P1 - Boa tarde, Marco Aurélio! Tudo bom?
R - Boa tarde, Rosana. É uma satisfação enorme falar e para um arquivo, para o amanhã, para a memória do país, ao Museu da Pessoa.
P1 - Muito obrigada! E muito obrigada por ter aceitado nosso convite. Com certeza vai enriquecer muito o nosso acer...Continuar leitura
P1 - Boa tarde, Marco Aurélio! Tudo bom?
R - Boa tarde, Rosana. É uma satisfação enorme falar e para um arquivo, para o amanhã, para a memória do país, ao Museu da Pessoa.
P1 - Muito obrigada! E muito obrigada por ter aceitado nosso convite. Com certeza vai enriquecer muito o nosso acervo. E a gente vai fazer de tudo para disseminar essa história para o maior número de pessoas possíveis. Bom, vou começar de uma forma, uma maneira muito clássica, perguntando qual é seu nome completo, local e data de nascimento.
R -
Marco Aurélio Mendes de Farias Mello. Sou carioca, carioca da gema... E torcedor do Flamengo, isso é muito importante! Nasci no dia 12 de julho, e, portanto, sou canceriano, do ano de 1946. E sempre alimentei minha vida, busquei em minha vida, atuar com entusiasmo, dando o melhor de mim.
P1 - Marco Aurélio, seus pais são do Rio de Janeiro também, seu pai e sua mãe?
R - Minha mãe sim, filha de português e meu pai é alagoano, mas de Alagoas foi para o Rio muito cedo, porque, naquela época, era comum mandar o filho para a capital da República. Então ele chegou no Rio de Janeiro aos dezesseis anos e só retornou à Alagoas muitos anos depois, mesmo assim, em visita apenas, radicado no Rio de Janeiro.
P1 - Vamos falar um pouquinho do lado da família da sua mãe e do seu pai. Como é o nome do seu pai?
R - Plínio Affonso de Farias Mello. Minha mãe, Eunice Mendes de Farias Mello.
P1 - E seu pai nasceu em Alagoas, em qual lugar?
R - Nasceu em Marechal Floriano, que é um município próximo a Maceió.
P1 - Seu avô paterno, você conheceu?
R - Não, não conheci meu avô paterno. Meu avô paterno era senhor de engenho e com uma vida radicada em Alagoas, não tivemos contato. Como eu disse, meu pai foi muito cedo para o Rio de Janeiro e não retornou a Alagoas a não ser posteriormente, já aos cinquenta e poucos anos de idade.
P1 - Com quantos ele... Quantos anos seu pai tinha quando ele morreu?
R - Oitenta e quatro anos, e faleceu depois de uma vida muito intensa: um empreendedor, um profissional da advocacia.
P1 - Mas o que que ele te contava da história desse desse seu avô que foi senhor de Engenho? Que histórias ele te contava?
R - Contava que a vida era ligada à natureza - acima de tudo, ligado à natureza -, e o meu avô, Manoel Affonso, ele tocava a plantação de cana para se fazer o açúcar. Naquela época, não se cogitava ainda do álcool, era mais açúcar.
P1 - Ele tinha empregados, era uma fazenda? Você sabe como é que era? Você viu fotos?
R - Tinha, era fazendeiro. Tinha uma fazenda bem, assim, longa, grande e vivia minha avó cuidando dos filhos, né, já que ele teve muitos, cerca de dez filhos.
P1 - Conta como era essa convivência na casa com dez filhos. Ele conta isso?
R - É interessante, porque se nós observarmos, né, nós tivemos, assim, um progresso - eu acredito que tenha sido um progresso enorme - considerando a convivência com os filhos. Naquela época, havia um distanciamento maior. Praticamente, a mãe, que era a dona do lar, era quem cuidava dos filhos.
P1 - Seu pai, ele sai de lá em que... Ele conta se ele era enérgico? Como que era o temperamento dele, como é que foi a educação dele?
R - Eu trabalhei com ele nesse “ei de calça curta”, trabalhando. Ele tinha imobiliária e tínhamos, portanto, duas relações: a relação sentimental e a profissional. Mas a vida inteira [eu] me referia a ele como o Doutor Plínio, tanto que eu aludia muito ao Doutor Plínio na casa do meu sogro e uma vez meu sogro perguntou a minha futura mulher quem era o Doutor Plínio, e ela disse: “É o pai dele”. Então havia um sentimento até mesmo de respeito muito grande e bastava papai olhar; ele jamais tocou num filho para orientá-lo desta ou daquela forma, ele orientava mediante o exemplo. Dava o exemplo: teve dedicação ao trabalho e responsabilidade, portanto, no dia a dia.
P1 - Por que ele decidiu sair de Alagoas e vir para o Rio de Janeiro?
R - Era comum nas grandes famílias em Alagoas, e em outros estados também, se deslocar os filhos para a capital da República - e aí era o Rio de Janeiro - e ele foi para o Rio de Janeiro como o filho mais novo da família. E já tínhamos um tio... Ele tinha, portanto, o irmão já radicado no Rio de Janeiro e cuidando de inúmeros negócios. Refiro-me ao Senador Arnon de Mello, que é pai do ex-presidente Fernando Collor de Mello.
P1 - Ele era tio do senhor?
R - Tio. Mas como eu disse, nós não tínhamos um contato maior, né, porque tinha o Arnon cuidando dos próprios negócios, vivenciando a política e meu pai era um pouco afastado da política, jamais se dedicou, jamais buscou cargo eletivo.
P1 - Vamos falar um pouco... E em relação à sua mãe: os seus avós vieram de Portugal, você falou. Tanto a avó quanto o avô?
R - O meu avô veio de Portugal. Minha mãe trabalhava na época quando conheceu meu pai, no estabelecimento bancário, mas também tínhamos como cultura da época a mulher cuidar da casa, não trabalhar fora. Não havia igualdade. Eu penso que hoje já reina essa igualdade, considerados os gêneros homem e mulher.
P1 - Que [é] que você sabe da história de seus avós, eles imigraram quando? Foram direto para o Rio de Janeiro?
R - Eu confesso que recentemente busquei até a cidadania portuguesa, que muito me honraria, mas não consegui lograr essa cidadania porque não descobri onde meu avô nasceu. E quando ele nasceu, não havia cartório de registro de pessoas naturais, o registro era feito na paróquia, ou seja, na igreja, e eu não consegui localizar o lugar onde ele teria nascido, por isso não logrei a cidadania portuguesa. Mas me considero de coração um cidadão português.
P1 - Chegou a conviver com seus avós maternos?
R - Sim, lembro-me que tínhamos contato. Ele, [meu avô], era muito atencioso, né, e [dava], era um chocolate, era uma bala, né? E uma postura, também, exemplar. Era o Senhor Mendes.
P1 - Você sabe como seu pai e sua mãe se conheceram no Rio de Janeiro?
R - Não, exatamente não sei, mas foi um casamento duradouro, como é o meu casamento. Faria agora no próximo dia primeiro de julho, cinquenta anos de casado e com a mesma mulher! (risos) Há pessoas que já estão no terceiro, quarto casamento; eu estou na primeira. Aliás, há algo interessante, que nós nos conhecemos na Faculdade Nacional de Direito (FND/UFRJ) e eu até brinco que nós casamos no “quarto”. Agora devo explicar: no quarto ano, naquela época, era ano da Faculdade Nacional de Direito. E aí vingou o amor, vingou o entendimento, a compreensão, a temperança e, acima de tudo, o respeito mútuo. Ela é minha colega, também juíza.
P1 - Marco Aurélio, quando o seu pai e sua mãe casaram, onde é que eles foram morar no Rio de Janeiro?
R - Pois é, era tudo muito difícil para eles. Depois ele construiu um patrimônio graças ao trabalho. Morou inicialmente no Grajaú, né, que era um local mais no interior do Rio de Janeiro, mudando-se posteriormente para Jacarepaguá e após para Tijuca, visando o estudo dos filhos.
P1 - Vocês são quantos irmãos?
R - Somos cinco. E aí quatro são bacharéis de direito e um médico, que é o cardiologista, o mais novo.
P1 - E você é qual nessa escadinha?
R - Eu sou o segundo. Tem o mais velho, que tem o nome do meu avô paterno, Manoel Affonso, e eu sou o segundo. Depois vieram as duas moças, a Lúcia Anita. Lúcia e Anita: Lúcia, minha avó paterna e Anita, minha avó materna. Lúcia Anita, portanto. E a Eunice, que tomou o nome de minha mãe.
P1 - E quando você nasceu, onde que vocês moravam? Na Tijuca já?
R - Não, morávamos ainda no Grajaú e depois fomos para Jacarepaguá. E Jacarepaguá, naquela época, era roça praticamente. Não era a Jacarepaguá de hoje, próximo a Barra da Tijuca. Moramos em um sítio e isso me proporcionou um contato com a natureza. E eu penso que no contato com a natureza está também o aprimoramento da sensibilidade.
P1 - Quantos anos você tinha quando você foi para Jacarepaguá? Essa lembrança que você tá tendo, você tinha quantos anos?
R - Não, eu era criança, devia ter três, quatro anos de idade. Moramos lá quase todo período e só me mudei para Tijuca já cursando o ginásio ou talvez até o científico. E eu não fiz o científico, porque meu pai queria um... Eu não fiz o clássico, fiz o científico. Papai queria um engenheiro na família e eu cursei o científico [por causa disso], mas desde o início eu queria ser como ele, profissional da advocacia, e tanto quanto possível também porque ele era advogado do Banco do Brasil, esse grande estabelecimento que nós temos.
P1 - Voltando um pouquinho: em Jacarepaguá, quais outras lembranças você tem desse seu convívio com a natureza? Como é que era a casa, como é que era sua casa lá?
R - Era um sítio e, praticamente, nós tínhamos as frutas do próprio sítio. Como eu disse, naquela época tudo era muito mais difícil e meu pai sempre teve uma vida empreendedora, uma vida, portanto, econômica, voltada aos negócios.
P1 - Havia outras crianças lá, tinha outras crianças lá com quem vocês brincavam? Quais eram as brincadeiras de infância?
R - Pois é, as brincadeiras da época, não tínhamos a série de brinquedos que nós temos hoje e aí, evidentemente, improvisávamos, né? Eu nunca fui em termos de atuar muito próximo a bola em si, meus irmãos eram, mas havia muita coisa para distrair a criançada. E convivíamos não só com os filhos dos caseiros, como também com filhos de vizinhos.
P1 - E quais, que tipos de brincadeiras eram? Já que você não jogava bola.
R - Olha, era interessantíssimo porque havia a subida nas árvores, havia o esconde-esconde e brincadeiras inocentes, né, que são muito positivas.
P1 - Como que era o convívio na sua casa com seu pai e com sua mãe? Quem que exercia a autoridade?
R - A autoridade maior era dele. Como eu disse, bastava um olhar para nós observarmos o que ele pensava. Minha mãe é que tinha um contato maior conosco, e sempre muito carinhosa, nos orientando e buscando a boa convivência, um entrosamento, a integração.
P1 - Você teve algum tipo de educação religiosa?
R - Eu sou católico de batismo, mas não tínhamos a prática de frequentar em si a igreja. Agora, eu costumo dizer que é importante você ter fé e, iniludivelmente, é uma força universal que norteia a nossa convivência.
P1 - Política se falava na sua casa?
R - Como?
P1 - De política se falava na sua casa?
R - Não, não se falava de política porque, como eu disse, ao contrário de meu tio Arnon, papai não se dedicou à política.
P1 - Comentava, assim, sobre a situação do país, sobre tal presidente, alguma coisa do gênero?
R - Muito pouco se falava sobre política. Naquela época, havia uma separação maior. E a garotada não acompanhava o dia a dia da política brasileira.
P1 - Quais eram… Na sua casa tinha, assim, comemorações, tipo, Páscoa, Natal? Que datas que vocês comemoravam, aniversário?
R - Comemorávamos aniversário, as festas de junho e julho e também o Natal, a passagem do ano inclusive, mas a comemoração maior estava ligada aos aniversários. E papai recebia por vezes pessoas aos domingos com uma feijoada.
P1 - E tem um evento, assim, que tenha te marcado, que tenha acontecido alguma coisa que você lembra?
R - Eu comecei desde cedo a trabalhar, a trabalhar buscando vender lotes em loteamentos feitos pelo meu pai e lembro-me que na Região dos Lagos - que era a Região dos Lagos naquela época, não estava como hoje -, nós tínhamos um loteamento. Quando estacionava na praia um carro, eu ia com as pastas com as plantas oferecer lote e oferecia o lote em cem prestações mensais, sem juros e sem correção monetária. E consegui fazer àquela época o sentido econômico da vida: uma carteira de comissões; chegando posteriormente até mesmo [a] gerenciar essa carteira, adquirindo uma diminuição, evidentemente, no valor, o que ontem os corretores tinham para receber junto à imobiliária. A Santa Lúcia começa a indústria que nós já alienamos.
P1 - Quantos anos você tinha?
R - Ah, eu tinha nessa época… Comecei a ir para Região dos Lagos com cinco anos de idade, mas devia ter oito, dez, doze anos. Lembro-me, inclusive, que para os carros pararem na Amaral Peixoto, que é a rodovia, nós tínhamos uma barraca onde vendíamos cocos. E aí havia a pessoa que abria o coco em si e nós outros, que estávamos lá, oferecíamos, convidávamos o cidadão para conhecer o loteamento.
P1 - E aí você se mudam, depois de Jacarepaguá, e vão para Tijuca. Como é que foi essa mudança? Como é que foi essa chegada na Tijuca? Como é que era a Tijuca naquela época?
R - Saímos, praticamente, do mato para a cidade, né? Jacarepaguá, lembro-me que na Gabinal, que era a estrada onde tínhamos um sítio, nós íamos até o Largo da Freguesia a pé e numa estrada de barro para pegar o bonde, chegarmos ao colégio, que era o Colégio Souza Marques, né? E adorávamos essa vida. Como eu disse a você, gratifica muito a pessoa o contato com a natureza, o contato com as coisas que para alguns são pequenas, mas que tem um valor maior.
P1 - E como é que era sua casa lá? Vocês moravam já... Eram em cinco. Quantos quartos tinha, como é que vocês se dividiam?
R - Olha, era uma casa grande - papai conseguiu construir -, cada qual tinha o seu quarto. E papai… Aquela época, a casa era avarandada, tinha gaiolas com passarinhos. Hoje, por exemplo, eu continuo a tratar de passarinhos, mas os meus passarinhos são soltos. Tem algumas em árvores, assim, baixas, pedras ardósia, nas quais eu coloco não só um pedaço de banana, um pedaço de mamão e uma mistura que eu faço de milho picado, alpiste, girassol, então os periquitos chegam, os passarinhos em geral. Eu moro em Brasília e cheguei em Brasília muito cedo, cheguei em 1981, num verdadeiro sítio, que hoje eu não poderia pensar em adquirir, numa propriedade a dez minutos do tribunal onde eu trabalhei com a terceira ponte, né, e que tem doze mil metros quadrados, mais uma hora área verde enorme. Tanto assim que eu mantenho ainda aqui em casa uma vaquinha que é mestiça, que nos dá o leite, nos dá o queijo - que a secretária faz, a Moura, que nos trata muito bem. E a coalhada, que eu gosto muito, né? Quer dizer: isso, eu acho que tem uma valia, uma importância enorme. Eu tenho um apartamento no Rio de Janeiro, que eu fui comprando e trocando, e tenho um bom apartamento no Rio de Janeiro, na Barra da Tijuca, onde mora minha filha, que é médica, para qual eu bato continência porque é capitã médica bombeira, a cirurgiã. E, no entanto, a minha base mesmo será sempre será Brasília, porque eu gosto desse contato, como eu disse, com a natureza e, felizmente, minha mulher também aprecia a natureza.
P1 - Marco Aurélio, qual é a primeira lembrança que você tem da sua entrada na escola?
R - Qual é a lembrança que eu tenho, Rosana?
P1 - Quando você entrou na escola, você entrou com quantos anos?
R - Eu comecei muito cedo no jardim de infância, né, e confesso que na época não queria sair do jardim de infância, não queria progredir em termos de escolaridade, (risos) mas tive que progredir. E a professora, que ainda me lembro o nome, Gessi, era um amor de criatura e nos tratava, assim, como uma verdadeira mãe, com muito carinho.
P1 - E depois, quando você foi para Tijuca, o que mudou? Você tem alguma professora, assim, do primário, que tenha te marcado, que você lembra dela e [o] porquê que ela te marcou?
R - Não, os professores em geral sempre houve da minha parte uma grande admiração. E no Brasil, nós precisamos voltar os olhos para esse segmento profissional, porque o progresso depende da educação. E aí mantinha-se sempre disciplinado, a disciplina vinha da própria casa, da convivência com meus pais. Eu sempre fui muito aplicado no dia a dia escolar.
P1 - Você gostava de ir para escola, que que você mais gostava lá?
R - Gostava e lembro-me que quando frequentava… Depois, já no ginásio não, mas
quando frequentava o Souza Marques, em Cascadura, que também é uma localidade do Rio de Janeiro, íamos de bonde até o colégio, eu levava de casa o meu sanduíche com pão, com manteiga e com uma fatia de queijo, né? E aí íamos e aguardávamos a época das provas, fazíamos as provas e fui progredindo, né, em termos de conhecimento, em termos de formação.
P1 - Quem eram os seus amigos, você tem amigos daquela época ainda?
R - Não, os amigos realmente ficaram para trás porque vim para Brasília e quando eu vim para Brasília, vivia sozinho com a minha mulher, tínhamos as três filhas - até então ainda não tinha nascido o Eduardo Affonso, [nosso filho] -. Viemos sozinhos. A minha mais velha, que hoje é juíza no Rio, no Tribunal Regional Federal da 1ª região, Rio de Janeiro, tinha seis anos de idade; a mais nova, que hoje é procuradora aqui no Distrito Federal - e eu uma vez eu me referi que seria procuradora do governo do Distrito Federal, ela disse: “Do governo, não! Eu sou procuradora do Distrito Federal” -, ela tinha seis meses de idade. Hoje ela é mãe das três adoradas netas que vivem em Brasília e todo final de semana estão comigo aqui em casa na nossa piscina aquecida, aquecimento natural mediante placas solares.
P1 - Ministro, e na juventude, como é que foi sua juventude? Que lugares você frequentava?
R - Pois é, a juventude em si, [era] o contato, como eu disse, com os irmãos e com os filhos dos vizinhos. E só quando nós mudamos para Tijuca é que começamos a frequentar os denominados bailes. Aliás, é um detalhe: íamos para a Região dos Lagos e havia um clube em Araruama - que é um município do Rio de Janeiro -, [o] clube de xadrez, quando se tinha a tarde dançante. E eu comparecia a essas tardes dançantes, e era muito saboroso, né, o que ocorria no âmbito do clube.
P1 - Que que acontecia no âmbito do clube? O que que tocava, quais eram as músicas?
R - As músicas… Pois é, daquela época, músicas que permitiam dançar e dançar de uma forma diferente do que se passou a dançar posteriormente, porque dançavam realmente pelos braços, ao par, e rosto coladinho de preferência. (risos)
P1 - E você lembra quem eram os músicos da época, as cantoras?
R - Não, o clube às vezes tinha conjunto [musical] tocando, mas quase sempre era o disco e nós íamos pedindo: músicas nacionais, músicas francesas, né? E passávamos à tarde, aos sábados e domingos, nesse clube.
P1 - E a Tijuca, como é que era naquela época?
R - A Tijuca era muito tranquila. Fui morar na Professor Gabizo inicialmente, né? E próximo a Professor Gabizo havia um grande hospital, que era o Hospital Gaffrée e Guinle, que aquela época não era destinado apenas a um certo tratamento, era hospital geral, né? E se tinha também locais, clubes, mas não havia uma frequência maior. A nossa dedicação era ao lar e aos estudos, e a ida ao colégio na parte da tarde e à noite ficávamos mesmo em casa.
P1 - Como é que era a sua relação com seus irmãos em casa? Como é que era esse convívio?
R - O convívio era um convívio ameno, um convívio muito afetivo e atuávamos, claro, com o irmão mais velho, com as irmãs e com mais novo, o (Claudebert?), brincando na própria casa, já que era um casarão. A casa na Professor Gabizo era muito grande. Não eram apartamentos, né?
P1 - E quais eram os “points”? Tinha “points” na Tijuca? Você ia para outros lugares passear? Quais eram os seus locais de passeio no Rio de Janeiro?
R - Não, não havia. Na Tijuca, saímos muito pouco. Comecei a sair mais quando ingressei na Nacional de Direito. Aí, mesmo assim, ia até Ipanema pra tomar um sorvete, né, com a namorada e com o carrinho, com o fusca, da época e era algo muito agradável. Era uma vida um pouco mais espontânea, menos fictícia do que a vida atual.
P1 - Você ia à praia?
R - Sim. Aí tinha a praia; na Região dos Lagos, a Lagoa de Araruama era uma beleza. Mas íamos também - quando eu comecei, principalmente, a namorar a Sandra, a minha mulher -, nós subíamos o Alto da Boa Vista para irmos à praia na Barra da Tijuca, que era um local totalmente deserto na época, não tinha os prédios que tem hoje.
P1 - Marco Aurélio, você tinha alguma coisa já dentro de você, assim, aquele pensamento que a gente tem na pré-adolescência: “Quando eu crescer, eu quero ser tal coisa”? Você tinha essa inquietação?
R - Eu visava quando principalmente fiz Hélio Alonso, que foi o cursinho para o direito, ser advogado, como eu disse, como meu pai. E meu pai, antes, queria que eu fosse Engenheiro. Mas, jamais me imaginei julgador, jamais me imaginei assumindo uma cadeira de juiz. E olha que acabei vindo a assumir e ficando nela durante 42 anos, em colegiado julgador; e busquei nesse período todo - porque sempre estive na linha de frente, fazendo, portanto, votos e decisões -, conciliar lei, direito e justiça, busquei proporcionar a paz social mediante a solução do conflito de interesse. E isso eu penso que gratifica muito o homem, ou seja, a ser o Estado o julgador. Sempre compreendi a envergadura maior da função exercida.
P1 - Quando você... Então teve, tinha esse desejo do seu pai. Aí você foi por esse caminho natural, fez o cursinho e entrou em qual faculdade? De direito, mas onde?
R - Teve uma época que eu parei praticamente de estudar. Eu acabei sofrendo um acidente inimaginável e parei durante uns dois, três anos de estudar. Fui pra uma fazenda de meu pai e lidava com o pessoal da fazenda, cuidando da criação. Quando retornei aos estudos, dois, três anos depois, eu prestei vestibular para a Faculdade Nacional de Direito, após ter cursado o Hélio Alonso, na Rua da Matriz, em Botafogo.
P1 - E por que você deu essa parada de dois, três anos?
R - Algo que, se eu estivesse fora naquela noite de 1966 e tivesse me envolvido em um sinistro de automóvel, né, se diria: “Olha, estava farreando”, mas [estava] dormindo em casa. Nesse caso, me refiro ao meu quarto, que era um quarto próprio, só meu, né? Eu, à noite, [era] sonâmbulo na época. E não era um problema neurológico. Eu levantei da cama e entrei com o braço esquerdo na janela do quarto. E ao entrar na janela e continuei ainda naquele estado de sono, né, eu cortei o braço, cortei uma artéria no braço e também cortei os tendões do braço. E se não fosse o meu irmão estar em casa - que meu pai tinha [o] quarto na parte da frente da casa -, vir ao quarto, ao local ao lado para saber que barulho tinha sido aquele, a família iria me encontrar no dia seguinte numa poça de sangue, porque eu não acordei de imediato e continuei conforme ia respirando, continuei a expelir sangue. E aí nós saímos, me lembro bem que eu pedia ao meu irmão - vinha lendo muita coisa do Vietnã, da Guerra do Vietnã - pra dar um garrote com a gravata que eu tinha costume de tirar e não desfazer o laço. Ele deu o garrote pra estancar o sangue e saímos na Professor Gabizo na contramão, pegamos a Mariz e Barros e quinhentos metros depois estávamos no Gaffrée e Guinle. Dei sorte, porque encontrei de plantão um grande cirurgião, que aí fez o que tinha que fazer, e depois veio o período de recuperação. Mas não fui embora, porque não tinha que ir embora mesmo.
P1 - E essa recuperação demorou dois anos?
R - Não, essa recuperação, ela foi muito lenta, porque eu perdi totalmente a pinça, considerados os dedos da mão esquerda. Praticamente, não abria o braço. Aí fiz a recuperação na ABBR (Associação Brasileira Beneficente de Reabilitação), que fica ali na Humaitá, em Botafogo, e foi uma recuperação lenta, com muita fisioterapia.
P1 - E seus pais? Devem ter...
R - Ficaram assustadíssimos, mas o apoio, principalmente de meu pai, foi enorme; sempre me viabilizando o melhor tratamento. Aí, então, depois desse acidente, eu parei um período de estudar e quando voltei, [foi] com um grande afinco, com grande dedicação.
P1 - E que que você fez nesse período que você fazia fisioterapia? Como que você passava o tempo? Enfim.
R - Fazia fisioterapia e ia pra fisioterapia nos finais de semana e subia para o loteamento na Região dos Lagos, né, e me distraía. E simplesmente parei na época de estudar e posteriormente retornei. Mas continuei na minha vida normal, muito embora com problema maior no braço.
P1 - E foi depois que você entrou na faculdade de direito?
R - Não, não, foi antes de entrar na faculdade de direito, porque eu acabei fazendo direito em 1969... Perdão, eu acabei fazendo direito... Sim, em 1969. E o acidente foi em 1966, daí eu ter parado cerca de três anos de estudar.
P1 - E você, como é que você ficou nesse período? Sua cabeça deu um nó? O que que você pensava? Tem alguma crise?
R - Não, eu jamais tive crise. Aliás, a genética sempre me ajudou muito em termos de paz comigo mesmo. E eu penso que a pior coisa que pode haver é a pessoa ter um problema mental. Ter, por exemplo, depressão; isso deve ser péssimo. Mas continuei contatando com as pessoas, continuei nuns negócios da imobiliária, encarando com muita naturalidade o que penso que me estava reservado, que foi o acidente verificado.
P1 - Você já sabia que você queria prestar pra faculdade de Direito; que aí acontece isso, você entra. Como é que foi a sua entrada? Assim, a expectativa que você tinha em relação ao curso?
R - Eu trabalhava, como disse, com meu próprio pai e fazia o curso à noite no Nacional de Direito, no antigo Senado da República, no Campus Santana. E aí atuava na cidade, no centro, nas salas da imobiliária, e à noite eu me dirigia à faculdade. Foi na faculdade que eu conheci... Aliás, não foi na faculdade, foi na festa do vestibular - já verificado vestibular - que eu conheci a minha atual mulher.
P1 - E como é que, como... Logo que você chegou, qual a impressão que você teve da faculdade? Quando começou o curso, teve uma identificação ou essa identificação demorou a vir?
R - Em primeiro lugar, uma professora de direito civil, Regina (Gondim?), que era amiga de meu pai e estudava com meu pai, o chamou e disse: “Plínio, não deixa o Marco Aurélio entrar no Caco”, que era o centro acadêmico, né, e que na época nós vivíamos um regime de exceção. E eu realmente não entrei no Caco (Centro Acadêmico Cândido de Oliveira), não busquei ser líder da classe estudantil e me dediquei integralmente, tanto que eu sentava numa das primeiras cadeiras ao curso direito, chegando mesmo a ser instrutor em certas cadeiras, fazendo até uma apostila para aqueles que não tinham muito tempo para ler livros, né? E resumia, portanto, os livros e fazia essa apostila. O curso foi um curso de absoluto sucesso e, praticamente, o (espelho?) do curso, eu só tenho nove, dez, oito, nove: umas notas muito boas.
P1 - Qual era a matéria que você mais gostava?
R - Penal sempre me atraiu muito. Muito embora nós tínhamos inclusive como colega o João Lima Teixeira, que era filho de um ministro do Tribunal Superior do Trabalho e ele é que era mais chegado. Ele foi advogado, inclusive, da Vale do Rio Doce. Era mais chegado à área de direito do trabalho. Na época, eu não dediquei muita atenção ao direito do trabalho, mas fui bom aluno em penal [e] civil, né, gostava de economia política, direito internacional - público e privado. Quer dizer, eu abracei as matérias que me foram sugeridas. Naquela época, nós não escolhíamos as matérias a serem cursadas, foram sugeridas pela organização da própria faculdade. O sistema não era de crédito, era de série: primeira, segunda, terceira, quarta [e] quinta série.
P1 - Já na faculdade, você começou a estagiar? Qual foi seu primeiro estágio dentro da faculdade, quando você entrou?
R - Eu trabalhava com meu pai e acompanhava os processos dele, porque ele lidava com contencioso do Banco do Brasil. Acompanhava no Fórum do Rio de Janeiro os processos. E fui também estagiário na 11º Vara Cível, que tinha como titular um primo, o Ederson Mello Serra - ainda vivo, mas que está numa situação praticamente vegetando. E aí eu pude conciliar a aprendizagem técnica com a prática; isso foi de grande importância para mim.
P1 - Na faculdade, quer dizer, você já tinha, já tava fazendo esse estágio, já tinha essa prática de estagiar. Você tinha, assim, alguma pretensão: “Vou seguir a linha penal”, “Vou ter um escritório”, “Vou pra carreira pública”? Como é que foi desenhando a sua carreira? Qual era a sua intenção naquele momento?
R - O objetivo era me formar e aí buscar um concurso público para o Banco do Brasil, mas me ocorreu que me formei, fiz concurso público para Procurador do INSS. Na época, eu passei, mas não tomei posse. Fiz também para Inspetor do Trabalho, passei e não tomei posse porque saiu a nomeação como substituto de Procurador Adjunto do Trabalho, que era um cargo não efetivo, mas que se permanecia nele. E aí eu adotei, portanto, o direito do trabalho e fui me aprofundando. De Procurador do Trabalho, fiquei na Procuradoria de 1975 a 1978. Eu cheguei ao Tribunal Regional do Trabalho e concorri a uma vaga, o mais interessante foi isso. Não dedicado ao Ministério Público, mas dedicado à advocacia. E naquela época não havia confecção da lista sêxtupla pela Ordem dos Advogados do Brasil, a nomeação era direta do presidente da República. E cheguei muito cedo a juiz do Tribunal Regional do Trabalho, no qual fiquei de 1978 a - uma carreira meteórica - 1981, quando eu vim para Brasília para ser ministro. Eu preferiria o título de juiz, porque se acaba confundindo uma pessoa com um integrante da assessoria do presidente da República, ou integrante de alguma religião. Eu cheguei a idade mínima para preencher o cargo, era de 35 anos. Eu completei 35 anos no dia 12 de julho e no dia 15 de julho a mensagem com o meu nome para preencher essa vaga foi para o Senado da República. E aí, aprovado o nome, fui nomeado e me dediquei ao Tribunal Superior do Trabalho, onde eu cheguei numa Presidência, cheguei à Corregedoria Geral da Justiça do Trabalho. Já que em 1990 fui deslocado como o primeiro juiz do trabalho a chegar a essa corte para o Supremo. E no Supremo, eu também não virei as costas à cadeira: não compreendo como alguém vira as costas à uma cadeira como a cadeira do Supremo; só saí na ‘décima hora’, com o cartão vermelho. Pensava sair em 2016, aos setenta anos, mas veio a Pec da Bengala e como eu não precisei após setenta anos - como não preciso ainda hoje - de uma bengala, eu continuei. Continuei e fiquei até os 75. Minha mulher, a mesma coisa, ela estará deixando e ela não gostaria que eu revelasse a idade dela. As mulheres não gostam. (risos) Ela estará completando 75 anos. É a segunda vice-presidente - já foi a primeira - do Tribunal de Justiça e estará deixando também a magistratura. Ou seja, nós exercemos [uma] profissão apaixonante. Ser juiz é uma opção de vida, a pessoa deve se dedicar de corpo e alma. E é uma profissão importantíssima, porque o juiz acaba substituindo no conflito de interesses, a vontade das partes, e atuando, como eu disse, como Estado-juiz. O poder é incrível.
P1 - Como foi essa passagem meteórica de você sair desse seu trabalho aqui no Tribunal do Trabalho no Rio de Janeiro, e foi pra Brasília: que articulação, como é que foi esse convite? Como é que aconteceu isso?
R - Articulação, evidentemente... Porque na época, como hoje, não se chega ao Tribunal Superior do Trabalho com concurso público. A articulação foi uma articulação política. Mas eu jamais fui em termos de juiz, um peso pesado. Sempre fui muito leve, né? E aí, evidentemente, muito embora meu pai não fosse político, ele articulava e foi, na época, advogado de um homem, inclusive, responsável pela abertura que começou a ocorrer após 1985; e chegamos à Carta Cidadã em 1988, a Constituição Federal. Refiro-me ao General Gumercindo da Costa e Silva, ele foi quem encabeçou a minha ida para o Tribunal Superior do Trabalho. E, posteriormente, eu já no Tribunal, concorri a três vagas na época do presidente Sarney, mas infelizmente o presidente Sarney, ele não me nomeou, porque eu tinha como primo o maior desafeto dele, o Fernando Collor de Mello, e acabou não nomeando. E assumindo o presidente Fernando Collor, graças à atuação, inclusive, do Bernardo Cabral, disse: “Olha, se você não o fizer, ele jamais chegará ao Supremo”. Eu fui escolhido como o primeiro juiz do Trabalho a chegar ao Supremo e busquei honrar a origem. E creio que, posso dizer com muita tranquilidade que o meu sentimento hoje é um sentimento de dever comprido. Eu não me arrependo de nada. O Procurador Geral do Trabalho, quando eu optei pela magistratura em 1978, ele chegou a me dizer, João Antélio Carvalho: “Mas como você vai se oficializar, ser juiz, você sendo Procurador do Trabalho e tendo já uma advocacia, né, com uma certa clientela. Vai, inclusive, perder dinheiro”. Eu optei e não estou arrependido, porque não se deve buscar ‘a prata pela prata’: eu optei pela magistratura; que alguns dizem, melhorou muito a remuneração dos juízes nos últimos anos. Alguns diziam na época que era um ‘voto de pobreza’, mas eu fiz esse ‘voto de pobreza’ e me sinto realmente realizado com a [minha] atuação como julgador.
P1 - E aí você deu essa atuação, daí você foi pro Supremo. Como foi o início da sua carreira como juiz?
R - No início, eu busquei atuar com desprendimento. E se diz mesmo que o instrumento maior de todas as virtudes é a coragem e eu cheguei ao Tribunal Regional do Trabalho… Não me imaginava deixando a ‘cidade maravilhosa’ para vir para Brasília e vir para Brasília com a família. E, posteriormente, no Tribunal Superior do Trabalho, busquei também dar o melhor de mim. E digo que fui recebido pela velha guarda - quando eu digo vale a guarda, eu me refiro à composição do supremo à época - de braços abertos, com muito carinho.
P1 - Quem que era a velha guarda?
R - A velha guarda era composta por ministros exemplares, juízes exemplares - porque todos nós, em última análise, somos julgadores, juízes -: Moreira Alves, José Melhem da Silveira, Octavio Gallotti, Sydney Sanches, entre outros. Ou seja, cheguei ao Supremo encontrando pessoas realmente vocacionadas ao exercício da função.
P1 - Como é que foi a sua ida para Brasília? Como é que foi sair do Rio de Janeiro e chegar em Brasília?
R - Como eu disse, viemos os cinco: as três meninas e nós dois, eu e Sandra, sozinhos para Brasília, sem ter qualquer apoio aqui em Brasília. E nos acostumamos e amamos imensamente Brasília. Digo que Brasília, naquela época, como hoje ainda, principalmente o Plano Piloto, é o local ideal para você criar e educar os filhos. E nos dedicamos: a Sandra era inspetora do trabalho, concursada, e posteriormente fez concurso para magistratura local, foi presidente do Tribunal do Júri durante muito tempo, trabalhando, inclusive, nas cidades satélites e, acabou como está hoje, desembargadora do Tribunal de Justiça. Nós somos pessoas, disse a você, não só no convívio familiar, como também profissionalmente, super realizadas.
P1 - Marco Aurélio, dentro da sua atuação no Supremo, qual foi o caso que mais te marcou? Vários, né? Isso é uma pergunta até meio clichê, mas, assim, [algum caso] que você se orgulhe da sua atuação, ou quais fatos? Pode ser dez, vinte. (risos)
R - Rosana, pois é. Eu consigo dormir, sempre consegui dormir tranquilamente, colocar a cabeça no travesseiro e dormir tranquilamente, porque sempre busquei dar o melhor de mim, sempre busquei a almejada justiça e não tenho como distinguir este ou aquele caso. Agora, houve [um] caso apreciado pelo Supremo que me calou fundo: refiro-me ao julgamento do ex-presidente Fernando Collor. Eu tenho para com ele, ou ele tem para comigo, que, infelizmente, ele nasceu depois de mim - eu gostaria de ter nascido depois -, ele, portanto, é mais novo do que eu. Eu tenho uma relação consanguínea do quarto grau que não gera na magistratura impedimento, mas compreendi desde cedo que ninguém entenderia um voto meu a favor ou contra o ex-presidente Fernando Collor. Lembro-me muito bem que eu estava no prédio do Supremo quando recebi um telefonema dele me chamando ao Alvorada pra conversar comigo, e ele marcando um horário muito cedo, seis horas da manhã. O que fiz? Eu, simplesmente, fui ao apartamento do presidente do Supremo, Sydney Sanches, toquei e disse: “Olha, presidente, o Fernando está me chamando e é meu parente, é meu sangue. Eu atenderei a esse chamado, mas quero lhe avisar que não participarei de qualquer julgamento que o envolva”. E no julgamento dos processos, eu estava lá sentado apenas assistindo, sem direito a palavra, assistindo os votos dos colegas e angariando, com isso, experiência.
P1 - E outras participações também decisivas que você teve, assim, como no caso da presidente Dilma?
R - No julgamento da presidente Dilma, nós percebemos - nós, o colegiado - uma premissa inafastável. Que o julgamento no Senado foi o julgamento, não simplesmente técnico, mas um julgamento político. E ao meu ver, digo isso como cidadão, ela acabou deixando a Presidência pelo distanciamento que ela criou com os considerados deputados e senadores. Uma certa, talvez, arrogância no exercício da Presidência da República. Aí nós julgamos e enfrentamos a premissa jurídica que havia e concluímos que não se tinha o que gozar na manifestação do Senado da República. Foi um julgamento importantíssimo, como também foi na minha vida de juiz, o julgamento alusivo [à] anencefalia. Quando eu implementei uma medida cauteladora nas férias, porque a medida cauteladora era da competência do colegiado, exigia seis votos pra que chegasse a ela, mas nas férias do relator, substitui, personifica o colegiado e eu implementei visando afastar a glosa penal quanto à parturiente, ou seja, gestante que buscava não o aborto, porque o aborto pressupõe a possibilidade de vida após a saída do útero, mas a interrupção da gravidez. E também afastei essa glosa penal quanto ao pessoal da saúde que desse apoio à interrupção e elevei a eliminar - abertos os trabalhos em agosto - para o referendo do tribunal. O tribunal, na época, eles simplesmente resolveram julgar em definitivo a questão e deixou a minha liminar surtindo efeitos, ou seja, eu fiquei na ‘alça de mira’ da própria igreja. E vou contar um episódio que ocorreu posteriormente: e aí tive até na apresentação da liminar um pequeno atrito com o ministro Joaquim Barbosa, que ele disse simplesmente que não reconhecia a atribuição ao relator para formalização da liminar. Aí recomendei a ele, colega, que lesse o regimento interno, porque durante as férias quem atua é o relator em substituição ao colegiado. E depois, quando em julgamento, a própria matéria de fundo, ele tornou a repetir o que dissera antes e emendou, disse que não reconhecia a atribuição do relator, mas que o relator, de qualquer forma, tinha que ser um homem prudente. Foi aí que calmamente eu disse a ele no microfone, em sessão pública: “Ministro, vamos parar com as agressões, porque o local não é este, não é o colegiado. Mas se vossa excelência quiser lá fora, estou à sua disposição”. Uma setorista de um grande grupo de comunicação, o grupo Globo, me perguntou: “Ministro, o senhor chamou o ministro Joaquim Barbosa para sair no braço?”. Eu disse: “Não foi bem assim, mas se estivéssemos no século 18, haveria duelo”. (risos) Quer dizer, é o dia a dia e eu sempre fui uma pessoa muito cordial, muito respeitosa nos tratos com os colegas, mas, evidentemente, eu tenho sangue e tenho sangue nordestino.
P1 - Em relação ao caso do ex-presidente Lula?
R - Caso do ex-presidente Lula. O que nós tivemos, né, e eu até utilizei um vocábulo: que o Supremo acabou ressuscitando o ex-presidente Lula. Nós tivemos processos-crime contra o presidente Lula, que tramitaram regularmente, tramitaram na décima terceira vara criminal de Curitiba, cujo titular era o juiz Sérgio Moro; tramitaram no Tribunal Regional Federal da quarta região, sediado no Rio Grande do Sul e pegando três estados: Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina; e chegando, mesmo esses processos, ao Superior Tribunal de Justiça, houve um trânsito em julgado. Aí o ex-presidente Lula impetrou um Habeas Corpus, sorteado ao ministro Luiz Edson Fachin e o ministro, em penada única - porque atuou como juiz-relator -, tornou insubsistentes as condenações, dando o dito pelo não dito. E não se avança culturalmente assim, né? E levado o caso - isso foi um Habeas Corpus, o Habeas Corpus tem parte única: o paciente, no caso, o ex-presidente Lula, personificado pelo impetrante, os advogados do presidente. Não há atuação do Estado-acusador do Ministério Público, mas levado o processo ao plenário, eu fui voto vencido e no colegiado, eu sempre entrei e saí com a mesma fisionomia. Eu jamais me aborreci no colegiado, né, entendendo que o colegiado é um órgão democrático por excelência que prevalece o entendimento da maioria. E aí, ao meu ver, houve um retrocesso cultural, gerando uma insegurança enorme. Se diz que não seria competente o juiz da décima terceira vara criminal: como foi fixada essa competência? O titular da vara, o juiz Sérgio Moro, pinçou os processos para julgar? Não! O critério é sempre o critério da distribuição. Muito embora haja em tramitação no Supremo alguns inquéritos que não chegaram a ser distribuídos, tiveram relator designado pelo presidente da época. O primeiro caso envolvendo a Petrobrás teve crime praticado em Londrina, o crime de lavagem de dinheiro, e aí o juiz federal de Londrina, havendo o juiz especializado na capital em lavagem de dinheiro, deslocou o processo para lá. E aí, por prevenção, os demais foram chegando à 13ª Vara Criminal. Nós tivemos, nesse caso, um retrocesso, porque houve atuação - considerado o mensalão - para concomitantemente com mensalão enquanto se tinha o processo-crime, ocorreram os fatos rotulados como Lava Jato, prevalecendo o sentimento de impunidade e tocando-se a Lava Jato, depois de se ter colocado poderosos na cadeia no mensalão, se colocou também na lava jato, para vir posteriormente ao judiciário dizer que nada daquilo avalia porquê ocorreria incompetência territorial da 13ª [Vara] Criminal. Mas os processos tramitaram e a incompetência territorial não é absoluta, é relativa, ela preclui: o processo é uma marcha para frente, não se pode estar retroagindo à fase ultrapassada. Mas o Supremo, ele tem a última voz sobre o direito aprovado pelo congresso nacional. Assim decidiu, que eu hoje devo examinar e reexaminar como votei na época, mas por mais que eu faça, não fico convencido de que claudiquei no voto proferido e acertou a maioria. Mas, de qualquer forma, houve um julgamento e o nosso Estado é um Estado democrático de direito, prevalecendo como última palavra a palavra do Judiciário.
P1 - Marco Aurélio, como surgiu a ideia da criação da TV Justiça?
R - TV Justiça. Eu, quando fui presidente do Supremo, só levei para presidência um parente. Explico melhor: levei para presidência um servidor do Tribunal Regional do Trabalho da segunda região, em São Paulo, chamado Renato Parentes - foi o meu secretário de comunicação. E aí surgiu em meu gabinete a ideia de termos uma TV própria. Fui desaconselhado pelo meu antecessor, o ministro Carlos Velloso, que tentou a mesma coisa e não conseguiu. E eu, persistente, toquei a ideia do projeto da TV Justiça e o irmão da minha secretária geral - hoje, senhora Gilmar Mendes - ele era deputado federal pelo Ceará e apresentou o projeto. Agora, tudo que surge tendo que dar certo, dá certo. Da apresentação do projeto à entrada no ar da TV Justiça, tivemos um espaço de tempo menor que ano. Lembro-me bem que o pai da hoje Senadora da República, para o nosso orgulho, Simone Tebet, Ramez Tebet, era o presidente do senado, e aprovado o projeto no Senado, ele queria remeter ao projeto à presidência para sanção ou veto: a lei, portanto, aprovada pelos congressistas. E eu disse a ele para aguardar um pouco porque eu estava em Maio de 2002 para substituir numa viagem o presidente Fernando Henrique Cardoso, que conversaria com o presidente e que se a ideia do presidente, Democrata por excelência, o presidente Fernando Henrique Cardoso, fosse sancionar a lei, eu gostaria de sancionar, né? Quando eu cheguei, comecei a falar sobre o projeto, não mencionando qual era, o presidente Fernando Henrique me perguntou em um jantar de aproximação no Alvorada: “Marco Aurélio, que projeto é este?”. Eu disse: “É o projeto da TV Justiça”. A resposta dele: “Sanção e veto são seus”. E aí eu fiz uma solenidade no tribunal e acabei, como presidente da república em exercício, sancionando a lei. Isso me dá um orgulho muito grande. Em síntese, no jargão futebolístico: eu bati o córner, corri para cabecear e fiz gol.
P1 - Como que você viu a importância, quer dizer, o papel da TV Justiça no Brasil?
R - Enorme. A TV Justiça não deixa de ser o controle externo do Supremo. A TV Justiça aproximou o Supremo da sociedade brasileira e os cidadãos, não só do Supremo, como também do direito, já que a grade da TV Justiça é democrática: há a participação de inúmeros segmentos do Judiciário. Então foi algo positivo. E se nós formos além das leis, que é a Constituição Federal, nós vamos ver que entre os fundamentos da administração pública - e julgamento ocorre no âmbito da administração pública, o judiciário é a administração pública -, um dos fundamentos é a publicidade, publicidade dispensável a que haja um acompanhamento do dia a dia da administração pelos cidadãos, pelos eleitores e que, por isso mesmo, se busque sempre a eficiência. Então foi muito relevante a criação da TV Justiça. Alguns atribuem a delonga dos votos à TV Justiça e eu, na época, - ainda tínhamos a Ministra Ellen Gracie integrando o Tribunal - brinquei, como bom carioca, e disse: “Olha, a TV Justiça só é responsável por duas coisas: pela melhoria das gravatas e também pelo penteado coque da ministra Ellen Gracie, que não saía um fio sequer”, (risos) e brinquei com a situação. Os votos muito longos decorrem de tempo, que eu nunca tive para fazer votos longos, que tem os colegas que devem ficar 24 horas acordados redigindo aqueles votos e aí deixam de conciliar os predicados importantíssimos em termos de julgamento: celeridade e conteúdo. Os meus votos sempre foram muito curtos e eu jamais levei... Não sendo o relator. Sendo relator, tive que levar relatório e votos apurados. Como vogal, como participante no colegiado, jamais levei um voto escrito. Eu sempre quis estar na bancada muito solto ouvindo não só os colegas que votavam antes de mim, inclusive o relator, ouvindo o Procurador Geral da República e ouvindo, principalmente - daí o papel importantíssimo que eu atribuo a eles -, os senhores advogados; e formava convencimento naquele instante. Tinha os códigos ao lado e consultava os códigos, informava o convencimento e me pronunciava. Jamais formulava pedido de vista, muito menos ‘perdido de vista’.
P1 - E qual que você acha que é o futuro da TV Justiça?
R - É algo inafastável, porque a publicidade, como eu disse, é importantíssima para que os eleitores, para que os cidadãos em geral, acompanhem o que é feito no âmbito da administração pública. E a TV Justiça hoje está, inclusive, em prédio próprio, alugado, creio, o prédio. Não está mais como esteve no subsolo, junto a garagem do Supremo, (risos) porque não tínhamos espaço na época. E a TV Justiça veio se fortalecendo no correr dos anos e hoje é acompanhada, inclusive, por leigos: leigos ligam a TV Justiça e percebem porquê o direito rege a vida em sociedade. Direito, se costuma dizer muito, é bom senso, né? Nós não damos um passo na vida em sociedade sem estarmos submetidos a uma regra jurídica. Acompanham e passam a ser como que julgadores no dia a dia do Supremo. A cobrança é salutar, a cobrança em termos de trabalho é muito positiva e o integrante do Supremo deve compreender que ele é um servidor, um servidor pago pelos contribuintes e que deve prestar contas a esses mesmos contribuintes. Quando não presta contas aos contribuintes, acaba prestando no futuro, à própria história.
P1 - Marco Aurélio, quando foi chegando perto dessa perspectiva de você se aposentar, como é que foi esse processo?
R - Eu confesso que minha família estava muito preocupada comigo e que viesse a reinar o tédio, que eu entrasse até mesmo em depressão, mas digo que passei aplainar, passei a cuidar das minhas coisas, passei a ler muito mais do que eu lia antes, passei a ver televisão, as séries e filmes na televisão, passei a cuidar dos meus bichos aqui no sítio onde eu moro, a verdadeira chácara onde eu moro, e não me sobra tempo. Eu agora, ultimamente, tive um problema no joelho _____, me operei, mas deu um problema ósseo e eu faço muita fisioterapia. Tô fazendo pilates, além da sala de musculação ______ (áudio falhou) a verdadeira, minha academia que tem aqui em casa. E todo dia eu entro, alterno dia. A piscina é coberta, tenho uma capa que é uma capa elétrica, eu entro na piscina e faço meus exercícios. Estou amando o período de aposentadoria e talvez, se soubesse antes que era tão bom, tivesse saído antes da décima hora; não tivesse aguardado o cartão vermelho. O sentimento é de dever cumprido, de missão cumprida, o que me deixa muito em paz.
P1 - Marco Aurélio, você teve muita homenagem na sua saída? Como é que foi o seu processo de sair, assim, a repercussão?
R - Olha, o grande acatamento dos concidadãos é enorme, não só da comunidade acadêmica, comunidade jurídica, como também dos cidadãos em geral. Outro dia eu olhei, penso que foi Alexandre Garcia, apontando que ele conheceu o Supremo numa época em que nós caminhávamos na rua de um prédio para o outro, que o prédio do Plenário era separado. E essa insegurança, hoje, os colegas não saem sem segurança. Eu sempre fui ao mercado sozinho aqui perto de casa e como estava em casa, com moletom e camiseta, e jamais fui hostilizado. E verifico nos dias atuais... Eu estou atuando no campo de pareceres, não estou advogando propriamente dito, né, no balcão da secretaria do órgão, no Judiciário. Atuo na área de pareceres e sou convidado. Ontem mesmo eu dei uma aula para o grupo educacional Anima, a segunda aula, e praticamente, não só no estado do Paraná, como em São Paulo e outros estados. Então eu sou muito convocado, meu tempo é ocupado. Esse conhecimento para o homem público é importantíssimo, para que o homem público que ocupa um cargo público, para servir aos seus semelhantes, não para se servir do cargo público. Ele tem o contracheque - a vida econômica é impiedosa -, mas mais importante do que a remuneração, do que subsídio, é o reconhecimento dos cidadãos em geral. E esse reconhecimento, eu tenho. Eu tenho no que eu sou acionado para emitir pareceres e também para aulas, como a aula magna de abertura dos cursos jurídicos de ontem.
P1 - Você recebe cartas... Não sei, as pessoas não mandam mais cartas. Mas, o cidadão comum entra em contato nessas épocas que tem grandes julgamentos? Como é que essa a relação com a população?
R - Entra em contato. E ocorreu um episódio interessantíssimo que um advogado do interior de Minas Gerais se dirigiu a mim - e eu tornei isso público, porque é importante mostrar que o serviço do agente público é acompanhado - pra me pedir uma gravata, e eu selecionei uma das minhas gravatas. Elas estão lá, que eu tenho dois cabideiros com gravatas, nunca joguei gravata fora. Eu selecionei uma das gravatas e mandei pra ele. O que isso exemplificou? Um reconhecimento. O reconhecimento de um advogado, repito, do interior das Minas Gerais, como ocorre também o reconhecimento dos cidadãos. No Rio de Janeiro, eu frequento - e aprendi isso com meu pai - uma feira e aí, vou ao barraqueiro... Antes eles achavam que eu era Delegado de Polícia, já ministro do Supremo, (risos) e me chamava: “Ô, Delegado! Atenda o Delegado!”. (risos) E eu frequento normalmente, jamais fui hostilizado. Isso é muito bom.
P1 - Ministro, você teve a Lisandra Alves, que é próxima ao Museu, no sentido que ela é uma conselheira consultiva, idealizou o tributo, o ramalhete de rosas da TV Justiça, que é um outro tipo, também, de homenagem. Como é esse tipo de homenagem pro senhor?
R - Recebo. Eu tenho até o livrinho aqui aberto, né, do “ramalhete de rosas do Marco Aurélio”. Recebo esse tipo de homenagem de braços abertos. Antes, o grande advogado do Rio de Janeiro, Sérgio Bermudes, fizeram o livro “Marco Aurélio: Vencedor e Vencido”. Posteriormente, reuniram-se articulistas e também publicaram livros sobre direito tributário. São testemunhas documentadas, né? E enquanto a vida pública de um homem que não se imaginava quando nos bancos da Nacional de Direito, juiz, mas sim advogado. E eu tenho para mim, muito embora haja no Brasil a proliferação de cursos jurídicos, com advogados, bacharéis em direito - simplesmente bacharéis em direito -, eu tenho para mim que o representante processual, que é o advogado, no processo, é tão importante quanto o julgador, porque é ele que abre o caminho para chegar-se a justiça.
P1 - E depois você falou que você também poderia aplainar, né, agora, depois da aposentadoria. E eu queria saber, olhando sua trajetória, o que é que você acha que é o seu legado? Qual é o seu legado, em todas as esferas?
R -
Fui professor e presido o instituto do UniCeub, que é o Instituto UniCeub de Cidadania, como presidi em São Paulo, como nas metropolitanas, mas não frequento mais a sala aula, dando aulas em si. O meu velho legado é mostrar que realiza o homem: servir. E servir a partir da formação humanística possuída, principalmente da formação humanística e da formação técnica, e ocupando uma cadeira, como uma cadeira de julgador. Então a relevância do papel dele aumenta muito. Deixo, talvez, para ser observado, um exemplo de dedicação e de trabalho; de trabalho com muito amor, acima de tudo.
P1 - Olhando sua trajetória de vida: se pudesse mudar alguma coisa, você mudaria?
R - Não, não mudaria. Não mudaria nada. E dizem que eu sou um liberal progressista, mas eu sou também, no tocante ao dia a dia, conservador e gosto de uma certa estabilidade. Sou canceriano que tem a emoção em primeiro plano, como todo canceriano. Sou sensitivo no contato com as pessoas e me relaciono com muita urbanidade, muito embora em colegiado eu quase sempre levantasse o dedo para divergir. Lembro-me que, até de algumas palavras de alguém que foi presidente do Tribunal Superior do Trabalho, e nós tínhamos a composição do PSB como representantes classistas e que chegavam colegas para ele, dizia: “Falcão, você está prestando atenção nessa matéria?” e ele trabalhando na bancada em outras coisas, em voto. Ele dizia: “Não, não estou prestando atenção, mas o Marco Aurélio está”. (risos) E na hora H, eu era o chato que levantava o dedo e colocava o dedo na ferida, apontando os aspectos frágeis do voto versado pelo colega. Mas, repito a você, sempre com muito respeito, considerando muito o colega, tratando com muita urbanidade. O episódio do Joaquim Barbosa foi um episódio excepcional, porque ele provocou. Se não tivesse provocado, não teria ocorrido o que ocorreu. Mas, mesmo assim, o que eu disse [foi] com tranquilidade, que agora está presente nesse evento, nessa entrevista.
P1 - Marco Aurélio, a gente falou, antes de começar a entrevista, como que você virou o torcedor fanático do Flamengo.
R - Eu atribuo a torcida... Meu avô era vascaíno e minhas netas, infelizmente, são vascaínas - embora os quatro filhos sejam flamenguistas -, porque o pai delas é vascaíno. Mas, eu atribuo a escolha do time aos secretários que tivemos no sítio em Jacarepaguá, e convivíamos muito, eles torciam pelo Flamengo e aí eu comecei acompanhar a vida do Flamengo. Recebi até um título como cidadão da Nação Rubro-Negra. E, hoje, o Flamengo jogando - vai jogar amanhã (9 de abril de 2022) com o Atlético Guaianense (Atlético-GO) -, eu estou sempre assistindo. Quando joga em Brasília, vou ao estádio. E eu tinha até decidido aquela questão entre o Flamengo e Sport Clube de Recife, quando eu simplesmente disse: “Olha, eu não posso fazer nada! A coisa julgada reconhecendo que o campeão brasileiro foi o Sport e não o Flamengo”. E eu aí, logo depois, fui ao estádio lá no Rio, na Ilha do Governador, e eu estava lá na tribuna, fui convidado, quando perceberam a minha presença, mas, mesmo assim, não fui hostilizado pelos torcedores do Flamengo.
P1 - E qual aquele episódio que tocou a música... Tem o hino do Flamengo no seu celular quando toca?
R - Pois é. Eu coloquei o hino do Flamengo no celular e eu era presidente do Supremo em 2002, e aí com a velha guarda - não é a composição atual, que parece muito descontraída pelo menos para o meu gosto -, com a composição que eu rotulo como velha guarda, eu coloquei o celular na bancada e o presidente tem dois microfones, e tinha esquecido de neutralizar a campainha do celular, colocá-lo no mudo e, de repente, tocou. E nessas horas você fica tão constrangido que você tem dificuldade em acertar as coisas. Fiquei envergonhado junto aos colegas, mas consegui desligar o aparelho. E já era fato notório que eu torcia pelo Flamengo, né, antes desse episódio.
P1 - Marco Aurélio, estamos caminhando aqui pro final. E aí eu queria saber o que você acha de ter a sua história de vida gravada no Museu da Pessoa?
R - Eu acho que revela que você foi útil nessa passagem finita por aqui e você foi o homem público que buscou o melhor para os semelhantes. Ter sido contactado para essa entrevista, para o Museu da Pessoa, implicou realmente uma certidão do que eu fiz como profissional do direito [e] julgando conflitos de interesse. Ficará, sem dúvida alguma, para os meus descendentes, já que eu estou me aproximando dos 76 anos, mas espero viver até os cem anos pelo menos.Recolher