Projeto: Banco do Brasil - 200 Anos de Brasil
Entrevistado por: Luís Egipto e Eliete Silva
Depoimento de: Biramar Nunes Lima
Local: Brasília
Data: 11/09/2008
Realização: Museu da Pessoa
Código: BB200_HV003
Transcrito por: Vanuza Ramos
Revisado por: Carolina Araujo Forléo
P/1 – Bom...Continuar leitura
Projeto: Banco do Brasil - 200 Anos de Brasil
Entrevistado por: Luís Egipto e Eliete Silva
Depoimento de: Biramar Nunes Lima
Local: Brasília
Data: 11/09/2008
Realização: Museu da Pessoa
Código: BB200_HV003
Transcrito por: Vanuza Ramos
Revisado por: Carolina Araujo Forléo
P/1 – Bom dia, senhor Biramar. Muito obrigado por ter aceitado nosso convite, seja muito bem-vindo. Pra começar eu queria que o senhor, por favor, dissesse o seu nome completo, o local e a data de seu nascimento.
R – Bom dia Luís, bom dia Eliete. Meu nome completo é Biramar Nunes de Lima, mas chamado desde pequeno de Bira. Eu nasci em Morrinhos, Goiás, dia 04 de fevereiro de 1951, na zona rural.
P/1 – O nome do seu pai e da sua mãe.
R – Meu pai é Vagner Nunes de Andrade, minha mãe é Alice Benedita de Lima Andrade.
P/1 – Qual era a atividade de seu pai?
R – Meu pai era da zona rural e depois que eu nasci, e depois que nasceu meu irmão, ele preocupado com escola, com estudo, mudou pra cidade e foi barbeiro. E minha mãe foi costureira.
P/1 – Mudaram-se pra Morrinhos?
R – É, mudaram-se pra Morrinhos. Eu tinha 2 anos e pouco, logo que meu irmão nasceu, nós somos apenas dois irmãos. E meu pai, também, no tempo em que morava na zona rural, ele foi educador. Foi professor. Lá na zona rural, hoje, tem muito doutor por aí que foi alfabetizado por ele. E ele era de uma família muito humilde, também minha mãe, mas uma família muito preocupada com escola para os filhos. E ele aprendeu o ofício de barbeiro exatamente pra nos colocar na escola.
P/1 – Você disse que são dois irmãos, como é o nome dele, do seu irmão?
R – Meu irmão? Marlos Nunes de Lima.
P/1 – Mais novo ou mais velho?
R – Mais novo que eu cerca de 2 anos e meio.
P/1 – O senhor conheceu os seus avós?
R – Eu conheci minha avó materna e meu avô paterno. Os outros, quando eu nasci, já tinham falecido.
P/1 – O senhor se lembra do nome deles?
R – Sim, meu avô paterno era José Domingos Nunes, minha avó paterna, Rodineira (de Janeira?) de Andrade. Meu avô materno, José Jorge da Silva e minha avó materna Benedita Rita dos Santos.
P/1 – A origem da sua família, tanto do lado materno quanto do paterno é ali da região? Você tem notícias disso?
R – Sim, vou começar pelo lado materno. Tanto meu avô quanto minha avó e meus bisavós são de lá. Eu tenho uma leve desconfiança que meu bisavô materno tem origem árabe, pelo nome que era Manuel Jorge. Os outros são todos daqui do Brasil. E tem uma história interessante, que a minha bisavó materna é filha de escrava. Há uma desconfiança que ela era filha da escrava com o senhor. Porque ela era, assim, uma morena clara, de cabelos lisos. Foi a única filha dessa escrava e eu estou até nesse exato momento tentando descobrir onde ela nasceu. A gente sabe que ela nasceu em Minas Gerais, na região ali de Água Suja, Patrocínio e veio pra Morrinhos no tempo de menina ainda, ao que tudo indica, acompanhando a família que cuidava desses escravos, onde a mãe dela nasceu. A única coisa que a gente sabe, que ela assistiu a morte da mãe. Ela era menina, assim, de seis, sete anos e a mãe foi dar comida para os porcos lá no chiqueiro e caiu. Ao que tudo indica, deve ser certamente ___________, né? Que é uma região que tinha muitas __________. Ela acabou sendo criada por um tio, o único parente que ela conheceu e veio pra Morrinhos, isso por volta de 1880, 1890. Lá do lado paterno, meus avós e bisavós nasceram ali em torno de Caldas Novas, Itubiara, Bom Jesus de Goiás. Uma parte da família do meu pai, que é a família Andrade, há uma vaga lembrança do meu pai dizer, que eram portugueses, que viveram numa região da China e vieram para o Brasil há muitos anos, inicialmente para a região de Casa Branca, São Paulo. Dali, três irmãos vieram para.. um veio para Goiás, Itubiara. Outro veio para Ituitaba e outro foi para o Mato Grosso. Essa é a história lá do meu pai. Ainda quero ver se eu tenho tempo na vida ainda pra correr atrás disso aí, porque eu gosto disso.
P/1 – Isso é encantador, essa perquirição. E o senhor, voltando ao senhor agora, quer dizer, o garoto Bira. Como é que foi a sua infância, como é que ela se passou, com o sair da zona rural pra mudar pra Morrinhos, como é que foi esse processo?
R – Quando nós mudamos pra Morrinhos eu tinha 2 anos e meio. Meu irmão, recém-nascido. Até tem uma coisa interessante e a gente vai conversando e eu aproveito até pra fazer uma correção. Meu irmão já nasceu na cidade. Quando nós mudamos da zona rural para Morrinhos, minha mãe estava grávida do meu irmão, de oito meses. E minha mãe enjoava muito. Naquele tempo, os veículos tinham um cheiro forte de gasolina e minha mãe enjoava muito. Então, apesar de grávida de 8 meses, ela não quis vir na cabine do caminhão. Ela veio na carroceria, em cima da mudança. E logo na saída, depois que o caminhão tinha percorrido aí 2 ou 3 quilômetros, subindo o morro, o caminhão não conseguiu subir e caiu. Caiu e minha mãe em cima da mudança caiu. Foi quase um acidente trágico, porque na hora o motorista do caminhão teve a perícia de jogar pra um lado, porque se cai do outro lado, era uma “pirambeira”, certamente tinham morrido todos. Ele conseguiu jogar o caminhão pra um lado que não tinha essa “pirambeira”. Minha mãe passou muito mal. Pensaram até que o meu irmão fosse nascer ali porque ela sentiu muita dor, mas graças a Deus deu tudo certo. Não teve nada e meu irmão nasceu de tempo. Taí hoje com 53 anos. Graças a Deus.
P/1 – Que risco. E essa Morrinhos da sua infância. Como era essa cidade?
R – A cidade típica do interior de Goiás, pequena. Eu considero que tive muita sorte de ter ido pra Morrinhos, de ter nascido por lá, porque é uma cidade que ainda hoje é considerada a Atenas de Goiás. Naquele tempo, tinha lá colégios bons. Naquele tempo, Goiás era reconhecido em termos de escola em três localidades: era a capital que era Goiás Velha; Silvania e depois, Morrinhos. Boas escolas. Então, eu tive uma formação escolar lá na base muito importante, que é uma tradição que ainda prevalece até hoje em Morrinhos. Até hoje Morrinhos é considerada Atenas de Goiás, nessa área cultural. Costumo até dizer que a cada esquina tem um escritor. Tem vários escritores de Morrinhos. Bons escritores. Alguns, de vez em quando, concorrendo aí até à Academia Brasileira de Letras. Eu poderia dizer que Rui Gonçalves Borba nasceu lá, Alaor Barbosa e outros. Então, eu tive uma infância de todo menino de interior. Eu fui alfabetizado aos sete anos, tive uma ajuda muito grande do meu pai, pelo fato de meu pai ter sido professor na zona rural. Eu me lembro que ele chegava à noite do salão de barbearia, pegava os deveres, às vezes, sabe como é criança, né? Quando eu escutava os passos do meu pai eu corria e ia me deitar. Fingia que estava dormindo, ele chegava, me botava pra levantar e me obrigava a fazer os deveres e acompanhava, né? Quer dizer, eu praticamente fui alfabetizado por ele, né? As primeiras operações: somar, subtrair, multiplicar e dividir, aprendi com ele. E ele foi... Minha mãe era analfabeta, minha mãe... Quer dizer, ela lia, mas não conseguia ensinar pra gente. Então, era ele que fazia o acompanhamento escolar. E naquele tempo ele ia pra escola, né? Ele ia saber como é que a gente estava passando. A gente estava na escola, assim, de vez em quando a professora dizia: “Ora, agora vamos receber aqui o pai de um aluno”. Normalmente era o meu pai, que ia lá saber como é que a gente estava. E naquele tempo ele dizia o seguinte: “Ora, cuida desse menino aí, se fizer arte, depois me conta, porque ele vai apanhar aqui e apanhar lá”. Eu me lembro ainda de ver os alfarrábios do meu pai, eu acho que hoje a garotada não conhece, né? Aquela lousa manual, que as crianças usavam, palmatória, né? Meu pai conservou por muitos anos, isso foi guardado de lembrança do tempo que ele foi professor. Então, tive muita sorte de ter esse acompanhamento em casa e meu pai, a vida toda, se preocupou muito com a escola. Meu pai dizia que quando eu era garoto, assim, ____________, lá na fazenda, ele conversando com os amigos, dizia “Olha, esse menino aqui vai viver da caneta. Eu estou aqui vivendo da enxada, da foice, do machado. Mas, esse menino, quando tiver no tempo da escola, vou mudar pra cidade e ele vai viver da caneta”. Meu pai teve sorte, né? Tanto meu pai quanto minha mãe, eles foram muito felizes, porque aquele objetivo que traçaram ainda quando jovens, lá na fazenda, alcançaram, né? Eu fui pro banco, o banco me possibilitou concluir meu curso superior, fiz graduação em Direito. Meu irmão também, fez Contabilidade, Direito. Hoje, meu irmão vive dessa atividade profissional, que é Direito e Contabilidade, também foi funcionário do banco. Meu irmão saiu no PDV [?] pra se dedicar à Contabilidade, né? E a minha formação na área de Direito me ajudou muito e me ajuda muito até hoje na vida profissional. Do banco até a minha aposentadoria e agora no Ministério da Agricultura.
P/1 – Eu gostaria de duas descrições ainda desse período que nós estávamos enfocando. Primeiro, eu queria que o senhor descrevesse a sua casa, a casa da sua infância. Depois, eu queria que o senhor descrevesse a barbearia do seu pai.
R – Bom, a casa da minha infância é uma casa humilde. Quando meu pai mudou pra cidade, alugou um barracão, como a gente diz lá no interior. Logo depois, construiu uma casa. Ele teve uma preocupação muito forte a vida toda com ter uma casa pra morar, não pagar aluguel. Era uma casa que tinha sala, cozinha e quarto. A primeira. Depois, meu pai melhorou um pouco de vida, eram muito trabalhadores, tanto ele quanto a minha mãe. Depois fomos pra uma casa, já tinha sala, cozinha, dois quartos, né? Energia chegou muito tarde, né? Lá no interior. Eu me lembro que as minhas primeiras lições, meus primeiros anos de vida, até lá pelos 10, 11 anos, era luz de lamparina ou lampião. Porque só rico tinha energia. Quando a energia ficou acessível aos mais pobres eu já tinha lá meus 11 ou 12 anos. E tem uma coisa interessante, meu pai só nos registrou obrigado pela escola. Apesar de ele ser um cidadão que tinha uma certa cultura, ele tinha muito medo de guerra. Ele, embora não tenha servido ao exército, a Segunda Guerra Mundial trouxe alguns traumas pra ele. Certamente, amigos dele que foram pra guerra. Então, ele dizia o seguinte: “Eu não vou registrar esses meninos porque se eu registrar, eles podem ser sorteados para ir para o exército”. Quando tiver 18 anos, aí vem o sorteio. E naquele tempo, na nossa região, quem era chamado para o exército ia para Ipameri ou pra Goiás. Hoje o raio tem duas horas, mas naquele tempo era um dia de viagem, era muito longe. Então, ele resolveu não registrar. Porque não sendo registrado, não tem perigo de ir para o exército. Até que quando eu fui fazer exame de admissão, né?
Saí da quarta série para a primeira série ginasial, a escola exigiu: “Olha, tem que trazer o registro do menino”. Meu pai ainda tentou argumentar com o diretor: “Não, ele já tem a certidão de batismo, vamos deixar disso porque senão esse menino vai pra o exército”. Ele aproveitou e registrou logo os dois, eu e meu irmão.
P/1 – E a barbearia do seu pai, como era?
R – A barbearia do meu pai era mais no centro da cidade. Ligada a um armazém. Tinha, naquele tempo, o famoso armazém de secos e molhados. Era distante de casa, porque a gente morava mais na periferia e a barbearia era no centro. E eu quase me tornei barbeiro, porque eu aprendi. De vez em quando, eu chegava lá, cortava o cabelo, fazia uma barba. Às vezes, meu pai ia tomar um café, ia almoçar, a gente ficava lá, ia levar o lanche pra ele. Normalmente, o sábado era muito cheio de clientes. Às vezes, ele saía e quando era um amigo, né? Falava: “Olha, o meu menino está aqui, se quiser o meu menino vai cortando aqui até eu chegar”. De vez em quando, eu cortava uma barba, um cabelo. Da mesma forma, eu quase aprendi o ofício da minha mãe. Minha mãe era costureira, costurava muito. Eu acabei aprendendo a fazer acabamentos de roupa, a fazer uma barra. E quando eu tinha 10, 11 anos eu já sabia costurar. Eu tenho ainda guardado, não sei onde mais, roupas em miniaturas que eu fiz – calça, camisa. Eu que cuidava da máquina da minha mãe. Eu que fazia limpeza, acertava pontos. Na hora de entregar a roupa, eu passava. Até que um dia eu escutei meu pai falando com minha mãe “Ora, vamos colocar esse menino na alfaiataria”. A partir dessa data eu nunca mais encostei na máquina, porque eu fiquei com medo de acabar tendo que aprender o ofício de alfaiate. Eu queria outra coisa.
P/1 – Nessa infância aí, de trabalho, de afazeres domésticos, como eram as brincadeiras do garoto Bira? Como se brincava na rua, como era essa diversão?
R – Tanto eu quanto meu irmão curtíamos muito, digamos assim, né? Minha mãe e meu pai, eles eram muito rigorosos na criação. Minha mãe tinha uma ordem lá em casa; a gente podia fazer de tudo desde que tivesse ao alcance da voz dela. Quando ela gritava “Biraaa”, “Marlos”, se não respondesse, quando chegava, apanhava. Podia fazer tudo, mas dentro desse limite. E as brincadeiras que nós tínhamos era o quê? Era papagaio, que hoje a meninada chama de pipa, né? Eu fui um exímio construtor de papagaios. Finca, que nem existe mais hoje, né? Pião. A gente ficava... Quando chegava esse tempo, que a primavera se aproximava, as primeiras chuvas, a gente preparava as fincas, preparava os piões e as bolichas de carixi, a biloca, eram essas as brincadeiras. Então, resumindo: era papagaio ou pipa; finca, que era aquela brincadeira de casinha no chão, um fechando o outro, eu acho que a meninada de hoje nem lembra mais disso. E pião, mais as bilocas. E aí, a gente apostava entre os amigos. A gente apostava piões. Fazia uma roda, quem errasse botava o pião lá dentro e quem tirasse o pião com o outro pião ficava com ele. Da mesma forma, biloca. Eu não era não bom, mas o meu irmão foi o melhor tocador de pião que eu já vi. Ele era capaz de jogar o pião e pará-lo aqui na unha, tocando. Como também, na finca. E desse tempo, eu estou até me lembrando de... Um dia, eu e meu irmão brincando de finca e tinhas duas maneiras de jogar, na mão e estilo. Estilo é quando você jogava de pé, sem se abaixar. Um belo dia, a gente brincando, eu joguei a finca e ela fincou no pé do meu irmão, ficou fincada ali. E meu irmão começando a chorar e eu apavorado. O que é que eu fiz? Tirei a finca e combinei com ele, dei a minha mesada pra ele, pra ele não contar pra minha mãe [risos] que eu tinha jogado a finca no pé dele. Agora você imagina, menino, né? O risco que a gente levou, porque aquilo ali poderia estar contaminado. Eram as brincadeiras que a gente fazia no tempo de criança. E bola, né? Bola, a gente jogava escondido, porque meu pai não deixava.
P/1 – Não gostava?
R – É, não gostava. E chegava um tempo que a gente tinha até dificuldade de jogar bola com os companheiros, porque na hora de fazer a divisão eles diziam o seguinte: “Ora, a gente escala o Bira, o Marlos, daqui a pouco o pai deles chega aí com o cinto na mão, eles saem correndo”. Porque normalmente era assim, quando um estava jogando o outro estava vigiando se não chegava meu pai ou minha mãe, né? Porque ele tinha muito medo, ele tinha medo de quebrar o braço etc., achava que bola atrapalhava os estudos. Então, eu fui calçar chuteira a primeira vez quando entrei no banco. Já tinha 20 anos. Foi a primeira vez que eu calcei uma chuteira.
P/1 – E a sua primeira escola, senhor Bira?
R – A primeira escola foi... entrei com a Dona Romana, professora que ensinou muita gente em Morrinhos. Dona Romana tinha uma escola particular, ela mais a filha, Dona Creide. Depois eu fui... Eu me lembro direitinho das minhas professoras primárias. A Dona Romana é acabou a minha alfabetização, que eu comecei com meu pai. Meu pai dava o reforço em casa. Depois, eu fui para o grupo escolar, escola pública. Fiz o primeiro ano com Dona Maria Aparecida, segundo ano com Dona Lolita e Dona Ormenzinda, terceiro ano com Dona Cleide, que era auxiliar da Dona Romana na minha alfabetização. Depois o quarto ano primário, de novo com Dona Lolita. E nesse período, Dona Ruth por alguns dias. Foram professoras que eu devo uma gratidão muito grande, porque eu tive uma base muito boa. Aí, no ginásio começou aquele esquema de matérias, professor de português, de matemática.
Esses professores, muitos deles ainda vivos, são meus amigos, estão lá em Morrinhos, a gente sempre se encontra lá. Professor de português, de matemática, de química, de física. Era uma escola muito boa, escola pública. Eu fui alfabetizado numa escola particular, mas depois disso até a conclusão do segundo grau, escola pública.
P/1 – Como era o nome da escola?
R – No segundo grau, Colégio Estadual Xavier de Almeida. Naquele tempo, as escolas públicas, elas eram mais concorridas do que as escolas particulares. Interessante que os alunos mais esforçados, mais inteligentes iam para a escola pública. Escola particular era daqueles menos esforçados, mais preguiçosos. E até hoje, lá em Morrinhos, a escola publica é muito boa. A escola é muito boa, os garotos que saem de lá, ainda hoje, têm tido sucesso aí quando saem para centros maiores.
P/1 – Mas, nós estamos com um rapagão adolescente e mudou o círculo de amizade, mudaram-se as brincadeiras. Como o senhor se divertia na época, como eram seus amigos ou grupo de colegas?
R – Eu comecei a trabalhar muito cedo. O meu primeiro emprego eu tinha 11 anos de idade e eu fui trabalhar no mês de dezembro nas Casas Pernambucanas. Dar um reforço. Aliás, onde eu tive uma lição que até hoje eu passo para os meus filhos. Aprendi nas Casas Pernambucanas, num belo dia de sábado, que a gente nunca deve julgar as pessoas pelas aparências. Eu era entregador de encomendas e ajudava empacotar mercadorias. Como eu era um rapaz que já estava terminando a primeira série ginasial, eu acabei aprendendo a tirar notas e o gerente me autorizou a atender os clientes, quando a loja estava muito cheia. Um dia eu cheguei, no sábado, antes da loja abrir, era mais ou menos... A loja abria 8 horas, mas eu cheguei mais ou menos 7 horas. E na minha chegada vi um casal de gente sentada, assim, na loja da esquina, em frente, simples, cidadão de botina. Pela aparência eu depreendi que era gente que morava na fazenda. Daí a pouco nós abrimos a loja, quando a loja abriu já... Muita gente, era mês de dezembro, né? E aquele casal entrou, nenhum vendedor deu atenção. E eu, como eu já tinha essa autorização pra vender, fui recebê-los, atendê-los. E esse pessoal, aquele dia, foi a maior venda que a loja fez, porque eles “Me dá tantas toalhas (falha no áudio) ______________ Meia, pano”. Fiz uma venda excepcional. E eu tirava a nota em nome de um vendedor. Normalmente quando eu vendia, eu tirava a nota para aquele vendedor que mais me tratava bem, aquele que era amigo, né? Aquele dia, as compras que o casal fez saíram numa camionete, porque eles estavam numa camionete. Eu imagino, nunca mais vi esse casal. Eu imagino que era gente recém-chegada para a região, que precisou de fazer uma compra muito grande. E naquele dia eu aprendi uma lição que passo para os meus filhos, principalmente quem mexe com comércio. Nunca deve se julgar as pessoas pela aparência. Um casal simples, gente que, a gente na época chamava “da roça”, né? Fizeram uma compra excepcional e naquele mês quem bateu o recorde de vendas num dia não foi nenhum vendedor, foi o garoto Bira, que tinha 11 anos, que era o empacotador. Mas aí, passado esse tempo, acabou o emprego, depois eu voltei a trabalhar com 13, 14 anos de idade. Eu trabalhei em tinturaria, que naquele tempo existia tinturaria, trabalhei no armazém da esquina, que a gente dizia de secos e molhados. Eu fui um garoto de muita energia, como a gente teve uma criação muito rigorosa, ao invés de ficar com a brincadeira com os amigos, logo, logo a gente foi para o trabalho. E foi numa época também que meu pai esteve muito doente. Meu pai, quando estava na idade, aí, de 48, 46 a 50 anos, ele teve um estresse muito forte, naquele tempo não existia estresse. Hoje que eu sei que foi estresse. Mas, naquele tempo ele tinha um problema que ninguém descobria, médico nenhum descobria, os exames todos normais e ele doente, não conseguia trabalhar. Aí, a gente teve que se dedicar um pouco mais ao trabalho. Também fui “boy”. Quer dizer, eu trabalhei em tinturaria... Sei passar roupa, né? Trabalhei no comércio, fui cobrador para comerciantes. Um desses comerciantes vendia máquina de costura, um belo dia chegaram umas máquinas lá, ele não sabia, o montador das máquinas não estava lá, falei: “Eu sei montar”. Montei essas máquinas todas, ele vendia as maquininhas, eu que acertava pontos, né? Fui professor de datilografia, que era uma coisa imprescindível naquele tempo. Então, dos 11 aos 16 anos, eu fiz de tudo. Alfabetizei vizinhos, gente adulta que era analfabeta, assim, à noite. Trabalhei em fábrica de manteiga, de leite, em épocas de pico, fui cobrador, trabalhei em tinturaria, trabalhei em armazém. Com 16 anos fui aprender datilografia e o dono da escola me chamou pra ser professor. Aí, já começou a melhorar o emprego, um pouco. Daí a pouco eu fui trabalhar na prefeitura de Morrinhos, como auxiliar de contabilidade. E dois anos depois eu acabei sendo quase um contador prático, que aprendi tudo... Contador, na época, com a pessoa que eu devo muita obrigação, já falecida, Senhor Bruno José Vieira, me ensinou tudo. E acabou deixando a contabilidade da prefeitura na minha mão. E eu tinha o sonho de estudar, terminei o segundo grau, fui pra Goiânia, larguei o emprego em Morrinhos, já com o emprego contratado em Goiânia. Cheguei em Goiânia numa segunda-feira, às 5 horas da tarde. Na terça-feira, eu já fui para o escritório de contabilidade, já fui ser gerente, no escritório de contabilidade pública. E deixei em meu lugar, em Morrinhos, o meu irmão. E tem até uma história curiosa. Nos últimos, eu acho que, 70 e tantos anos, a prefeitura de Morrinhos teve três contadores; Seu Geraldino de Freitas, o Senhor Bruno, eu, uma temporada e agora meu irmão. Meu irmão, esse que foi também do Banco do Brasil, é contador da Prefeitura de Morrinhos desde 1970. E ele foi ser contador lá com 16, 17 anos. Então, esse período de 11 a 19 anos, foi mais ou menos isso. Entrei no banco com 20 anos. E eu fui um rapaz, assim, muito tímido, né? Então, fui também professor, né? Eu era tímido por um lado... Tímido, assim, para me aproximar de mulheres, mas não era tímido em outras coisas. Às vezes, até um pouco cara de pau. Eu fazia o segundo científico, fui professor do primeiro. Faltava professor lá e acabei sendo professor de química e física para o pessoal do primeiro ano. Hoje tem alguns médicos aí que foram meus alunos, né? Certamente, se não fosse esse curto período que eu quebrasse o galho deles em aulas de física e química, certamente, teriam tido maiores dificuldades, né? E quando voltei para o banco, acabei sendo professor também, né? Durante três anos, no início da minha vida profissional no banco eu fui professor. Eu fui professor de matemática, fui professor de novo de física, de química. Deve ser a força da juventude, que naquele tempo a gente tinha muita energia. Depois o banco, né? Aí, a partir de 1975, quando eu fui nomeado chefe de serviço, aí passei a ter uma dedicação exclusiva para o Banco do Brasil.
P/2 – Bira, a gente vai voltar só um pouquinho. Quando você saiu de Morrinho e foi pra Goiânia, como foi esse impacto? Chegar na cidade grande, você que veio de uma cidade do interior do estado de Goiás?
R – Olha, foi um impacto muito forte, né? Que me marcou muito. Porque Goiânia é a capital. Eu fui a Goiânia pra fazer matrícula e depois fui de mudança. Sozinho, com o apoio de uns amigos. Aí, fui para uma república de amigos que estudavam lá, né? Esse impacto foi um pouco reduzido porque no dia seguinte eu comecei a trabalhar. Eu comecei trabalhar, mas nos primeiros meses eu vinha para Morrinhos todo final de semana. Eu estudava à noite, fazendo cursinho preparatório para o vestibular e trabalhava durante o dia nesse escritório de contabilidade, também contabilidade pública. A gente, quer dizer, meu tempo lá era escola e trabalho e final de semana vinha para Morrinhos, que é cento e poucos quilômetros. Mas foi muito forte aquele contato com a cidade grande, tudo diferente. Aí, no dia que eu cheguei, nós fomos tomar uma vitamina numa lanchonete, eu andei pouco mais de 200 metros, o caminhão tinha acabado de atropelar uma mulher, a mulher morta ali na... Eu vi aquele movimento, né? Aquilo ali pra mim foi um trauma muito forte. Mas, logo, logo o dia a dia se encarregou de resolver, fiquei em Goiânia um ano e meio, mais ou menos, larguei Goiânia pra ir pra o banco. Interessante que eu não queria entrar no banco, né? Eu estava me preparando para vestibular e tinha um bom emprego, esse escritório me pagava bem e eu era o gerente do escritório, cujo ex-dono é meu amigo até hoje. De vez em quando a gente se encontra ainda, de vez em quando a gente almoça junto, quando eu vou a Goiânia ou quando ele vem a Brasília. Eu não queria. O salário que eu ganhava no escritório era o salário que o banco me pagava. Mas, o meu pai estava acabando de sair daquele estresse que eu comentei com vocês, né? Meu pai quase que me obrigou a ir para o banco e acertou, porque eu tinha 20 anos naquela época, não conhecia muito o mundo. E nós, na época, fomos sete novos chamados para trabalhar no Banco do Brasil. Eu fui o último a entrar. E meu pai ia lá, eu dizia: “Pai, eu não posso ir agora, tenho um compromisso aqui com o escritório”. Até que um dia meu pai chegou e me deu um xeque-mate, né? “Que dia que você vai?” “Ó, pai, daqui a 30 dias eu posso ir”. E o pessoal do banco me chamando, né?
P/2 – Mas, Bira, você fez o concurso por sugestão do seu pai, então?
R – Não, por iniciativa minha. E a gente vai conversando, né? E saiu o concurso do banco, eu não tinha identidade e precisava da identidade. E eu em Goiânia, aí, eu descobri que o Secretário de Segurança Pública era conterrâneo de Morrinhos. E demorava a ficar pronta a identidade. Daí o que eu fiz, por iniciativa minha, sem falar nada com ninguém, olha a minha petulância, né? Fui falar com o Secretário de Segurança Pública. Cheguei lá, aquela dificuldade, eu dizia: “Olha, mas eu sou de Morrinhos, eu sou conterrâneo dele, eu preciso de falar com ele”. A irmã dele foi professora do meu irmão. O fato... não sei como eu consegui falar com o Secretário de Segurança Pública. Cheguei lá e “Boa tarde, doutor” “Boa tarde” “Olha, eu vim aqui, eu sou de Morrinhos, conterrâneo do senhor, preciso fazer a inscrição no concurso do Banco do Brasil, preciso tirar a identidade e demora muitos dias, mas o concurso vai abrir tal dia. Eu preciso que a identidade saia logo.” E ele, homem, assim, carrancudo, mas muito bondoso. E lá eu disse qual família eu era etc., o que eu fazia em Goiânia. Falou: “Vou ver o que dá pra fazer pra você”. O fato é que a identidade saiu em tempo recorde, né? Eu acabei fazendo e fiz a inscrição. Mas, voltando agora, se meu pai não insistisse, talvez eu não tivesse ido para o banco. Agora, além da insistência do meu pai, que ele acertou, eu fui chamado pra Morrinhos, que é minha cidade. Aí, meus amigos, esse fato contribuiu. E foi o maior acerto que eu fiz na minha vida profissional.
P/1 – Que ano foi esse, senhor Bira?
R – O concurso foi em 1970. O concurso foi no dia 24 de outubro de 1970, dia do aniversário de Goiânia. Na véspera, foi uma escola de samba do Rio de Janeiro desfilar em Goiânia e nós ficamos a noite toda... Eu saí lá da avenida, passei em casa, lavei o rosto e fui fazer o concurso. Isso foi no dia 24 de outubro de 1970. O concurso.
P/1 – E o senhor assumiu quando?
R – Assumi no dia 11 de junho de 1971. Foi numa sexta-feira, eu fiquei um pouco constrangido, eu fui de mudança, né? Retornei a minha mudança para Morrinhos numa quinta-feira à noite e na sexta-feira de manhã eu fui lá no banco perguntar se não era um pouco constrangedor eu tomar posse numa sexta-feira. Disseram: “Não, não tem problema”. Eu queria tomar posse na segunda-feira, porque achei que não era legal tomar posse na sexta. Mas aí, tomei posse na sexta-feira, às 11 horas da manhã.
P/1 – Que agência era, senhor Bira?
R – Agência Morrinhos.
P/1 – E seu primeiro dia de trabalho, como foi? O que o senhor fez nesse primeiro dia?
R – No primeiro dia de trabalho eu dei muito trabalho [risos] para os meus amigos. Mas, aí também, foi outra grande lição que tive na minha vida. Eu cheguei lá, um cidadão me orientou, fui trabalhar na boca do caixa, né? O que era a boca do caixa naquele tempo? Os caixas iam fazendo os pagamentos, coletando os depósitos, ia jogando aquela papelada lá pra trás e o funcionário ia separando. Eu me lembro que ele disse o seguinte: “Olha, os cheques são de três cores, esse amarelinho aqui é o cheque ouro, você põe de um lado; verdinho, sem limites, você põe do outro; esse alaranjado aqui, goiabinha, você põe do outro. Vai juntando. E você vai somando de vez em quando”. Eu sei que ao final do expediente, o João Alexandre, que foi meu primeiro instrutor – e se aposentou aqui no banco como auditor – ao final do dia me procurou fora: “Pelo primeiro dia seu, você foi muito bem, viu? Ótimo funcionário, você foi muito bem”. Só uma semana, um mês depois, eu fui perceber que eu fiz tudo errado, né? Mas ele me deu aquela injeção de ânimo, aquilo pra mim foi muito importante. Eu acho que esse dia foi fundamental. Porque se ele, de repente, me repreendesse, tivesse falado “Olha, você errou muito”, talvez eu não tivesse o crescimento que eu tive lá, né? E teve um outro colega, o Ditinho, me chamou, já um pouco mais velho, me disse o seguinte: “Ó, Bira, aqui você tem um futuro muito promissor, aqui no banco. Vai depender de você. Tudo que te pedirem pra fazer, você faz. Que você vai ter os dias muito facilitados”. Eu segui essa trilha. Acho que isso me ajudou muito.
P/2 – E o que significava, Bira, pra você, ser funcionário do Banco do Brasil em Morrinhos? O que significava pra sua família, né? Pra seu pai você falou que era muito importante, mas pra os seus amigos, até pra você mesmo?
R – Ora, para minha família foi uma libertação. Porque meu pai, sabe? A partir desse momento que eu passei no concurso, meu pai foi melhorando. Quando eu tomei posse, meu pai resolveu o estresse na hora, né? Porque eu me lembro que ele comentava assim com minha mãe: “Olha, tô doente, nossos filhos novos, Biramar é o mais velho e estão indefinidos”. Quando eu fui para o banco, meu irmão já contador da prefeitura... Eu senti que meu pai tirou um peso das costas. Aquilo foi uma libertação pra ele, foi libertação também pra mim. E naquele tempo, Banco do Brasil, ainda hoje, é o Banco do Brasil, né? Eu era distinguido na rua. Tava passando, assim, as pessoas apontavam “Olha, aquele menino tá trabalhando no Banco do Brasil. Ele passou”, né? Chegava numa loja pra comprar roupa, porque naquela época tinha uma regra no banco: se a camisa fosse branca podia ser de manga curta, se fosse de manga comprida e não fosse branca tinha que usar a gravata. Então, tive que comprar umas roupas assim pra trabalhar. Pessoal de loja distinguia, “Olha, esse rapaz passou no concurso do banco”. Então, a gente passou a ser visto diferente. De uma forma diferente, por toda a sociedade. E o salário fazia diferença. Embora em Goiânia eu ganhasse mais ou me... O mesmo valor que eu ganhava no banco, mas logo, logo vinham os aumentos, aquelas facilidades. Logo, logo eu fui chamado por um ex-professor pra ser professor de matemática na escola. Então, foi muito bom porque as coisas começaram a acontecer de uma vez. Eu com 20 anos. Trabalhando no Banco do Brasil, que a sociedade toda distinguia. E professor do colégio. Foi para nossa família libertação e foi um bom exemplo para meu irmão. Por que eu digo que foi libertação? O meu pai sarou do estresse.
P/2 – E como era a rotina lá da agência em Morrinhos?
R – Muito trabalho, né? Eu chegava cedo no banco, saía 6, 7 horas e ia para o colégio, ficava até 11 horas da noite. E, às vezes, eu tinha algumas aulas de manhã. Às vezes, eu dava aula de 7 horas às 7:50. Então, 7 horas, duas ou três vezes por semana, ia pro colégio, dava a primeira aula, oito horas no banco, almoçava em casa, porque a cidade é interior, ficava até as 6 horas da noite no colégio novamente. Naquele tempo, o banco, de épocas em épocas, às vezes, quando falta funcionário, há um acúmulo de serviço, às vezes, tem que trabalhar mais, né? Aquele tempo, a gente quase que era obrigado a fazer hora extra pelo acúmulo de serviço. Eu logo, logo fui pegando muitas responsabilidades, né? O gerente, o subgerente do banco, os meus chefes foram me dando responsabilidades. Naquele tempo foi um caso, assim, de muita admiração, porque eu com quatro anos de banco fui nomeado chefe de serviço. Em São Miguel do Araguaia. Aquilo ali era normalmente privilégio de quem já tinha sete, oito, nove, dez anos de banco. E eu gostei muito do banco. Já tive uma empatia com o banco logo no primeiro dia. Eu me sentia feliz em ir para o banco. E aquele trabalho do banco me descansava em vez de cansar. E quanto mais responsabilidade me davam, mais eu queria, mais eu ficava feliz. Tanto é que eu cansei. Em determinada época, lá em Morrinhos, eu que fechava o balanço. 31 de dezembro, nós, durante três anos, eu saí do banco pro réveillon. Ia em casa, me aprontava pro réveillon, vinha para o banco pra fechar o balanço, meia-noite ia para o réveillon. No dia seguinte, chegava em casa, tomava um banho e vinha acabar de acertar as coisas do balanço. Isso aí não era nem tanta obrigação, nem tanta responsabilidade, era prazer. Como eu tinha sido contador da prefeitura de Morrinhos, contador auxiliar, né? Não o titular, era só auxiliar. Então, eu tinha facilidade também na contabilidade lá do banco.
P/2 – E você ficou quanto tempo lá, na agência de Morrinhos?
R – A agência de Morrinhos eu fiquei quatro anos. Quatro anos, de lá fui pra São Miguel do Araguaia, que também foi outro trauma, né? Quer dizer, um garoto de... Permita falar garoto, um garoto de 24 anos, né? Que saí de casa, né? Minha terra. Fui trabalhar em São Miguel do Araguaia, também uma cidade desconhecida. Uma região, na época, semi-inóspita. São Miguel do Araguaia não tinha água tratada, não tinha energia, energia era a base de motor, os lançamentos todos manuais, não tinha asfalto, não tinha nada. Uma cidade nova de apenas 16, 18 anos. Então, longe de casa cerca de mais ou menos 700 quilômetros. Eu tinha namorada em Morrinhos quando fui trabalhar a 700 quilômetros, né? O namoro não foi rompido, eu vinha duas vezes por mês, de ônibus. Mas, também, foi muito bom para o meu crescimento. Em São Miguel do Araguaia fiquei três anos como chefe de serviço, larguei tudo, voltei à estaca zero porque eu percebi que eu precisava de terminar meu curso superior. Aí, um belo dia, me deu o estalo. Eu sentei na máquina e pedi dispensa da comissão e remoção para Uberlândia, Goiânia e Morrinhos. Aí, tive outra felicidade na vida, é a mão de Deus, né? Que me transferiu para Uberlândia. Um ano depois de Uberlândia eu já tinha recuperado a minha comissão. Conclui meu curso lá, de Direito e a vinda para Brasília, já que eu... Me permita entrar nesse assunto, um belo dia o gerente me chamou lá na sala dele e disse: “Ora, me ligaram de Brasília, estão precisando de uma pessoa para ficar lá 30 dias. Eu acho que quem tem perfil é você. Você quer ir pra lá pra ficar 30 dias?” “Eu vou, ficar 30 dias.” E esses 30 dias já são 25 anos. Quer dizer, eu vim para Brasília pra ficar 30 dias. Não voltei mais pra...
P/2 – Isso foi em que ano?
R – Isso foi em 2002.
P/2 – 2002 que você veio pra Brasília?
R – Vim pra Brasília em setembro de 2002. E aí, aconteceu um episódio interessante que eu gostaria de registrar. Eu vim pra ficar 30 dias. No trigésimo dia, dia de voltar para Uberlândia, cinco horas da tarde, o chefe do gabinete me chamou pra conversar – pessoa que não está mais entre nós, mas que devo muito, Doutor Paulo Lot. Ele me chamou no gabinete dele e disse...
P/1 – Desculpa... Senhor Bira, quando o senhor veio de fato pra Brasília? A data que o senhor veio pra Brasília, saindo de Uberlândia?
R – Dia 03 de janeiro de 1983. Tinha feito estágio em setembro de 1982. Que eu ia dizendo, eu vim pra fazer estágio de 30 dias, ao final do trigésimo dia, Doutor Paulo Lot, que era o chefe do gabinete, isso na Diretoria de Crédito Rural. Me chamou, perguntou – depois ele se tornou meu grande amigo – “Você gostou de ficar em Brasília?” “Gostei.” “Se você for convidado para trabalhar em Brasília, você aceita?” “Eu aceito. Se for convidado, aceito.” “Então, você vai pra Uberlândia, futuramente a gente conversa.” “Tudo bem.” Fui embora pra Uberlândia e esqueci. Quando foi o dia 26 de novembro do mesmo ano, de 1982, era uma sexta-feira, mais ou menos cinco horas da tarde, o gerente me chama novamente. "Olha, chegou um telex aqui, é para você se apresentar em Brasília na segunda-feira. Você foi transferido para Brasília. Você foi nomeado assessor na Diretoria de Crédito Rural". Aquilo ali foi um choque, né? Quer dizer, numa sexta-feira à tarde e eu estar na segunda, né? Vamos lá. Na segunda-feira, 8 horas, me apresentei em Brasília, na Diretoria de Crédito Rural. Nomeado numa comissão muito acima do que eu poderia imaginar. Eu pensei que, de repente, fossem me chamar pra ser auxiliar, assistente e já veio logo uma comissão de assessor. Mas aí, eu trabalhei na segunda, o dia todo, na terça. Quando foi terça-feira à tarde, falei: “Não vou ficar em Brasília.” Aí, procurei meu chefe (imediato?), que era o Valderson, hoje vive nos Estados Unidos. “Valderson, vou embora. Vou-me embora. Não vou ficar aqui.” “Que é isso, Biramar? Mas... Não faça... Você já tomou posse, já”. Falei: “Eu vou embora”.
P/2 – Por quê?
R – Eu achei o seguinte, foi um trauma, né? Eu tinha acabado de me mudar pra um apartamento que eu tinha comprado, apartamentinho que, com muita dificuldade, tinha comprado. A namorada estava lá... Se bem que ela não era impeditiva ___________ quer dizer, era o nosso futuro, né? Mas, aquela mudança, assim, inesperada. Tá. Sexta-feira, você tem que estar na segunda. Eu vou embora. E aí, me muni de muita coragem, fui falar com o chefe do gabinete, Paulo Lot, Doutor Paulo. “Eu resolvi, eu não vou ficar em Brasília. Eu quero ir embora”. E ele, aí que é a inteligência, perspicácia, no bom sentido, de um bom administrador. E Paulo Lot foi conversando comigo, conversando, conversando, né? Conversamos por uns 20 minutos, uma meia hora e lá pelas tantas ele me disse o seguinte: “Ô Bira, então o seguinte, volta pra Uberlândia, resolva suas coisas que você tem que resolver lá, daqui a 30 dias você volta. Não vamos rasgar nada. Você tomou posse. Vai, fica o tempo que for necessário”. Aí, eu disse pra ele assim: “Não, eu não faço isso, não. Isso eu não faço, não. Eu vir aqui, tomar posse e ir pra Uberlândia. Assim não dá certo”. Eu disse: “Não, então vamos fazer o seguinte. O Senhor me dá esse tempo, com 30 dias eu resolvo minhas coisas lá e aí, eu volto. Tá bom assim?”. Falou: “Então, tá bom. Então, você vai, fica, resolve suas coisas lá e daqui a 30 dias você vem”. Falei: “Então, assim tá bom”. Voltei pra Uberlândia, cheguei lá, procurei o gerente, falei: “Olha, Senhor Antônio Carlos, aconteceu isso e isso”. E aí, a coisa ainda ficou complicada. Aí, o gerente me disse o seguinte: “Ó Bira, você vai se quiser. Se quiser ficar aqui, seu lugar tá reservado”. Falei: “Não, mas eu vou”.
(fim do CD 01)
(início do CD 02)
R – Aí, trabalhei um tempo, mais 30 dias. E no dia 31 de dezembro de 1982, coloquei minha mudança no carro e vim para Brasília, né? Quer dizer, cumpri aquele compromisso que eu fiz com o Paulo Lot e a partir daí, todo candidato que o Paulo Lot selecionava pra trazer pra Brasília, me chamava lá “Bira, conta aqui pro fulano o que você fez comigo”. Aí, ele passou a exigir um compromisso do cidadão que vinha, né? E eu fui muito feliz em Brasília, foi outra grande tacada, de novo, é a mão de Deus, que me trouxe pra Brasília, eu cresci muito.
P/1 – E quais eram as suas responsabilidades aqui, trabalhando com ele?
R – Eu vim como assessor. E aí, eu tive um grande desafio, que com apenas três dias trabalhando aqui, já em Brasília, de novo me chamam lá. Disse: “Olha, você vai ser assessor do diretor. Daqui pra frente você só vai fazer trabalho que o diretor te passar”. Aí, me apresentaram para o diretor, doutor Alécio Vaz Primo.
P/1 – Diretor de quê?
R – Diretor de Crédito Rural. Eu tremia tanto, né? Que, um rapaz vindo do interior, com apenas três dias, ser assessor do diretor Alécio. Um dos meus grandes professores. Eu tive vários professores no banco, esse foi... Continua sendo um grande ídolo, né? Eu fui apresentado ao doutor Alécio, né? Doutor Alécio disse o seguinte: “Olha, você vai trabalhar naquela mesa ali, na qual trabalhava o Menézio, que foi para o Ministério da Fazenda”. “Meu Deus do Céu”. Eu, sentar na mesa de um cidadão que foi trabalhar no Ministério da Fazenda... Naquele tempo, a sala do chefe do gabinete ficava à esquerda, no meio ficavam dois assessores do diretor e ali a sala do diretor. Aí, eu vim trabalhar naquela mesa, junto com o Oscar César Brandão. E a ordem lá era o seguinte: nós só poderíamos fazer trabalho que o diretor nos passasse. E aí, foi também uma grande oportunidade, um grande aprendizado. Daí a pouco chegou mais um, então, éramos, durante algum tempo, três assessores especiais do diretor Alécio. Eu, o Oscar e o (Brunício?).
Foram momentos de muita apreensão em minha carreira profissional, em determinados momentos eu via que a minha carreira podia ser queimada, né? Ser, naquele tempo, diretor de Banco do Brasil, eu despachar direto, né? Trabalhar direto com o diretor. Mas, essas coisas passaram logo. Aí, eu imaginava, assim, “Esse povo é louco”, né? Trazer um rapaz, lá, de interior e sem uma quilometragem aqui no Gabinete da Diretoria, logo ir trabalhar com o Diretor.
P/1 – Seu receio de queimar a carreira era por fazer alguma coisa errada?
R – Fazer alguma coisa errada, não dar conta de cumprir a encomenda.
P/1 – E que tipo de tarefas lhe eram pedidas?
R – ___________ era estudos de operações. Era estudo de operações... Eu imagino porque eu vim parar em Brasília, né? Porque eu fazia lá em Uberlândia estudos de operações e tem um episódio interessante. Como eu escrevia muito, eu mandava os pareceres, eu aprontava os pareceres para o gerente assinar e a máquina de datilografia que eu usava em Uberlândia era minha, porque o banco, naquele tempo, não tinha máquinas elétricas e saiu a máquina elétrica da IBM [International Business Machines Corporation] e eu comprei uma. Comprei uma máquina e pedi ao gerente a autorização pra levar a máquina pra dentro do banco. Ele me autorizou, né? Porque eu escrevia muito. E eu era feliz com meus pareceres. Então, na superintendência de Belo Horizonte, um dos superintendentes da época, um superintendente adjunto, o Tarcísio Cambraia, quando chegava um parecer de Uberlândia, que tinha as minhas iniciais, ele dava uma ordem lá pra ir direto pra mesa dele, não passava nos assessores. E, de vez em quando, um parecer daqueles vinha parar aqui na diretoria. Isso dava apelações de crédito, né? Apelações de situação anormal. Mas, dizia “É um menino lá, quer dizer, um funcionário lá do interior”. Naquele tempo direção geral pra gente era algo assim, muito distante, muito especial. Quando ia alguém da direção geral numa agência, a gente estendia tapete vermelho, digamos assim, né? Então, isso dava uma certa insegurança. Eu imaginava, eu estava bem no interior, em Uberlândia. Lá eu era quase uma meia autoridade. Eu chegando aqui, logo na primeira semana, nos primeiros dias, já me colocam numa situação dessa. Mas, a gente percebe que depois o trabalho é igual em todo canto. É, mas, durante algum tempo gerou uma insegurança. Tanto é que nos primeiros tempos eu pensava assim: “Se tiver uma oportunidade, eu volto”. Mas, logo, logo foi... Eu cresci muito. Eu, quando eu entrei no banco, meu grande sonho era deixar de ser auxiliar de escrita pra ser escriturário. Cheguei a diretor estatutário, isso aí é uma riqueza, quer dizer, uma coisa que eu nunca tinha pensado na vida. Aconteceu comigo. Outra, é uma grande vantagem do Banco do Brasil, né? O Banco do Brasil não olha cor, não olha religião, não olha origem, né? As pessoas têm oportunidade de crescer. Eu vi isso comigo, vi com muitos amigos, que tiveram as mesmas oportunidades de outros. Quer dizer, o Lima Neto. O Lima Neto entrou no banco como menor estagiário, presidente, um exemplo.
P/1 – Eu ia dizer, senhor Bira, que nesse período, início dos anos 1980, numa área do banco, vinculada a crédito rural, vivíamos uma crise econômica, uma recessão econômica e, ao mesmo tempo, o País precisava crescer. Como o banco e o senhor, profissional, resolviam esse quase impasse que a economia oferecia naquele momento?
R – As crises econômicas, elas, não sei que acontece... Elas vão, vem, mais leve, mais forte. E o setor rural... Eu acabei sendo especialista nessa área no Banco do Brasil, dos meus 34 anos, mais ou menos 30, de 28 a 30 anos foram nessa área. De vez em quando acontecem as crises, de vez em quando, acontecem as renegociações. Aquela época, quando estava em Uberlândia, eu era responsável pelo setor de operações anormais, mas de todas as carteiras, comercial, industrial, né? Naquela época nós vivemos... Na década de 1970, a gente viveu duas crises muito forte de petróleo, foram muito mais fortes do que essas que a gente tá vivendo hoje, principalmente nesses últimos tempos. Nós tivemos as crises cambiais, as maxidesvalorizações. Aquilo ali deixou muita atividade econômica em situação muito difícil, muitas empresas quebraram. O Brasil não tinha a força que tem hoje. Então, isso acontece. E o setor rural, como um dos mais frágeis porque depende também das condições climáticas, de vez em quando acontecia isso, essas renegociações que acontecem hoje. Elas acontecem sempre, né? E naquele tempo a carteira de operações do Banco do Brasil era muito mais forte do que hoje, comparando com outras carteiras. Eu costumo dizer o seguinte, o Banco do Brasil cada dia ele é um, ele tem uma história. O que ele foi no passado é diferente do que é hoje e, certamente, será muito diferente amanhã, porque é dinâmico, né? A evolução do tempo que faz isso. Eu costumo até dizer, que daqui a dez, quinze, vinte anos, outras crises vão acontecer, os setores... Vai ter que ter renegociação, isso é normal. Faz parte da atividade.
P/1 – Nesse período, quais foram os grandes projetos que o senhor se envolveu e que o senhor guarda na lembrança como um marco de atuação do banco, e também da sua vida profissional?
R – O banco sempre fez a história da indústria bancária, né? O Banco do Brasil levou desenvolvimento para as mais diferentes regiões. O Banco do Brasil ajudou a interiorizar. Se hoje, por exemplo, existe plantio de soja no Brasil, um exemplo, que começou lá no Rio Grande do Sul e já está lá no Maranhão, chegando em Roraima, né? Só é graças, primeiro, ao estímulo do Banco do Brasil, que aposta na sua clientela, aposta no produtor e à garra do brasileiro. O Banco do Brasil é diferente dos outros bancos, porque ele quando vai para uma região, ele não vai pra lá pra tirar da região, ele vai pra lá pra crescer com a região. Eu não vou citar nomes de bancos, mas o Banco do Brasil quando se instala num interior, ele vai pra lá pra ajudar a crescer a região. Outro banco, às vezes, vai lá pra tirar o resultado de lá e mandar para grandes centros. Então, o Banco do Brasil foi muito importante no desenvolvimento da agricultura brasileira. A agricultura brasileira deve muito ao Banco do Brasil, aos colegas gerentes, que estão espalhados pelo mundo afora. Ajudou no desenvolvimento de muitas cidades. Ele, além do crescimento de seus funcionários, alguns são professores, tem caso até, por exemplo, de instalação de televisão. Vou lhe dar um exemplo de Redenção, no Pará. O gerente do Banco do Brasil que levou a televisão pra lá. Esse é o tipo de exemplo.... E tem umas coisas interessantes, o Banco do Brasil é vanguarda, né? Cheque especial, que até hoje é o cheque ouro, o Banco do Brasil que criou – foi uma coisa importantíssima ali no início dos anos 1980. O sistema de caixa executivo, de você chegar no banco e ser atendido por um caixa, isso aí foi criado pelo Banco do Brasil, antes disso o caixa ficava numa gaiola, a gente chamava, o cidadão entrava com o cheque lá, entregava, recebia uma senha, era processado, era chamado. Aquilo foi uma grande revolução no atendimento do sistema bancário. A informatização... O banco passou por um período aí, por dificuldades, por ser órgão de governo, ele ficou um tempo defasado, mas lá atrás ele também foi vanguarda nisso aí. Foi grande... O Banco do Brasil é um grande operador das políticas de governo. Hoje, a produção estupenda que o Brasil tem, o cerrado brasileiro, a potencialidade que ele tem, a produtividade que ele nos apresenta hoje, tem muito a ver com o Banco do Brasil. Porque o Banco do Brasil foi operador de dois grandes programa de governo, no tempo do ministro Alysson Paulinelli, que foram o Proterra [Programa de Redistribuição de Terras e de Estímulo à Agroindústria do Norte e do Nordeste] e o Polocentro [Programa de Desenvolvimento dos Cerrados]. Esses dois programas, Proterra e Polocentro é que propiciaram o desenvolvimento do cerrado brasileiro. Eu tô falando aí de uma vasta extensão do território de Minas Gerais, tô falando da Bahia, tô falando do estado de Goiás, de Mato Grosso do Sul, tô falando de Mato Grosso, tô falando de Tocantins. O banco levava esses programas. Isso ocorreu na década de 1970 até meados da década de 1980. Naquele tempo, o Banco do Brasil tinha conta movimento, quer dizer, quando foi extinta a conta movimento, o Banco do Brasil fomentou o intelectual da caderneta de poupança rural, que hoje é uma grande fonte de financiamento, foi mais ou menos um substituto da conta movimento. Foram funcionários do Banco do Brasil que tomaram a frente, sugeriram a órgãos de governo, autoridades governamentais, para criar. E o Banco do Brasil toda vida se preocupou também com o social. Teve programas extraordinários como, por exemplo, BB Educar, Mobral [Movimento Brasileiro de Alfabetização], o Banco do Brasil teve uma participação interessante. A criação da Fundação Banco do Brasil nos últimos tempos, foi criado pelo presidente Camillo Calazans, uma coisa importantíssima. A Fundação Banco do Brasil hoje desenvolve projetos e programas maravilhosos, na área social. A transformação do Banco do Brasil num banco múltiplo, que foi uma necessidade depois da perda da conta movimento em 1986. Por exemplo, plano cruzado, o plano cruzado em 1986, do Governo Collor, que foi editado num final de semana...
P/1 – Governo Sarney....
R – Ah, Desculpa! Desculpa. Era o plano cruzado do Governo Sarney, de 1986, né? Tô confundindo. O Banco do Brasil, na segunda-feira abriu todas as suas agências, não deu nenhum problema. A questão do corte dos zeros, né? _____ problemas aí foram colegas que passaram o final de semana, a noite, pra dar condição pra o Banco abrir na segunda-feira. Plano Collor, da mesma forma. Quer dizer, assim, rapidamente, o que me ocorre lembrar. Na área do agronegócio, normalmente, as grandes novidades, as grandes criações novas, normalmente nascem lá no Banco do Brasil. O Banco do Brasil leva para os demais órgãos de governo, para as autoridades. Quer dizer, ele é um instrumento fundamental para o desenvolvimento do Brasil.
P/1 – Perfeito. Eu queria retornar um ponto, apenas pra que a gente esclareça, e ouvir a sua avaliação sobre isso, sobre a conta movimento. Quer dizer, o que é a conta movimento e o que significou para o banco naquele momento se desobrigar dessa conta?
R – Olha, tem gente que poderá falar melhor do que eu, principalmente o pessoal especialista em finanças. Mas, a conta movimento era carimbada aí pelas pessoas competentes na área de economia como uma das mazelas para o País. Na verdade, através da conta movimento o banco era quase que um emissor de moeda. Ele não tinha dificuldade de recurso. Precisava, sacava na conta movimento. Com a extinção da conta movimento, o Banco do Brasil teve que, do dia pra noite, andar com as próprias pernas. Aquelas facilidades... E o próprio governo, pra atender um ou outro setor, teve que primeiro ir buscar a origem do recurso. Muitos colegas até temiam pelo futuro do Banco do Brasil com a extinção da conta movimento. Eu acho que nós apanhamos um pouco, né? Mas, foi a partir daqui que veio a necessidade de modernizar o banco, de tornar o Banco do Brasil um banco múltiplo e aí apareceu a consciência de que o Banco do Brasil tinha que andar com suas próprias pernas. E logo, logo, a gente viu que foi importante para o país, foi muito bom a extinção da conta movimento.
P/1 – O senhor brincou que tirou um peso das costas do banco ____.
R – Tirou um peso, porque, às vezes, o banco era acusado por muitas coisas, “Ah, isso é culpa da conta movimento”. E por falar nesse assunto, talvez até saindo um pouco, mas é bom fazer alguns registros históricos, que na minha avaliação foram muito importantes para o País, que aconteceram nos últimos tempos. Por exemplo, algumas coisas que marcaram, acho que positivamente, o País e que tá propiciando que ele ganhe a cada dia melhores condições. Eu acho que a conta movimento é uma delas. Até mesmo o fracasso do Plano Cruzado, eu acho que foi importante, porque foi através daquele fracasso e tentativas de outros planos, como o Plano Verão, em 1989, Plano Collor, Plano Bresser, até que veio o Plano Real. Quer dizer, no fundo são as mesmas pessoas que fizeram. As pessoas que fizeram o Plano Cruzado foram as mesmas que fizeram, com poucas alterações, o Plano Real. Foram coisas importantes para o País. A criação da Secretaria do Tesouro Nacional, que foi criada no bojo do... Nessa época, se começou a organizar as contas governamentais, até então, às vezes, o bolso direito estava cheio de dinheiro e o bolso esquerdo, vazio. E você buscando dinheiro fora, pagando juro pra suprir o bolso de dinheiro, né? Com o dinheiro aqui no bolso direito, né? Começou a organizar. Depois veio a lei de responsabilidade fiscal, que foi, mais ou menos, como um ponto final para organizar as contas do País.
P/1 – É o Estado se organizando, né?
R – Foi o Estado se organizando. Foi importante. A conta movimento, eu acho que foi o primeiro passo.
P/2 – Biramar, vamos voltar um pouquinho. Você citou os programas, Proterra e Polocentro. Você chegou a acompanhar, diretamente, a implantação desses programas?
R – Neste tempo eu estava trabalhando em São Miguel do Araguaia. Eu era chefe de serviço lá, era chefe da Creai [Carteira de Crédito Agrícola e Industrial]. Até queria dizer que foi uma coisa importante que o Banco do Brasil teve a 50, 60 anos atrás, a Creai. O banco criou a Creai, que foi a carteira de crédito agrícola, agro-industrial. Não sei se o nome correto é esse, mas é mais ou menos assim. Naquele tempo... E nas agências tinha Creai, né? Era um setor. Eu fui chefe de serviço da Creai nesse tempo, trabalhando em São Miguel do Araguaia, no tempo auge da implantação do Polocentro e Proterra. Eram programas para o desenvolvimento, eram quase programas para o desenvolvimento do interior do Brasil. E veja como são os valores, né? Isso foi na década de 1970, eu não quero entrar no mérito não, né? Mas, na época, esses programas eram pra formar fazendas, era pra desmatar, era pra abrir o cerrado. Era para abrir áreas. Hoje nós estamos vivendo um outro contexto, que não pode abrir, que tem... Etc. Então, esses programas, às vezes, eram para montar fazendas. Na área agrícola e pecuária. Para formação de pastagem, para plantação de benfeitorias, aquisição de animas, principalmente bovinos, correção do solo, adubação intensiva. Foi aí que apareceu o uso do calcário, foi aí que apareceu o uso do fertilizante. E com esses programas vinha também a necessidade de educar o produtor rural, que tinha que colocar fertilizante, que tinha que colocar calcário pra corrigir a sua terra, para que aquela terra fosse produtiva. E na área da agricultura, porque era possível praticar agricultura ali em grande escala. E esse programa veio para desmatar, compra, financiamento de máquinas agrícolas, enfim, para a produção... Hoje eu estive... No meu tempo no banco eu fui inaugurar uma agência, um posto de serviço, lá em Nova Ubiratã, Mato Grosso. E quando chegou minha oportunidade de discursar, eu (vi?) muitos jovens e pessoas também de mais idade e ali eu fiz uma historinha pra aqueles jovens. Então, tinha gente que veio da lavoura de toco – porque as roças, as lavouras eram pequenas, todo ano se derrubava um pedaço da mata com toco. E aquela juventude não conhecia essa história, muitos agrônomos. Eu tava dizendo, se o cerrado... Eu disse na oportunidade, se o cerrado brasileiro, principalmente naquela região, estava naquele nível, naquele patamar, foi porque lá atrás, há 30 anos, tinham programas – o Polocentro, o Proterra – que abriram o cerrado. E naquele tempo, os gerentes do Banco do Brasil, com gerentes das Emater [Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural], às vezes, catequizando produtores, vendendo o programa, mostrando a facilidade, tinha prazo longo para pagar, taxas de juros adequadas. Então, aqueles programas é que tornaram o cerrado produtivo, porque há 35, 40 anos, ninguém dava valor no cerrado. E o Banco do Brasil tem um papel muito importante nisso, porque ele é que fazia a linha de frente com o produtor, era o meio campo entre o programa do governo e o produtor rural.
P/1 – Eu queria que o senhor refletisse um pouco sobre isso, em cima de toda a sua experiência na instituição. O senhor havia mencionado anteriormente isso, quer dizer, esse caráter social do banco. Não é um banco que vai ao local pra tirar resultado, mas é um banco que vai ao local pra incrementar resultados pra comunidade. Como é essa inserção comunitária do banco, na sua avaliação?
R – Foi bom tocar nesse ponto, porque o banco precisa de resultado, ele vive de lucro. Ele precisa ter o lucro, né? Mas, ele tem uma característica diferente que é de cooperação. Ele vai de parceria. É mais ou menos assim, é aquela empresa que é preocupada com o lucro do cliente, ele vive do lucro do cliente, não do prejuízo do cliente, né? Então, principalmente nessa área rural, quando ele vai para uma cidade de interior, ele tá levando programas de governo, está preocupado com seu resultado, que tem que ser positivo, mas está também preocupado com o resultado do cliente. Ele vai pra crescer junto com a comunidade. Ele não vai para uma agência... Ele não vai instalar uma agência numa cidade pra ficar lá três, quatro, cinco anos, enquanto tá dando resultado pra ele. E normalmente, no interior, o banco tem muito mais aplicado naquela comunidade do que captado. Um exemplo, se você chegar numa agência do interior, às vezes, o banco tem aplicado lá 30 milhões de reais e tem captado 10. Isso, às vezes, não acontece com banco particular. Normalmente, essa relação é inversa, ele tem, às vezes, aplicado lá, 10 e tem captado, 30. Então, é nesse sentido que eu digo. E aí, tem a participação nos movimentos sociais. Normalmente o gerente participa de um rotary participa de um sindicato, ele participa de um movimento de igrejas, está no movimento de alfabetização, ele está lá. Se os funcionários... Às vezes, um é professor aqui, outro é dirigente de um clube ali. Então, ele vai também com essa finalidade de prestar uma contribuição ao crescimento da sociedade. Isso é o banco lá do interior, que também tem uma diferença. Às vezes, é agência um pouco diferenciada da agência da capital. Minha vivência profissional no Banco do Brasil, toda vida, é ligada com o setor produtivo, então, eu tenho mais, assim, um conhecimento maior, das agências do interior, do que propriamente das agências da capital. Mas, mesmo nas agências de grandes cidades, nas agências de capital, o Banco do Brasil tem essa preocupação. Por isso, ele é um banco diferente. Eu acho que ele sabe explorar muito bem essa dualidade dele, porque ele é um banco privado e público ao mesmo tempo, é um diferencial importante.
P/1 – E que leva a sério, digamos, a sua responsabilidade social, não apenas... Também em dividir com a comunidade as suas ações. Nesse sentido, esse tipo de programa como BB Educar, a própria criação da Fundação Banco do Brasil ou o próprio papel que as AABB [Associação Atlética Banco do Brasil] têm nas cidades, revela um pouco esse caráter, digamos, mais comunitário do banco, né? Não é um negócio bancário, tem uma parte integrante da comunidade. Tá correto esse raciocínio?
R – Correto. Correto. Acho que isso aí é muito importante. É o que torna diferente.
P/2 – Bira, assim, você tava comentando dessa inserção do banco nesse desenvolvimento local. Você, quando tava lá na agência, chegou a acompanhar algum programa, algum projeto do Fundec [Fundo de Desenvolvimento Comunitário]? Assim, houve alguma intersecção entre o Proterra, o Polocentro com o Fundec, ou não?
R – No tempo do Fundec, eu estava em agência, mas não tinha contato. E logo eu vim para Brasília, né? Fundec, depois teve o Mipem [Programa de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte] programa da mini e pequena empresa, que também foi uma criação do Banco do Brasil. Eu não tive muito contato com o Fundec. Logo, logo, vim para Brasília, era um outro setor que eu tocava. Que também foi um programa importante.
P/1 – O senhor se referiu aos planos econômicos e ao papel que o banco desempenhou nessas transições, que, aparentemente, teriam tudo pra ser traumáticas, né? E finalmente desembocou, em 1994, no Real, que, enfim, domou a inflação. Como o banco viveu esse processo da espiral inflacionária pra um momento em que o mercado já não se ganhava no caixa, quer dizer, muitos bancos tinham resultado financeiro apenas por conta da grande taxa de inflação mensal, né? Como o Banco do Brasil se comportou nessa transição da espiral inflacionária para a estabilidade?
R – O banco começou a se preparar com muita antecedência, né? Com a extinção da conta movimento, com o Plano Cruzado, nós tivemos uma lição. E o banco ali já fazia cenários. O banco sempre teve uma consultoria técnica muito forte, né, de colegas, de alto valor profissional. A Cotec (Consultoria Técnica do banco) era encarregada de fazer esses estudos. Então, a Cotec, muito antes do plano de estabilização, já fazia cenários e fazia simulações do que o banco precisava, digamos, pra conviver com uma inflação de 10% ao ano, 20%, 30%, 50%. Enfim, o banco não foi pego de surpresa, até porque eu me lembro, em pequenas discussões, assim, de happy hour, com colegas lá da área financeira, de comentarmos algumas coisas – o que o banco precisava ter para o momento de estabilidade, questão de spreads, né? Acho que o banco se preparou com antecedência. Embora, né, o banco tenha passado, nesse período de 1996 a 2000, 2001, por um processo de fortalecimento. O governo federal fez uma injeção maciça de recursos no Banco do Brasil, que foi em decorrência desse processo todo.... A dificuldade que a clientela passou, em decorrência, né? Eu poderia resumir que aquilo ali foi uma necessidade que decorreu de Plano Cruzado, Plano Verão, Plano Bresser, Plano Collor I, Plano Collor II, Plano... o próprio Plano Real, né? Eu me lembro que na época, o Banco do Brasil, junto com algumas autoridades governamentais, fez um estudo que mostrou que o banco precisava ter um colchão de liquidez X, pra suportar o Plano Real, se ele fosse exitoso. Então, eu poderia resumir dizendo o seguinte: o banco se preparou com antecedência.
P/1 – Certo, se preparou pra não ser pego de “calças-curtas”, né?
R – Exatamente.
P/1 – Senhor Bira, como se deu o seu afastamento do banco? O senhor viveu tanto nele, quer dizer, participou por tantos projetos e tantas ações, como foi sair do banco, como foi que essa decisão apareceu?
R – Primeiro, o seguinte, é dinâmico, né? O processo é dinâmico. E chega um determinado nível de comissão... Cargo de confiança é cargo de confiança. Eu sempre pensei em ficar no banco até uns 30 anos de serviço. E o banco tá sempre ligado às questões políticas. Cada mandato governamental é normal trocar o comando do banco, né, principalmente os estatutários. Então, em 2002, eu era diretor estatutário. E chegou o governo... Houve uma troca em quase todas as estatais, então, foi um processo natural, né? Então, eu era diretor estatutário e tinha a chance de continuar no banco, ocupando outros cargos. Tive vários convites, poderia ser superintendente no estado... E aí, tive o convite do Ministério da Agricultura, do ministro Roberto Rodrigues, pra vir como assessor especial. Aí, eu vim como assessor especial, cedido pelo banco, em 2003. Quando foi em dezembro de 2004, o Ministério da Agricultura passou por uma reformulação, e o ministro Roberto Rodrigues me convidou pra ser diretor desse departamento, no qual eu estou até hoje. Pra ser diretor eu tinha que romper as relações empregatícias com o Banco do Brasil. Aí, melhorava um pouquinho o salário. Então, o que eu fiz? Aposentei no dia 31 de dezembro, 2004, e no dia 2 de janeiro já estava tomando posse nesse departamento. Eu já estava no Ministério da Agricultura. Agora, foi um trauma muito grande pra mim, de novo, o rompimento desse contrato. Eu me lembro que só fui contar pra minha mulher que tinha aposentado do banco um mês depois. Um mês depois. Porque eu pensei que, de repente, eu pudesse me arrepender, porque eu estava bem, eu poderia continuar como assessor do ministro, vinculado ao banco. Mas, tudo tem seu ciclo, né? Tudo tem um fim. A gente não vai ficar o tempo todo exercendo a mesma atividade, né? Mas, eu, quer dizer, me sinto ainda no banco e costumo até dizer que a gente... Eu gosto muito do Banco do Brasil, amo o Banco do Brasil. Foi muito importante na minha vida, como eu já falei, na vida da minha família. Mas, eu acho que a gente passa a gostar muito mais do banco depois que sai, do que antes, né? [risos] Porque nós dependemos do sucesso do Banco do Brasil, né? Nossa aposentadoria depende do sucesso do Banco do Brasil. Agora eu já rompi esse trauma, que foi desligar do Banco do Brasil, com uns 30 ou 40 dias depois. Hoje, eu me sinto ainda vinculado ao Banco do Brasil. Mas hoje o que eu quero, né, é torcer para que quem está lá continue tendo êxito nas atividades e quanto mais forte ficar o Banco do Brasil, melhor pra mim, porque o tempo vai passando, eu vou ficando velho. Cada dia que passa eu dependo mais do sucesso do Banco do Brasil, que garante a minha aposentadoria, ele, com a Previ [Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil].
P/1 – O departamento ao qual o senhor tá vinculado no Ministério da Agricultura, qual é?
R – Departamento de Infraestrutura e Logística do Agronegócio. Quer dizer, continuo...
P/1 – No mesmo ramo?
R – No mesmo ramo.
P/2 – Bira, como você avalia sua trajetória no Banco do Brasil? Assim, quando você se aposentou, até mesmo... Até esse momento, né? Como você disse, você se sente ainda do Banco do Brasil. Como você avalia sua trajetória, de quando entrou lá na agência de Morrinhos até a sua chegada aqui em Brasília e sua aposentadoria.
R - Muito exitosa. Muito mais do que eu merecia, muito mais do que eu imaginei quando entrei. Devo a isso aos meus colegas, que me ajudaram muito esse tempo todo. Eu não quero citar nomes aqui, se não nós vamos ficar um bom pedaço da tarde citando nomes. O cidadão que nasceu lá no interior de Goiás, no Rancho de Folhas, filho de um barbeiro e de uma costureira, que entra para o Banco do Brasil, com o grande sonho de um dia ser apenas escriturário, chegar a diretor estatutário, algumas vezes substituindo o vice-presidente, eu acho que foi uma carreira brilhante. Eu devo isso às pessoas, com as quais tive a honra, o privilégio e a satisfação de trabalhar, não à minha competência. Eles é que me propiciaram essa carreira, que eu acho que é exitosa. São muito poucos que entram lá pelo interior e tem a chance de chegar onde eu cheguei. E acima de tudo isso está o apoio da minha família, minha mulher e meus filhos, que me deram o esteio pra durante esse tempo todo ter uma dedicação integral ao Banco do Brasil. Quer dizer, eu nunca levei um filho ao médico, nunca fui a uma escola, minha mulher se encarregou de fazer tudo isso. Com muito sacrifício, eu sei disso. Tenho três filhos maravilhosos, um já iniciando a carreira profissional na área de advocacia, minha menina fazendo Direito, o caçulinha... Comecei tarde, né? O caçulinha enfrenta vestibular agora no final do ano e minha mulher é que tomou conta disso o tempo todo e me deixou por conta do Banco do Brasil. E Deus, né? Agradecer a Deus, porque sem ele eu acho que isso não teria acontecido. Deus foi muito bondoso comigo, é bondoso comigo, não só na área profissional, como também na área familiar. Percorri esses 34 anos no Banco do Brasil sem nunca ter tido o menor problema, sem nunca ter perdido sequer dez minutos de sono, sem nunca ter que levar pra casa um papel pra arquivar pensando em coisa do futuro, levei sim muitos papeis, mas para trabalhar, para estudar, pra trazer a resposta no dia seguinte. O Banco do Brasil foi pra mim um local onde me senti descansado. Eu nunca saí do Banco do Brasil cansado, nem nunca cheguei cansado. Eu consegui durante esse tempo todo trabalhar com alegria e eu acho que eu consegui transmitir essa alegria e esse entusiasmo para os meus superiores e para as pessoas que pertenceram às equipes das quais eu participei. Costumo dizer que a gente não faz nada sozinho. Eu nunca fiz nada para o Banco do Brasil, nunca criei nada para o Banco do Brasil, apenas participei de equipes que ajudaram a construir o que esse banco é hoje. Apenas tive uma pequena ajuda e sempre estive disposto a ajudar. Eu no Banco do Brasil fui, mais ou menos, sem saber, mas hoje eu acho que fui mais ou menos aquele construtor descrito naquele livro O Monge e o Executivo. Acho que um pouco disso.
P/2 - E o senhor tem, assim, dentro da sua trajetória, algum causo, alguma história que tenha sido engraçada ou pitoresca, nesse período que você esteve lá no Banco do Brasil?
R - Muitas.
P/2 - Conte uma. [risos]
R - Muitas histórias. Eu vou contar uma. Pitoresca, né? Já trabalhando aqui na Diretoria de Crédito Rural, um dia teve um anúncio de uma bomba. O prédio precisou de ser evacuado porque poderia ter uma bomba lá. Qual foi a história dessa bomba? O nosso chefe do gabinete, o Paulo Lot, que já mencionei o nome dele, uma pessoa que eu nunca vi ninguém conduzir um gabinete com tanta maestria. Se perguntar pra mim um exemplo de uma pessoa que sabia conduzir bem um gabinete, eu diria pra você que Paulo Lot é essa pessoa, se eu tivesse que citar uma. Ele determinou a um colega lá que de tanto em tantos minutos passasse num determinado setor e levasse os papeis pra mesa dele. Porque ele não deixava nada na mesa, era muito diligente nos despachos. E esse colega esquecia, começou a demorar. Um dia, o Paulo teve uma conversa mais séria com ele. Ele foi, então, e comprou um despertador. E programou o despertador para de tantos em tantos minutos dar um sinal lá, de 15 em 15 minutos. E ele pedia pra o menor estagiário levar os papeis lá pro Lot. Um dia, foi almoçar e deixou esse despertador trancado na gaveta. E daí a pouco o despertador deu o alarme e alguém, que não sabia da história, ficou preocupado. O fato é que chamaram a Polícia Federal e o corpo de bombeiros, porque tinha uma bomba no banco. Aí, quando alguém abriu a gaveta, era o Mendonça que tinha colocado o despertador. E teve uma outra também, na diretoria, que aquele santo bem recomendado, né? Um papel... O diretor assinou um papel que tinha que ser entregue a algum ministério com urgência, aquele papel não podia sumir de jeito nenhum, não podia tirar cópia. E muitas recomendações. E ali do 14˚ andar do Edifício Sede III, o colega vem com o papel assinado, brincando, né? E a janela estava aberta e lá pelas tantas o papel escapou da mão dele e foi parar lá no térreo. E ele ficava gritando pra alguém apanhar o papel e olhando onde o papel caía. Isso foram coisas, assim, muito interessantes. Eu tenho muitas histórias dessas e a gente passaria uma tarde contando.
P/1 - Tá certo. De todo mundo, o que tá faltando aqui, por enquanto, é o nome da sua senhora, que, afinal de contas, foi uma abnegada por aguentar aqueles 11 anos atrás, lá atrás e depois, por sustentar toda essa retaguarda que o senhor mencionou há pouco. Como é o nome dela?
R - Enídia Aparecida Bueno Nunes de Lima, carinhosamente chamada por mim e por todos da família de Nidinha.
P/1 - Nidinha. E seus filhos, o nome deles?
R - É Carlos Eduardo, é o mais velho; Laura e Vagner.
P/1 - Senhor Bira, já encaminhando para o fecho dessa conversa, eu queria que o senhor refletisse também sobre esse momento que o banco tá passando hoje, são 200 anos, quer dizer, o que significa recuperar essa história? O que é que significa resgatar esses dois séculos projetando pra o futuro? Como é que o senhor vê isso, já que o senhor tem uma relação tão intensa com o banco?
R - É um momento excepcional, realmente digno de comemoração. São poucas empresas no mundo que atingem uma idade dessas, né? E ao mesmo tempo uma responsabilidade muito grande para a nova geração. Quer dizer, se essa empresa chegou a 200 anos é resultado de trabalho de muitas e muitas gerações, desde a sua fundação. E essa geração que está vivendo esse momento... Aliás, o banco passa por um momento excepcional, que digam os balanços que são publicados. Uma responsabilidade muito grande nessa nova geração para entregar o bastão para outras gerações, para que daqui a pouco a gente tenha a mesma alegria e possamos estar comemorando os 300, os 400 anos. E, de novo, é até emocionante a gente fazer parte desses duzentos anos que passaram.
P/1 - O que significa pessoalmente pro senhor, assim, lá no fundo da sua alma?
R - Tenho que pensar.
P/1 - Ser parte disso?
R - Ser parte do contingente de pessoas que carregou esse bastão até aqui e agora ser parte, ser uma das pessoas selecionadas para fazer algum depoimento, ter participado do corpo diretivo dessa instituição é uma emoção tão grande que, às vezes, até inibe minha cabeça de expressar o que sinto, de expressar... Acho que eu não consigo aqui encontrar palavras que pudessem, de fato, dizer o que minha alma, o que o meu coração sente. Acho que eu não consigo. Acho que são poucas pessoas que têm o privilégio de ter feito parte de uma empresa que tem duzentos anos. Isso inibe um pouco a minha cabeça, não consigo buscar palavras que expressem o que eu sinto.
P/1 - Perfeito. E o que é o futuro, senhor Bira?
R – Peraí... _______ o futuro do banco, o futuro, o futuro ______?
P/1 - O futuro seu, o futuro do banco, o que o senhor pensa do futuro? Como o senhor está enxergando, o que é que o senhor vê daqui pra frente, sem lhe pedir nenhum exercício de futurologia.
R - Eu vou dizer aqui algo que eu aprendi com minha avó, que era completamente analfabeta. O futuro é sempre o melhor. A vida nossa só melhora. Se nós olharmos pra trás, a vida de todos nós só melhorou, apesar das dificuldades, dos embaraços, das pedras, né? Então, o futuro é a vida melhor.
P/1 - Haveria alguma coisa que o senhor gostaria de ter dito e não lhe foi perguntado, não lhe foi provocado a dizer?
R - Certamente, eu queria dizer muito mais. Eu vou te dizer que há três dias que eu tenho dormido pouco pensando nessa conversa nossa aqui, pensando na minha responsabilidade, né? Essa noite eu acordei algumas horas. Interessante que nenhum problema que eu tive no Banco do Brasil, nenhum caso difícil me fez perder sono. Mas, essa nossa conversa me fez perder sono nos três últimos dias, pensando no que deveria falar, tentando lembrar de coisas importantes da minha vida, coisas importantes da vida do banco. E te confesso que acabei tendo um bloqueio. Talvez, se voltasse aqui amanhã, depois, um outro dia, eu me abrisse muito mais, tivesse muito menos dificuldade do que tive hoje em função desse bloqueio. É muita coisa pra mim, isso que tá acontecendo.
P/2 - Mas, foi ótimo ______.
R - Muita coisa.
P/1 - Talvez, o senhor esteja se exigindo um pouco demais, porque aqui a nossa avaliação é que o seu depoimento foi apenas maravilhoso.
R - Obrigado.
P/1 - Eu queria que o senhor me dissesse, pra encerrar, o que o senhor sentiu dando esse depoimento? O que significou isso pra o senhor, o que achou ter participado disso?
R - Um privilégio que eu não mereço. Essa distinção é um privilégio que eu não mereço. Mas, eu me sinto muito feliz e certamente, minha família também, todos nós ficamos muito honrados com esse convite de vocês.
P/1 - Nós é que temos a agradecer ao senhor.
R - Obrigado.
P/1 - Muito obrigado.
R - Eu que agradeço.Recolher