Banco?
R - Era, mas não tinha uma visão assim... Era uma visão de que o nível de endividamento das empresas não podia ser maior do que um determinado, e que, portanto financiamento só não resolvia, tinha que ter um aporte de ações, de capital próprio, para reforçar o capital privado das empresas. Mas não tinha uma visão de mercado de capitais por exemplo. Eu me lembro que a primeira vez que eu... (riso) Depois eu fui superintendente da FIBASE, e a primeira vez que eu coloquei no financiamento da FIBASE para vender um pouco das ações, o Pedro Clemente quase me bateu, porque ele achava que as ações tinham que ficar lá para sempre. Não tinha essa visão de que você tem que entrar e tem que sair, que hoje é corriqueira. Hoje na BNDESPAR... A BNDESPAR não existe mais, mas na BNDESPAR você está entrando pensando na forma de saída. Naquela época, não. Você entrava e não pensava em sair. Era entrar para ficar. Era como se o aporte de recursos... O BNDE não devia se preocupar com o turn over dos ativos.
P/1 - Era longo prazo.
R - Era longo prazo mesmo (risos).
P/1 - Então conta mais um pouquinho dessa época?
R - Essa época foi fascinante, porque...
P/1 - Da assessoria...
R - A assessoria foi boa, foi interessante, mas principalmente o departamento industrial de química, todo mundo... O (Luís Lorestein?), o (Calash?), o Reginaldo, que morreu - que tem a Sala (Reginaldo ____?) -, trabalhavam comigo. Enfim, o (Benny?), o (Eduardo Rates?), que virou diretor do Banco... Um grupo extraordinário. A Mariane Sardenberg, que começou com estagiária minha... Enfim um grupo que tem tantas pessoas que hoje tem cargo importante no Banco, e que participaram desse movimento. E nós éramos... Modéstia a parte, nós éramos... A gente trabalhava muito, porque tinha muito trabalho. E muito motivados. Então o departamento tinha um esprit de corps extraordinário; todo mundo tinha consciência que estava fazendo um trabalho importante. Então, foi muito motivante. Tanto é que as pessoas que trabalhavam juntas - Cristina... - que trabalhavam juntos nesse período se lembram com apreço até hoje. Todo mundo ficou muito amigo, em função de um período profissional muito interessante que nós vivemos juntos.
P/1 - Continuando então sua trajetória, você...
R - Depois teve uma época que... Quando terminou mais ou menos essa fase, eu fui ser superintendente da FIBASE, que depois se tornou BNDESPAR. E fiquei lá um período, e me lembro que eu era conselheiro da Riocell na época. Eu era conselheiro de diversas empresas; a primeira vez que eu comecei a participar do conselho de muitas empresas.
P/2 - Você era muito moço também como superintendente, né?
R - Moço. Em 77, 78, eu tinha 29 anos. 29, 30 anos. E aí, numa ocasião... Eu tenho a impressão que foi o (Luís Lorestein?) que chegou para mim: “Olha, eu tenho um prospecto aqui de um estudo, de uma faculdade nos Estados Unidos, para estudar história do pensamento econômico, economia política...” Aí eu olhei: “Vou fazer esse aplication”. E fiz o aplication, mandei o aplication e fui aceito. Pô, eu tinha 29 anos, era superintendente da FIBASE, conselheiro de diversas empresas, eu estava na dúvida se eu ia ou não. Eu me lembro de um velhinho que trabalhava na Riocell, que falou: “vai mesmo; esquece isso tudo e vai.” Aí foi o que eu fiz. Larguei tudo. Quer dizer, pedi licença ao Banco e passei três anos fora.
P/2 - Em que ano você foi?
R - Eu fui em 79 e voltei em 82.
P/1 - E era em pensamento econômico a...
R - Eu fiz economia, história do pensamento econômico e economia política. Na realidade, era marxismo ali, passei O Capital inteiro, os três volumes d’O Capital. Li todas as cartas do Marx, História do Pensamento Econômico... Li os clássicos todos, o Adam Smith, Ricardo, (Maltum?), essas coisas todas. E foi ótimo.
P/2 - Como é essa relação de estar estudando o pensamento econômico e essa experiência no BNDE?
R - Naquela época no BNDE a gente lia muito. Não só na área de finanças. Líamos Celso Furtado, convivíamos com o Rangel. Aquela literatura toda dos anos 60, dos grandes pensadores, dos Latino-Americanos, do ____ e tal, muitos deles foram, o Celso Furtado foi do BNDE, o Roberto Campos... A maioria deles passou de alguma forma pelo BNDE, então você tinha nas revistas do BNDE artigos deles. E os livros também publicados. Todos nós líamos o Celso Furtado, o Grupo ___, o (Prebish?). Então já tinha certa curiosidade por isso aí. Eu tinha estudado engenharia, eu tinha estudado finanças, etc., mas nunca tinha estudado economia. Quer dizer, tinha estudado microeconomia, tal, mas não... Então eu tinha certa curiosidade de... Eu não queria ir para os Estados Unidos para estudar MBA, porque MBA eu já tinha; eu já tinha feito de uma certa forma esse negócio de finanças na PUC, e o nosso trabalho do dia-a-dia era aquilo, não tinha muito mais o que aprender fazendo MBA. Então, foi ótimo, foi extraordinário.
P/1 - E Nova Iorque naquela época?
R - Foi a melhor época da minha vida, foi uma coisa extraordinária. Inclusive casei lá.
P/2 - Casou com uma americana?
R - Casei com uma americana.
P/1 - Qual é o nome dela?
R - Nancy. Mas foi ótimo, primeiro porque foi uma mudança radical. Não sei se vocês... Mas o (Ray Bronner?), que é um cara que escreveu diversos livros de microeconomia, macro, foi meu professor, foi o cara que me fez exame oral. Era uma faculdade no Village praticamente, ao lado da (Washington Square?). Acordava de manhã, ia estudar na biblioteca...
P/1 - Mais badalado também não podia.
R - Não, e...
P/1 - No point.
R - No point. Mas o que eu achei interessante é que como eu tinha trabalhado já muito... Eu acordava, ia para a biblioteca, estudava, ia para a faculdade para ver aula, e depois... Raramente em três anos eu fiquei virando noite estudando. Eu estudava todo dia. Então, todo dia eu ia em teatro, fazia assinatura de diversos círculos de teatro, via todas as peças clássicas. Eu lia muita literatura francesa, mas muito pouca literatura inglesa e americana, então comecei a ler bastante literatura inglesa e americana. Foi uma época maravilhosa. Maravilhosa. Nova Iorque foi logo depois do Bye Centennial quando deu aquela decadência, então Nova Iorque estava em uma fase boa de novo. Foi muito, muito interessante.
P/1 - Sua esposa você conheceu na faculdade? Você conheceu...
R - Não, ela estava fazendo MBA lá em (Iowa?), mas eu conheci ela através de amigos.
P/2 - E você fez amigos também lá?
R - Muitos, muitos. Tenho amigos de lá até hoje. Amigos americanos e também franceses; tinham diversas comunidades... Tenho muitos amigos americanos.
P/1 - E a volta então para o Brasil?
R - Eu voltei para o BNDE, e aí...
P/2 - O BNDE deu licença?
R - Deu licença. Eu voltei como... Naquela época era assessor do vice-presidente, que era o Sérgio Assis, que era também da velha guarda lá do Banco. Eu gostava muito dele. Gosto muito dele. Fiquei como assessor, depois eu passei a chefe do Departamento de Indústrias Químicas, um período bom.
P/2 - No Departamento de Indústrias Químicas do Banco?
R - Do BNDE.
P/1 - E nessa volta o que tinha mudado? Alguma coisa? Você achou alguma coisa diferente?
R - Não era uma época tão pujante quanto aquela época anterior. O meio dos anos 70 foi uma... Quando eu voltei já era o começo dos anos 80: 82, 83, 84. Então já não era um período daquela pujança. É claro que o trabalho do Banco sempre tinha coisas interessantes, mas não era mais aquele furor dos anos 70. Mas o pessoal era quase o mesmo. Depois que eu percebi, realmente eu percebi: “Não, realmente aqui eu já fui chefe de departamento, já fui superintendente... A única coisa que me interessa é ser diretor. E para ser diretor do Banco, primeiro que eu sou muito novo, e segundo que não depende de eu ficar aqui; vai depender de um acaso da vida, mas não de eu estar aqui.” E aí um amigo meu, o Pedro Henrique Mariani, me chamou para ser diretor do banco dele, um banco de investimento, BBM, e que...
P/1 - É o Banco da Bahia?
R - É o Banco da Bahia, que naquela época era um banquinho de nada. Era um banco que tinha 20 milhões de dólares de patrimônio, incluindo fazenda, petroquímica, seguros... Ele era mais jovem que eu e estava assumindo o banco numa fase um pouco difícil. Ele convidou a mim e ao Luís Otávio Mota Veiga, que tinha entrado como gerente jurídico, nós dois para diretores. Eu entrei como vice-diretor e o Luís Otávio passou para diretor jurídico também na mesma época. Trabalhamos na mesma sala durante anos. E aí de novo eu passei por uma fase profissional muito interessante, que foi pegar um banco que estava...
P/1 - Mas o banco era aqui no Rio mesmo?
R - O banco era aqui no Rio, era aqui na Candelária. Ainda é. Era um banco que tinha tido um problema de transição de geração, o banco comercial tinha sido vendido para o Bradesco; restou um banco de investimento, mas sem cultura de banco de investimento. E o Pedro Henrique assumiu, que era o filho mais novo do Clemente Mariani, o banco ainda precisando de ajuda. Ele trouxe ainda um pessoal jovem. E aí começou um período na área privada que foi tão motivante quanto esse período no BNDE, anterior às indústrias químicas. A gente começou a desenvolver o banco e o banco foi muito, muito, muito bem. Quando eu entrei, o lucro era de um milhão e pouco de dólares, e no ano seguinte foi cinco, no ano seguinte foi dez, no ano seguinte foi 20, no ano seguinte foi 40... E foi uma explosão assim...
P/1 - Como se ergue um banco?
P/2 - Mas qual é o processo disso?
R - Foi um pouco de sorte também, mas eu acho que a gente tinha empolgação. E naquela época o modelo do banco... O modelo de sucesso dos bancos de investimento do Brasil sempre foi assim, moldado, copiado do Garantia, que o banco Garantia estava indo muito bem naquela época. Era uma ideia de trazer gente jovem, gente de bom nível, trabalhar bem na área de tesouraria, ter controles gerenciais bons, e reduzir... E pegamos aí, cada um dava uma colaboração de uma maneira... E aí o banco foi super bem, foi um período muito interessante de trabalho. Quando o banco já estava muito bem, me perguntaram se eu queria ir para a área petroquímica, que a área petroquímica não ganhava muito dinheiro, aí eu fui morar na Bahia, e passei dois anos e meio na Bahia, como presidente da Pronor Petroquímica que era...
P/1 - No próprio polo?
R - No polo de Camaçari. Era uma empresa do Grupo Mariani.
P/1 - Você já tinha trabalhado também no Banco no setor de petroquímica, não tinha?
R - No BNDES. Eu tinha trabalhado no Departamento de Indústrias Químicas. Mas eu trabalhava com petroquímica, com papel e celulose, com todos os fertilizantes, com tudo. Eu acompanhei a construção de Camaçari, o Copesul, etc. Mas eu nunca tinha trabalhado diretamente numa empresa industrial assim, de petroquímica. E foi... Eu adoro a Bahia, minha mulher adorou a Bahia... E como eu já era diretor de um banco de origem baiana, todos os conselheiros, acionistas do banco, eram baianos. Então nós tivemos o privilégio de sermos recebidos pela comunidade de Camaçari, que era a comunidade industrial, o pessoal do sul que tinha ido para lá por causa daquele... E pela comunidade antiga baiana, que eram todos ligados à família Mariani, às famílias todas do banco... Foi uma época muito interessante; eu até hoje é difícil passar um período sem ir à Bahia. Gosto muito da Bahia. Acabei virando baiano depois. Honorário.
P/2 - (risos) Cidadão honorário. Uma honra, né?
R - É.
P/1 - Agora, explica para um leigo o que é o polo de Camaçari.
R - Nem sei por onde começas, mas...
P/1 - Você já visitou...
P/2 - Você já havia visitado como funcionário do Banco?
P/1 - Eu quero que você dê uma ideia do projeto de Camaçari.
R - A petroquímica no Brasil, a primeira iniciativa foi o polo de São Paulo. A central petroquímica foi criada pela UNIPAR, que na origem era o Unibanco e o grupo Soares Sampaio. Depois o Unibanco teve dificuldades e ficou só o grupo Soares Sampaio, posteriormente (GAI?). E o estado tomou conta, porque passou a ser o controlador, e o grupo UNIPAR, que é hoje da família Soares Sampaio ___, continua acionista até hoje. Mas as empresas de segunda geração, chamadas (down swim?), eram todas na maioria estrangeiras. E Camaçari foi feito numa concepção completamente nova, em que a central petroquímica era predominantemente estatal; 48% era estatal, da Petroquisa, e o restante eram sócios privados. Mas sem controle de ninguém; o controle de fato era estatal. E para as empresas de segunda geração foi criado aquele famoso modelo 1/3, 1/3, 1/3. 1/3 estatal, 1/3 privado nacional e 1/3 estrangeiro. E permitiu, com um apoio muito grande, fazer o maior complexo do hemisfério sul. Ainda é o maior complexo petroquímico do Brasil, mesmo depois do Copesul ter sido criado e se expandido.
P/1 - Copesul é posterior a Camaçari.
R - Posterior. Quando Camaçari estava terminando, Copesul começou. Terminou uns três, quatro anos depois.
P/1 - E essa empresa que o senhor foi ser presidente, a Pronor, é uma...
R - É uma das empresas de segunda geração, que originalmente tinha grupos estrangeiros também, o grupo Mariani e a Petroquisa. Mas quando eu entrei, o grupo estrangeiro já tinha vendido, e era 50% do grupo Mariani e 50% da Petroquisa.
P/1 - Conta um pouquinho mais lá da Bahia. Desse trabalho...
R - Foi muito interessante. Foi alguns anos antes da privatização da petroquímica, da siderurgia, etc. E portanto era um clima predominantemente de empresa estatal (risos). E eu ousei criar algumas coisas meio... Vindo de um banco de investimento privado... De bonificação baseada em lucro... Eram novidades...
P/1 - Para os empregados?
R - Para os empregados e para os diretores também. E eu admitia e demitia... Quer dizer, naquela época ninguém demitia ninguém. Então foi uma fase, um prelúdio do que aconteceria posteriormente com a abertura da economia. E da privatização, que obrigou todo mundo a agir da mesma maneira, de uma certa forma.
P/1 - Mas era sua experiência de diretor do Banco que você estava jogando...
R - É. A experiência bem sucedida do que tinha acontecido com o banco de investimento que eu levei um pouco. Claro que adaptado, porque não dá para fazer; lá eram mil e tantas pessoas, empregados. O banco era muito menor. Mas de qualquer jeito funcionava. Premiar mais, etc.
P/1 - E como foi a recepção desse novo...
R - Olha, foi boa. A empresa no primeiro ano que eu estava lá teve um resultado muito bom. Foi muito bom, tinha aquelas festas... Eu me lembro que a primeira vez, logo que eu cheguei, tinha uma festa de fim de ano. Eu cheguei no final do ano. Se eu não me engano, era 88. E aí teve uma festa de final de ano que eu achei a coisa mais chata do mundo. Aí eu disse: “No ano seguinte eu vou fazer uma festa legal”. Aí me sugeriram o nome de um grupo que eu não sabia quem era: Olodum (risos). Aí eu fiz uma festa com o Olodum, foi um negócio espetacular, a festa não acabava mais, foi até o dia claro... A nossa festa ficou famosa lá em Camaçari, a melhor festa do polo... Mas foi um período muito legal, muito bom. Eu comprei uma casa simpática lá na Bahia...
P/1 - Lá em Salvador, mesmo.
R - Em Salvador. Tinha que andar quase 100 quilômetros de ida e volta, mas tudo bem. Foi um período... Eu não sei como seria se eu tivesse que viver lá para o resto da vida, mas por dois anos e meio foi um período muito agradável.
P/1 - Pio, a gente vai fazer uma pausinha agora, porque a gente já está com uma hora.
R - Já uma hora?
P/1 - É.
R - Estou falando demais.
P/1 - Nada, você fala até rápido demais, pula até várias coisas.
R - É?
P/1 - Você tinha falado que quando entrou no Banco o ambiente era muito bom, que se debatia muito. Eu gostaria de saber os temas que eram debatidos, com era estar pensando o Brasil dentro do Banco...
R - Como eu disse, logo que eu entrei para o Banco, havia um gap muito grande entre o último concurso e quando nós entramos. Nós convivemos muito com uma geração do Banco que foi uma geração quase da criação, que estava lá desde a criação, e que conviveu com todo aquele processo de... Desde Roberto Campos, Celso Furtado... Todos, todos os grandes debates das Teses Cepalinas. Além disso, essa literatura era quase obrigatória. Eu não conhecia quando eu entrei, mas imediatamente você era obrigado a ler sobre a formação econômica do Brasil, todos aqueles livros. E naquela época o Celso Furtado escrevia quase um livro por ano. Então a gente tinha que ler tudo, inclusive as revistas antigas do Banco, que era presente. Eu me lembro de um livro do Rangel, “A inflação brasileira”, que é um clássico. Mas além disso a influência intelectual era muito boa, muito interessante. Eu me lembro que quando eu entrei no Banco, engenheiro recém-formado, percebi imediatamente que a mesa na hora do almoço... O Banco era na Rio Branco, 53; naquele prédio que está abandonado ali, e a gente almoçava todo dia num boteco chamado Brilhante, e eu percebi imediatamente que a mesa dos advogados era mais interessante. Era o (Warison?) o (Gilberto Bugue?), Nilton Bento. E a turma mais jovem, que era o Costa e Silva, o (Zé ___ Nunes Pinto?), eu... A gente falava de política do Uruguai, da Argentina, da França, de tudo o que estava acontecendo. Os Colorados, os Tupamarus, não sei o quê... Era uma conversa muito inteligente. O (Warison?), que era uma pessoa adorável, era chefe de gabinete do Marcos Viana, que era presidente do Banco na época, ele traduziu “Totem e Tabu” do Freud para a edição Standard do Freud, da Imago na época. Era um sujeito culto. Depois eu tive o privilégio de sentar na mesma sala como (Gilberto Bugue?), filho do (Viana Bugue?), e que me deixou dois vícios. Um, de comprar... Ele era um colecionador de livros extraordinário; todo dia chegava com um pacote de meia dúzia de livros de um sebo. E eu peguei essa mania também, de ficar comprando livro em sebo. E o segundo de fumar charuto e cachimbo, porque ele... Era uma salinha mínima, e ele fumava charuto e cachimbo. Ou vou aderir, ou vou brigar com ele. Como eu não podia brigar com ele, que ele era muito legal, eu acabei fumando charuto e cachimbo até hoje. Então o Banco daquela época deixou a gente... Eu acredito que também hoje para as pessoas que estejam entrando, mas a percepção nossa não é a mesma. Naquela época a gente tinha Saturnino Braga... Era gente assim... E muito presente, você convivia com essas pessoas. Então, entre os jovens criava-se imediatamente um interesse: “Você já leu isso?” E a gente vivia ali. Era difícil você ler aquilo e ter uma relação com a realidade tão próxima quanto tinha no BNDE. A gente via aqueles problemas no negócio da substituição de importações, do subdesenvolvimento, dos estudos... Aquilo ali não era uma ficção, não era uma abstração. Era a realidade que nós estávamos vivendo ali na época.
P/1 - Esse lado de discussão, de interesse, de sempre descobrir coisas novas, de descobrir o que estava se passando, sempre foi uma tônica do Banco? O Banco também promovia cursos? Com é que...
R - Eu não me recordo na minha época... A coisa melhorou muito a partir do treinamento. Na minha época não havia tantos cursos formais. Hoje você tem permanentemente o centro de treinamento, pessoas fazendo cursos fora... Naquela época, não. O Banco era mais... Mas por outro lado a influência intelectual interna, endógena - digamos assim - já era muito grande. A gente não precisava sair dali para aprender muito. Com as viagens, com os projetos... E outra coisa que motivava demais o interesse é que você estava num dia trabalhando com bens de capital, daí a seis meses você era jogado para uma outra área, e ia trabalhar na área de agroindústria. Aí você tinha que aprender tudo de novo, aprender agroindústria... Depois ia para a área de infraestrutura, de ferrovias...
P/1 - Uma agilidade...
R - Uma agilidade e uma necessidade de você fazer estudos econômicos, de você fazer estudos financeiros... Então, você passava um ano por cada departamento desse... E todos nós do BNDE passamos por múltiplos: papel e celulose, metalurgia, siderurgia, agroindústria, têxtil, não sei o quê... Você mal ou bem acabava conhecendo um pouquinho. O perigo é aquele negócio de você conhecer nada sobre tudo (risos), mas dava para conhecer alguma coisa sobre a maioria dos setores. Até hoje o BNDE é importante no governo, porque ele traz uma carga de conhecimento sobre a economia como um todo, sobre os setores, com base nessa experiência micro, que é essa experiência do projeto propriamente dito, de você ir lá, ver, estudar o que está acontecendo. O ativo fundamental do banco não são só as pessoas, mas também o fato de você ter essa informação direta.
P/1 - Isso de você rodar por vários departamentos é uma sistemática do Banco? Um lado já previsto?
R - É um pouco previsto, mas é um pouco de acaso também. Você às vezes é mudado. Eu me lembro que eu fazia muito isso. Quando eu era chefe de departamento, tinha uns cinco, seis gerentes... Naquela época os departamentos eram grandes, cada gerente tinha uns cinco ou seis funcionários. Aí de vez em quando eu mudava tudo: “Você que está no papel vai para a química; você que está na química vai para...” Era uma reação; ninguém queria mudar, todo mundo queria ficar agarrado na cadeira. Mas isso fazia um bem danado, porque as pessoas refrescavam. Mudava técnicos e gerentes de carteira. Às vezes havia até reações; a pessoa não queria sair, gostava daquilo que fazia. O Rangel disse que haviam - há ainda no BNDE - as viúvas. As viúvas são aqueles que não se conformam com uma mudança de orientação. Você durante uma década se focalizou em fazer substituição de importação, de bens de capital, e aí na outra década você muda e vai conviver com uma abertura, integração competitiva. Uma parte dos funcionários do Banco, que são as viúvas, que ficam lá pelos corredores amargando o término da fase anterior. Mas a maioria acompanha, a maioria abraça o novo projeto, e nisso é que está a vitalidade do Banco: a capacidade de mudança. E que eu acho que nasce dessa mudança: o chefe sai, foi promovido, o estagiário muda... Ele fica, sente uma... Mas a longo prazo eu acho que é positivo para todos.
P/1 - Falando em mudanças, no início dos anos 80 o Banco incorpora o “S”.
R - Eu até hoje não incorporei.
P/1 - Então fala um pouquinho disso.
R - Eu sou tradicionalista. Eu acho que pode até mudar o papel, mas mudar o nome... Criou-se o fim social, tal; criaram alguns departamentos lá na área social... Eu tenho impressão que hoje a atuação social do Banco - criada primeiro com o Paulo Hartung, e depois, sucedendo-o, a Bia -, ela tem um fundamento muito mais sólido do que naquela época. Eu acho que houve uma intenção de uma dedicação maior na área social já naquela época - tanto que incorporou o “S” -, mas as experiências não foram, digamos... Talvez até o sucesso de hoje tenha como base o fracasso anterior, que mostrou como não deveria ser feito. Mas eu acho que hoje a construção da área social do Banco tem bases muito mais sólidas, mais desenvolvidas do que naquele primeiro momento. De qualquer maneira, eu acho que não devia ter mudado o nome, devia ter ficado...
P/1 - Mesmo assumindo as questões sociais?
R - Mesmo assumido. Eu acho que deveria ter assumido; eu acho que hoje é uma parte importante do papel do Banco, mas não precisava ter mudado o nome. (pausa)
P/1 - Você tem alguma lembrança de alguma viagem, saída para algum ligar mais remoto do Brasil?
R - Eu me lembro de diversas. Eu comecei lá trabalhando com o Euricles e ia lá visitar as indústrias metalúrgicas: Fundição Tupi, Eletrometal... Ia aquele grupo grande e aí você se dividia; você ficava com uma função determinada, fazendo lá um cash flow [fluxo de caixa], ou um levantamento financeiro... Era uma coisa interessante, que todo mundo ficava espalhado. E também as viagens de acompanhamento, quando tinha... Naquela época chamava controle. Análise e controle. Hoje houve uma revolução semântica e passou-se a dizer acompanhamento. Mas nas viagens de acompanhamento você ia ver como o projeto estava andando... As viagens de acompanhamento eram viagens curtas, de um dia ou dois. E as de análises eram um pouco mais longas. As então a gente viajava para tudo quanto era lado, para o Norte. Para o Sul, principalmente o interior: Joinville, Blumenau, Caxias do Sul... Você vai para tudo quanto é cidade do Brasil. Depois de um ou dois anos, você praticamente conhece o Brasil todo, o que é uma coisa fascinante. E sempre com um grupo. Depois ficou até mais interessante. No começo era eu e uma turma muito mais velha do que eu. (riso) Logo quando eu entrei para o Banco. Depois ficou mais interessante, porque quando entrou o pessoal desses concursos maiores era uma turma da mesma geração. Não da mesma idade, mas da mesma geração. Então eu me lembro da primeira vez que a gente foi à Bahia, a primeira vez que eu fui lá no Bargaço lá na Bahia; todo mundo comendo aqueles camarões, aquelas coisas todas... Era muito divertido. Evidentemente tinham milhões de histórias. Era muito bom para nós sob o ponto de vista de conhecer o Brasil, conhecer empresários... E o gozado era esse; você ia lá com vinte e poucos anos de idade e era recebido pelo dono da empresa, diretor da empresa. No princípio a gente ficava meio tímido, inseguro, e depois a gente se acostumava. Principalmente viajando com outras pessoas com mais experiência. Depois você pegava o jeito. Mas tem histórias mil sobre essas viagens.
P/1 - Tem alguma engraçada que você se lembra?
R - Ah, tem milhões; toda vez tinha. Todo grupo tinha umas figuras excêntricas, então tinha muita história engraçada.
P/1 - Zé Pio, e nessas viagens que o grupo está indo para lá, indo para cá...
R - Me lembrei de uma história engraçada. Uma vez nós fomos visitar uma empresa lá em Campinas que chamava Nativa Construções Elétricas. Era um projeto meio complicado, a empresa estava em dificuldades financeiras. E foi um grupo bom. Era eu... O gerente do grupo era o Dager Amaral, que depois se aposentou e foi morar em Maceió... Era eu, o Júlio Monteiro, o Armando Mariante? que hoje é presidente do Inmetro, tinha um contador (pausa) - que eu estou esquecendo o nome -, e o advogado era o Ruas, que depois virou abade de um mosteiro, saiu do BNDE e virou abade de um mosteiro. É um grande amigo meu. E aí, os caras querendo nos seduzir, porque a empresa não estava em boa situação, nos levaram para um restaurante. E aí mandavam trazer garrafa de uísque, e isso, e aquilo... E a gente meio constrangido. Aí chegou no final, o Dager - que eu achei de uma dignidade extraordinária - chegou: “Me dá a conta aqui.” Pagou. Dividiu entre nós a conta, pagou para os empresários. Os caras ficaram com uma cara... (riso) Eu achei de uma... O Banco tinha gente com essa integridade. Ele quando viu que os caras estavam querendo, ele pagou para os caras.
P/1 - Não deixou.
R - Não deixou, dividiu entre nós e pagou para os caras.
P/1 - Ótimo.
R - Um negócio da maior dignidade.
P/1 - E nessas viagens, vendo as diferenças regionais, se discutia essa questão da desigualdade regional?
R - Discutia. Não só nas viagens, mas todo ano tinha aqueles programas de ação no orçamento. Então essa questão do Nordeste, de taxa de juros, de financiamento todo ano você tinha a discussão de como privilegiar áreas mais pobres. E mesmo não só a nível da região, mas quase a projeto, porque a cada projeto você tinha autonomia para propor, e a diretoria tinha autonomia para acatar ou não, uma situação diferente. Então essa liberdade que você tinha de propor, desde que tivesse um fundamento, alguma coisa para a diretoria acatar, se entendesse que tinha mérito, era uma coisa muito boa. Eu me lembro que quando eu escrevia os relatórios... Eu vejo hoje no setor privado a dificuldade que as pessoas têm para escrever. No Banco todo mundo escrevia, todo mundo escreve bem. Quase todo mundo escreve bem. E era porque a gente preparava relatórios que eram obras primas, estudos que eram coisas fantásticas. Às vezes o negócio ia para a diretoria e... Muitas vezes eu mesmo como presidente nem lia direito, só dava uma folheada. Mas era um trabalho bem feito. Quando você está escrevendo uma coisa, você sabe que pode propor, e que a diretoria pode acatar uma ideia sua, então dá uma importância ao que você está fazendo. Você pode ser um mero recém-formado, com poucos anos de trabalho, e no entanto alguma coisa de importante pode sair da sua sugestão.
P/1 - Essa valorização, mesmo.
R - É.
P/2 - E aí funciona.
P/1 - Um desafio constante também, né?
R - É.
P/1 - Vamos então voltar? Estávamos mais ou menos na altura da sua presidência na Pronor.
P/2 - Então depois da (Pronor?) você retorna.
R - Aí eu voltei ao Banco da Bahia, saí da presidência da Pronor e fiquei acompanhando no conselho, mas voltei à diretoria do Banco da Bahia. Mas quase que imediatamente depois, alguns meses depois... Eu cheguei de volta no comecinho de 91, exatamente quando foi eleito o Collor. E nessa época trabalhava conosco o Pedro Bodin, era um economista se eu não me engano. Ah, o Luís Otávio Mota Veiga, nessa altura já havia sido... Só mencionar um fato interessante quando eu era diretor do Banco da Bahia. Me liga o André Lara Resende e diz: “Puxa, você imagina que o presidente da CVM está saindo, e eu pensei em fulano...”: “O senhor não pode chamar ___; o presidente ideal da CVM é o Luís Otávio Mota Veiga, o tatá”. Aí ele me diz assim: “Mas o Tatá aceita?”: “Aceita.” Aí ele diz: “Tata, vem cá. Você quer ser presidente da CVM?”. Aí ele ligou para o Dilson Funaro, o Funaro ligou para ele, e ele virou presidente da CVM. Mas aí, quando eu voltei da Pronor, o Dudu, que eu conhecia desde adolescente, foi chamado pela Zélia para ser presidente do BNDES. E aí chamou o (Pedro Bodin?) para diretor, e me chamou para ser vice-presidente do Banco. Eu gosto de mudança. Não sei se isso é bom ou ruim a longo prazo, mas... E aí eu fui. Eu estava voltando de um projeto que tinha sido mais ou menos concluído e não tinha ainda outro, e em princípio minha ideia era voltar para fazer o que eu estava fazendo antes, então fui. E aí passei os primeiros dois anos e pouco como vice-presidente do Banco, numa época muito dura, foi aquela época de abertura comercial, começo da privatização... Foi o período da privatização da Usiminas, da petroquímica, enfim...
P/1 - Então vamos por partes. Como foi voltar ao Banco?
R - Foi bom. Quer dizer, eu sempre tive uma relação, o Banco faz parte da minha vida. Voltei a ver meus amigos, que eu tinha ficado um pouco distante. Convivi um pouco, mas menos. Mas então foi bom. Mas foi um período muito difícil; foi um período daquele negócio de demissões, de grandes mudanças... O Banco teve que se estruturar para a privatização; ele não estava preparado. E além disso todo o arcabouço jurídico, a lei tinha que ser aprovada... Então foi um período movimentado. Em termos de prazer, foi muito menos divertido do que o período posterior, do Luís Carlos, que aí era uma coisa bem mais dinâmica, as coisas já funcionavam...
P/1 - Então conta para a gente como foi organizar esse Programa Nacional de Desestatização. Como isso começou a se organizar? Como isso foi distribuído?
R - O Modiano entendeu - depois isso foi modificado - que a privatização não deveria ficar com um diretor especificamente; que cada diretor do Banco deveria pegar um pedaço, e a coordenação ser dele junto com um grupinho lá, com a superintendência de acompanhamento. Isso teve vantagens e desvantagens. A vantagem é que ela divulgou a tecnologia da privatização por mais áreas do Banco. Todos os diretores, e, portanto, todas as áreas, foram obrigados a se encarregarem de algumas empresas. Por outro lado, eu acho que, depois de um período inicial em que isso foi benéfico, a centralização em uma área só - que ocorreu depois da saída do Modiano; não sei se foi com o Pérsio... Acho que não foi com o Castro, não; talvez tenha sido com o Pérsio, e posteriormente com a Helena -, eu acho que foi positiva, porque são coisas tão diferentes a atuação no dia-a-dia do Banco e a privatização que a convivência permanente das duas funções em áreas acaba sendo ineficiente. Mas na fase inicial foi interessante, porque tornou esse conhecimento mais disperso dentro da estrutura do Banco. Eu acho que a grande qualidade do Modiano foi criar um padrão de transparência do problema. Quer dizer, todas as coisas básicas... Da contratação dos serviços, duas consultoras: uma para o serviço A e outra para o serviço B; uma que faz uma preparação, outra que faz uma segunda avaliação... Toda a questão de requerimento de auditoria externa para o processo, o tempo todo; os relatórios que são apresentados e aprovados num comitê. Naquela época era uma comissão diretora, depois passou a ser um comitê interno do governo, que se reunia no Palácio do Planalto. Todos esses hábitos de transparência... Eu me lembro que no começo a Argentina saiu na frente, saiu privatizando a Aerolíneas Argentinas, depois a (IPF?)... E a gente achando que o nosso programa era lento demais, todo mundo criticando. As críticas externas eram que o programa brasileiro era muito lento. Mas a longo prazo foi se... Tanto que chegou a mais de 100 bilhões de dólares, e com uma transparência muito maior. A maioria dos países que fizeram isso de uma maneira muito rápida acabaram não indo muito longe, não. Eu acho que essa virtude a presidência do Modiano teve, que foi criar parâmetros para o programa de privatização que permanecem até hoje.
P/2 - Como foi lidar com a resistência? Teve resistência interna também?
R - À privatização, você diz?
P/1 - Sim. Da população, manifestação na porta...
R - O Banco já há alguns anos, antes do programa de privatização, tendo percebido as pessoas mais... A partir desses grupos de trabalho que haviam sempre dentro do Banco, que diziam que o projeto de substituição de exportação estava esgotado, já tinham criado a ideia de integração competitiva, que era de que a empresa tem que sobreviver em um contexto de economia aberta, e num contexto de competição internacional. E que essa competição internacional deveria ser progressiva. Evidentemente que o Governo Collor nos causou imensas frustrações, mas uma virtude teve, que foi iniciar esse processo de abertura da economia com coragem, e que se ele não tivesse iniciado eu não sei se outro governo teria iniciado com tanta coragem quanto ele. E também os passos iniciais da privatização, que foi preciso muita determinação para você privatizar a Usiminas, por exemplo. Eu me lembro na Praça XV, aquela agitação, não sei o quê... Momentos emocionantes, mas foi necessária muita determinação. Evidentemente que no Banco ainda havia. A economia brasileira ainda é, mas era muito mais, de uma presença estatal fortíssima. O Banco convivia com as empresas estatais diariamente. E mesmo dentro do Banco havia muita gente com a percepção de que a economia estatal devia permanecer, que não havia necessidade de privatizar. Havia resistências internas dentro da estrutura do Banco, mas a maioria percebeu que era uma nova onda que o Banco tinha que pegar; era uma nova mudança de papel, e que de novo era dado ao Banco um papel fundamental naquele momento de transição, e era fundamental que o Banco fizesse aquele papel. E fizesse bem feito, como fez.
P/1 - E ao quê você atribui essa resistência da população ao programa de privatização?
R - Bom, primeiro que qualquer novidade é sempre chocante; e segundo porque havia, e há, uma resistência de se aquilo ali era bom ou não. E havia também a resistência ideológica, que há até hoje. O Amoroso Lima, que ia para a praça; aquele pessoal de esquerda que ia para a praça, e que vai até hoje, que entra com ação popular... Que não se conforma e ponto, por questões ideológicas. Eu creio que boa parte da resistência do mesmo tipo - quer dizer: “Será que isso funciona ou não.” - hoje não existe mais. Pelo menos não há dúvida do sucesso da privatização. Não há dúvida do sucesso da privatização da siderurgia, não há dúvida do sucesso da privatização das telecomunicações. Esse tipo, das empresas se prepararem para outro tipo de competitividade, de se prepararem para uma economia globalizada, é fundamental, porque se tivessem continuado estatais elas hoje não teriam capacidade de se adaptar a isso. Telecomunicações nem se fala. Você passar aí de cinco milhões de telefones para 40 milhões. E celulares, que eu nem sei os números. Ir para 15 milhões de celulares... Uma coisa que não havia a menor hipótese disso ocorrer no contexto de uma economia daquelas restrições constitucionais à privatização do setor de telecomunicações. Quer dizer, hoje permanece a resistência ideológica, os partidos de esquerda, a visão de esquerda que é contra a privatização e ponto. E há evidentemente oposições qualificadas: “Eu sou contra esse setor, eu sou contra aquele setor...” Mas pouca gente hoje tem capacidade de dizer que não deveria ter sido privatizado o setor siderúrgico, por exemplo. Não tem dúvida. Foi tão benéfico. Eu lembro que mesmo com as demissões que eventualmente tiveram que ocorrer, tem um presidente de uma empresa elétrica que diz assim: “O emprego falso mata o emprego verdadeiro”. Quer dizer, aquela pessoa que não está produzindo mata a possibilidade de uma outra pessoa que vá gerar produto se empregar. Se uma empresa tem um custo elevado demais, ela não gera recurso; não gerando recurso, não pode investir, e não podendo investir não vai dar emprego ao setor de bens de capital, ao setor de serviços... Enfim, a ineficiência da economia é maléfica a todos.
P/1 - Qual foi a privatização mais trabalhosa?
R - Eu diria três. A primeira, porque a primeira criou os parâmetros, a maneira de se trabalhar.
P/1 - A primeira qual foi?
R - A Usiminas. Foi uma privatização difícil, e que criou um standard
de procedimentos para todas as demais privatizações. E depois com certeza a Vale, com 70 ações judiciais no Brasil inteiro; dias emocionantes, batalhas... Tem uma história engraçadíssima de um advogado do Banco. E depois a Telebras.
P/1 - Como é a história do advogado? Não vai contar? (riso)
R - Essa é muito boa, porque... O leilão estava interrompido, e havia, se eu não me engano, uma ou duas liminares aqui no Rio. Nós conseguimos cassar; encontrar o desembargador, e do desembargados já estava cassando as liminares, e o leilão ia começar de novo. E aí nós temos notícia que um juiz de São Paulo deu duas liminares, e que um oficial de justiça pegou um avião da TAM. Nossa advogada que estava acompanhando todas as varas- nós tínhamos advogados espalhados em todas as varas do Brasil - disse: “Olha, saiu uma liminar aqui. O que eu faço? Ele entrou no avião”: “Entra junto; o que você vai fazer?” E entrou no avião da TAM. Eu estava no prédio da bolsa, o leilão interrompido, já ia começar o leilão de novo, e agente viu o avião vindo de São Paulo, da TAM, descendo no Santos Dumont: “Lá vem a liminar que vai parar o leilão de novo.” (riso) Aí, passam-se cinco minutos, passam-se dez minutos, passa-se meia hora, o leilão começa de novo, vende a Vale, e o oficial de justiça não apareceu. Aí eu vim a saber que a advogada veio conversando com o oficial de justiça, e ele perguntou: “Onde é o tribunal de justiça?”: “No Leblon”: “Qual é o melhor caminho?”: “A Mena Bareto.” (riso) Aí entrou no taxi junto com ele e pegou a Mena Barreto. Ele nunca chegou (risos).
P/1 - E como era lidar com essa resistência em pleno vapor do processo?
R - Era emocionante, mas ao mesmo tempo muito divertido. Quem viveu juntos esses dias, eu, Mariane, Teresa, Estelinha, (Palombo?)... Enfim, toda turma que trabalhou junto nesse período tem momentos inesquecíveis para lembrar. E comissão de privatização, reuniões... Era uma coisa... Reunião com o Presidente toda hora. Reunião no Palácio do Planalto virou rotina. Era muito difícil, muito motivante, muito tenso, mas ao mesmo tempo divertido. Muito divertido.
P/1 - Enquanto vice-presidente, Você também estava como membro da Comissão Diretora...
R - Na época do Modiano?).
P/1 - E dividir essa... Você também tinha outras atribuições além de tocar esse programa.
R - A Comissão Diretora era uma comissão que se reunia e deliberava só na reunião, não tinha tarefas executivas. Era presidida pelo próprio Modiano, tinha uma série de pessoas; tinha o (Nelson ___?), o (Nelson Pereira?), o... Naquela época era privada. Quer dizer, tinham alguns representantes de governo, mas tinha muita gente da área privada. A única coisa que você fazia era participar das reuniões, onde se aprovava preço mínimo, aprovava condições de privatização... Eram como se fossem essas reuniões... Do Comitê não sei o que lá. Comissão Diretora, que é residida hoje pelo chefe da Casa Civil. Boa parte do tempo era no Clóvis Carvalho. Nós nos reuníamos depois no Palácio do Planalto, mas aí era só um grupo de governo, os ministros todos e algumas pessoas.
P/1 - Depois dessa vice-presidência, você...
R - Aí eu saí de novo do Banco, voltei ao Grupo Mariani. Ao banco, depois à companhia de seguros. E aí eu me lembro que o Pérsio... Quando nós saímos, entrou, se eu não me engano, o Castro como presidente. E logo depois do Castro... Não me lembro a ordem direito, mas aí veio o Pérsio. O Pérsio era muito meu amigo, então me chamou para voltar de novo como vice-presidente. Mas aí a minha vida... Eu tinha mal saído e estava voltando. Era muito complicado, eu não pude ir nessa época. Mas aí depois do Pérsio veio o Edmar. O Pérsio foi para o Banco Central; o Edmar veio para a presidência do BNDE. E aí por acaso eu tinha feito uma série de negócios, eu tinha lá uma associação com o Eduardo Eugênio Gouveia Vieira em um negócio, uma indústria de química fina, e eu tinha vendido. Então estava começando uma fase em que a coisa estava mais tranquila, quando o Edmar saiu do governo e o Luís Carlos foi convidado para a presidência do Banco, e me chamou para vide de novo. E aí fui. E foi uma época muito, muito divertida. O Luís Carlos é uma figura sensacional, foi um dos grandes presidentes do Banco. Todo mundo gostava muito dele, era uma figura... Bom humor, confiável... Delegava muito, mas ao mesmo tempo tinha uma liderança muito forte. Foi um ótimo período.
P/1 - Conta um pouco então dos projetos dessa época. Eu acho que ele mexeu muita coisa também.
R - O Luís Carlos é um homem de muita experiência do setor financeiro, de banco de investimento, de trading... Um homem de mesa. Eu lembro que na crise da Rússia... Na crise da Ásia se eu não me engano. O mercado desabando no mundo inteiro, o mercado no Brasil desabando, desce o presidente do Banco e vai para a mesa de operações. O pessoal da mesa de operações do Banco nunca tinha visto um presidente na mesa (riso), e ele senta lá e: “Vamos ver como a gente vai fazer...” E aí saiu apelando, o Banco ganhou dinheiro para burro. Ele tinha essas características especiais. Ele tinha essa experiência do setor financeiro, mas ficou absolutamente fascinado por esse mergulho no setor real que ele teve no BNDE. Adorava visitar projeto. Foi realmente o grande pai da área social; foi quem realmente acreditou naquilo, trouxe o Paulo Hartung; apostou muito naquilo, acompanhou os primeiros projetos. Por incrível que pareça, mas eu acho que é essa a verdade.
P/1 - Por quê?
R - Porque o Luís Carlos tem esse jeitão meio ruim, de mercado... Ele achava que eu não dava muito bola para isso. Eu estava com privatização, estava com muita coisa. Mas ele realmente acreditava, apostou muito naquilo, dava muita força. E deu certo.
P/1 - Você continuou ainda a tocar a privatização?
R - Não, quando eu entrei a Elena Landau ainda era encarregada da privatização. Ajudava; participei de road show, de falar com compradores, investidores, mas era a Helena que era diretora. Quando vendeu a Light ela saiu e eu assumi a área de privatização. Eu tinha a área de privatização e outras áreas também. Foi aí que eu fiquei mais diretamente encarregado da privatização. Me reportando ao Luís Carlos, claro.
P/1 - Quais foram os casos de privatização nessa época?
R - Dos 100 bilhões de dólares de privatização, provavelmente 80% foi nesse período.
P/1 - Quais foram as mais significativas para você?
R - Todo o setor elétrico. Inclusive foi a época em que começou a privatização dos estados. As empresas de São Paulo, as empresas... COELBA. As empresas estaduais de energia elétrica foram vendidas nessa época. O Luís Carlos criou um mecanismo extraordinário, que foi de antecipar recursos aos estados para convencê-los a privatizar. E com isso ele não só acelerou a privatização, mas também ganhou um afortuna, porque ele tinha uma debênture conversível, e quando vendia na privatização a empresa valia muito mais do que se imaginava, porque as empresas eram muito ineficientes, mas tinham um potencial de ganho muito grande. Foi um sucesso financeiro, foi a época em que o Banco deu um bilhão de dólares de lucro dois, três anos seguidos. E além disso acelerou muito o processo. Foi muito motivante. Mas além disso, o setor elétrico, a Vale... Nós tínhamos às vezes três ou quatro leilões por mês, de privatização. Então foi um período realmente espetacular. E fora isso era um período de mercado de capitais muito ativo, do investidor estrangeiro acreditando no Brasil.
P/1 - Favorável ao Brasil então.
R - Muito favorável. Fazíamos vendas de ações... Em um ano eu me lembro que nós vendemos 4 bilhões e 800 milhões de dólares da carteira da BNDESPAR, de Eletrobras, Petrobras, que a gente tinha.
P/1 - Para quais mercados?
R - Para o mercado externo.
P/1 - Mais para europeu ou para americano?
R - Mais americano. Mas eram leilões assim que... Toda hora fazia operações de 100 milhões, 200 milhões. 300 milhões de dólares era comum. Eu me lembro que eu ia muito aos Estados Unidos, de três em três meses eu ia lá falar com investidores. Da primeira vez ninguém acreditava muito no que você estava falando; você dizia que ia fazer isso e aquilo, voltava três meses depois e tinha feito mesmo. O cara que tinha acreditado em você ganha um dinheirão, o que não acreditou deixou de ganhar. A reunião que no início tinha 20, 30 pessoas, depois tinha 300, 400 pessoas. Era um burburinho quando a gente chegava lá, porque todo mundo estava animadíssimo com o que estava acontecendo no Brasil. Foi um período fascinante; tinha um interesse não só local, mas internacional. A imprensa do mundo inteiro ligando para saber das coisas; investidores do mundo inteiro... Foi um período gratificante.
P/1 - Tem diferenças significativas entre as privatizações que foram executadas nos anos 80 e depois desse Plano Nacional de Desestatização?
R - Tem. Fundamental. O Banco teve... Você lembrou bem. Antes mesmo do programa, o Banco foi o primeiro que vendeu suas empresas: USIMEC, Nova América... Porque havia perdido tanto dinheiro com essas empresas. Celulose da Bahia
P/1 - Aracruz.
R - Não, a Aracruz nasceu privada, depois ele vendeu a participação minoritária. Mas vendeu participação relevante na Aracruz antes. Você tem razão, mas não era privatização. Mas ele tinha percebido que tinha perdido tanto dinheiro com essas coisas que era melhor vender. E vendeu. E essa experiência de dois ou três casos serviu para criar o arcabouço do que acabou gerando a lei que foi aprovada...
P/1 - Então foi utilizada essa experiência?
R - Muito. Essa experiência que existia na BNDESPAR, que era de vender empresas que tinham perdido muito dinheiro; que o estado tinha assumido e que o Banco já havia vendido sua carteira antes. Isso na época do Márcio Fortes se eu não me engano.
P/1 - Era reprivatizar, né?
R - Foram reprivatizadas. Mas a experiência dessas vendas - de ter avaliação, de ser através de leilão... - foi o que gerou as bases da proposta de lei que acabou na primeira lei da privatização. Entre a primeira fase, a fase Modiano e a fase Luís Carlos, digamos assim. Porque a verdade é que no intervalo houve privatizações, mas houve uma certa redução. Para você ter uma ideia, na época do Modiano, com toda a fibra dele, com toda a energia, era um bilhão de dólares por ano. Mas porque o Brasil ainda convivia com uma inflação terrível, porque o investidor externo ainda não acreditava no Brasil. E mesmo o investidor interno. Quem comprou a siderurgia no Brasil foram os bancos. Foi o Bozzano, foi o Unibanco... O Antônio Ermírio de Moraes, o Gerdau não compraram, porque não acreditaram também naquele processo. Foi um período em que era difícil vender. E já quando, pós Plano Real, depois da estabilização, o interesse pelo Brasil aumentou muito. E quando a gente começou a fazer esses road shows, e dizia que ia fazer uma coisa e fazia, e conversar com o investidor... Aí permitiu que o investimento direto saísse de zero para quase 30 bilhões de dólares por ano em alguns anos atrás. Foi bonito ver isso, ver o começo quase heroico, e depois você recebendo gente do mundo inteiro interessado no processo.
P/2 - Você acha que agora estão acreditando mais no Brasil?
R - Eu acho que infelizmente agora voltou a...
P/1 - Ou voltou a balançar?
R - Infelizmente, particularmente no setor elétrico, onde nós conseguimos atrair o que havia de melhor nas empresas... EDF, AES, (Sun____ Eletric?), (Dulk?), a (Tract & Bell?)... E a maioria delas está muito decepcionada. Com a agência reguladora, com a maneira como estão sendo tratados os contratos de concessão. Então eu acho que o interesse de investimento, pelo menos dessas grandes empresas, reduziu-se muito. Infelizmente.
P/1 - Agora eu quero que você me conte você presidente.
P/2 - Como foi essa passagem? O que muda...
R - Eu fui nomeado presidente do banco no dia 13 de janeiro de 99. Dia do meu aniversário. Eu tinha pedido demissão junto com o André, que é meu fraternal; eu sou padrinho de casamento dele, padrinho do filho dele... E já estava em Petrópolis, esperando para ver quem ia ser nomeado. Aí o Celso Lafer me liga, diz que quer conversar. Eu vou à Brasília e ele vai, me leva no Alvorada para falar com o Presidente, e o Presidente me convida para ficar como presidente. Eu sabia que ele estava conversando com outras pessoas... Na verdade ele queria... Eu sugeri e ele concordou de convidar o (Luís Lorestein?) para ser vice-presidente do Banco. Mas o Luís não aceitou; o Lula não aceitou. A idéia é que fossemos eu e o Lu. Eu adoraria, porque o Lu trabalhou comigo desde estagiário, mas ele não pôde por razões pessoais. Para quem entrou no Banco recém-formado, no primeiro emprego, virar presidente do Banco foi uma grande honra. Mas, sobre o ponto de vista de trabalho, eu adorava trabalhar com o Luís Carlos, acho o Luís Carlos um companheiro de trabalho fantástico: muito bom humor, inteligente, criativo... E o Luís Carlos se encarregava de receber político o dia inteiro, etc. Eu fazia a coisa divertida: conversar com empresa, conversar com investidor... E como nossa relação era muito, muito boa, sob o ponto de vista de trabalho ser presidente foi mais chato do que ser vice-presidente na época do Luís Carlos. E particularmente, depois do famoso episódio Telebras, que... Tinha que ir para congresso toda hora para falar de pequena e média empresa, para falar disso, para falar daquilo, para falar de operação... Então era um negócio cansativo. Depois da reeleição do Presidente Fernando Henrique claramente o que precisava ser feito era a privatização das indústrias de geração e talvez do saneamento básico - até mais importante do que das indústrias de geração. Rapidamente as indústrias de geração a gente percebeu que havia uma oposição. Não aquela oposição que a gente estava acostumado - aquela ideológica ou aquela dos locais que eventualmente seriam afetados -, mas havia uma oposição da própria base governamental de Minas, que teria Furnas. Era impossível você privatizar com os partidos do seu próprio governo sendo contra. E no caso do saneamento havia muito essa questão - e ainda há; o ministro Serra sempre se preocupou muito com isso. É a questão legal da privatização do saneamento. Envolve no mínimo um projeto de lei, e talvez uma emenda constitucional que ainda não ocorreu. Então, essa privatização não pôde prosperar da maneira que se esperava por razões legais. Na verdade, com a queda do Presidente pós desvalorização, pós janeiro de 99, naquele ano a preocupação fundamental foi manter a inflação sobre controle, ver se aquela crise externa ia ser superada ou não. A popularidade foi muito para baixo, e na privatização sempre você tem que enfrentar oposição. E enfrentar oposição num momento de popularidade baixa... O problema da privatização é que perdeu o momento dentro do governo. E por outro lado... Então foi um período que para mim dignificou muito; representou muito sob o ponto-de-vista pessoal ser presidente do Banco, mas por outro lado, sob um ponto de vista de trabalho, a fase que se encerrou em 98 foi muito mais gratificante do que o período que eu fiquei como presidente. Embora eu tenha feito algumas coisas, como esse programa de pequena e média empresa que nós lançamos, e está dando um resultado muito bom. Uma série de programas que nós desenhamos naquele período e conseguimos aprovar deram resultados, o que me deu muita gratificação. Eram resultados muito bons...
P/1 - Você acentua esse programa de apoio à pequena e média empresa?
R - Isso. Havia uma preocupação. Os patamares de pequena e média empresa estavam baixos, então nós criamos uma série... Fizemos um grupo interno com o Darlan, o Mariante, etc. E modificamos umas regras lá que no ano seguinte deram resultados muito expressivos. Deu mais flexibilidade para os bancos e para a gente trabalhar com pequena e média empresa... Foi gratificante, embora não tenha sido tão...
P/1 - Palpitante.
R - Tão palpitante como nos anos anteriores.
P/1 - Também, depois daquelas privatizações fica até difícil.
R - Eu me lembro de um rapaz que trabalhou conosco, num banco americano, na (Newman Brothers?), depois na Telebras foi um dos consultores. Trabalhou com o Sérgio Mota. E alguns meses depois ele chega na minha sala barbado, com um ar meio decadente. Eu falei: “O que houve?”: “There is no life after a telebras” (risos). Não tem vida após a Telebras. Quer dizer, não se pode esperar que todo dia você tenha que viver aquilo.
P/2 - Emoção, emoção, emoção.
P/1 - E você então, que gosta de uma mudança, foi...
R - Aí, quando o Celso saiu eu saí junto. O Ministério do Desenvolvimento ficou na verdade com caveira de burro. Foi criado para o Luís Carlos. Na concepção original, ele seria um ministério muito poderoso. Quando aconteceu de o Luís Carlos sair do governo, a proposta do que ele é comparada com aquilo que ele pretendia ser é totalmente diferente. E principalmente a expectativa do que ele viria fazer em relação ao que ele pode fazer na realidade, tem um gap muito grande. Então o Celso, coitado, saiu de Genebra para assumir um ministério em que havia uma expectativa de resultados imediatos. Na verdade, era o BNDE e pouca coisa a mais. Eu me lembro que ele dizia: “Como dizia o poeta, eu só tenho duas mãos e o sentimento do mundo”. Você só pode fazer o que a sua humanidade lhe permite. Era impossível ele preencher as expectativas que foram criadas para o Ministério do Desenvolvimento naquele período. Hoje em dia essa ilusão praticamente se acabou, ninguém mais presta atenção, não se cobra... Mas quando ele foi criado no Governo Fernando Henrique, parecia ser a plataforma do segundo governo. E foi evidentemente prejudicada pela desvalorização, por tudo o que aconteceu. Mas naquele primeiro momento, como primeiro ministro do desenvolvimento, ele foi punido pela diferença entre a expectativa e a realidade. E o Presidente soube compensá-lo. Na verdade, o que ele sempre quis ser foi chanceler, e ele agora é o nosso brilhante chanceler.
P/1 - Mas Pio, me conta de você. O que você está fazendo agora?
R - Eu agora estou trabalhando em uma pequena boutique de fusões e aquisições. É uma empresinha em Nova Iorque, na realidade controlada por duas mulheres, que faz só a área de fusões e aquisições. É muito forte na Colômbia, na Venezuela, no México, mas muito pouco no Brasil. Era muito amiga de uns amigos meus, estava há muitos anos querendo que eu trabalhasse com ela, então agora eu estou ajudando-a nessa área de fusão e aquisições. E estou tentando, de outro lado, montar umas coisas aí, em parceria com o Gustavo Franco, que é muito meu amigo.
P/1 - Sempre dando uma mexida.
R - É. Sempre tentando mexer um pouquinho.
P/1 - A gente vai finalizando. Qual são as suas expectativas agora? Você tem algum sonho do que fazer dentro desses trabalhos novos? Você pode contar?
R - Eu me considero assim num período de mudança; eu acho que eu tive um privilégio de viver essa fase inicial do BNDE que foi extraordinária, depois da segunda fase no Departamento de Indústrias Químicas, a fase do Banco da Bahia que foi extremamente motivante, depois de novo com o Luís Carlos, uma fase muito gratificante da minha carreira. Então eu tive o privilégio de viver muitas fases; tem gente que nunca viveu uma fase profissional tão intensa, tão gratificante quanto essa. E eu saí um pouco cansado, eu estou querendo... Eu não sei ainda. Eu tenho estudado muito, tenho lido muito, então estou vendo. Ainda não redesenhei o que eu pretendo fazer a mais longo prazo.
P/1 - Como você definiria o papel do BNDES nesse processo histórico dos últimos 50 anos?
R - Já falamos um pouco sobre isso. O Banco tem essa grande qualidade de ser mutante. Ele é o mesmo, mas ele muda a cada dez anos. E essa é a grande sobrevida do Banco. O Banco sempre estará, a meu ver de maneiras diferentes, mas sempre terá uma importância fundamental na economia brasileira. Mais do que na economia, na sociedade brasileira, porque tem recursos. E tem recursos não só financeiros, mas tem recursos inteligíveis, que talvez sejam até mais importantes, que tem sido perpetuados. Desde o momento que eu entrei lá, com vinte e poucos anos de idade, percebi aquela riqueza daquele grupo que estava ali, e acredito que as pessoas que estão entrando hoje são melhores do que nós quando entramos naquela época.
P/1 - Então eu queria agradecer a sua participação... Você quer fazer alguma pergunta?
P/2 - Aquela chave de encerramento. O que o senhor acha desse projeto BNDES 50 anos? E o que achou de ter dado esse depoimento?
R - Eu sou fã da Beth, acho a Beth o máximo, então eu acho o projeto ótimo, porque a história é maior do que a história oficial. A história, para mim... Talvez algumas figuras como essas que eu citei aqui - não foram diretores, nada - tiveram uma importância tão grande ou maior do que outras pessoas que são mais conhecidas. É fundamental para nós ter deixado lembrado essas pessoas que foram tão importantes para nós.
P/1 - O BNDES para você... São quantos? Quase 30 anos?
R - É, com ida e volta, desde 71 até 99. 30 anos.
P/2 - É bom fazer parte disso?
R - Sem dúvida. Eu tenho lá amigos para o resto da vida. Quem viveu o que nós vivemos juntos, o tempo não vai separar
P/1 - Muito Obrigada pela sua participação.
P/2 - Obrigada
R - Nada. Obrigado a vocês.Recolher