P/1 - Carolina, primeiro mais uma vez te agradecer, em nome do Museu da Pessoa, e para a gente começar eu vou pedir para você se apresentar, dizendo o seu nome completo, data e local do seu nascimento.
R - Tá bom. Eu sou Carolina Ignarra, nasci no dia dezesseis de outubro de 1978, em São Paulo....Continuar leitura
P/1 - Carolina, primeiro mais uma vez te agradecer, em nome do Museu da Pessoa, e para a gente começar eu vou pedir para você se apresentar, dizendo o seu nome completo, data e local do seu nascimento.
R - Tá bom. Eu sou Carolina Ignarra, nasci no dia dezesseis de outubro de 1978, em São Paulo.
P/1 - E Carolina, quais os nomes dos seus pais?
R - Meu pai chamava Francisco Celso Ignarra e minha mãe Telma Ignarra.
P/1 - E você pode contar a história da origem da sua família, enfim, qual a história que você conhece sobre a sua família, a família da sua mãe, a família do seu pai…
R - Sim. É, meus pais, os dois, tem quatro irmãos, então tenho quatro tios de cada lado. A minha mãe, a mãe dela era espanhola, veio na imigração, mas ela não conheceu a mãe dela, quando ela tinha cinco meses a mãe dela faleceu. E meu avô era filho de italianos, então casou ele - que era filho de italianos - com a minha avó - que era espanhola, e aí veio a família da minha mãe. O meu avô também não conheci, porque ele faleceu quando a minha mãe tinha dezesseis anos. A minha mãe é a caçula, quer fizer, a minha mãe é a caçula da primeira leva, porque meu vô casou de novo e teve mais quatro filhos. Na família do meu pai, meu vô, a única descendência que a gente sabe é de indígena, a gente não sabe de nenhuma descendência europeia. Pelo sobrenome falam que é italiana, porque Ignarra é como nhoque, Ignarra é o jeito que a gente abrasileirou, mas a pronúncia é Inharra. Mas ele mesmo não reconhecia ninguém da família dele como italiano. E minha vó, eu não sei, por parte de pai. Eu conheci meu vô e minha vó, mas não me lembro da descendência da vó. Era Aranha o sobrenome, então não sei. Ah, e aí é isso, assim. Eu sou irmã do meio, de duas irmãos. É para falar isso já, Maurício?
P/1 - É, não tem problema, mas eu ia perguntar como os seus pais se conheceram…
R - Ah, tá bom. Meus pais se conheceram num curso de formação, na época na Alvares Penteado, que ainda existe, na FAAP, mas não era na faculdade, não, era um curso de formação, pós Ensino Médio, um Curso Técnico. Eles se conheceram ali. Minha mãe nunca tinha namorado, então assim. Teve uma paquerinha ou outra, mas o primeiro namorado dela, de fato, foi o meu pai, eles tinham vinte e poucos anos. Meu pai era um ano mais novo que a minha mãe, mas eles, quando se conheceram, acho que tinha 22, 23 assim. Então meu também não tinha tido outros relacionamentos sério, só minha mãe. Aí eles foram casados a vida inteira. Meu pai faleceu há três anos, mas até o final estavam juntos.
P/1 - Você falou que eles se conheceram em um curso de formação na FAAP, e quais atividades eles exerciam? Ou eles foram exercendo depois.
R - Bom, a minha mãe era concursada, ela fez Secretariado e foi Secretária Técnica da Escola Técnica Federal. Então até eu nascer ela trabalhou acho que oito anos como Secretária da Escola Técnica. O meu pai sempre trabalhou com informática. Então o cargo dele, que a gente conhecia antes, que falava muito, era Analista de Sistemas, e ele trabalhou na Philco, depois no Banco Mercantil, teve uma trajetória profissional grande na Bovespa e no final da vida dele ele estava trabalhando no Banco Santander, sempre nessa área de T.I. E minha mãe parou de trabalhar quando eu nasci - eu sou a segunda filha - aí ela, depois que a gente já era adolescente, voltou como Secretária de um escritório que o meu pai teve, durante um tempo, com um amigo dele, aí a minha mãe trabalhou cinco anos nessa posição e depois voltou para casa, porque o escritório, deu certo, mas meu pai saiu aí ela saiu também. E aí recentemente, acho que nos últimos cinco anos da vida dela, ela está trabalhando comigo, na minha empresa, e ela liga para pessoas com deficiência para entender como está o dia-a-dia e a empregabilidade deles para acompanhar, é um acompanhamento que a gente faz das pessoas que a gente recoloca, então profissionalmente essa é a história deles. Ah, a minha mãe, Maurício, fez faculdade de Pedagogia, a gente era criança, mas ela nunca exerceu.
P/1 - Ah, legal. E você falou que é a irmã do meio… Quantos irmãos você tem?
R - Somos três mulheres. Eu tenho uma irmã mais velha que tem dois anos e dois meses a mais do que eu, e uma irmã mais nova que tem um ano e três meses a menos do que eu. Então a minha mãe teve uma seguida da outra, na época com fralda de pano, porque a gente não tinha dinheiro para comprar fralda descartável e também ela dizia que a gente tinha alergia, então ela também não teria opção mesmo que tivesse grana. E foi assim. Tive uma infância muito boa, sempre com as minhas irmãs. Até hoje a gente tem um relacionamento muito forte, nós somos verdadeiras amigas.
P/1 - E Carolina, me descreve como era a sua casa de infância, a rua, o bairro onde vocês moravam.
R - Eu tenho recordação de… Eu morei em duas casas, na verdade, são as que eu me recordo. Antes de casar, né? Então nós morávamos num bairro chamado Parada Inglesa, na Zona Norte, logo que… Quando eu nasci a gente morava lá. Era um sobradinho dentro de uma vila, então era uma rua sem saída que tinham cinco casas e a gente conhecia todos - até hoje a gente conhece e ainda se fala. Era um sobradinho de dois andares, dois quartos, tinha um quintal pequeno, um quartinho nos fundos e tinha uma vizinhança, três famílias, além da minha, mais duas, que tinham filhos da mesma idade, então a gente brincava bastante na vilinha. Aí mudei para Vila Rosa, que é no Horto Florestal, quando eu tinha cinco anos, e eu lembro muito dessa outra casa, porque a gente via em fotos também, e até os cinco anos eu não tenho tantas recordações, só pelo fato de até hoje eu tenho vínculo com uma amiga que era da casa do lado - ela nem mora mais no Brasil, na adolescência ela mudou para os Estados Unidos, mas a gente continua se vendo todo ano - então também tenho essas recordações que foram alimentadas durante todos esses anos. Na questão da casa nova, que a gente foi pro Horto Florestal, aí é um bairro residencial bem tranquilo, a rua também é sem saída, mas é muito maior, tem cinco quarteirões, aí a gente tinha muitos amigos, é um sobrado também, mas com três quartos, três suítes, bem confortável, uma sala grande, copa-cozinha, quintal com churrasqueira, uma casa bem gostosa para a gente passar a nossa infância. A rua era uma ladeira, então parece que é difícil brincar em rua de madeira, mas a gente brincou muito. A gente brincou muito, de taco, de bicicleta, de esconde-esconde. No final da nossa rua tinha uma mata, reserva florestal mesmo - que a gente chamava de mata - e a gente, de vez em quando, se aventurava por lá, então foi uma infância com muito… Para mim, parecia um bosque enorme, mas não era tão grande assim. E foi muito de joelho ralado, assim. Uma infância de muita rua, muitos amigos, muita atividade física, muito esporte, eu tenho ótimas recordações desse momento de infância.
P/1 - E você também mencionou que a diferença de idade entre você e suas irmãs é relativamente pequena, né? Vocês brincaram muito juntas? Quais eram as brincadeiras
que vocês gostavam de brincar juntas? Como era o relacionamento de vocês?
R - A gente brincava muito e a gente brigava muito, né? Três crianças mais ou menos da mesma idade, minha mãe teve muita paciência. A gente brincava de corrida de bicicleta, uma levava a outra na garupa, a gente pulava elástico, pulava a cela, a gente brincava de imitar cantor nos LPs, a gente subia nos sofás para fingir que era palco, a gente assistia bastante televisão, mas como a gente tinha esse lance de brincar na rua, eu lembro mais da gente brincando do que dentro de casa, sabe? Tinha alguns terrenos que ainda não tinham sido construídos, as casas a vendas não estavam construídas, então a gente se enfiava nos terrenos, brincava de escorregar com papelão no bumbum. A minha mãe sempre foi muito fanática por limpeza, então quando a gente voltava para casa ela deixava as três peladas na garagem e dava banho de mangueira (risos) para a gente não entrar em casa suja - quando a gente era pequena, obviamente, depois que cresceu não mais - mas a gente continuou brincando muito. Sempre tinha uma rede de vôlei hasteada na rua para a gente jogar, enfim, muitos amigos, uma turma de mais de vinte pessoas, muita, muita brincadeira.
P/1 - E você se lembra de alguns momentos que eram momentos de reunião de toda a família?
R - Sim. Meu pai sempre trabalhou muito fora, ele foi muito ausente no nosso dia-a-dia, porque ele chegava muito tarde, normalmente a gente já estava dormindo, porque na nossa infância a gente estudava de manhã, então no dia-a-dia ele não… Ele levava a gente para escola todo dia, mas ele não era tão presente, então no fim de semana, ele sempre gostou de cozinhar, então cada domingo era um lançamento, ele brincava, nem contava o que era, fazia suspense a semana inteira para chegar no domingo e cozinhar para a família. A minha mãe era a assistente dele no domingo. Eles tinham o hábito de passar sábado cozinhando para a comida da semana, então pelo menos as misturas. Arroz, feijão minha mãe fazia no dia, mas uma verdura, uma carne, eles faziam juntos no sábado. Daí no sábado ele já iniciava a preparação do nosso almoço de domingo e assim foi até a gente casada, só mais no final da vida dele que essa rotina se espalhou para uma vez ao mês, mas acho que até a minha filha ter uns dez anos - a minha filha tem quinze - acho que foi assim, a gente tinha que ir todo domingo lá. É muito legal lembrar, mas na época a gente, às vezes, até ficava irritada porque você queria fazer outro programa de domingo, mas já tinha lá o compromisso com o almoço do Chicão, mas acho que eram os nossos momentos de reuniões assim. E reuniões mais individualizadas, para dar as broncas na gente, também era bem frequente. Meu pai preferia… Eu não me lembro de ter apanhado do meu pai, então ele preferia conversar do que agredir a gente, então toda vez que a gente aprontava era sermão, aqueles sermões de três horas, que a gente já tava dormindo, não aguentava mais ouvir ele falar. E aí essas reuniões eu tenho, também, bastante recordação assim, do jeito que a gente se posicionava na sala, enfim.
P/1 - E Carolina, nessa fase de infância, você tinha algum desejo, algum sonho do que você queria ser quando crescesse?
R - É, não assim. Eu sempre quis trabalhar, então eu sempre brincava de estar trabalhando, nunca tive brincadeira assim… Minha mãe que comenta que eu não tinha essas brincadeiras de cozinhar, passar roupa, não. Eu sempre me imaginava trabalhando, só quando eu estava no último ano do colegial que eu defini que eu queria fazer Educação Física, antes disso eu não tinha definido o que eu queria fazer, exatamente. Eu lembro desse negócio assim… Eu sempre pensei em ser mãe, mas nunca dona de casa, e sempre me imaginava trabalhando, mas não com uma profissão específica assim, eu não sabia o que eu ia ser quando crescer. A minha irmã mais velha sempre falou: “Aí eu vou fazer Administração”, eu nem pensava nisso. Acho que também meus pais não estimulavam muito, eles deixavam a gente viver cada época da vida, sabe? Não era uma rotina na minha vida: “O que você pensa em fazer?”, a gente não conversava sobre isso. Mas também quando chegou na idade de decidir, aí também era toda semana perguntando (risos).
P/1 - Você mencionou que tinha uma vontade de trabalhar, que se via já, ainda criança trabalhando, você tinha algum referencial de alguma mulher, ou de alguma figura que… Ainda que não fosse pela área, pelo ofício, mas de alguma forma fosse uma referência nesse sentido de querer trabalhar, de visualizar desde a infância esse desejo pelo trabalho?
R - Bom, meu pai
- que não é mulher - sempre foi minha inspiração de determinação e engajamento pro trabalho. Ele sempre trabalhou muito e trabalho, culturalmente, sempre tem uma fama de ser um castigo, então a minha mãe sempre reclamou: “Você trabalha muito, você se mata por essa empresa”, e para mim esse discurso nunca colou, eu sempre falei assim: “Gente, se a gente está aqui, indo viajar, tendo carro, pagando escola é porque ele trabalha”. Para mim isso era sempre muito claro. Mas eu tenho a minha madrinha, que já faleceu, mas que sempre teve negócio próprio, que me inspirava bastante, ela montava loja, casa de massas, porque ela casou com um homem italiano que ensinou isso para família, e ela montou umas três, que eu me lembre, em Jundiaí, e quando eu passava férias lá eu ficava trabalhando na loja e também minha prima - que é da idade da minha mãe, na verdade, ela é prima da irmã mais velha da minha mãe, então é uma prima-tia - que também sempre trabalhou, uma executiva de banco, também era uma inspiração para mim.
P/1 - E qual é a sua primeira lembrança de escola? A primeira escola que você frequentou...
R - Aí que pergunta legal, nunca parei para pensar nisso. Ah, eu estudei numa escola, prézinho, que chamava-se Cirandinha, era do lado do CIL, o colégio que eu estudei depois, e nessa escola eu lembro de algumas coisas, eu lembro do dia de Festa Junina, que foi muita gente da minha família me ver dançar, que eu fui a noivinha. Muita gente mesmo, vários irmãos da minha mãe, minha vó do lado do meu pai, mais uns tios, foi uma galera, mas eu também tenho fotos desse dia, então as minha recordações foram incentivadas pelas imagens. E depois, quando eu fui para o Colégio Imperatriz Leopoldina, que é o CIL, eu lembro direitinho do primeiro dia de aula, meu pai que me levou para sala de aula, a professora que me recebeu, lembro do nome dela, enfim. Lembro direitinho assim, como é que foi.
P/1 - E desse primeiro dia de aula, que você foi descrevendo, do seu pai te levando, esse colégio era distante da sua casa? Você lembra do trajeto feito e como foi adentrar na escola?
R - Não lembro do trajeto, se era demorado ou não, hoje eu sei que não era tão distante, devia demorar uns vinte minutos de carro, mas não lembro do trajeto. Eu lembro do momento mesmo, da gente saindo do carro, de ir segurando a lancheirinha, eu toda feliz ali de mãozinha dada com o meu pai, e a minha irmã estava junto. A minha mãe foi junto nesse dia, levou a minha irmã mais velha, mas era do outro lado da rua, porque ela já era maior, não estava no pré, já estava no primeiro ano e ela já estudava lá antes, quando eu estudava nesse Cirandinha ela já estudava lá. E meu pai levou eu e a menor para esse lugar que era o prézinho, que era o jardim I, jardim II e o pré, e aí que eu me recordo dessa ida, mas eu sei que não é muito longe, na época eu não lembro do trajeto assim.
P/1 - E quais foram as pessoas, professores, professoras que foram marcantes nessa trajetória escolar, nessa fase inicial escolar?
R - Bom, no prézinho eu adorava a minha professora, a nome dela era Maria Cristina, eu ficava sempre querendo mostrar para ela eu conseguia fazer as atividades, querendo aprovação da professora. Aí no primeiro ano eu tive uma professora chamada Luzia, que era muito brava, mas comigo ela era muito boazinha - por coincidência, esse ano, meu tio, irmão do meu pai, não sei se era amiga, namorada na época, não lembro, mas eu sei que ela me tratava super bem - mas ela era brava, ninguém queria cair na sala dela, mas comigo foi tudo bem, eu tenho boas recordações do primeiro ano. Daí não lembro mais, eu vou lembrar de novo da professora do quarto ano, que chamava Marizete, acho, era uma professora bem mais velha, ela era bem velhinha, mas ela era ótima, ela ensinava muito bem e era muito carinhosa, eu lembro que ela era muito elegante, cheirosa. São as recordações que eu tenho de professoras dessa época da primeira infância.
P/1 - E quando você falou um pouco ali do entorno da sua casa, você falou que tinha muitas crianças nas quais você brincava, era um grupo numeroso… Como foram as relações com os colegas, amigos da escola?
R - Maurício, eu acho que eu era bem popular, eu sempre tive muitos amigos, eu conhecia todo mundo de todas as salas, virava e mexia eu estava indo para casa de algum amiguinho ou estava trazendo alguma amiguinha para minha casa. Eu sempre fui uma pessoa com muitos amigos, sempre fui… Eu gostava de ter muitos amigos, de ser conhecida, de conhecer todo mundo. Gostava de fazer amizade mesmo, e é muito curioso porque hoje eu sou bem diferente, eu falo que eu tenho pouco tempo, então eu não posso fazer novos amigos, porque eu não dou atenção nem para aqueles que eu já tenho e que eu amo, e que eu queria ver mais, que eu queria falar mais, enfim. Mas eu era assim quando era criança, eu era bem popular. Durante esse primeiro colégio - porque eu estudei lá até a sétima série - eu tive duas amigas que eram melhores amigas, então até a quarta série era uma menina chamada Daniele, que até hoje eu vejo, coincidentemente ela trabalha numa empresa que eu atendo, então de vez em quando a gente ainda se encontra; e depois uma amiga chamada Marina, que também era a minha primeira melhor… Duas primeiras melhores amigas, né? Foram essas duas, a Daniele e depois a Marina, e era muito assim… Até porque a minha mãe não gosta muito de receber visita, até hoje, então ela não queria muito que a gente levasse os amigos para a nossa casa, então eu que ia muito na casa delas. Então eu lembro de sítio que eu ia muito, que a Dani tem até hoje, mas eu ia muito pro sítio com ela - ah, sei lá, talvez eu tenha ido pro sítio umas cinco vezes, mas eu acho que era muito -; e a Marina, eu ficava muito na casa dela, ela morava mais perto do colégio, dava para ir a pé da casa dela para o colégio e aí nessa idade de pré-adolescencia, de vez em quando eu voltava com ela e com os irmãos dela que eram mais velhos e passava a tarde na casa dela. Eu lembro bastante de amizades fortes, mas independente dessas melhores amigas, de ser assim aquelas da rotina, eu ainda era amiga de muita gente, me fechava em uma amizade só, não.
P/1 - E você falou que no sétimo ano você tem um momento de mudança de escola, como foi essa mudança de escola? Para terminar, o que imagino que seria o Ensino Fundamental, que antigamente chamava de Ginásio, e depois ida para o Ensino médio. Eu falo antigamente não sugerindo, é porque eu também sou dessa época (risos).
R - Não, tranquilo.
P/1 - É que eu lembro dessa passagem também, então… Era essas as nomenclaturas que eu usava.
R - Eu também, tranquilo. Bom, quando eu precisei mudar de colégio, inicialmente foi um drama, porque a gente estava com aquelas amizades, tinha onze, doze anos, a gente tem amigo que acha que acabou o mundo você não ver mais seu amigo, então foi um sofrimentozinho, mas a gente mudou para um colégio melhor. A gente mudou para Higienópolis, mudamos de casa - até esqueci de falar dessa casa, mas é porque foi um ano só - a gente mudou para um apartamento em Higienópolis e a gente foi desvincilheiestudar no Colégio Rio Branco, então ao mesmo tempo que foi meio dramático, foi um despertar de um novo mundo, de sair um pouquinho da Zona Norte, de conhecer colégios que tem uma preocupação muito maior com vestibular - porque querendo ou não, hoje, o colégio que eu estudei é mais focado nisso, mas naquela época não era, era bem interiorzinho a Zona Norte - e aí eu rapidinho eu já me desvincilhei daquele passado e fiz muitos amigos no Rio Branco e tenho muito orgulho de ter passado… Aí eu morei um ano em Higienópolis porque a gente foi morar com os meus avós, porque os pais do meu pai já estavam precisando morar com alguém. Então a gente decidiu que eles alugassem o apartamento deles, no Jabaquara, e a gente alugou a nossa casa em Santana, e com o dinheiro dos dois aluguéis a gente juntou e alugou um apartamentão em Higienópolis. Mas não deu muito certo, porque a minha mãe é difícil - como eu falei - para visita, para a casa dela, pro espaço dela, aí não deu muito certo. Minha vó estava começando a ter alzheimer e não era a mãe dela, era a mãe do meu pai, enfim. Então a gente ficou um ano nessa vida e depois a gente voltou para a Zona Norte, para a mesma casa, mas eu continuei no Rio Branco. Então mudei de colégio, nesse processo, mas foi bom, porque é rapidinho no Rio Branco, é um colégio que tem muitas atividades de integração entre os alunos, então rapidinho eu já me sentia incluída ali e eu fiz uma amizade, desde o mês um, na escola, com a Juliana, que é a minha melhor amiga até hoje, inclusive é minha sócia, então esse vazio que as minhas melhores amigas tinham deixado foi rapidamente ocupado e foi tudo bem. Eu tenho boas recordações dessa fase, para a gente foi uma mudança de sair da rua, porque em Higienópolis a gente não podia mais brincar na rua, mas ao mesmo tempo a gente estava num bairro que o comércio estava todo ali, a gente ia a pé para a escola, então a gente começou a ter uma independência que ali no bairro a gente tinha essa lance de brincar muito na rua, mas não podia ir até o centrinho a pé, até o Tremembé, que era onde tinha um lugar onde comercializavam as coisas, então para a gente… Para mim veio bem no momento que eu tava amadurecendo, então foi boa essa mudança, foi bem importante para o meu amadurecimento. E depois que a gente voltou, no ano seguinte, para a Zona Norte para morar, a gente começou também a usar o metro. De manhã meus pais levavam, mas na volta a gente voltava de metro, eu e as minhas irmãs, então foi importante assim, a gente ficava se achando grande fazendo essas coisas sozinhas, foi bem legal.
P/1 - E me conta como foi esse processo de amadurecimento, que a mudança, mesmo que por um período curto, de alguma forma acelerou, o fato de sair da Zona Norte e aí de repente ir para uma região mais central da cidade, como foram essas descobertas? Como foi esse processo também de uma mudança de relação com a cidade? De ter mais autonomia também…
R - A minha mãe é muito bairrista, então o fato da gente ter mudado foi muito bom para a gente perceber que a gente mora numa cidade muito maior, porque ali… Até hoje, ainda mais, porque a minha mãe tem setenta anos, ela ainda dirige, mas ela não sai do bairro, mas ela nunca saiu do bairro, não é porque ela tem setenta anos. O máximo que ela chegou foi até o Rio Branco para buscar ou levar a gente e já volta pro Pacaembu, Zona Norte. Ela fez com que a gente ficasse meio bairrista também, nesse começo da nossa infância. E quando a gente foi para Higienópolis a gente começou a perceber coisas, estava perto da Paulista, então de fim de semana a gente estava na Paulista, então a gente começou a perceber a cidade, que até então eu não sabia que eu morava na cidade que mais produz no Brasil, eu não sabia… Então eu comecei a ter contato com, de fato, morar em São Paulo, porque apesar de ser nascido em São Paulo, eu tive essa infância que pessoas acham que em São Paulo não é possível, né?
De brincar na rua, então eu tinha um lance de meio que cidade pequena, e de repente era um novo mundo, um monte de coisa acontecendo, pessoas diferentes também, que a gente convivia, o bairro que a gente mudou era um bairro - e é ainda - com a religião judáica muito forte, então comecei também a entender um pouco mais sobre outras religiões, então foram ótimas descobertas.
P/1 - Que lembranças marcantes você tem da sua adolescência?
R - Olha, eu sempre fui uma pessoa de estar com alguém, então como eu sou irmã de duas irmãs que estavam sempre juntas, eu não tinha solidão, eu nunca ficava sozinha, então eu me lembro de precisar sempre ter alguém, então na minha fase adolescência, ou eu tava na rua brincando, ou eu tava com as minhas irmãs, ou eu tava no telefone com alguém, então eu não ficava sozinha, e isso, na hora que começou a idade de namorar, foi também um processo difícil de me entender, porque eu estava sempre namorando, eu tive oito namorados, e namorados sérios, que foi mais de um ano de namoro, que comemorou aniversário de namoro, que conheceu família, então tenho muitas recordações… E o meu primeiro namorado - teve umas idas e vindas - mas durou quatro anos, eu comecei a namorar eu tinha treze anos, e durou os primeiros quatro anos da minha vida assim, de namorar, então eu tenho muita recordação com ele, porque era o meu dia-a-dia, ele morava lá no bairro da Zona Norte, numa rua próxima da minha, então a gente se via quase todo dia, porque já se via mesmo antes, e daí no namoro também. Então as minhas recordações são mais assim, de estudar no Rio Branco, de viajar com as minhas amigas - desde o Rio Branco eu tenho duas melhores amigas, uma que é a Juliana, que é a minha sócia, e outra que é a Camila - então eu também não só namorava, não, eu saía com elas, eu viajava com elas, eu ia para Avaré com a Ju ou para praia com a Camila, estava sempre com elas, me dividindo entre o namoro, as amigas, estudar - porque no Rio Branco a gente tinha que estudar muito, não passava de ano se você não estudasse muito, ou colava ou estudava muito, não tinha jeito - então também me lembro de passar algumas noites estudando, ah, acho que isso. Às vezes a gente ia andar de bike, com o grupo de amigos e aí a gente, no fim de semana, ia até a [Rua] Augusta de bike, enfim, fazia uns roles grandes assim. Também passeio no Horto mesmo, tem uns passeios mais adventures para fazer nos parques do Horto, a gente fazia também. Eu tenho muitas boas lembranças assim, eu tive uma vida bem agitada. Eu tenho esse entendimento hoje de que eu não ficava sozinha, tinha uma questão de solidão que foi difícil eu me entender nisso, mas cada minuto era aproveitado. Eu sou muito agitada, sempre fui, com certeza eu era uma criança hiperativa, só não tinha diagnóstico para isso, na época, a minha mãe brincava que eu tinha roda no pé, porque eu mal entrava em casa eu já estava saindo, aí eu brinco com ela que de tanto que ela falou agora eu ando de cadeiras de rodas, tenho roda nos pés (risos), ela fica brava (pausa). Enfim, e aí foi isso, acho que uma infância, uma adolescência muito agitada, muita coisa.
P/1 - E você tinha comentado que ao longo da infância os seus pais não direcionaram você em relação a uma profissão ou a uma área para seguir, mas que quando você estava terminando o Ensino Médio começou a ter um questionamento: “Ah, mas você vai fazer o quê?”, como foi terminar o Ensino Médio e pensar no que fazer seguida, fazer faculdade, trabalhar, enfim…
R - É, tem um processo aí que aconteceu um pouquinho antes disso. Quando eu tinha quinze anos, eu estava no segundo ano do Colegial, o meu pai perdeu o emprego e ficou seis meses desempregado e foi muito difícil para a gente se manter financeiramente, pagar escola de três, um colégio tão caro, então a gente passou por um momento bem difícil financeiro. Para eu continuar estudando no Rio Branco eu tive que começar a trabalhar. Então eu fui trabalhar, a princípio, no escritório do meu primo, então no segundo ano, acho que o ano inteiro, me lembro que em março eu comecei, ia para escola de manhã e a tarde eu ficava no escritório do meu primo, ele tem um escritório de... Ele é corretor de seguros e eu ficava atendendo telefone, anotando os recados e passando para ele, porque ele ficava sempre na rua visitando os clientes, mas era bom porque eu podia estudar, porque eu ficava lá, o telefone de vez em quando tocava, mas quando não tocava eu estava sozinha, estudando, até melhor do que ficar na minha casa, porque na minha casa, as minhas irmãs, acaba que a gente não tinha aquele espaço reservado para estudar, então era bom. Aí no terceiro ano eu fui procurar emprego no shopping, porque eu queria ganhar mais, porque o que eu ganhava só dava para eu pagar a escola - ajudar né, nem pagava tudo, mas dava uma ajudadinha pro meu pai conseguir pagar - e eu queria dinheiro, eu falava assim: “Nossa…” não tinha dinheiro para comprar uma roupinha, não tinha dinheiro para ir numa festinha de escola, enfim, aí eu fui trabalhar no shopping, eu fui sozinha assim, peguei, comecei a andar no shopping e entrava nas lojas e perguntava se tava precisando, aí consegui trabalhar numa loja que na época era da rede da Pacalolo, era uma loja de roupa de ginástica, chamava Body For Sure, e eu já gostava muito de academia, porque meu namorado fazia Educação Física, já ia para academia - ele pagava a academia para mim - e aí foi ótimo. Trabalhei no shopping durante um ano e aí eu tinha um pouquinho mais de dinheiro, ganhava um pouquinho melhor, mas foi assim que eu terminei o Ensino Médio. Então trabalhar chegou na minha vida antes do: “O que eu vou estudar?”, então antes de saber o que eu vou fazer, já tive que trabalhar, eu e minhas irmãs. A mais velha - como ela já tava na faculdade - a minha tia ajudou, irmã do meu pai - continuou pagando a faculdade dela. Depois que eu saí do meu primo ela assumiu o meu lugar lá no meu primo, e ficou lá uns dois anos, mas ela demorou mais para trabalhar porque ela já tava na faculdade e minha tia ajudou. E a mais nova, ela tinha catorze anos, ela botou a mochila nas costas, e ela passou, descendo a [Rua] Voluntários da Pátria, na Zona Norte, vendendo brigadeiro, lanche para os lojistas. A bichinha correu atrás e ela ganhava muito mais do que, lógico, corria atrás, bem cara de pau, mas deu certo. Isso foi bom, assim, na época é um sofrimento, eu vejo assim minha filha com quinze anos, se ela tivesse que passar por isso ela ia estar… Sei lá, eu acho ela bem menos preparada que eu para isso, eu acho ela um bebê ainda, mas a gente passou, não teve jeito, eu fazia isso ou tinha que sair de um colégio bom, e deu certo, assim, foi bom. Hoje eu vejo bastantes benefícios, de uma maturidade no momento que… De união familiar, muitos ensinamentos nessa história. Aí, como eu namorava um menino que fazia Educação Física, ele começou a falar para eu fazer, eu não acho que era uma coisa que eu faria se não tivesse tido essa influência, apensar… Eu sempre gostei de esporte, quer dizer, e gostava de atividade física, esporte mesmo, competitivo, eu não gostava. Eu fazia ginástica olímpica acho que da quarta série até a sexta, treinei uns três anos de ginástica olímpica, e eu era muito boa, comecei a competir. Eu fui em uma competição, não quis mais ir, porque eu não gostava, não dormi naquela noite, então eu logo percebi que eu não gostava de competir. E a minha mãe, com três filhas, imagina largar tudo para levar uma para o treino, ela também não fez muita questão de me incentivar pro esporte, então eu parei, nunca gostei de competir, mas sempre gostei muito de me movimentar, de fazer atividade, de jogar vôlei por jogar, sem ser campeonato, nada, na escola eu jogava, enfim, então eu fui meio que incentivada por ele, mas fiz, e gostei do curso, eu era uma ótima aluna, eu fiz faculdade… Aliás, isso foi uma questão também, porque como a gente não tinha grana, nessa época ficou ruim para gente, eu prestei USP, passei na primeira fase, mas nem prestei a segunda porque eu não ia poder fazer, era integral, e como que eu ia? Não tinha dinheiro de ônibus, sabe? Não dava para eu pensar em fazer integral, e também depois que você começa a trabalhar, eu acho que… Eu poderia ter dado um jeito, com certeza do jeito que a minha tia ajudou minha irmã, ela ia me ajudar, mas depois que você começa a trabalhar você não quer mais viver do dinheiro dos outros, então na minha cabeça foi: Eu vou fazer uma faculdade que eu possa pagar e também o meu namorado estudava lá, aí foi, para mim foi do jeito que foi conveniente na época. E aí eu fui, fui ótima aluna, eu tinha uma base escolar muito boa, então eu era a melhor aluna da sala, foi super bom eu ter estudado, ter feito a faculdade, e eu comecei a trabalhar já fazendo estágio desde o primeiro ano. Então eu larguei o shopping, comecei a dar aula numa escola, eu dava aula de natação, dentro da escola - na Zona Norte também - chama Colégio Monteiro Lobato e rapidinho consegui um turno, um período do dia para trabalhar em uma academia dando aula de natação. Então comecei a dar aula de natação e foi até o último ano eu dava aula de natação, mas quando chegou no terceiro ano eu… Aí, tem muita coisa para contar, menino. É para contar a vida toda, né? Tá bom. No segundo ano de faculdade, o estágio não estava dando certo, porque era muito pouco que pagava e eu não conseguia pagar a faculdade… Só conseguia pagar a faculdade, não sobrava nada. Então, no segundo ano consegui um trabalho como repositora de mercadorias, no supermercado, eu trabalhava na Nivea, eu era contratada na Nivea e eu ia pro supermercado para fazer reposição de produto nas gôndulas, aí eu ganhava bem mais do que como estagiária, pagava a faculdade, sobrava uma graninha e assim eu fiz o segundo ano. Mas quando chegou no terceiro, comecei a querer voltar pra área e eu recebi um convite, a minha amiga da faculdade me convidou para dar aula de ginástica laboral, ela estava abrindo uma empresa, então eu comecei a dar aula de ginástica laboral junto com a empresa dela começando, então nós… Enfim, comecei a dar aula nessa empresa, foi bem desafiador porque a empresa era em São Bernardo, eu ia de ônibus, começava às sete da manhã, então acordava às cinco horas, ia para o Tietê, pegava ônibus, descia na rodovia, andava… Era bem desafiador, eu falo: “Gente, eu não quero minha filha passando por isso de jeito nenhum, porque é perigoso, andar… Não tinha nem sol nascido ainda, eu tava andando na rodovia uns quatro quarteirões, para entrar na empresa, enfim… Mas foi a forma que a gente tinha de se virar. Depois o meu pai se recolocou, mas não foi igual, não foi com o mesmo salário, então não deu para a gente voltar no padrão de vida que a gente tinha antes, e depois também tem o lance de que depois que você começa a trabalhar, não volta mais. E aí eu voltei dando aula de ginástica, também consegui um período na academia dando aula de natação e assim eu fazia faculdade a noite e era o dia inteiro, acordando de madrugada, trabalha o dia inteiro, manhã dando aula de ginástica, a tarde academia, da aula de natação, vai para faculdade, então era sempre de ônibus, de condução para lá e para cá, e foi assim até eu me formar. Aí quando eu me formei… Eu estava no último semestre, nas últimas provas da faculdade… Eu tinha tido um namorado naquele começo ali, de idas e vindas com o meu primeiro namorado, eu tinha tido um namorico de seis meses com um cara que voltou nesse último… Namoramos, terminamos, acabou. Aí quando veio essas últimas provas da faculdade, um dia, do nada ela apareceu na minha casa e do nada eu tava em casa também, destino - porque não tinha celulares, não combinava nada, você chegava de supetão na casa das pessoas, às vezes ligava, às vezes não - e coincidentemente eu tava em casa, porque a piscina que eu dava aula estava quebrada, então a ______ tava muito gelada, então a academia tinha liberado todo mundo, eu estava em casa. E eu lembro que eu tava entrando no banho para ir para a faculdade, e aí buzinou na porta da minha casa, eu fui olhar e era esse meu ex-namorado. Aí a gente voltou - ele não morava em São Paulo, ele morava em Minas Gerais, em Belo Horizonte - ele é de São Paulo, né? Estava em São Paulo, então ele foi me ver, aí a gente voltou, a gente começou a ficar assim, só de vez em quando, e eu terminei a faculdade. E aí quando eu já tinha terminado, acho que foi, sei lá, depois do Natal, ele me chamou para ir morar com ele, porque ele tinha sido transferido para Espanha e ele queria que eu fosse lá ficar com ele, não sei o que, mas a gente não tinha um namoro sério, então eu não ia, fiquei falando “não” até… Até que um dia ele conseguiu um estágio para mim na piscina da prefeitura da cidade que ele trabalhava, e falou assim: “Olha, não é para você vir para namorar, é para você vir fazer um curso”, aí eu fui, né? Foi muito tentadora a oferta para uma pessoa no começo da carreira, aí eu fui, fiquei quatro meses no total, porque eu fiquei quinze dias, voltei e depois voltei para ficar mais três meses, e foi bom, porque além do curso eu fazia curso de espanhol todo dia, de segunda a quinta, na verdade, eram quatro horas por dia, então eu aprendi espanhol, e foi boa a experiência, tudo. Aí quando eu voltei, a gente ficou juntos só mais um pouquinho, mas terminou, não deu certo, a gente percebeu que éramos muito mais amigos do que namorado, mas eu voltei e já comecei a trabalhar de novo na mesma academia que eu dava aula antes. Assim que eu cheguei no Brasil eu já fui lá, já tinha uma vaga, era a noite, no período da noite, aí eu assumi as aulas e já comecei a trabalhar a noite, e depois rapidinho já consegui a aula de ginástica laboral de novo, aí já voltei para a minha rotina que eu tinha antes, e um ano depois eu sofri o acidente e fiquei cadeirante. Posso continuar ou você quer fazer alguma interrupção daqui?
P/1 - Eu ia te perguntar, mais enfim, eu acho que a narrativa é muito você conduzindo também, mas você falou que a influência da escolha por Educação Física veio muito pelo seu ex-namorado, o primeiro namorado… Na sua família, como foi a receptividade por fazer Educação Física?
R - Boa. Maurício, a minha educação sempre foi assim, meu pai e minha mãe eles nunca proibiram a gente de fazer nada, tudo que a gente queria fazer eles contavam quais eram os riscos e a gente tinha que assumir, então assim: “Olha, se você usar drogas, pode acontecer isso, isso e isso”, se acontecer, você tem que assumir. “Se você transar sem camisinha, pode acontecer isso, isso e isso”, se acontecer, você tem que assumir. Então eles nunca interferiram na escolha de profissão, mas o meu pai, mesmo… Eu já estava decidida, eu ia fazer Educação Física, um dia me chamou para uma conversa e disse que eu achava que eu devia prestar Jornalismo e que ele achava que eu era uma pessoa que escrevia muito bem, para eu refletir sobre isso. Eu tinha feito teste pedagógico no Rio Branco, tinha dado área de comunicação, então foi uma conversa não impositiva, mas um alerta, tipo: “Filha, será que é isso mesmo? O que você escolher eu estou do seu lado, mas eu gostaria que você refletisse sobre essa questão do Jornalismo, e de fato eu refleti, pensei bem assim, mas não era o que eu queria, naquele momento eu fiz uma escolha bem alertada, sabe? E assim foi, da decisão da Educação Física eles me apoiaram e deu certo. Eu tenho para mim que a profissão nunca pode ser escolhida por ambição e sim por talento mesmo, se você vai fazer algo em que você não se identifica, só pensando que é uma carreira que tem mais espaço no mercado, não vai ser bom, você não vai ser o melhor, e se você não for o melhor, você também não vai ganhar bem, seja a profissão que for, então meu pai sempre falou isso pra gente, é isso que eu falo para minha filha, então eu tive muito estímulo da família de fazer uma escolha para trabalhar com prazer, sempre soube que a vida não era fácil, passei por vários perrengues, to contando aqui um monte de coisa que a gente teve que correr atrás, mas o quanto a gente pudesse facilitar a vida, melhor. A vida já é difícil, aí você vai fazer uma escolha que já vai deixar ela mais difícil ainda, então a gente tinha essas conversas sobre essas questões de ir buscar algo que fizesse a gente, de fato, feliz e tivesse de acordo com a nossa vontade de trabalhar, de entregar e de talento mesmo. E aí quando eu sofri o acidente eu voltei a trabalhar muito rápido - só para fazer… Eu volto ainda em umas situações do acidente, mas só para fazer uma ligação com a escolha da profissão - na volta ao trabalho, inicialmente eu trabalhava de casa, montando aulas para outros professores aplicarem, e eu tinha que escrever um artigo sobre saúde por mês, então no fim das contas eu tive que escrever, não teve jeito, aí meu pai ainda falava: “Falei, se tivesse feito Jornalismo”, eu falei: “Pai, eu não fiz, mas eu to no fim tendo que estudar um monte de coisa que eu teria que estudar em Jornalismo para a profissão que se adaptou a mim depois do acidente. Então eu sofri o acidente - como eu disse - eu setembro do segundo ano de formação. Eu passei um ano formada, eu tive essa ida à Espanha, voltei, trabalho, não sei o que, e eu fiquei seis meses… Pera aí que eu me perdi. Aí eu fiquei um ano e meio, um ano e oito meses, e aí veio o acidente. Eu sofri um acidente de moto, a minha irmã que tinha moto, não, era minha, eu dirigia assim, sabia dirigir, mas assim, não era o meu meio de locomoção, não era… Mas de vez em quando minha irmã me emprestava para eu sair, para eu ir numa baladinha assim, porque a minha irmã também namorava sério - eu não estava namorando nessa época - e ela namorava sério e ela estava sempre com o namorado dela, que tinha carro, então durante a semana ela usava moto, mas no fim de semana ficava ali em casa e ela me emprestava, aí a moto era outra coisa, meus pais falavam assim: “Não pega moto, é perigoso, de noite…” Para minha irmã ir trabalhar também, era o mesmo discurso, mas naquele lance: “Se você usar, você pode cair, e se você ficar com deficiência, você vai assumir”, então era uma coisa que já era conversa para gente, sabe? E quando aconteceu o acidente, foi isso que veio na minha cabeça: Meus pais falando: “Olha, se você andar de moto, você pode cair, se você cair e se machucar, você pode ficar na cadeira de rodas, e se você ficar na cadeira de rodas a responsabilidade é tua”, então vinha o discurso deles na minha cabeça toda hora. Então, acho que por esse fortalecimento que eles nos deram durante toda a vida, que eu me senti responsável, eu nunca fiquei pensando: aí, eu bati no carro ou o carro bateu em mim; eu não lembro do acidente, então por não lembrar do acidente eu não sei se a culpa foi minha ou a culpa foi do carro, eu sei que eu bati num carro, mas a perícia não confirma que eu caí em cima dele, então provavelmente ele que bateu em mim, mas isso para mim nunca foi uma questão de descoberta, porque eu me sentia responsável, não importa se o cara que bateu em mim, se eu que bati nele. Primeiro, se ele bateu em mim, eu tenho certeza que ele não tinha intenção em me derrubar, foi sem querer e eu tava na rua, tava na moto e tava correndo risco, então aconteceu o que os meus pais me avisaram que podia acontecer e eu tenho que assumir, então foi racional, foi desse jeito. Então quando eu estava lá no hospital, eu fiquei… Eu fui resgatada pelo SAMU, fui para o Hospital Mandaqui, que é o público mais perto, é assim que eles fazem. Aí lá no Hospital Mandaqui eu fiquei algumas horas, avisaram a minha família, eu fui transferida para o Hospital Alvorada, que era do convênio, e no Hospital Alvorada eu fiquei 28 dias, fiz duas cirurgias e os primeiros dez dias eu fiquei inconsciente, nos primeiros cinco dias, que foi o tempo que demorou para fazer a primeira cirurgia. E quando eu fiz a primeira cirurgia que eu voltei consciente, que eu tava entendendo, que eu lembro do que aconteceu. Sempre foi um ambiente… Eu tenho boas recordações do hospital, era um ambiente gostoso, as pessoas iam me visitar. Eu recebi em vida todos aqueles reconhecimentos que a pessoa recebe depois que morre, então os meus alunos iam lá para falar o quanto eu era importante para eles, os meus amigos da rua, da faculdade, os amigos do meu primo, enfim, todos os grupos de amigos que eu fiz na vida inteira estavam ali, presentes, participativos, do colégio, do outro colégio, enfim. E foi um momento de boas recordações mesmo, a família se uniu, e a gente estava em num momento de muita… Cada um seguindo com a sua vida, todas as adultas, as duas namorando, só eu que não estava namorando - eu tava namorando, mas estava quase terminando - e aí a gente se uniu muito, então as minhas irmãs se revezaram para dormir… Na verdade a minha irmã mais nova dormia toda noite no hospital, mas é porque ela estava trabalhando do lado do hospital, então para ela até era bom, ela dormia lá e já ia trabalhar. A mais velha passava todo dia, depois do trabalho passava, ficava lá no hospital, então virou o point da família, toda noite estava todo mundo lá, meu pai, minha mãe, meus primos, enfim, foi um momento de boas recordações, de verdade, eu não lembro nem da dor que eu sentia, porque as pessoas me lembram que eu reclamava muito de dor, eu não lembro de dor, não lembro de… Eu lembro de coisa boa, de muita gente indo lá, muito carinho, muito abraço, foi bem bonito esse momento da vida. E aí assim, eu não precisei ser avisada da lesão, eu percebi. Então quando eu não mexia mais as pernas, eu já sabia que eu estava paraplégica, quando eu não sentia mais as pernas, eu já sabia, porque eu estudei na faculdade, enfim, para mim estava muito claro o que estava acontecendo comigo. Mas teve um momento em que a família se reuniu com o médico para contar o que tinha acontecido, aí eu lembro assim, tava lá o meu pai, o médico do lado dele, meu pai contou e eu fiquei: “Ah, tá bom”. Aí ele: “Você não vai chorar, não vai ter aquele drama?”. Eu falei: “Pai, eu já sabia. Não é nenhuma grande novidade para mim, vocês só estão confirmando o ue eu já estava percebendo, mas está tudo bem. Vamos ver como a gente consegue viver melhor da forma que a gente está agora”. E aí a gente ficou todo mundo sempre juntos. E aí eu voltei para casa, 28 dias depois, eu voltei para casa, um sobrado, que não tinha banheiro em baixo, só tinha lavabo em baixo, não dava para tomar banho em baixo. Aí meus pais alugaram uma cama - nem lembro se foram eles ou eu, porque eu já trabalhava, eu tinha salário, tinha um dinheirinho guardado e passei a receber benefício no começo de afastamento - então a gente alugou uma cama de hospital que ficou na sala nos primeiros quinze dias. Aí eu fui para Brasília, eu fiquei quinze dias em casa, fiz aniversário nesse meio tempo, porque eu sofri acidente com 21, dia dois de setembro, dia dezesseis de outubro eu fiz 22 anos, foi uma festa na minha rua. A gente fechou a rua igual festa junina e fez das garagens… Cada garagem tinha uma coisa, na minha garagem tinha os comes e bebes, que cada um levava um prato de doce ou salgado, na vizinha tinha uma banda, foram três shows, e na outra vizinha acho que tinha as bebidas, cada uma ajudou numa coisa, foi uma festança, tinha muita gente comemorando a vida. E aí eu fui para Brasília, eu fiquei um mês lá, fui para o Hospital SARAH, que faz reabilitação, é o melhor lugar do Brasil e da América-Latina de reabilitação do aparelho locomotor, é gratuito, eu não paguei nada para ir pro SARAH - a não ser as passagens - mas na época o meu pai trabalhava na Bovespa, então a gente foi subsidiada pela empresa, eu fui, minha mãe foi, meu pai foi na primeira semana, minha mãe ficou acho que duas semanas, mas depois eles têm que voltar e eu tenho que ficar sozinha - foi um mês e meio que eu fiquei lá - porque lá a reabilitação é social, não é só física, então lá a gente meio que fica - agora está diferente, mas na minha época era assim - a gente fica internado em família para aprender a viver com um corpo diferente, então até chegar lá eu não tinha nem cadeira de rodas - eu tinha uma emprestada, emprestada não, eu tinha ganhado, mas era uma muito hospitalar, aquelas cadeiras de hospital - e a gente sabia que eu não ia comprar cadeira porque lá no SARAH iam me diagnosticar uma cadeira mais adequado para o meu… Então eu fui numa cadeira zoada, mas eu não tinha nem me visto no espelho de cadeira, sabe? Eu não tinha me ligado ainda na vida. Quando eu cheguei no SARAH eu cheguei o dia inteiro - foi o único dia que eu chorei - eu chorei o dia inteiro, porque eu via gente com deficiência passar e eu não conseguia nem sentar sozinha ainda, eu ficava deitada assim vendo as coisas acontecerem, nossa, eu chorei muito, foi o dia que a ficha caiu, sabe? Mas aí depois passou. A minha mãe não dormia lá, mas na primeira semana ela ia todo dia, ficava comigo e dormia na casa de uns amigos. Aí esses amigos de fim de semana me pegavam do hospital, também foi super legal, tive uma nova família em Brasília, na verdade eu nem conhecia, era amiga da minha prima que me ajudou quando eu fui para Brasília. E assim foi um mês e meio e foi assim. Eu voltei para casa empregada, quando eu voltei a minha gestora bateu na porta da minha casa e falou: “Pô, vamos voltar, eu tenho espaço para você”, e aí desenhou esse processo de eu voltar montando aulas, escrevendo artigos de saúde. No começo isso me ocupava muito, no começo eu passava um mês inteiro para fazer um planejamento, e depois eu comecei a fazer cada vez com mais facilidade e começou a me sobrar tempo. Bom, claro que eu não trabalhava só, eu fazia reabilitação, fazia fisioterapia três, quatro vezes por semana, todo lugar que tinha minha mãe me levava, médico que prometia célula-tronco, enfim, a vida era bem agitada. Eu comecei a fazer teatro e inglês, pintar quadro, me agitava. Desde o dia um, desde o primeiro momento da lesão eu tenho uma dor, chama dor neuropática, é uma dor que tem em 70% dos cadeirantes, ela é super corriqueira - cadeirantes não, dos lesados medulares - e é uma confusão que o cérebro faz, por não receber o estímulo pela interrupção da medula, então como ele não entende aquele estímulo, ele traduz com dor, e é muito difícil de tratar, porque é neuropática, é de nervo, e não tem uma razão, porque não tem nada machucado, não é pelo machucado, é pela confusão neural. Então tem umas medicações, mas que deixam a gente meio grogue, na época então não tinha quase nada de opção de medicação, então eu decidi lá no SARAH que eu não ia tomar remédio e que eu ia ocupar a minha vida, essa era a dica: o melhor remédio para dor neuropática, ocupa a vida. Então eu ocupava a minha vida para nem deixar o cérebro ter tempo de pensar na dor, e assim eu fui até 2013. Então meu acidente foi em 2001 e eu fui até 2013 sem tomar um comprimido para dor neuropática, mas a dor sempre aqui. E aí em 2013 eu tentei… Aí já tinha acontecido muita coisa na minha vida, comecei a namorar, daqui a pouco eu falo dessa parte da dor, vou voltar para o momento do acidente e do trabalho. Aí do trabalho, com o trabalho eu me senti uma pessoa igual as outras, igual antes, não mudou para mim, sabe? Mudou a minha condição, mas eu tinha a minha independência financeira, eu tinha reconhecimento que me fazia eu me sentir capaz, a vida emocional também foi muito legal, que eu falei que eu estava mais ou menos com um carinha na época do acidente, aí eu fiz aniversário de namoro no hospital, eu fiz que fiz que a minha mãe e minha irmã correram no shopping para comprar um presente para eu dar para esse meu namorado, ele chegou lá nem com um botão de rosa na mão, acho que ele pensou assim: Eu não vou ganhar nada, também não vou levar nada. Ai eu fiquei triste - que já era um cara que já tava meio assim, já não tava bom - fora que ele nem ia ao hospital, e quando ele ia, ele ia para ficar triste, ele não se conformava que a gente estava animada, que a tinha bexiga, bichinho de pelúcia, tinha bombom, tinha festa no meu quarto, ele não se conformava, ele achava que a gente tinha que sofrer aquilo, e então eu achei que ele era muito fraco para mim, que eu era muito mais forte do que ele e que não ia rolar, então quando eu cheguei em casa a primeira coisa que eu fiz foi terminar com ela, no hospital era muito confuso, eu nunca ficava sozinha com ele, mas quando eu cheguei em casa a primeira oportunidade que eu tive foi terminar. Mas eu vou dizer que eu tive uma ajudinha, porque lá no hospital mesmo, quando eu, sei lá, uma bela tarde, eu abro os olhos, tava meio grogue ainda do acidente, das medicações,
aí entra um rapaz que gostava de mim na época da escola, do Rio Branco - só que eu nunca dei bola pra ele, porque ele era da mesmo idade que eu, mas estava um ano a baixo, então eu achava que ele era pirralho, então eu nunca dei bola pra ele - só que aí ele volta cinco anos depois - porque já tinha passado cinco anos - de terno e gravata com uma rosa vermelha na mão e eu caída lá no hospital, não sabia nem onde eu estava, e ele foi muito presente, desde a rosa na mão já tinha alguma intenção, e ele foi muito presente, ia ao hospital quase todos os dias, quando eu fui para casa todo final de semana ele estava na minha casa, então a gente começou a namorar, eu falo que até para a auto-estima o destino foi muito bom para mim, porque eu não tive tempo de não me achar sedutora, de não me achar bonita, aconteceu, as coisas foram acontecendo. Aí eu namorei esse moço seis meses só e eu acho que a gente terminou quando eu fui para casa dele, até então só ele vinha, que participava da minha vida, aí o dia que eu fui conhecer os pais dele - reconhecer, porque eu já conhecia, eu era amiga da irmã dele no colégio - mas quando eu fui encontrar os pais dele, no dia seguinte ele terminou, então eu acho que teve uma influência da família ai, de sei lá, eu tenho muitas amigas com deficiência que tem muito problema com sogra, então naquela época eu percebi isso - eu vou perguntar para ele ainda, logo mais eu vou fazer essa pergunta para esse moço - mas enfim, aí eu fiquei com essa suspeita aí, mas aí também eu falei… Na hora que terminou eu dei uma choradinha, depois eu pensei: Cara, eu não chorei porque eu fiquei cadeirante, eu vou chorar por causa de namorado? Aí eu falei: “Deixa para lá”. Passou. Foi o primeiro momento que eu fiquei sozinha mesmo, aí eu fiquei dois anos sem namorar, e eu era muito consciente, eu não queria namorar, não queria encontrar ninguém, saí de vez em quando, dava uns beijinhos, mas não queria me amarrar, queria esse encontro comigo, que eu não tive desde os treze anos. Então foi um momento bom e aí eu comecei a namorar o Tato - que é o meu marido até hoje - mas aí eu vou contar da época do acidente ainda, porque o médico queria me dizer o que era uma lesão medular e eu falava - tanto no Hospital Alvorada quanto no SARAH - “Pula, doutor, eu já sei. Eu só quero saber se eu posso ser mãe”, eu só queria saber sobre maternidade, porque eu sempre fui a prima de brincar com os priminhos, sabe? Para mim maternidade era uma coisa certa, eu amo criança, eu sabia que ia ser mãe, e eu tinha passado por um problema ginecológico quando eu tinha uns quinze, dezesseis anos, tive uma suspeita de que talvez eu tivesse que tirar o útero, então depois que eu consegui me livrar desse problema e ter certeza de que eu podia ser mãe, então aquilo, para mim, foi mais forte, então eu tinha 22 anos na época do acidente e eu só queria saber sobre maternidade. E aí o médico do SARAH me orientou, disse que sim… Bom, o médico do Alvorada disse assim: “Menina, não pensa nisso, pensa em se reabilitar”, e o médico do SARAH me explicou que eu podia ser mãe, mas que eu precisava pensar numa maternidade mais adiantada, porque se eu esperasse depois dos trinta ou podia ter dificuldades, como qualquer mulher depois dos trinta tem, mas para mulher cadeirante tem alguns agravantes somados aí. Aí eu falei: “Tá bom, então eu vou ser mãe com 25”, aí ele: “Por que?”, aí eu: “Porque eu quero ter dois, um com 25 e o outro antes dos trinta”. Ele falava: “Menina, você tem namorado?”, falava: “Não tenho, doutor, mas vai dar certo”, e deu certo, porque foi bem assim desse jeito que eu to contando. Eu namorei aquele moçinho seis meses, aí fiquei sozinha, me reencontrei, fortaleci algumas amizades, então o Tato, antes de ser meu marido, ele foi o meu melhor amigo, então nesses dois anos ele foi um cara muito presente, porque no começo eu não dirigia, então para eu sair alguém tinha que me pegar em casa para me levar, meus amigos vinham muito para casa, jogava muito baralho, jogo de tabuleiro, cantava no karaokê - porque eu ganhei um karaokê na época do acidente, na festa lá da rua - enfim, então foi um momento de muitos amigos próximos, e o Tato foi um deles. A gente era amigos antes do acidente, ele tinha uma lanchonete na academia que eu dei aula. A gente se conhecia, na verdade, não era nem amigo. Eu falava mais com a mãe dele do que com ele, porque eles trabalhavam juntos na lanchonete. Depois do acidente ele se aproximou de mim muito impulsionado pela minha força, então ele estava em um momento muito difícil da vida dele e ele achava que eu estava bem e ele não, ele falava: “Como ela pode estar tão bem, e eu estou com um problema muito melhor e não consigo ficar bem”, então ele se aproximou de mim pela minha energia, por eu estar bem e tudo mais. E assim, foi só amizade por dois anos, ele namorou a minha irmã, namorou com umas amigas minhas, mas ele era meu amigo, a gente era amigo. Depois de dois anos assim, um dia… E assim, na minha casa, no sobrado da minha mãe… Quando eu voltei do SARAH a gente já tinha organizado um elevadorzinho, meu tio que é torneiro mecânico fez com o dinheiro que eu ganhei do DPVAT, um negócio bem amadorzinho, mas seguro, e aí o meu tio fez um elevador que levava da sala para o quarto, então era um elevador caseiro, fazia muito barulho, então quando dava meia-noite eu não usava o elevador, meus amigos me levavam no colo, então quando a gente saia a noite, que a gente demorava para chegar, qualquer amigo ou amiga - eu era muito magrinha, pesava 49 quilos - minhas irmãs, me levavam no colo para cima. E aí o Tato, um dia - já tinha me levado para cima várias vezes, já tinha dormido na minha casa, a gente era amigo - um dia ele me leva no colo, me põe na cama, me dá um selinho e vai embora. Dai eu achei estranho aquilo, nem a cadeira de rodas estava do meu lado para eu poder ir atrás, ai eu falei: “Estranho”. Aí no dia seguinte ele veio, a gente conversou, aí eu entendi que ele estava super apaixonado por mim e eu dei uma chance para ele, porque eu não era apaixonada, não queria, não tava muito afim, mas eu lembro da… A minha gestora, a Andressa, aquela que me trouxe de volta para o trabalho, também era minha amiga da faculdade, a gente era amigas, e ela falava assim: “Você tem que encontrar alguém que você goste menos do que ele. Ele tem que gostar mais de você do que você”. Eu lembrava das palavras dela, eu falava: “Acho que é ele que eu tenho que ficar, porque eu não gosto dele assim”, enfim, aí a gente foi amadurecendo, aquela amizade foi cada vez mais forte, eu aprendi a amá-lo, eu o amo muito, mas o começo foi bem conveniência. “Fiquei dois anos sozinha, está na hora deu dar uma chance, vamos ver como é que vai dar”. E esse lance da maternidade, o problema que ele tava tendo, quando ele me achava forte, tinha a ver com isso, ele teve uma filha com a namorada dele, e a namorada e a mãe dele brigaram e ele não podia mais ver a menina, ele resolveu ficar do lado da mãe dele e a menina tipo, enfim, fez uma alienação parental bem forte e ele sofreu muito por isso, então o fato deu querer ser mãe, também estava faltando para ele ali a paternidade, então era um assunto que ele já conhecia pela nossa amizade, porque eu já falava para todo mundo que eu ia ser mãe com 25, fosse de quem fosse, aí quando a gente começou a namorar ele já… Um ano depois a gente já planejou ter filhos e casar. Aí a parte da filha foi assim, eu conversei com ele se ele queria, não sei o que, “Ah, eu quero”, tá bom, aí a gente foi conversar com meus pais: “Olha, a gente quer ter filho, mas a gente não vai sair daqui” - quer fizer, a gente não morava lá, só eu morava lá, ele era meu namorado - falei para os meus pais: “Eu não conheço mulher cadeirante que teve filho - na verdade tinha conversado com duas que eu encontrei num evento de gente com deficiência, mas eu não tinha amizade, eu não tinha referência, eu não sabia se eu ia conseguir pegar a minha filha no berço, não sabia se eu ia conseguir pegar ela do chão, então eu falei: “Mãe, eu vou precisar de você, preciso ficar aqui, até a minha filha andar eu não vou sair daqui”, e lógico que eles toparam: “Lógico, a gente está do seu lado”, só que ela não sabia que ia ser tão rápido. Minha mãe só sabe que eu não estava grávida quando eu falei disso porque ela foi comigo no médico, fez os exames que eu tinha que fazer e aí o médico falou que estava tudo bem, e aí no primeiro mês de tentativa eu engravidei, e aí desde que eu fiquei grávida ele veio morar comigo na casa dos meus pais. A gente fez um noivado, no meu aniversário a gente fez uma festa e quando a Clara tinha um ano e meio, aí a gente fez a festa de casamento e fomos morar no nosso apartamento, então foi do jeitinho que a gente planejou, um ano e meio na casa dos meus pais - ela andou com um ano e três meses - a partir dali a gente começou a procurar apartamento e aí a gente mudou, festejamos e moramos juntos no nosso apartamento, inicialmente a gente ficou lá sete meses, depois eu mudei para a frente da casa da minha mãe, numa outra casa térrea que era de uma vizinha nossa, que a gente conhecia desde a infância, então aluguei ali, e faz três anos que eu mudei para um apartamento em Santana, depois o meu pai faleceu, aí minha mãe não queria mais morar lá, e daí para mim também estava muito triste morar naquela rua com todas aquelas recordações, aí a gente comprou - até então era alugado -
o nosso apê e fomos para Santana. E foi isso, assim. Essa é a minha vida. Ah, e aí tem a Clara, né? Que é a minha filha… Daí eu não tive o segundo filho, porque eu estava muito focada na minha carreira, ele também, ele tem negócio próprio, então a gente desistiu assim, na idade que eu estava mais pronta para ter filho, já pensamos em adoção, mas depois a gente fica pensando na responsabilidade de ser pai e ser mãe, na parte financeira também, que é muito pesado, então a gente recuou, só temos uma filha e pronto. Mas eu tenho uma afilhada, tenho sobrinhos, tá tudo certo. Pronto, acho que eu falei tudo, né?
P/1 - Então Carolina, você me mencionou o momento que você vai fazer o tratamento em Brasília, no Sarah Kubitschek, e aí você vai ter a experiência de aprender a lidar no corpo… Você até fez aquela brincadeira com a sua mãe de ter pés de rodinha, como é esse processo de aprender a entender o seu corpo de uma outra maneira e dentro dessa proposta que, enfim, no sentido de você também não só aprender a ter mobilidade com a cadeira de rodas, mas no sentido de autonomia para poder lidar com… A cidade, questões do dia-a-dia, cotidiano… Como foi essa adaptação?
R - Bom, o SARAH é um hospital muito bom e que tem uma preocupação com o ser humano e com a vida toda dele. O centro de reabilitação, até famosos, que a gente tem aqui em São Paulo, eles têm uma pegada mais corpo, então a preocupação é na saúde da pessoa, na parte de voltar a andar, de fazer exercício, o SARAH não tem essa preocupação, apenas, ele soma sociabilização, condicionamento físico, trabalho social, trabalho emocional, ele pega outras questões da nossa vida para fortalecer, então eu tenho muita gratidão de ter encontrado o melhor tratamento que eu poderia ter encontrado, deixou muito mais leve, para mim, esse momento que, de fato, é muito difícil, muito desafiador, então eu precisei entender o meu corpo funcionando diferente na parte, por exemplo, do intestino, da bexiga, então a falta de sensibilidade, também de movimentos e funcionamento de órgãos da cintura para baixo, tudo muda. Então por exemplo, para eu esvaziar a bexiga eu uso sonda, eu uso a sonda… Ela é uma sonda que eu carrego, eu tenho um kitzinho - eu carrego dentro da minha bolsa - nesse kitzinho tem a sonda e o saquinho. A sonda é um negocinho assim, um canudinho que eu tenho que por na uretra, só que esse canudinho custa um real, e eu uso cinco por dia e aí tem a fraldinha, tem o lencinho, tem a luvinha, tem o álcool, aí vai juntando outras coisas, esse material no meu orçamento custa quatrocentos reais, e aí a gente vê, né? Como é difícil no Brasil a gente ter deficiência, já é difícil no Brasil precisar da saúde, agora com a deficiência, né? No começo eu não tinha dinheiro, a sonda o meu tio que mandava para minha casa, o irmão da minha mãe, que fez isso para mim até eu engravidar, porque até eu engravidar eu… Foi coincidência eu engravidar, mas até aquele momento eu ganhava muito pouco, eu não tinha condições de pagar, ainda, a sonda, graças a Deus hoje eu tenho, mas vejo como é difícil. Então os centros aqui em São Paulo, dos que eu conheço assim, reabilitam a pessoa dizendo: “Olha, usa fraldão, porque aí você perde o xixi no fraldão e aí você…” enfim, só que pensa o que é “perder o xixi no fraldão”, não é tão simples assim, é mais barato, porque fraldão eu tenho que usar do mesmo jeito, mas é muito menos digno, né? Fora o cheiro, e fora o vazar, e fora, enfim… Eu uso o fraldão de precaução, se vazar eu vou ficar cheirando, mas não vaza, porque eu uso a sonda. Fora que esvaziar a bexiga por completo é a única forma segura que eu tenho de não ter infecção e esperar sair sozinho nunca saí tudo, sempre fica um resíduo, que aí esse resíduo com o tempo vai deixando a pessoa com infecção, e as pessoas que não usam sonda - são linhas de pensamento - eu tenho muitos conhecidos com deficiência que tem infecções urinárias recorrentes, e são os que não usam sonda, porque os que usam sonda conseguem esvaziar a bexiga, e os que usam sonda também podem ficar com infecção, eu, por exemplo, corro riscos, porque eu ponho todo dia, seis vezes por dia, uma sondinha na minha uretra, mas só fica doente aquele que se expõe ao risco, então se eu levo a minha mão do jeito que eu tenho que lavar, se eu higienizo o local do jeito que eu tenho que higienizar, passo álcool, ponho a sonda, eu não fico com infecção. Às vezes que eu fiquei, eu sei que foi descuido, então o SARAH - eu to usando como exemplo - mas o SARAH tem essa mentalidade de mostrar para a gente qual é o funcionamento, como o corpo funciona, o que você… Claro, custa caro a sonda? Custa caro, mas se você não usar a sonda você vai ficar doente, vai ficar mais caro, vai ser a sua saúde, então assim, recentemente eu perdi dois amigos por causa de infecção urinária, é uma coisa que não é simples, de fato é a nossa vida, e gente jovem, cinquenta anos, cinquenta e tanto anos, nada de gente muito idosa, sabe? Então eu vejo que eu fui para o melhor lugar que eu podia ir, que me orientou para usar, para viver da melhor forma possível, da mais saudável possível. Os centros de reabilitação, que a gente acha que é bom, que tem nome, que tem tudo, eles são muito paternalistas. Eu lembro que assim, tem uma questão que é empinar a cadeira, empinar a cadeira é importante para passar pequenos desníveis, para subir um degrauzinho, para descer degrau, para descer rampa, porque se você desce numa rampa muito assim, o corpo não tem equilíbrio, vai para frente, então quando você desce empinada, você desce numa tranquilidade no corpo. Eu tinha 22 anos, o SARAH falou assim para mim: “Enquanto você não empinar você não tem alta”. Aí a gente vê algumas instituições dizendo: “Olha, não pode empinar porque caí”. Cai porque não tem o domínio na sua cadeira, quem tem o domínio pela sua cadeira não cai. E até eu aprender era muita segurança, eles tinham um negócio assim que pendurava no bracinho, no empurrador da minha cadeira, e era um triângulo que ficava preso no teto, então quando eu desequilibrava essa cordinha me segurava, quando eu estava aprendendo, depois o fisioterapeuta ficava atrás, mas enquanto eu não dominei empinar a minha cadeira, eu não tive alta, não tinha conversa. E é o certo. Era assim: “Olha, risco você vai correr, claro que você vai correr, todo mundo corre risco de sair de manhã e cair, você vai continuar correndo risco, só que agora você vai correr risco dominando a sua cadeira, é o seu equipamento, a sua perna, você não pode ter medo dela, então eu tive essa sorte de ter a melhor orientação que eu podia ter, e de ser jovem, e de ser uma pessoa que gosta de fazer atividade, então essa parte foi rápida, eu aprendi tudo muito rápido. Eu lembro que entrar e sair do carro foi um dos maiores desafios para mim, eu demorei, na terceira internação. Porque o SARAH você interna de seis em seis meses - agora acho que não é mais assim não, mas era assim - de seis em seis meses até você achar que não precisa aprender mais nada lá, então eu só aprendi mesmo a entrar e sair do carro na terceira internação, e ainda sim eu não aprendi, eu consegui fazer uma vez e quando eu cheguei em São Paulo eu ficava tentando, tentando e tentando, mas eu caía, toda vez que eu tentava eu caía. Aí eu ia para uma festa de um aluninho meu, que era meu aluno de natação, ai o professor que dava aula comigo, na época, foi me buscar com a namorada dele em casa para a gente ir pro buffet, aí vai, não vai, vai, não vai, aí eu caí, sujei a roupa, aí teve que voltar para casa, troca de roupa, enfim, cheguei quase no final da festa, porque nesse começo tudo é demorado. Eu lembro que quando eu aprendi a colocar e tirar calça, lá no SARAH era assim, tipo um pátio assim, que tem muita maca, muita gente fazendo atividade simultaneamente, tipo uma fisioterapia, é Treino de Atividades Cotidianas, esse daí, e aí a gente deitava na cama - agora é um uniforme, um agasalho, mas na época era um pijamão, parecia “Banana de Pijamas”, aqueles pijamas de listrinha - e aí a gente tinha que por calça sobre calça - não era nem calça, era bermuda, que é mais fácil ainda -
então eu pegava, num negócio de roupa lá que eles tinham, a calça G, eu usava a P, mas aí eu pegava a G para ficar mais fácil, e eu tinha que por e tirar cinco bermudas além da que eu estava, era o treino, naquele calor seco de Brasília. Quando eu terminei de colocar a primeira, meia hora depois, aí veio o terapeuta: “Agora tira”, “Aí meu Deus, não consigo” (risos), enfim, foi muito difícil, foi muito desafiador. Mas depois, no dia-a-dia volta para casa, treina, treina, treina até que… Nossa, hoje eu boto calça legging, calça apertada, calça jeans, qualquer roupa eu ponho, é super tranquilo para mim. Agora, mais velha, eu tenho preferido roupa-conforto, porque dá trabalho, já saio suada só de botar roupa, mas é muito rápido, vou ao banheiro e volto em cinco minutos, é muito rápido, é esforço, mas é rápido. Entrar e sair do carro eu não aprendia de jeito nenhum, agora, imagina, eu pisco o olho eu estou dentro do carro, carro de qualquer altura. Eu tinha uma doblò logo que eu fiquei cadeirante, que eu ganhei um carro daquele namorado que morei na Espanha com ele, aí ele me deu um carro, foi a minha liberdade, né? Um ano de acidente, eu já tirei a habilitação, ganhei o carro desse amigo, e era uma doblò, um carro alto, e eu conseguia entrar e sair num instante, mas demora, tudo demora, tem o seu tempo. Mas, para mim, foi um tempo rápido, se a gente compara com pessoas mais velhas, na época que eu sofri o acidente eu era muito jovem, o corpo com muito movimento, eu era bem saradinha, era forte, enfim, o negócio rolou, mas foi bem desafiador. Agora, a parte emocional que eu nem vi passar, eu não precisei fazer terapia, nada disso. Depois tiveram várias teorias da conspiração, tem um monte de tratamento que eu fui fazer por causa da dor neuropática, umas três linhas - que falaram que eu tenho a dor porque eu não pus para fora o que tinha que por, mas eu não acredito nisso não. Eu não sou triste por ter deficiência, assim, eu acho que eu sou triste por ter dor, obviamente, é muito triste viver com dor todos os dias. Vira e mexe eu tenho umas conversinhas com Deus para entender porque eu tenho que passar por isso, mas a deficiência me trouxe muita coisa boa. Eu acho que é uma demagogia dizer que eu queria ter deficiência, se eu pudesse escolher eu não queria ter, mas eu queria ser quem eu sou sem deficiência, sabe? Ser quem eu sou hoje, aprender o que eu aprendi, me desenvolver do jeito que eu me desenvolvi, e andando, né? Seria maravilhoso, mas não dá para ter tudo, então eu acho que eu só tenho benefícios assim, eu perdi muito menos do que eu ganhei, e eu acho que o meu trabalho também, eu comecei trabalhando com ginástica laboral, mas rapidinho, uns três anos depois do acidente eu já comecei a trabalhar com inclusão, e o hoje, o meu trabalho me - como é a palavra? - me conforta, ele me explica porque eu tenho deficiência nessa existência, sabe?
P/1 - Carolina, se você me permite, para até poder… Eu ia fazer uma pergunta que era relacionada a esse trabalho de inclusão, porque você contou uma trajetória de alguém que se manteve muito ativa, né? Que se sentiu preparada para o depois do acidente, que teve esse seu preparo desse seu relacionamento com os seus pais, que teve esse processo de reabilitação, que não foi só uma reabilitação física, mas também de um preparo, de entender melhor o seu corpo e o entorno, interagir com o mundo, emocional, também, e que se manteve muito ativa, como foi, então, dirigir esse olhar para ver situações de outras pessoas com deficiência que talvez não tivessem as mesmas oportunidades ou que não tinham acesso a ter, a estar em atividade, a poder ter uma vida profissional, como foi esse passo, de olhar para um universo mais amplo e enfim, da sua atuação como empreendedora, no ramo da acessibilidade e da inclusão?
R - Bom, um ano depois do acidente eu conheci um… Na verdade eu conheci lá em Brasília a família dele, que é o Deto Montenegro, ele é diretor de teatro aqui em São Paulo, da _________, ele é irmão do Oswaldo Montenegro, família que me hospedava lá em Brasília era a mãe do Oswaldo, então eu sabia que ele tinha um grupo de teatro aqui em São Paulo, mas eu nunca tinha conhecido ele, eu conheci todo mundo da família menos o Deto, e aí num carnaval, então o meu acidente foi em setembro, um ano e dois meses depois do meu acidente eu fui passar o carnaval no Rio de Janeiro, aí eu encontrei a Bruna, que é irmã do Deto e a gente se encontrou na praia. E ele me viu na praia, sem a minha cadeira - porque na areia do Rio de Janeiro não da para entrar de cadeira de rodas, algumas praias durinhas dá, mas aquela não dá -; e ele falava assim para mim: “Você tem que fazer teatro, você tem que ir lá, tem tudo a ver com você, vamos lá”, aí ele encheu o meu saco, eu fui… Ele me ligava toda semana, eu não queria ir, porque eu tinha feito teatro na escola e eu não tinha me dado bem com isso, mas ele encheu o meu saco, toda semana ele me ligava, aí eu fui com a Tábata, que é uma pessoa que eu conheci no SARAH, primeira internação, a gente… Eu internei e ela ia internar pela segunda vez dela na outra semana, então os enfermeiros já deixaram a maca dela - era uma enfermaria - do lado da minha, porque eles sabiam que a gente ia ser amigas, a gente tinha a mesma idade, as duas de São Paulo, as duas muito parecidas, enfim, pré-destinaram a nossa amizade, e de fato nós somos muito amigas, uma deu muita força para outra no começo, porque aí a gente voltava pra São Paulo e fazia fisioterapia juntas, e eu levei ela para o grupo de teatro, falei: “Eu vou, mas não vou sozinha, eu vou levar minha amiga”, e ele: “Melhor ainda”. A gente foi para assistir uma aula, quando a gente se viu a gente tava no meio da aula fazendo aula e ele chamou a gente para um café e disse que queria montar um grupo só com cadeirantes. Então a partir daí eu comecei a ter mais contatos com cadeirantes na minha rotina. Lá no SARAH eu conheci muita gente, mas não na rotina, na rotina era só Tábata. Então a partir daí a gente montou um grupo com dezenove cadeirantes, fizemos uma peça maravilhosa, que é o “Noturno”, do Oswaldo Montenegro. A peça é um ________, que ele faz lá na oficina, e ele montou com um grupo de cadeirantes e ficou tão lindo quanto, não ficou nem mais, nem menos, ficou maravilhoso quanto é o grupo de pessoas sem deficiência, e para a gente foi muito importante esse momento porque ele não cobrava a gente com paternalismo, ele cobrava igual, então ele dava as flexibilizações que precisava dá, um tempo de banheiro a mais, porque demora mais, mas ele cobrava, não tinha esse lance de passar a mão na cabeça, então para a gente foi muito legal ter isso, alguém olhando para gente de igual para igual, sabe? Então esse grupo de dezenove pessoas, até hoje, a gente é muito brother, a gente passou três anos fazendo peças juntos, era domingo, oito da manhã, das oito ao meio-dia ensaiar no domingo, “mó tresh” o negócio, mas a gente ia; a gente fez uma amizade muito forte. Então foi ai que eu comecei a conhecer outras realidades e também me estimulou para ser mais independente. Eu via um amigo tirando a cadeira do carro sozinho, eu falava: “Ah, vou tirar também. Como ele consegue e eu não?”, então foi muito bom, a gente se ajudou muito, todos nós. E aí eu conheci, nessa época, uma menina que tinha um ano de acidente, eu já estava lá com os meus cinco anos - porque daí foi mais para frente - e ela tinha o Ensino Médio trancado, quando ela sofreu o acidente de moto ela era manicure e ela tava andando… Ela ia para o teatro de ônibus, da Zona Norte também ela mora, ela ia de ônibus, pegava ônibus numas ruas que eu nunca me imaginei pegando, ela super me inspirou. Eu falei: “Gente, essa realidade que eu vivo não é a realidade da vida real”. Em paralelo eu estava lá no trabalho, voltei a dar aula de ginástica laboral, eu estava na minha área, tava me encontrando, já estava dando treinamento, que era uma coisa que eu sempre quis fazer, ligados a saúde, qualidade de vida, ergonomia, enfim, e tava estudando para isso, foi aí que eu resolvi fazer a minha pós, porque eu queria entender mais de como o cérebro humano funciona para ensinar e tudo mais, aí eu comecei a… Indo dar aula nas empresas, as empresas queriam me contratar e eu não entendi: “Porque você quer me contratar? Eu nem tenho perfil para ser secretaria”, eram umas oportunidades nada a ver com educadora física, aí eu entendi que por causa da lei de cotas as empresas viam uma pessoa com deficiência meio
independente, bem humorada, eles já faziam propostas de trabalho para mim, tentadoras, vamos dizer que quando comparava com os meus salários de educadora física eram boas oportunidades, mas que não combinavam com o meu perfil, e eu falava: “Gente, porque vocês querem chamar?”. Aí eu descobri que a lei de cotas existia, no começo eu fiquei ofendida, e olhando só para o meu umbigo, uma história de uma pessoa com deficiência cheia de privilégios, eu entendi que a lei vinha para paternalizar a gente, que a gente não precisava disso, que os amigos com deficiência que eu tinha e que não trabalhavam recebiam benefício do governo e não estavam afim de trabalhar, então eu julguei a lei de cotas baseada numa históriazinha pequena que eu conhecia, né? Aí eu comecei a ficar provocado por aquilo, eu falei: “Não, não é possível, deve ter mais coisa aí”. Aí comecei a estudar mais a população com deficiência, comecei a me infiltrar mais nas instituições para entender realidades, essa menina super me estimulou, porque eu falava: “Gente, essa menina sem nada de privilégio, nem família estruturada ela tem”, enfim. Aí eu comecei a olha para a população com deficiência e rapidinho eu entendi que a lei de cotas é muito mais do que essencial (pausa). Aí eu comecei a estudar a população e rapidinho eu entendi que a gente precisa dar a lei de cotas, que a lei de cotas não foi feita para mim, nem para os meus amigos do teatro - a maioria deles - mas que a maioria da população com deficiência é excluída estruturalmente falando, então falta tudo, falta cultura de inclusão, e as famílias não sabem o que fazer com seus filhos com deficiência, pais paternalizam, ou escondem, ou rejeitam, nos dias de hoje o que tem de criança com deficiência abandona no orfanato é impressionante, aí a gente tem saúde muito precária, dei o exemplo da minha sonda, você imagina uma pessoa pobre precisando fazer xixi de sondinha. Existe um recurso que é usar uma sonda, que é daquele material de bisturi, mas tem que higienizar a cada uso, imagina, de três em três horas você lá fervendo o negócio, na prática isso não rola, a pessoa acaba reutilizando a sonda e ficando doente, e não tem governo mandando para casa das pessoas, sabe? Um ou outro município que tem uma boa gestão, entregam, mas assim, a pessoa tem que buscar. Aí vamos pensar na precariedade lá no interior do Ceará, você acha que o cara tem dinheiro para ir buscar a sonda mensalmente? Fora que tem mês que aí o governo não fez com o cara que faz a sonda, aquele mês você não faz xixi, sabe? Então tem umas coisas muito tristes que acontece na vida da pessoa com deficiência no nosso país, não só com pessoa com deficiência física, qualquer uma, cego, surdo, pessoa com deficiência intelectual, qualquer uma. Então eu comecei a entender que a lei é necessária e aí eu comecei a perceber que a minha história podia ajudar, falava: “Empresa, porque você não faz que nem a minha gestora fez comigo?”, porque antes dela olhar… Porque na verdade ela nem tem cota para cobrir, ela olhou para mim, entendeu que eu tenho potencial, me deu uma atividade que tem a ver comigo, com o meu perfil, esperou eu me desenvolver, porque eu também não estava pronta e foi me cobrando, me desenvolvendo e eu entregando, é isso, trabalho é isso, né? Só que a gente tem muitos viés, muitos rótulos, esteriótipos que impedem que sejam tão simples assim como foi para mim. Então eu comecei a contar a minha história na aula de ginástica laboral, fiz um projetinho chamado “Movimento Incluir”, a empresa que eu trabalhava chamava “Movimento” e nesse projeto eu comecei a vender assim, os clientes queriam, começou um movimento de procura que eu nem imagina, e aí eu fui percebendo que eu precisava direcionar as falas também, que aquilo que eu falava para o R.H. era diferente do que eu tinha que falar para o gestor, então eu comecei a construir o meu negócio, isso desde 2005 até 2008, eu fazia na própria “Movimento”, meio que “sócias” delas, só que sem contrato definido, sem entrar no Contrato Social, mas eu dividi… Pagava um percentual para elas e o lucro daquilo era meu. Então eu percebi que tinha um ramo bom para eu investir, para eu crescer, aí eu fui fazer uma palestra no SEBRAE para fazer o “Empretec”, que eu falei: “Ah, vou montar o meu negócio, já sei que eu to...” Aí a minha melhor amiga, Juliana, da época do colégio, ela também foi comigo fazer essa palestra, porque ela tava com um negócio para ela, dela, que chama “Talento Sênior” e ela veio assim… Ela foi fazer um M.B.A em Nova York e veio do M.B.A com esse negócio montado e é um negócio para dar continuidade de carreira para profissionais sênior, então é um negócio de R.H. para outro público, profissionais maduros, e ela foi fazer a palestra comigo, por causa da Sênior e eu fui por causa do meu projeto, e aí na hora do coffee break a gente começou a conversar e viu que ainda tinha muito sinergia e aí a gente juntou as duas e formamos a “Talento Incluir”, nem voltamos para palestra do “Empretec” e ainda nem fizemos o “Empretec”, mas nós mudamos a “Talento Incluir”, e inicialmente ela trabalhava em um banco, então ela ficou até 2017 trabalhando no banco, então ela foi uma sócia investidora e eu toquei o negócio de 2008 até 2009 com o apoio do pai dela, que me ajudava com a parte financeira, então a parte de contas ele que fazia, e o resto era tudo comigo, contrato, funcionário, aí, foi bem desafiador, porque eu sou uma professora de Educação Física que me especializei em Inclusão e me especializei em Psicologia de Grupos. Eu falo que eu passei os nove anos mais desafiadores da minha vida, ao mesmo tempo que o meu trabalho me dá esse conforto e eu amo fazer o que eu faço, porque eu vejo o impacto social muito de perto, eu vejo a vida das pessoas sendo transformadas de um jeito maravilhoso, mas foi muito impactante para mim trabalhar sem ela esses anos todos, eu quase desisti, se ela não viesse em 2017 eu ia desistir, eu estava quase jogando a toalha. É muito difícil empreender no Brasil, é muito difícil um negócio ser rentável, apesar do que eu faço ser vender picolé na praia, é muito fácil vender o que eu faço, toda empresa quer, fui pioneira, então não tinha concorrente, agora os que eu tenho estão dez anos atrasados então a gente nada de braçada no mercado, mas é difícil manter o negócio, envolver pessoas, engajar pessoas, contratar, demitir, af Maria. Eu não gosto de ser empresária, não, eu prefiro ser consultora de inclusão, mas eu já assumi esse desafio, então também a minha vida nunca foi fácil, se eu fosse ficar só na parte fácil da vida eu ia enjoar.
P/1 - E Carolina, se você me permitir eu gostaria de fazer três perguntas, uma profissional, duas pessoais e eu deixo você muito a vontade para responder da forma como você quiser, porque tem a questão de tempo, mas eu acho que são perguntas importantes para a gente ter como registro e a gente poderia fazer essa entrevista em outro momento, com muito mais calma, porque imagino que a sua história de vida tenha muito mais coisa que a gente poderia explorar. Mas a pergunta que eu tenho que é profissional é: nessa sua trajetória como empreendedora, você falando que ainda se sente não tão confortável nesse lugar de empresária, mas você tem uma trajetória como empreendedora numa área que a princípio também era nova, que momento você acha mais marcante nessa sua trajetória de empreendedora?
R -
Nossa, que difícil, porque eu tenho tantos reconhecimentos no meu dia-a-dia, é muito difícil escolher um momento marcante… Bom, no começo desse ano eu fui reconhecida pela Forbes como uma das vinte mulheres mais poderosas do Brasil, então eu vejo que esse reconhecimento é o mais emblemático que eu ganhei e que representa muita coisa, representa uma população, tem uma galera com deficiência que vai me ver ali e vai acreditar que pode, então eu sei o peso que esse reconhecimento trás, mas o que eu… O que eu costumo contar, eu gosto de fechar a palestra… Geralmente quando eu faço uma palestra mais motivacional eu fecho a palestra contando essa parte assim, que o reconhecimento da Forbes não chega nem aos pés desse outro que eu vou contar agora, de impacto para mim, tá? Eu sempre quis ser mãe, eu contei essa história aqui para vocês, para mim isso era uma questão e que eu sabia que eu seria e é muito difícil dizer o que é querer ser mãe e o que de fato… Não é engravidar e o filho nascer, não é só isso, é o que eu faço, o impacto do meu papel na vida da minha filha, essa era a questão. E quando ela era pequena eu passei por algumas provações de que ela, de fato, se inspira em mim, então uma vez - ela tinha uns quatro anos -; “O que você quer ser quando crescer?”, ela falou: “Cadeirante” (risos). Ela pediu uma cadeira de rodas pro papai noel; um dia uma amiguinha dela falou assim: “Deve ser muito maneiro ser cadeirante, né?”, aí ela falou: “Não, não é não, porque quando a gente vai ao cinema a minha mãe não pode escolher ficar em qualquer poltrona, ou ela fica na primeira, ou na última, depende por onde a porta do cinema abre” (risos), aí eu falei: “Gente, ela já entendeu que ser cadeirante não é bom”, porque eu tinha esse receio dela ficar só achando que era bom, mas no meio do caminho ela entendeu. Mas no começo do ano, quando veio a Forbes, na sequência - minha filha está no primeiro ano do Ensino Médio, né? - ela voltou da escola, antes da pandemia, me contando que ela estava fazendo a primeira aula de empreendedorismo do ano e o professor perguntou o que ela quer ser quando crescer e ela respondeu que não sabia a profissão, não sabe qual é a faculdade, mas que ela quer ter uma profissão que inspire pessoas assim como a mãe dela, aí sim, né gente? Esse é o maior reconhecimento, fazer uma coisa que impacta no dia-a-dia de muita gente, mas acho que esse é o meu maior sonho, não era ser mãe, meu maior sonho era ser uma pessoa que é referência para a minha filha, ser a mãe que ela vai agradecer a vida inteira por ter, então é isso, acho que é o momento mais emblemático, tem a ver com o pessoal, não tem jeito, porque é ela me reconhecendo profissionalmente.
P/1 - E eu queria te perguntar o que representou, porque você falou muito do seu desejo de ser mãe, ainda em outros momentos, e falou bastante da Clara, mas o que representou a maternidade na sua vida?
R - Em 2012 eu escrevi um livro que chama “Maria de Rodas”, é um livro sobre maternidade de mulheres cadeirantes, eu sou uma das autoras, eu contei a minha história, mas mais quatro Marias contaram as suas histórias, e só para constar nessa pergunta de maternidade. Eu acho que o fato da maternidade trás para mim o poder de ser mulher, eu acho que a deficiência me fez questionar se eu poderia continuar sonhando… E eu tive duas aprovações sobre maternidade, porque eu tive aquele problema na minha parte, na verdade era um problema emocional, mas era tão grave que a gente achava que tinha alguma coisa no meu útero, porque não era possível, e aí emocionalmente eu tratei, cuidei e sarei, mas eu tive medo de não poder ser mãe aos quinze anos; daí veio o acidente, 21 anos, 22, também tive medo de não poder ser mãe e eu acho que a concretização desse sonho tem a ver com ser mulher, eu me senti tão mulher quanto antes, a maternidade me trouxe isso.
P/1 - E para a gente concluir eu queria te perguntar o que é ser uma mulher empreendedora e ser alguém que trabalha, que tem uma atuação que impacta diretamente na vida, na inclusão de outras pessoas?
R - Para completar a pergunta anterior, de maternidade, eu gosto de deixar bem claro, é muito mais difícil ser mãe do que ser uma pessoa com deficiência, ta? É muito mais difícil. A gente tem certeza de que quer acertar e a mesma certeza de que vai errar. Com essa reflexão que eu fiz aqui contando a minha história e lembrando de mim aos quinze anos eu lembro que meus pais me trouxeram uma maturidade que eu não sei, não consegui trazer para minha filha com quinze anos, então fico pensando o quanto que eu, talvez não tenha sido, de fato, a mãe que eu queria ser, mas enfim, são as reflexões de mãe, mãe nunca vai estar feliz com o que foi… Agora voltando a pergunta sobre o que é ser uma empresária, uma empreendedora? Bom, é muito realizador, é maravilhoso assim, quando eu penso que eu não tinha planos do que eu seria no futuro, quando eu era criança, e se eu tivesse eu teria errado, porque o que eu faço hoje não existia quando eu era criança, é uma profissão que eu meio que fiz acontecer, não sozinha, lógico, tem outros movimentos no mercado fazendo, mas eu não tinha: “Vou ser uma consultora de inclusão”, imagina, não existia isso, mas é muito gratificante a gente, principalmente escolher, a gente ter o poder de escolher o que a gente vai fazer profissionalmente, então eu trabalho muito mais do que se eu fosse empregada, na época que eu era empregada eu achava que eu trabalhava muito, nunca trabalhei muito como é trabalhar como empreendedora, mas é uma coisa que a gente não percebe. Quando você pergunta do meu reconhecimento, meu reconhecimento já se mistura com a vida, o profissional é muito junto com a vida, é muito integral, é um negócio que faz parte, para mim trabalho não é castigo, é prazer, é dedicação, o quanto eu to feliz e realizada de estar aqui com vocês agora, sexta-feira a noite, eu fico realizada de estar com a minha família, não tem diferença, sabe? Eu fico mais feliz nas férias, não. Eu fico feliz nas férias, eu fico feliz acordando às cinco da manhã, eu fico feliz terminando o dia muito tarde numa sexta-feira, então eu acho que é uma sensação de plenitude, uma sensação de saber que o que você faz… Claro, gente, eu não faço nada sozinha, eu tenho um time, eu tenho sócios, eu tenho regras para obedecer, não é faça o que eu quero, não é isso, mas o que você fala, o que você conduz, ele tem uma importância, você não vira alguém que não é levada a sério. Eu percebo que eu sou levada a sério, as coisas que eu falo tem relevância, tem importância, são consideradas, então é isso que me alimenta, eu não me vejo fazendo outra coisa, eu não me vejo trabalhando em negócio de outra pessoa, eu fui muito dedicada como funcionária, eu, de fato, vestia a camisa da empresa, era braço direito da minha sócia, das minhas chefes, mas é muito mais gratificante eu fazer tudo isso por um negócio que é meu, e não é pelo retorno financeiro, porque eu tenho negócio há doze anos e eu ainda não ganho o que eu acho que eu mereço e que eu tenho ambição de ganhar, não tenho nenhuma estabilidade financeira, na crise agora eu quase fali, então assim, não é pelo dinheiro, é, de fato, pelo quanto é maravilhoso você ter autonomia no trabalho, relevância, e saber, também, que você emprega pessoas é muito legal, é um negócio que você fala: “Gente…”, nunca me imaginei. Vira e mexe eu me belisco assim para ver: “Cara, será que é tudo isso mesmo? Será que você tá... “, eu fico pensando: “Porque as pessoas me levam tão a sério? Eu não estudei para ter um negócio, eu não sei”, não me pergunta nada sobre imposto, porque eu não sei. Como que eu consigo manter tudo isso, né? Eu acho que o segredo é: ter ótimos sócios, eu tenho a sócia que eu preciso, a gente é muito diferente profissionalmente, e a gente usa essas nossas diferenças a favor do negócio, a gente se complementa, então eu não tento fazer ela mudar e nem ela tenta fazer com que eu mude. Ela tem total consciência que a “Talento Incluir” é o que é e tem o reconhecimento que tem por causa do jeito que eu conduzo; e eu tenho certeza que a gente tem saúde financeira, que a gente tem organização contábil, que a gente tem fluxo de caixa por causa dela, então assim, eu não peço para ela mudar, ela não me pede para mudar e a gente só se desenvolve, e quando os pedidos de mudança vem é só para a gente crescer. A gente não luta por poder, uma tem tanto poder quanto a outra tem, a gente sabe recuar, quando tem que recuar, e se valoriza, então eu acho que eu tenho muita sorte, essa minha vida aqui é uma vida muito boa. Todas as vantagens e privilégios que eu tenho eu costumo reconhecer e agradecer.
P/1 - Aí, eu teria mais muitas perguntas para fazer, mas eu acho que você tem essa questão mesmo de tempo, então eu não vou querer explorar mais ainda. (Pausa).
R - Ah, Maurício, obrigada. Desculpa…
P/1 - Eu que agradeço, Carolina, por tudo, pela disponibilidade, por essa colaboração também na parte técnica, ajudou bastante também o Fabian. Ah, e como eu disse, a gente poderia fazer essa entrevista… Poderia perguntar muito mais coisa, imagino também que você teria muito mais história para contar.
R - Ah é, não se resume uma vida em uma hora e meia, né?
P/1 - Pois é, pois é. Mas a gente deixa o convite para que no futuro a gente poder fazer uma segunda parte pelo Museu, enfim, o Museu tem os seus projetos de entrevista com o projeto Conte Sua História, a gente pode fazer, posteriormente, uma segunda parte com certeza.Recolher