Entrevistada por Tiago Majolo e Carolina Rui
São Paulo, 30 de maio de 2006
Realização Instituto Museu da Pessoa
Entrevista número HVBIO_029
Transcrito por Écio Gonçalves da Rocha
Revisado por Stela Tredice e Camila Catani Ferraro
P1 – A gente vai começar pela sua identificação. Qual é o seu nome completo?
R – O meu nome é Thelma Krug, nascida em São Paulo.
P1 – Com que data?
R – 20 de março de 1951.
P1 – Qual que é o nome dos seus pais?
R – A minha mãe, Delfina Augusta Rodrigues Krug, portuguesa da região de Trás-os-Montes, e o meu pai José Augusto Krug, filho de alemães.
P1 – Qual que era a atividade deles, atividade profissional, enfim, o que eles fazem?
R – Então, a minha mãe já é falecida, veio de uma família muito pobre. A minha mãe basicamente não tinha educação além do primário, e meu pai já com uma formação um pouco maior, em nível técnico. Meu pai ainda é vivo e hoje trabalhando com a parte de aquecimento solar, ou seja, muito voltado pra essa parte de energias limpas, tal… Mas a grande impulsionadora mesmo da formação dos filhos foi minha mãe.
P1 – E você tem mais irmãos?
R –Eu sou a caçula de três irmãos. Uma irmã mais velha, cinco anos do que eu, e que é médica pediatra, e um irmão, que é o do meio, dois anos mais velho do que eu, que é cientista também.
P1 – Que legal, família de cientistas. Esse nome Krug vem do seu pai?
R – Esse nome vem do meu pai. O meu pai foi o único filho que nasceu no Brasil. Eu não cheguei a conhecer os meus avós. Quando eu nasci na verdade a minha avó já havia falecido e na verdade nunca houve assim uma proximidade muito grande da família de meu pai, até pelo fato de ele ter se casado com minha mãe portuguesa. Então criou um atrito nas famílias e eu tenho um conhecimento muito pequeno da família do meu pai.
P1 – Mas o nome vem do alemão, né?
R – Vem do meu pai, da família dele.
P1 – Agora eu queria saber um...
Continuar leituraEntrevistada por Tiago Majolo e Carolina Rui
São Paulo, 30 de maio de 2006
Realização Instituto Museu da Pessoa
Entrevista número HVBIO_029
Transcrito por Écio Gonçalves da Rocha
Revisado por Stela Tredice e Camila Catani Ferraro
P1 – A gente vai começar pela sua identificação. Qual é o seu nome completo?
R – O meu nome é Thelma Krug, nascida em São Paulo.
P1 – Com que data?
R – 20 de março de 1951.
P1 – Qual que é o nome dos seus pais?
R – A minha mãe, Delfina Augusta Rodrigues Krug, portuguesa da região de Trás-os-Montes, e o meu pai José Augusto Krug, filho de alemães.
P1 – Qual que era a atividade deles, atividade profissional, enfim, o que eles fazem?
R – Então, a minha mãe já é falecida, veio de uma família muito pobre. A minha mãe basicamente não tinha educação além do primário, e meu pai já com uma formação um pouco maior, em nível técnico. Meu pai ainda é vivo e hoje trabalhando com a parte de aquecimento solar, ou seja, muito voltado pra essa parte de energias limpas, tal… Mas a grande impulsionadora mesmo da formação dos filhos foi minha mãe.
P1 – E você tem mais irmãos?
R –Eu sou a caçula de três irmãos. Uma irmã mais velha, cinco anos do que eu, e que é médica pediatra, e um irmão, que é o do meio, dois anos mais velho do que eu, que é cientista também.
P1 – Que legal, família de cientistas. Esse nome Krug vem do seu pai?
R – Esse nome vem do meu pai. O meu pai foi o único filho que nasceu no Brasil. Eu não cheguei a conhecer os meus avós. Quando eu nasci na verdade a minha avó já havia falecido e na verdade nunca houve assim uma proximidade muito grande da família de meu pai, até pelo fato de ele ter se casado com minha mãe portuguesa. Então criou um atrito nas famílias e eu tenho um conhecimento muito pequeno da família do meu pai.
P1 – Mas o nome vem do alemão, né?
R – Vem do meu pai, da família dele.
P1 – Agora eu queria saber um pouco da sua infância, como que era a casa, as suas brincadeiras?
R – Então, era muito interessante porque a gente era uma família muito pobre, mas vivia numa casa geminada e era uma casa muito simples, mas rodeada de casas muito ricas. Então, por exemplo, um era o presidente da Volkswagen, o outro era diretor da Light, eram todos de fora, praticamente. O presidente da Volkswagen era um alemão e depois o da Light era inglês. Então a minha educação, ou seja, a minha infância até os nove, dez anos, as recordações que eu tenho são desta casa. E minha mãe era uma pessoa que não deixava a gente ter muita relação fora de casa, era tudo concentrado em casa. Então a gente tinha todas as crianças da região, muito ricas, vindo todas lá em casa, e querendo passar aniversário lá em casa. Então as recordações são muito interessantes. E por causa disso, por ser rodeada de famílias de fora e que às vezes ficavam por um tempo pequeno no Brasil, o pessoal tinha muito essa questão de fazer liquidação de brinquedos, então tinha escorregador. Então em casa, o jardim era muito grande, a gente tinha todos os brinquedos que um parque tinha. Então você tinha escorregador, você tinha balanço. Eram coisas que o pessoal trazia de fora e depois, na hora de voltar pros Estados Unidos ou pra Europa eles não levavam, vendiam, e meus pais então fizeram um parque dentro de casa. Então, praticamente a gente não precisava sair, e a criançada vinha toda pra nossa casa. Então a recordação de uma infância com uma mãe muito centralizadora, a família éramos nós cinco, meu pai, minha mãe e os três irmãos, e basicamente o centro de toda a família éramos nós cinco.
P1 – Que cidade que era mesmo?
R – São Paulo, mesmo. Morava aqui na Capital, no bairro do Brooklin.
P1 – E como que você começou os seus estudos, a tua vida escolar?
R – Então, escola ali no Brooklin, que era uma escola pública, a Mário de Andrade, que deve existir ainda hoje. E depois, mais... tinha admissão naquela época ainda, que era o quinto ano que a gente chama hoje, mas era admissão naquele tempo. E aí eu passei pra escola alemã em Benjamin Constant e ali fiquei por uns dois anos, e depois voltei pra escola pública. Então, basicamente a minha formação grande parte dela, 90% eu diria, foi em escola pública. Depois quando, na minha adolescência ali com os meus 17 anos, menos, eu diria com uns 15 anos, o meu pai foi transferido pra São José dos Campos e daí eu fui sozinha. Um irmão ficou aqui em São Paulo pra continuar os estudos dele, estava fazendo cursinho, minha irmã casou na véspera da gente mudar. Então basicamente eu fiquei filha única de um dia pra outro e lá em São José, aí estudando em escola Olavo Bilac, que daí já era uma escola privada.
P1 – Esse período escolar te despertou algum interesse pro meio ambiente já assim?
R – Não muito. Você vê, era muito engraçado. A minha mãe, pelo fato de talvez ela não ter tido uma educação formal, apesar de ser uma pessoa assim, minha mãe era interessantíssima porque ela lia muito. Minha mãe lia demais, demais. Ela era uma pessoa com tendência depressiva, e praticamente ela vencia um pouco aquela depressão lendo. Então ela devorava pilhas de livros por semana. E aí ela estimulava muito todos os filhos. A vida dela era pra ver os filhos educados, e não era a educação formal. Ela dizia que todos tinham que ser doutores. Então ela não ia se conformar de falar: “Olha, terminei a faculdade”, não. “Terminou a faculdade, mas e aí?” Então ela sempre impulsionava muito. Ela não puxava muito assim em que área que a gente ia. A minha intenção original era ter feito Engenharia, mas depois, porque eu casei muito criança, isso acabou mudando quando eu, antes mesmo de entrar na faculdade tive que acompanhar meu marido pros Estados Unidos, que ele foi fazer o doutorado dele e eu não tinha nem tido a oportunidade de entrar numa faculdade. Aí fui fazer a faculdade nos Estados Unidos, mesmo porque não conseguia ser dona de casa, um pouco muito impulsionada pela minha mãe. Então a idéia lá era fazer Psicologia, porque eu sempre gostei muito de Psicologia, muito de lidar com as pessoas, e eventualmente partindo de novo pra parte de exatas por influência do meu ex-marido, que era Engenheiro. Ele disse: “Nossa, mas você vai fazer Psicologia, você vai morrer de fome, não tem campo aqui em são José. Então vai fazer Matemática e depois lá você consegue ter uma, certamente vai ter emprego pra você quando a gente voltar”, e de fato foi isso que aconteceu. Mas a minha mãe não tinha assim uma influência no que os filhos iam fazer. Ela era uma grande estimuladora de tudo que era, qualquer coisa...Eu, durante uma época da minha vida eu gostava de compor, ela era uma das maiores estimuladoras disso, e de pintar. Ela queria ver a gente bem, mas sempre produzindo alguma coisa, criando alguma coisa, e sempre querendo ver a gente independente. Criou, principalmente as meninas, pra serem totalmente independentes, priorizando o trabalho ao lar, coisa que teve depois uma influência bastante grande na minha vida futura, ou seja, sempre a prioridade foi para o trabalho, e a família em um nível secundário.
P1 – Mas o quê que te despertou o interesse? Esse interesse veio da Universidade já, o interesse de trabalhar com o meio ambiente?
R – Não. Você vê, eu saí pros Estados Unidos logo depois de ter terminado o científico, eu devia estar com uns 19 anos mais ou menos, com filhinho pequeno, e aí chegando lá eu fui fazer Matemática. E aí é muito interessante porque a gente não tinha dinheiro pra pagar… nos Estados Unidos, quer dizer, meu esposo tinha bolsa mas eu não tinha porque na verdade era fazer a formação superior e não tinha bolsa pra isso. Então, nossa, eu fiquei desesperada em casa sem estudar, cuidando de filho e eu fiquei muito desesperada. E aí comecei a cuidar de criança, fazer trabalho pra fora. Fazia trabalhos de tradução de manuais, do inglês para o português, pra poder pagar os meus estudos nos Estados Unidos até conseguir uma bolsa que a Universidade dava pros melhores alunos. Então era muito interessante porque ela dava uma bolsa pra cada período de quatro meses. Aí ela falava: “Olha, se você continuar bem você tem mais uma renovação e assim por diante”. Eles só davam essa bolsa depois de um ano. E aí, quando eu ganhei a primeira bolsa, porque era automático, se você ia bem, mas bem era muito bem, você ganhava automático. Não tinha concurso, não tinha nada, era automático. E aí, quando eu ganhei a primeira bolsa, o meu ex-marido falou: “Não, agora você vai ter que fazer uns oito, dez cursos”, porque era por crédito, “Então você vai fazer uns dez cursos pra aproveitar que você tem esses quatro meses com tudo pago em termos de créditos”. E aí era aquela loucura. E aí tinha que ir bem pra conseguir mais uma renovação. E aí, em dois anos e meio, eu consegui terminar em tempo recorde na Universidade - não porque eu quis, mas era assim - você ia fazendo tantos cursos quanto você agüentasse fazer, e tinha que ir bem pra ter a renovação. Bom, aí era matemática pura mesmo. E lá eles têm o minor, que é uma formação secundária, que aí eu fiz em Psicologia. Então eu tinha o meu major em Matemática e o meu minor em Psicologia. E aí, no mestrado você podia optar pra onde você ia. E aí eu fiquei muito doente depois dessa fase de loucura total, de fazer muitos cursos... Eu me lembro de eu cozinhando, a cozinha era muito pequena, era uma casa de estudantes onde morávamos eu, o ex-marido e o filho pequeno, e aí tinha uma cozinha minúscula mesmo. E aí tinha a pia pequenininha e o fogão logo ao lado, e eu colocava os livros ali no meio. Enquanto lavava a louça eu ia estudando. Isso era uma loucura. As lembranças que eu tenho desse período são lembranças muito duras. E, bom, aí eu fiquei muito doente e tal. E tinha terminado então todos os créditos, tinha terminado o meu bacharelado, e parei por uns três meses até que a Universidade mandou uma carta e falou: “Olha, vem pro mestrado, a gente vai te dar bolsa integral. Sei que você tem que ter desempenho, demonstração de desempenho, mas a gente quer que você vá pro Brasil com mestrado”. E aí então eu voltei pra Universidade, fiz em tempo recorde de novo porque daí a gente já estava quase voltando. Ou seja, quase em quatro anos eu tinha feito então o meu bacharelado e o meu mestrado, e com um menino pequeno. O Paulinho, quando foi pra lá, estava com quatro meses. Então foi realmente bastante complicado. Bom, aí eu voltei em 76, e aí foi muito interessante essa fase porque eu voltei com um diploma até o meu mestrado em Matemática, e comecei a procurar emprego nas Universidades. Em São José tem uma Faculdade de Engenharia e tal, e aí eu fui procurar emprego. E cheguei lá, fui falar com o Diretor. E eu estava ... com a minha especialização era mais na parte de estatística, eu fui falar com ele, falei: “Olha, eu estou procurando emprego, acabei de voltar dos Estados Unidos, tal”, e ele falou pra mim: “Olha, não tem vaga”. E o meu marido estava me esperando fora, e eles se conheciam. Então, quando esse Diretor foi me levar pra fora, foi me acompanhar até a porta, ele encontrou com o meu ex-marido e falou: “Nossa, Paulo Renato, você aqui e tal”, e convidou o Paulo Renato pra dar as aulas que eu tinha pedido pra ele, pra ser contratada. Ele falou: “Paulo Renato, você não quer dar aula de estatística?”. O Paulo Renato falou: “Não, eu não posso, dedicação exclusiva, mas a Thelma está aí pra isso”. Resposta dele: “Paulo, nós não tivemos pra essa turma nenhuma mulher dando aula, e essa turma que ela estaria dando aula é a pior turma que já passou na Universidade, quer dizer, ela não vai agüentar o tranco”. Bom, ele até respondeu pra ele, o Paulo Renato falou pra ele: “Você não conhece ela”. Bom, daí fui embora chateadíssima, porque já foi aquela primeira impressão de uma discriminação profissional que eu senti logo ao ter voltado dos Estados Unidos, aquela coisa toda: “Puxa vida, discriminada assim de cara”. E aí, acho que uns três dias antes de começarem as aulas, ele me ligou, esse Diretor, e falou: “Olha, nós não conseguimos um professor, então nós vamos te dar uma chance”. Chamava-se professor Latigier e ele falou: “Olha, Thelma, essa turma realmente é muito difícil... e se você passar por essa prova dos nove, aí a gente contrata você realmente pra outras turmas, mas essa vai ser a prova de fogo”. E aí então eu comecei, mas tudo na área de engenharia, na área de ciências exatas, e aí fiquei até... É claro que eu consegui passar pela prova de fogo sem ter grandes atritos. No primeiro dia de aula, uma turma de quinto ano de Engenharia, já põe dois alunos pra fora da sala: “Pode sair pra fora de sala”, foi aquele rolo, já fomos pra diretoria no primeiro dia. Mas aí as coisas foram se harmonizando e aí eu acabei ficando na faculdade. Até poucos anos depois eu fiquei Diretora dessa Faculdade de Engenharia, com uma história muito prematura de cargo de administração. Mas daí resolvi mudar, fui pro INPE eles abriram uma área nova e eu fui pro INPE, mas tudo dentro de uma área de ciências exatas, administração, não tinha pensado nessa parte ambiental ainda. Só que nele tem uma componente ambiental grande, e vieram me convidar pra dar aula de estatística pra um grupo de pessoas que trabalhava com uma parte de imagens para monitoramento ambiental: “Poxa, você não quer dar aula pra gente e tal?” E aí eu comecei a dar aula, foi quando então eu comecei a me envolver com os alunos. Os alunos me ensinavam a interpretar a imagem, a fazer trabalhos da forma de monitoramento ambiental, e foi aí que então surgiu essa primeira introdução à parte de meio ambiente. E depois eu saí pra fazer o meu doutorado, fiz na parte de Matemática ainda. E aí, quando eu voltei pro Brasil, o Diretor do INPE me convidou pra então chefiar a divisão de sensoriamento remoto, que só trabalha com a parte ambiental, essencialmente a parte ambiental. À partir daí então foi a minha guinada grande mesmo pra parte ambiental. O Márcio Barbosa era o Diretor do INPE nessa época, era uma pessoa para a qual não existia sombra. Então, ele deixava: “Não, você vai lá pra Brasília e você apresenta os resultados das coisas”, e aquilo me dava um pouco de receio, então tinha que estudar muito: “Como é que eu vou pra lá, tal?”. Então eu estudava muito, como eu estudo até hoje. A minha vida é uma vida de contínuo aprendizado. E aí estudando, estudando, estudando, estudando hoje o pessoal me vê como uma Florestal. Poucas pessoas sabem que a minha formação é em Matemática, em particular nas negociações, tanto pela parte técnica como, enfim, os trabalhos que eu desenvolvo no Brasil, são bem relacionados a ... é como se a minha formação fosse Florestal. Tanto que eu digo, se eu tivesse que começar de novo eu possivelmente faria um mestrado na parte de Engenharia Florestal, porque realmente, é uma loucura, é uma paixão que eu tenho, muito grande.
P1 – Você acabou chegando aí...
R – É, eu acho que a formação de Matemática é boa porque ela te da um raciocínio lógico. É muito interessante você ver como as cabeças, talvez eu acho que seja mais interessante fazer Matemática e depois fazer uma outra formação do que o contrário. Então você consegue construir uma base de raciocínio muito lógica, tanto que a negociação, às vezes o pessoal fala: “Não, mas bota ali umas formulações..”. Eu digo: “Gente, mas isso em matemática eu vou colocar numa expressãozinha desse tamanho”. Aí eu boto uma somatória e o pessoal já se assusta: “Ninguém vai entender nada”. E eu falo: “Nossa, mas o que você diz em meia página você traduz numa fórmula muito compacta”, e o pessoal se apavora. E pra mim é uma leitura muito linear, muito direta.
P2 – Thelma, e pra você hoje qual a importância do INPE na preservação da biodiversidade brasileira?
R – O INPE pra mim é um modelo de instituição. O INPE tem prestado alguns serviços interessantes, apesar de que antigamente era um pouco complicado porque o pessoal dizia assim: “que o INPE é um instituto de pesquisa”. E eu coordenei, depois da parte de chefia, de divisão, eu fui Coordenadora da área de observação da Terra, ou seja, dez anos num cargo de chefia e coordenação, quase 11... foram uns 11 anos mais ou menos. E aí tinha uma idéia muito mais de você pegar a parte de pesquisa e traduzir isto em uma coisa prática. Eu nunca gostei muito, o pessoal falava: “Ah, nós vamos fazer um projeto piloto”, e fica 20 anos fazendo projeto piloto. Então eu sempre questionava o pessoal: “Mas piloto, você faz 20 anos que está trabalhando nesse negócio”. Quer dizer, não dá pra gente construir alguma coisa mais concreta porque o Governo, em Brasília o pessoal não quer saber se você está produzindo 10 mil paper científico, artigos e assim por diante. O que eles querem é pegar o telefone, quando tem algum problema, e ligar pra você, e eles querem uma resposta concreta. Então é sempre harmonizar um pouco da parte de pesquisa com uma parte de produção, que seria uma produção sem grandes, vamos assim dizer, sem grandes habilidades científicas, ou seja, você já poderia imaginar que é uma linha de produção. Mas se você pegar, o desflorestamento da Amazônia é feito assim, ou seja, é uma técnica que é aplicada consistentemente desde final de década de 80. Claro que vai sendo melhorada, porque você vai tendo aí umas melhorias, mas a técnica, a metodologia é a mesma, e produzindo resultados concretos, que o Governo precisa pra chegar e dizer: “Olha, eu desfloresto tanto, a minha contribuição por exemplo, pra mudança global do clima, é tanto”, e assim vai. Mas são coisas concretas que alguém tem que fazer. Então eu vejo o INPE como sendo uma instituição-ponte importante em vários aspectos relacionados aí a dados e desenvolvimento de metodologias que acabam tendo um papel importante pro Brasil, uma contribuição importante para o Brasil. E eu sempre acho isso, que não adianta você ficar dez, 20 anos no seu escritório produzindo paper, e sem dar uma contribuição assim efetiva, palpável, concreta. E concreta pro Governo é você realmente poder dar uma resposta pra ele assim, pá pum. Então o INPE ele acaba sendo importante. Hoje eu estou um pouco afastada daquele cotidiano do INPE, porque estou emprestada temporariamente. Era um empréstimo de dois anos, e agora, até 2007 se completarão então cinco anos emprestada pra este Instituto Interamericano para Pesquisas em Mudanças Globais, que fica dentro do INPE, mas tem uma direção independente. E é um instituto que então agrega pesquisa nas Américas, e voltadas para parte de mudanças ambientais globais, eu poderia dizer, onde a mudança climática seria uma componente.
P2 – Indo pra Rio-92, eu queria que você dissesse tanto o seu envolvimento com a Rio quanto a sua impressão sobre o fórum paralelo, o fórum oficial.
R – Então, em 92, você vê, eu estava voltando da Inglaterra do meu doutorado. Então eu voltei, não tinha ainda esse envolvimento, tanto que não participei da Rio-92, o que foi uma pena porque eu digo que talvez tenha sido aquele ponto de virada. Se você olhar pra trás e ver o quê que ficou da Rio-92, ficaram coisas concretas muito importantes. Você teve lá a criação da Convenção da Mudança do Clima, você teve a da Biodiversidade, você teve a da Preservação de Desertificação, você teve o Fórum de Floresta, você teve muita coisa paralela acontecendo em 92. Talvez a mais bem sucedida sob o ponto de vista de implementação tenha sido de fato a Convenção da Mudança do Clima, falando um nome mais curtinho, que é hoje talvez o ponto onde as outras convenções estão querendo, hoje, se amparar, mas por toda uma estrutura que se criou debaixo dessa convenção e que não foi criado debaixo de outras, em particular mecanismos para que você... existe dinheiro, vamos ser bem claros. É a única Convenção que de fato o pessoal vê com possibilidade efetiva de ter dinheiro. Então hoje você vê muita intenção de se trazer as outras convenções cada vez mais próximas da Mudança do Clima, se bem que eu particularmente tenho as minhas reservas. Eu acho que cada convenção tem o seu núcleo, tem a sua finalidade, tem o seu objetivo e deveria ser, tudo bem, harmonizada com as outras convenções, essa interpretação da palavra harmonizar fica aí a critério. Mas não necessariamente trazer essa integração, porque eu acho que você descaracteriza cada uma delas do seu objetivo original.
P2 – E sobre a Convenção do Clima, quais são pra você os avanços principais que ela teve e os desafios que ela terá com o tempo?
R – Então, ela teve muitos desafios até agora. O mais, quer dizer, na verdade eu peguei a Convenção da Mudança do Clima a partir de 1999 e surpreendentemente eu consegui sobreviver. Ou seja, eu entrei durante o Governo do Fernando Henrique e continuei no Governo do Lula numa situação que eu acho que é consistente, coerente, porque eu não tenho um partido político, eu não tenho uma filiação, vamos assim dizer, partidária. Eu sou uma pessoa de formação técnica. Muito embora tenha trabalhado talvez num nível muito mais próximo do escalão mais alto do Governo durante Fernando Henrique, a minha condição técnica sempre foi a que prevaleceu, nunca foi partidária, ela sempre foi técnica. Então a gente vê com muito bons olhos esta manutenção de uma equipe que vem sendo consistentemente, que vem acompanhando e desenvolvendo, e tendo esse histórico de negociação. É muito difícil hoje você pegar o barco andando, como eu digo, por vários motivos. Um é o barco andando nas negociações por causa do jargão que se cria e por causa de históricos, que são históricos importantes, que a memória não pode ser perdida. Pra tudo tem uma explicação. Por pior que seja, tem uma explicação. Então eu sempre digo, por exemplo, que a própria linguagem que você vê os documentos da Convenção disponíveis, eu chamo de linguagem encriptada. E aí o pessoal já diz que a linguagem...é a linguagem que você usa para que você chegue numa negociação, então uma linguagem com duplo sentido. Então muitas vezes, quando você termina um texto, você lê com uma certa interpretação, o outro vai ler, vai dar outra interpretação, e aí você acaba tendo uma complicação danada. Mas aí a gente sempre fala: “Olha, historicamente este documento foi criado com este objetivo”. Então você não perde a memória. E quem pega agora não vai entender absolutamente o que aquele texto quer dizer. Então a gente vai dizer: “Não, você vai procurar lá nas origens e você vai ver que a interpretação desse texto é assim”. Então venho acompanhando desde 99 consistentemente. Então eu perdi a reunião da Conferência das Partes, a terceira que foi em Kyoto, que foi possivelmente marcos, marcos da convenção, que são a Cop – 3 que foi em Kyoto, nessa Conferência das Partes, que infelizmente eu não participei, mas que criou mecanismos importantes. Agora, o fato dessa linguagem ser muito encriptada, se você pegar os textos tanto da convenção como do Protocolo de Kyoto, são livrinhos. Cada livrinho daquele, cada parágrafo dentro de um livrinho desse pode dar origem a negociações de anos, um parágrafo. Especificamente na minha área no Protocolo de Kyoto lidando com a parte de florestas eram basicamente dois artigos do Protocolo de Kyoto: o artigo 33 e o artigo 34, que deram margem a anos de negociação, ou seja, desde 97 quando houve a Cop – 3 até a finalização da última peça da parte florestal, eu diria que foi em Milão lá pela Cop – 9, Cop – 10, foi quando você fechou. Você teve sete anos de discussão pra você fechar a parte florestal em dois artigos. Então, eu acho que esses documentos vão evoluindo, vão crescendo e vão sendo refinados. Ou seja, muitas das coisas que aconteceram nas negociações do primeiro período de compromisso, particularmente na área florestal, que é a área que eu lido, foram colocadas aí pelo simples fato de que se não estivessem aí você não finalizaria as negociações. Então você chega num ponto em que ou você joga tudo fora, que foi o que aconteceu na Cop – 6 aonde um dos elementos que levou ao fracasso da Cop – 6 foi a parte de negociação do setor de mudanças da Terra e florestas, foi uma das coisas que contribuiu. Estava realmente ali, não evoluía, não ia pra frente, e gerando então aí uma Cop – 6 e meia, em caráter totalmente extraordinário e aonde, quando você senta, você senta ou com o objetivo de melar de vez ou com o objetivo de tentar negociar e contemporizar e ver como é que você consegue acomodar as coisas de forma que você ainda preserve as suas preocupações e consiga ser inclusive suficiente pra que outros países adiram ou concordem com isso em consenso. Então a parte florestal ela foi negociada pro primeiro período de compromisso só pra tentar contemporizar e tentar realmente ser , - inclusive pra não melar mais uma vez uma Cop - você encontra ela com fatores de desconto porque você tem várias incertezas relacionadas a esse setor, na quantidade de carbono que as florestas estocam. Naquela época houve também uma grande problemática que era os países querendo incluir de qualquer forma o que eles chamavam de desflorestamento evitado. Esse tema sempre foi um tema muito sensível pro Brasil. Era um tema que é até hoje. Depois, quando eu continuar a minha, tentando responder à sua questão do que acontece daqui pra frente, a gente vê que as preocupações continuam sendo transportadas ao longo do tempo. Pro primeiro período de compromisso a posição do Brasil acabou sendo muito dura e muito respeitada porque o Brasil dizia que não queria contabilizar a contribuição das florestas em pé ou do desflorestamento evitado por razões técnicas, grandes incertezas e inclusive a própria incerteza de você... havia várias dúvidas. Uma era da própria soberania, era questão de soberania, ou seja, como é que, quanto que o país quer deixar o seu território à mercê de um acordo multilateral. Então, você tem a questão da soberania que pro Brasil era uma questão bastante forte, e você tinha a questão de que você não tinha uma certeza absoluta do fato de se você preservar uma área, o fato de você estar preservando ali não provocaria um desflorestamento em uma outra área. Ou seja, até que ponto aquilo seria uma atividade que traria efeitos positivos pro clima. Então, com muita dificuldade o Brasil conseguiu manter... Naquela época ele tinha algum suporte da União Europeia, tinha muito suporte das Ongs internacionais em particular, não tanto das Ongs brasileiras, sempre houve um ponto de discórdia. Então havia essa cisão entre as Ongs brasileiras e as Ongs internacionais, sendo que as internacionais pleiteavam que isso não entrasse na negociação, e acabou não entrando mesmo. Com grandes protestos, tal, acabou não entrando mesmo. Mas foi uma área pautada no primeiro período de compromisso que vai de 2008 até 2012 com muita restrição. Bom, é óbvio que agora, abrindo-se a porta para uma discussão após 2012, o primeiro tema que cai na mesa é este, ou seja, novamente falando de desflorestamento evitado... não estão usando mais essa palavra hoje, eles estão falando de reduções de emissões de desflorestamento em países em desenvolvimento, pra evitar o uso de uma palavra que tem uma conotação muito pesada do primeiro período de compromisso, mas cujo sentido é o mesmo. Então essas negociações estão assim, começaram com uma força muito grande, mas com uma diferença: hoje várias diferenças. A primeira é uma organização por várias instituições internacionais discutindo esse tema em workshops independentes. Ou seja, hoje já tentando fazer uma formação de, ou seja, tentando nivelar o conhecimento do pessoal que negocia no, mesmo sentido, com um certo viés, principalmente pra que seja incluído o debate de atividades de mercado, da mesma forma que você tem hoje reflorestamento e florestamento, podendo entrar como uma forma de negociação no mercado de carbono. Hoje você imagina que então o desflorestamento evitado seria também contemplado dentro de um mecanismo de mercado, que é a grande restrição do Brasil. O Brasil não se opõe a que este tema seja discutido, absolutamente, muito pelo contrário. Na última Cop, na Cop – 11, foi uma das lideranças, vamos assim dizer, pra tentar acomodar a discussão deste tema desde já, mas dentro de um contexto que ele se sinta confortável. O quê que eu quero dizer com isto? O Brasil não aceita que o desflorestamento evitado seja contabilizado na forma, entre dentro de um mercado, ou seja, pra contabilizar ou pra off set, que nem a gente fala, pra offset as emissões dos países industrializados, talvez por várias dúvidas. Os países em desenvolvimento, de uma maneira geral, não têm uma base de dados consistente, robusta, que permita com que você realmente diga se você obteve ou não uma redução de emissões por desflorestamento. É muito difícil você codificar isso hoje. O Brasil é diferente, mas o Brasil é único. Então qualquer coisa que entrasse no mercado hoje, se entrasse, eu já tenho minhas dificuldades particulares e eu acho que a posição do Brasil também, já seria difícil, mesmo o Brasil tendo uma base de dados sólida de desflorestamentos históricos que vêm desde 88, anualmente, até agora, 2005. Mesmo com essa base eu teria várias restrições de natureza pessoal, técnica, pra que isso entrasse dentro de um mecanismo de mercado. Mas então, a outra agravante é que hoje as Ongs estão um pouco mais flexíveis, mesmo as internacionais, porque entendem que esse é um assunto que tem que ser tratado. O Brasil propôs uma contemporização desse tema discutindo ele debaixo das provisões da própria convenção. Pra começar, diz que os países industrializados têm que ajudar os países em desenvolvimento a implementar a convenção. E parte dessa implementação vai desde você preservar os seus recursos naturais, melhorar a capacidade desses recursos naturais, e assim você vai. Então, se existem provisões debaixo da convenção que faria com que os países desenvolvidos ajudassem os países em desenvolvimento sem nem um mecanismo de mercado, o Brasil diz: “Então vamos fazer uso disso, porque não?” Agora, os países desenvolvidos dizem que não têm dinheiro debaixo dessa caixa. Terá debaixo de um mecanismo de mercado, mas de uma provisão de convenção, muito embora eles sejam signatários, eles não incluem essa possibilidade como uma possibilidade viável. Então a gente tenta... Tem programas que o primeiro tema que veio a nós assim com muita força é este tema de desflorestamento evitado, e que a posição do Brasil é bem diferente da posição do restante dos países que querem se beneficiar de um mecanismo de mercado.
P2 – E nesse jogo qual é a importância do Protocolo de Kyoto mesmo?
R – Então, o Protocolo realmente, o que eu acho de interessante no Protocolo de Kyoto... Eu acho bárbaro o Protocolo, porque eu não importo muito com a questão numérica. Sempre houve aquele debate: “Poxa, a contribuição do Protocolo de Kyoto é irrisória frente ao que a gente realmente vai ter que fazer de redução de emissões”. Mas eu vejo sob um outro ângulo, essencialmente dois. Um é o ângulo da discussão debaixo de um , é uma discussão globalizada. Você está ali com muitos países negociando uma base de consenso. Então, por si só eu acho que isso já é um mérito muito grande. O lado que eu vejo a segunda vertente é a vertente de que em cima dessa de que você tem uma consciência globalizada do problema, à partir do instante em que você assinou o Protocolo de Kyoto você tem uma consciência globalizada do problema. E mesmo os que não foram signatários, a exemplo dos Estados Unidos e da Austrália etc, eles tentam fazer de outra forma. Mas, enfim, existe a globalização do problema, o entendimento, a conscientização globalizada. O segundo que eu acho mais interessante é porque eu acho que a longo prazo você automaticamente vai mudando as coisas. Ou seja, num processo de produção você já começa a procurar formas mais limpas. Eu acho que você vai mudando gradual sem ter necessidade da imposição. Não é o Protocolo de Kyoto, eu acho que isso vai mudar porque vai mudar. É uma coisa que vai se transformar numa coisa cultural, sabe? Você começa por uma coisa que vem por uma necessidade e aquilo acaba sendo embutido, internalizado dentro da sua maneira de viver. E à medida em que as coisas vão ficando mais complicadas sob o ponto de vista climático, eu acho que mais e mais você vai internalizar a necessidade de estar fazendo alguma coisa, não só em nível mais macro, mas isso vai pegar o indivíduo. Ou seja, a coisa vai vir de cima, de macro pra micro. É claro que isso tem uma escala de tempo, que eu não acredito que vá ser muito longa por causa da rapidez com que as mudanças estão acontecendo. Então isso vai exigir a mesma resposta rápida, na medida do possível, de todo mundo. Eu acho que isso vai acontecer naturalmente.
P2 – Então mesmo assim você acha que a ausência dos Estados Unidos enfraquece ou não enfraquece o Protocolo?
R – Enfraquece. Eu acho que o maior temor que a gente tem é que a não inclusão dos Estados Unidos leve... hoje você vê, você tem Canadá já demonstrando uma certa fraqueza. O quê que sobra? Está sobrando a União Européia, o Japão. Está ruim porque hoje você conversando com o pessoal da União Européia, a idéia que eles têm é a de que eles estão carregando o problema nas costas. E até quando? É justo? Então eu acho que esta é uma questão interessante. Aí entra a parte de baixo, a parte sul, e aí você poderia me fazer a mesma pergunta: “É justo que países em desenvolvimento estejam fora também desse acordo?” Eu não acho que a questão... é claro que o princípio que sempre guiou foi o princípio da responsabilidade comum, ou seja, ninguém se exime da responsabilidade, mas obviamente dentro de uma responsabilidade compartilhada de uma maneira justa. Agora, o quê que é compartilhar ou repartir de maneira justa? Aí vem um problema, como é que você reparte esse ônus? E aí eu acho que essa é uma questão que está pendente no segundo período de compromisso também, ou seja, existe o problema. Como é que poderia ser feita uma forma onde você trouxesse todos os países pra dentro do princípio das responsabilidades comuns porém diferenciadas, você trouxesse todo mundo? Como é que você faz isso? Bom, eu acho que há maneiras e maneiras de você fazer isso. O próprio Gylvan desenvolveu lá desde Kyoto, em 97. Ele tem a proposta brasileira, que talvez ele tenha comentado com você, que é uma proposta que está na mesa a 11 anos tentando justamente responder a esta pergunta que eu estou colocando pra você, como é que você reparte o ônus da mudança climática medida à partir de um indicador? Esse indicador poderia ser o aumento da temperatura global. Como é que você, tomando isso como indicador... outro indicador poderia ser, por exemplo, o quanto que o nível do mar subiu. E qual que seria a contribuição de cada país pra isso, pra esta mudança, historicamente falando? É claro que isso dá um... hoje esta proposta está sendo vista por vários centros de pesquisa. A comunidade científica mesmo está trabalhando em cima disso, mas com uma quantidade de dados ainda restrita, porque você não pode voltar lá... historicamente falando. Então você começa a pegar dados recentes, mas dados recentes tiram a responsabilidade, tiram o peso dos países do norte e jogam uma carga de peso muito maior pros países do sul, que têm um processo de desenvolvimento muito mais recente. Se você pegar o caso do Brasil, o desflorestamento à partir dos anos 70, 80. Quer dizer, é um processo muito recente de mudança e de contribuição. Então eu acho que esse é um problema. Ninguém está sentado hoje tentando ver uma forma objetiva de você dizer: “Tomando isso como indicador vamos aqui separar as responsabilidades históricas de cada um e daí negociar debaixo de uma coisa que você poderia dizer é relativamente no máximo da sua capacidade científica modelar isso de uma maneira que tenha fundamento, tenha menos subjetividade.” Então, mesmo assim você vê, os Estados Unidos seria penalizado pra caramba. Você não tem jeito de penalizar os Estados Unidos sempre. E à partir daí é complicado. É muito difícil não ter os Estados Unidos hoje como parte de um acordo multilateral. Ele vai dizer, daqui a alguns anos, está registrado, ele vai dizer daqui a alguns anos que ele fez muito mais do que ele faria debaixo do Protocolo de Kyoto, por coisas pontuais, por coisas internas bilaterais, dentro de outras coisas. Mesmo que fizesse, eu acho complicado porque você sai daquela discussão mais multilateral, que é o que eu acho que é, é o que tem que ser. Isso tem que ser um problema do mundo, não adianta você fazer acordos bilaterais. Eu não acredito muito nessas coisas não, eu gosto de ver o efeito mais globalizado. Então sempre nós vamos ter problema com os Estados Unidos, mesmo que porventura algum dia, dentro do princípio das responsabilidades comuns porém diferenciadas, entrassem China, o que eu duvido, Índia, Brasil, México e se você excluísse todos os outros países que a contribuição talvez fosse irrisória. Mas é muito difícil. Então hoje, se você não contemplar uma coisa que os Estados Unidos entrem vai ficar realmente muito, muito complicado.
P2 – Para você qual é a relação entre a política e as questões ambientais?
R – Ah... então. Essa pergunta é uma pergunta delicada. Se você pegar, por exemplo, o Brasil, o Brasil é interessante. Eu sempre falo um pouco disso também, o Brasil... Se você imaginar, talvez agora a gente comece a construir algumas coisas que são definidas sob o ponto de vista política, mas voltadas para a parte específica de meio ambiente, específica, né? O Brasil tem uma regulamentação muito, se você pegar a parte florestal é uma das regulamentações mais estritas que você tem. É considerada uma das regulamentações mais fortes. Infelizmente outros tipos de problemas, de você realmente fazer essa legislação vigorar, ou seja, de ser implementada, mas dificilmente. Se você pegar o caso por exemplo do álcool como combustível: ele não veio pensando no meio ambiente. Ele hoje poderia ser colocado como uma alternativa de uma energia renovável, voltada agora pra realmente você estar dando a sua contribuição pra reduzir suas emissões fósseis. Mas dificilmente essas coisas vendem dessa forma assim, sabe, as políticas sendo desenvolvidas para um fim específico. Eu acho que ela vai sendo desenvolvida de uma forma que atende pra aquele momento, muitas vezes até por um...se você pegar o caso do álcool no caso de problemas mesmo de natureza financeira. Agora, eu acho que essa internalização vai ficando cada vez maior, à medida em que hoje você tem uma pressão menor de que você tem que demonstrar. Eu tinha ouvido... A semana retrasada, faz três semanas, eu estava na Áustria justamente num workshop desses de redução de emissões por desflorestamento. Foi um instituto lá que colocou alguns negociadores que partiram depois pra reunião do meio do ano, de negociação. E aí teve uma apresentação de um pessoal de uma instituição internacional florestal que tem uma sede lá na Embrapa, e ele me disse que ele tinha colocado um slide dizendo que não existia nenhuma punição, nenhum estímulo, vamos assim dizer, um estímulo pra que você reduzisse o desflorestamento, ou seja, como um problema ambiental. Não existia isso. Eu já achava diferente. Eu acho que o estímulo que existe, pelo menos no caso do Brasil, é o preço político que você paga. Então hoje eu vejo muito mais a parte meio ambiente relacionada com a parte política mais como preço político que hoje se paga dos governantes. E eu tenho a minha visão pessoal, por exemplo, com essa queda que houve do ano passado pra esse ano de 30% no desflorestamento da Amazônia parte disso é também um reforço em várias coisas que você faz, porque dificilmente o Lula ia querer entrar com o título de um governo com as maiores taxas de desflorestamento. Ou seja, é difícil isso acontecer, o preço político pra ele é muito alto. Então no Brasil eu vejo um pouco dessa associação da parte política com a parte ambiental muito voltada, que hoje existe uma cobrança, existe uma interiorização, vamos assim dizer, do povo de uma maneira geral de que você tem uma responsabilidade política hoje realmente grande, coisa que não existia no passado. Existe hoje, crescente.
P2 – E por um outro lado, qual a importância da sociedade civil organizada no processo de lutas ambientais, causas ambientais?
R – Então, hoje eu não consigo ver....É engraçado. Vocês me desculpem, que eu estou sempre pegando o caso da Amazônia como um caso específico, mas hoje existem vários trabalhos que fazem uma projeção do quê que vai ser o desflorestamento da Amazônia até, se eu não me engano, 2050. São estudos mesmo, baseados em modelagem e dentro de um cenário business as usual como a gente diz, continua como está, num cenário histórico, dentro de um cenário de governança. E ele inclui inclusive as idéias de desenvolvimento pra região, a abertura de estradas, pavimentação, obras de hidrelétricas, enfim, todas as obras que estão contempladas pra Amazônia no plano plurianual. E a constatação final desses modelos, que se você tiver governança as taxas de desflorestamento caem pra caramba. Agora, o quê que é governança? Como é que se entenderia a questão da governança? No caso do Brasil não é a questão da criação das leis, ou mesmo você ter o controle e a fiscalização, que é uma das vertentes que você tem de governança, ou seja, uma das partes da governança. Mas hoje não se entende governança sem que você incorpore todos os segmentos. Então, daí você vai desde as instituições governamentais, não-governamentais, da sociedade civil. Ou seja, é uma responsabilidade compartilhada. E eu vejo isso da mesma forma, e por isso que eu vejo isso como um processo lento, porque é um processo difícil. Então, muito embora você possa ter, no caso do Brasil, uma forte legislação federal, como você tem uma autonomia dos governos em nível de Estado, e nível de municípios mesmo, com a sua própria regulamentação, eles têm autonomia. Então é muito difícil você ter essas coisas se falando. Então, enquanto você não articular isso, não integrar isso e envolver a sociedade civil nessa discussão e assim por diante, você não vai realmente conseguir chegar a um esforço, por mais que o Governo Federal queira. Isso independente de Governo, ou seja, eu digo que essa questão é uma questão que independe do Governo Federal só. Ela é uma ação integrada, e aí o papel da sociedade civil é realmente fundamental. É só assim que a gente vai conseguir fazer alguma coisa.
P2 – Qual seria a sua previsão ou a sua análise pro encaminhamento futuro das discussões na parte mais diplomática mesmo desses assuntos ambientais, da questão da mudança climática?
R – Então, a questão é como eu falo pra você. As coisas estão acontecendo com uma velocidade tão grande de mudanças. E essas mudanças, é engraçado, elas estão no mundo inteiro, não são localizadas, e você vai começar a ter os problemas das pequenas ilhas. O negócio está começando realmente a ficar bastante preocupante. Então, eu acho que, à medida em que essas coisas vão acontecendo, e com uma maior intensidade, inclusive. Historicamente você pode até falar: “Não, isso sempre aconteceu”, sempre tem um pessoal dizendo isso. Mas a freqüência e a intensidade dessas coisas está sendo tão veloz no tempo que vai exigir, realmente, uma mudança de paradigma, de como é que você vai discutir essas coisas de uma forma globalizada. Vai exigir, em algum ponto no tempo isso vai mudar. Nós não estamos nesse ponto ainda. Ou seja, existe ainda muito a constatação científica, as previsões, mas eu acho que ainda, o pessoal ainda está se adaptando a essa mudança e que certamente vai requerer um esforço político de diversas formas, de diversas naturezas. Vai ter que ser muito além do que a gente tem hoje em termos de Protocolo de Kyoto, muito além. Mas eu acho que o Protocolo de Kyoto foi aquela raizinha, aquela semente que você precisava ter pra justamente caracterizar que há possibilidade sim de se fazer uma coisa, nem que tenha que se negociar como é que esse esforço vai ser feito entre os países, coisa que já era feita quando Kyoto incluiu os mecanismos de flexibilização, como o mecanismo de desenvolvimento limpo, implementação conjunta e mercado de emissões, ele já pensou numa forma onde o mundo se falaria para que você não... os Estados Unidos por exemplo não tivesse que ter aí um choque de desenvolvimento muito grande, porque isso é complicado. Mas então eu acho que vai sim. Eu acho que a tendência daqui pro futuro é realmente haver muito mais, não necessariamente cobrando daquele país fazer alguma coisa mas no sentido de você tentar acertar várias coisas que são passíveis de serem acertadas, e com uma velocidade muito mais rápida.
P2 – Então, voltando agora para a sua parte pessoal, você é casada?
R – Então, eu sou divorciada do pai do Paulo. O Paulo é meu filho que está com 33 anos. 33 não, ele vai me matar, porque ele acabou de fazer 34. E aí, com uma netinha de três anos e alguns meses, que é a minha paixão. E atualmente eu tenho o meu companheiro, que é o Mário, um relacionamento já de quatro anos e meio. O Mário tem raízes orientais, ele é filho de japoneses, e em ramos bem diferentes. O Mário é um empresário, e é uma pessoa extremamente importante, até porque é uma pessoa muito inteligente. Então a gente tem a possibilidade de discutir muita coisa. O Mário trabalha um pouco também com essa parte de extração minerária. A gente tinha um pouco desse choque ambiental. Se bem que aqui na nossa região é de São José. São José nem tanto, mas Jacareí, Caçapava e Taubaté tem muita extração de areia, e o Mário sempre foi uma pessoa que sempre mostrou que apesar disso ele tentava manter a parte ambiental fazendo recuperação ambiental. Hoje ele faz criação de peixes também nas casas e distribui pra população. Então são coisas assim interessantes de você tentar harmonizar a sua forma de vida com alguma coisa pra minimizar o impacto ambiental.
P1 – E o seu filho, o quê que faz?
R – O Paulo é economista, trabalha numa empresa de prestação de serviços na área de sensoriamento remoto. Ele começou como office-boy, está lá a 14 anos, e subindo dentro dessa empresa pequena, que hoje já é uma empresa grande. Mas trabalha mais na parte realmente financeira, é o homem das cotas.
P1 – Se você pudesse tirar uma lição ou algumas lições da sua carreira, quais seriam?
R – Eu acho que a minha carreira me ensinou muita coisa. Ou seja, eu acho que a questão da perseverança, você vê, é como eu te falei, eu vou mudando. Saí de uma formação de Matemática, passei pra uma área de sensoriamento remoto, e aí fui construindo, e hoje estou na área mais, eu diria que minha área hoje é uma área de mudanças climáticas, numa evolução que certamente requisitou muita perseverança, muita falta de temor de encarar novos desafios. Então essencialmente eu acho que esse aprendizado de chegar até aqui e ter conseguido superar vários obstáculos e desafios faz com que você realmente tenha a energia e a força pra estar sempre achando que nada é mais, é mais um desafio que você vai superar, e nada em termos de uma questão de que você tem obstáculos que não são transponíveis. Sabe, é aquela coisa assim de que nada, você passa a ter uma visão da vida aonde você não vê problema, você vê questões, e é mais uma questão a ser superada. Então eu acho que a história que eu tiro hoje de concreto e passo, tenho que passar isso também um pouco pro meu filho em particular. Eu sou muito reservada com as coisas que eu faço. Então, mesmo a minha família sabe muito pouco o que eu faço. Talvez o Mário saiba um pouco mais porque a gente conversa muito, mas dentro do ambiente de família dificilmente eu discuto a minha parte profissional. Aí está mais pra querer sair um pouco daquilo. Mas, se tivesse que tirar alguma coisa de aprendizado, acho que é isso mesmo, é realmente essa força pra aceitar desafios, pra superar e achar que tudo pode ser transposto. É uma questão de tempo só, e confiança.
P2 – E pra finalizar, o quê que você achou de participar desse projeto de memória?
R – Então, eu acho que ele é importante. A gente vem negociando, a gente negocia, negocia. E é como eu falo pra você, a família mesmo não acompanha muito isso. Quer dizer, eu espero que a minha família possa ver isso, talvez o meu filho em particular. Tem essa parte da entrevista em que eu falo que a minha mãe sempre ensinou a gente a priorizar o trabalho em vez da família. É uma coisa muito dura, e talvez ele já tenha sentido isso porque, quando eu fui fazer o meu doutorado ele ficou no Brasil com o pai. E eu fui fazer o meu doutorado porque naquele momento era o que eu achava que era importante pra mim como pessoa. E no fundo é você entender que a gente tem um papel parcial na educação dos filhos porque, se você imaginar, eu sempre falo isso. Principalmente pra mulher é muito mais fácil você imaginar que você está ficando velha e o seu filho depois não vai ter que olhar pra trás e falar: “Poxa vida”, ainda mais sendo filho único, “Poxa vida, a minha mãe se dedicou a vida inteira pra mim”, e tem aquela carga de ter que retribuir, vamos assim dizer. Então eu acho que o respeito sempre foi pro indivíduo como um todo, sem ter que ficar aquela coisa de, aquela mãe, como o meu médico de medicina alternativa diz. É aquela questão que sempre diz, que talvez a coisa que fez pior na vida tenha sido ser mãe. E ele me diz: “Aí depende do seu referencial. Talvez tenha sido o que você fez de melhor”. É uma questão muito relativa isso. Se você pegar o seu filho hoje, que ele também consultava com esse médico, o seu filho é uma pessoa inteira, maravilhoso mesmo. E talvez você diga que isso foi a coisa mais mal feita que você fez, ou seja, o seu papel como mãe. É uma questão muito relativa. Mas ele sabe que em todos os momentos que ele precisou ele sempre teve a mãe ali perto dele, mas sem ser aquela mãe 24 horas, que talvez seja o padrão, sei lá. É muito difícil falar dessa parte de mãe mesmo, é muito difícil. Mas eu acho que ele vai gostar de ver a entrevista, o meu pai também. Enfim, o bonito desse projeto é essa possibilidade da gente mostrar um pouco da gente, esse lado mais pessoal, mais humano talvez, pra todos aqueles que nos vêm de uma forma muito técnica, muito hermética, muito fechada. É uma oportunidade pra que você se mostre de um outro ângulo, um ângulo mais humano, um ângulo mais sensível mesmo. Então eu acho que é isso aí.
P1 – Então obrigado.
R – Obrigado a vocês.
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