Projeto Memória dos Brasileiros
Depoimento de Pedro da Silva Lemos
Entrevistada por Winnie Choe e Thiago Majolo
Joaíma, 28/07/2007
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista número MB_HV_024
Transcrito por Regina Paula de Souza
Revisado por Viviane Aguiar
Publicado em 21/01/2008
P1 – Seu Pedro,...Continuar leitura
Projeto Memória dos Brasileiros
Depoimento de Pedro da Silva Lemos
Entrevistada por Winnie Choe e Thiago Majolo
Joaíma, 28/07/2007
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista número MB_HV_024
Transcrito por Regina Paula de Souza
Revisado por Viviane Aguiar
Publicado em 21/01/2008
P1 – Seu Pedro, eu queria, para a gente começar a entrevista, que o senhor falasse o seu nome completo, a cidade onde o senhor nasceu, o nome dos seus pais.
R – Pedro Lemos. Pedro da Silva Lemos é o meu nome, nasci na cidade de Vitória da Conquista, sou do oeste do Estado da Bahia, às seis horas da manhã de um dia de sábado, 16 de dezembro de 1922. Sou filho de Nicanor da Silva Lemos e Maria Madalena Lemos.
P1 – E o senhor veio para Joaíma quando?
R – Eu tinha muito desejo de conhecer o Estado de Minas Gerais e, após a conclusão de um curso de laticínios, eu vivia na fazenda com o meu pai e, certo dia, um primo, um parente dele me perguntou, na fazenda, se eu havia concluído o meu curso e se eu tinha coragem de enfrentar viver em uma vila do nordeste do Estado de Minas Gerais. Eu falei que tinha, sim. Dependia de meus pais, que eu sempre fui muito obediente para os meu pais. Meu pai falou: “Pois você tem todo o apoio da família.” E aí ele me deu o nome de Joaíma. Eu jamais tirei o nome Joaíma da minha cabeça. Naquela época, o transporte coletivo não existia, nós vivíamos uma época da Segunda Grande Guerra, e o governo fazia economia de gasolina. Eu peguei a carroceria de um caminhão carregado de farinha de mandioca para ser negociada na cidade de Fortaleza naquela época, hoje Pedra Azul. Eu vim com ele nesse caminhão até Fortaleza. Tomei o Hotel Primavera e saí procurando transporte para Joaíma. No fundo do mercado, alguém contou para mim que havia um Fordeco 29 em uma oficina, que era de Joaíma, que eu fosse lá encontrar com o chofer. Então, procurei quem era o chofer. Ele disse para mim: “Sou eu o chofer.” Falou: “Você está indo para Joaíma?” O baiano chamava isso aqui de “Joaema”. Ele falou assim: “Às 12 horas.” Falei: “Tem passagem para um passageiro?” Ele falou: “Tenho, é você?” Eu falei: “Sim.” “Onde eu lhe pego?” Eu falei: “No Hotel Primavera.” “Às 12 horas, eu pego você.” Então, eu fui para o hotel e fiquei olhando aquelas pedras bonitas em torno da cidade de Fortaleza, na época, e às 12 horas ele chegou. Eu entrei no carro com ele. Ele pegou a estrada para Joaíma e, bem distante, ele parou o carro e me perguntou pelo meu nome, minha procedência, minha filiação e se eu tinha parente em Joaíma, o que eu vinha fazer aqui. Ele foi muito curioso, e eu respondi, achei que ele tinha razão, disse tudo. “Não tenho parente em Joaíma, não conheço Joaíma, concluí um curso de laticínios, estou indo enfrentar a vida lá. Você conhece o Coronel Sérgio Moreira?” Ele disse: “Conheço, é um dos homens mais ricos da cidade, da vila, e de um coração muito grande.” Eu fiquei muito feliz. Prosseguimos viagem, determinado lugarejo que tem o nome de... Me passou o nome. O povo viu o carro, saiu na porta – que era costume do povo: quando via um carro, corria, porque era novidade para todo mundo, né? Atravessamos um corregozinho, uma água muito gelada e subimos uma ladeira muito comprida, muito longa, chamava Serra de Areia. Quando nós chegamos no alto, o Fordeco já estava queimando, e eu não sei o nome que dá a influência do freio e da subida... Ele já estava fervendo a água. Nós alcançamos o ponto mais alto da serra, ele parou o carro. Depois que refrescou o motor, prosseguimos viagem. Quando chegamos, aí em cima da Ladeira das Quatro Patacas, ele parou o carro. Ele falou: “Nós vamos descer uma ladeira muito alta, é a Ladeira das Quatro Patacas.” Um nome muito sugestivo, eu perguntei: “Por que ‘quatro patacas’? Ele falou: “Depois, eu conto para você.” Ficamos ali uns 10, 15 minutos, quando ele me chamou: “Vamos viajar?” Eu falei: “Vamos.” Entramos no carro e, de repente, nós entramos numa curva muito fechada, a segunda curva, e eu assombrado, porque eu nunca tinha visto uma ladeira tão alta como aquela e a estrada tão ruim. Terceira curva, na quarta curva, ele parou e disse: “Essas curvas dão o nome à Serra das Quatro Patacas, cada curva representa uma Pataca.” Aí, eu parabenizei, porque ele foi muito inteligente e demonstrou ser um bom motorista. Chegamos à beira do Rio Jequitinhonha, foi o primeiro rio importante que eu vi na minha vida. Do lado de lá, havia várias balsas, e uma saiu de lá para vir nos apanhar. Chegaram os balseiros, pararam com a balsa, um segurou e o outro botou umas tábuas. E o carro subiu, e eles sentiram que eu estava demonstrando nunca ter feito aquilo. Porque tudo para mim era curioso. Atravessamos o rio, havia umas mulheres lavando roupa e cantando, eu achei que aquilo era em homenagem à minha pessoa (risos) e agradeci a Deus por ter nos conduzido até ali em paz. Saímos do outro lado, pedi a ele para me levar lá na porta da igreja, que, a distância, eu achei a igreja muito bonita, a Igreja de São Miguel. Demoramos ali uns 15 minutos e saímos pra Joaíma. Eram umas duas horas mais ou menos, ou quatro horas mais ou menos, quando nós deixamos a cidade de Jequitinhonha para Joaíma. Quando chegamos na saída da cidade de Jequitinhonha para aqui, o primeiro mata-burro estava quebrado, eu saltei do carro, consertei as pranchas, ele colocou o carro, e nós viemos. Muito capim-colonião, muito gado, era a região muito rica. Havia aqui no município de Joaíma mais de 200 mil rezes. Então, cheguei, era mais ou menos umas sete horas da noite do dia 27 de julho de 1942. Eu tomei o Hotel Globo, aqui na praça, e oito dias depois ou dez, eu fui convidado por um grupo de rapazes da minha idade e moças para uma hora dançante em uma casa de família. Aqui, não tinha clube, e as reuniões eram feitas em casa de família ou então nas escolas reunidas, lá em baixo. Pois bem, durante a festa, eu fui apresentado pelo então candidato a Deputado Estadual, Fidelcino Vianna Filho, que foi um dos maiores responsáveis pela emancipação de Joaíma, no governo de Juscelino Kubitschek – e a política naquela época era ferrenha. Quando um partido ou alguém que representava um partido pedia uma coisa, a oposição não oferecia condição nenhuma, achava que era política, que estava beneficiando o adversário, então, negava. Mas, um dia, Dona Laurita, a mulher do primeiro prefeito de Joaíma, Francisco Costa, tinha um cartão de permanência para almoçar e jantar no hotel. No hotel, não, no Palácio da Liberdade. Enquanto ela almoçava com Juscelino, governo de Minas naquela época, perguntou: “É do interesse da senhora a emancipação de Joaíma.” Ela falou: “Não pode deixar de ser, é minha cidade-natal.” “Então, o termo de emancipação já foi assinado pelo Doutor Milton Campos, um dos mineiros, dos brasileiros mais honestos que eu conheci na administração pública de Minas Gerais.” Pois bem, dando continuação à festinha, quando eu deixei... Depois de duas horas, eu deixei a sala, mas prestei um agradecimento aos proprietários, Dona Iolanda e o seu esposo, (Ademir?) Brito Aguiar. Alguém daqui, também rapaz da minha idade, perguntou na estrada, na rua: “Você gostou?” Isso foi depois do meu agradecimento ao casal. Na rua, ele me perguntou: “Você gostou da hora dançante?” Falei: “Gostei demais, gostei muito das moças, dos rapazes, muito bem vestidos, muito bem educados.” Aí, ele disse: “E a moça mais bonita de Joaíma você não conheceu. Ela é a mais bonita do Vale do Jequitinhonha, chama-se Isabel Alves Murta.” Quando ele me deu o nome dela, eu sofri um impacto, porque, na minha infância, viajando da fazenda do meu pai para a cidade de Vitória da Conquista, onde eu estudava, subimos, viemos a pé, para testar o meu preparo físico, porque eu havia sofrido uma febre para tifo e, naquela época, não havia remédios científicos para combater esse mal, mas, com raízes e outras coisas, eu consegui recuperar a minha saúde e vim a pé. Subimos uma ladeira muito prolongada e, no alto da ladeira, entramos numa chapada muito bonita, havia umas árvores, escolhemos a mais frondosa, embora mais distante da rua, da estrada. Eu fiquei muito satisfeito por ter passado ali uma hora, enquanto o sol esfriava mais, e quando eu voltei a fazenda do meu pai... Eu já estou voltando para a fazenda para contar o princípio dessa história de Isabel Murta Lemos, hoje Isabel Murta Lemos, minha esposa. Então, eu perguntei a um agregado, era empreiteiro, de nome Agripino. “Eu quero lhe mostrar uma árvore que tem aqui perto da estrada, e você vai me dar o nome dela.” Eu passei uma hora mais ou menos sob a proteção dela, por causa do sol, e estava exalando um perfume muito gostoso, e eu gostaria de saber o nome. Aí, ele me disse: “O nome dela é murta.” E era muito rara aqui. Nesse dia, coincidiu, eu falei: “Estou começando, aqui é o começo da minha vida, porque ‘Murta’.” Ele quis saber o que que eu sofri, que eu dei aquele impacto emocional. Eu falei com ele: “Só Deus sabe.” Depois eu contei para ele. Ela estava viajando, estava em Taporé, hoje Coronel Murta. Quando ela chegou, ele passou para ela, falou: “Chegou um baiano aqui, e eu falei sobre o seu nome, ele ficou tão emocionado que sofreu um impacto emocional, e eu quis saber o que foi que ele sofreu, e ele demorou a contar, mas terminou contando. Ela falou: “Pois eu quero conhecer.” E, aí, ela falou: “Quero conhecê-lo.” Ela falou: “Eu vou lá para a casa da sua mãe, que fica mais próximo do hotel, e aí eu me encontro com ele.” Eu tinha 19 anos na época. Quando ele chegou, ele falou (ela chama Isabel, mas tinha o apelido de Bebé, era mais conhecida por Bebé): “Bebé está ali em casa de minha mãe e quer te conhecer.” Aí eu fui. Cheguei lá, que eu a vi, ela era muito mais bonita do que ele descreveu. Bati um papo com ela e contei para ela que eu já guardava o nome dela na minha cabeça há mais de 11 anos. Na época, eu estudava o curso primário, eu tinha nove anos, e é naquela época de 1942, eu já estava com 20 anos incompletos. E, aí, não foi pela beleza tanto assim, foi pela generosidade, a inteligência, era muito extrovertida e me acolheu muito bem. E nasceu aquele amor mútuo entre eu e ela, sabe? Poucos dias depois, houve uma festa, como eu já disse antes, não tinha clube. Foi realizada a festa nas escolas reunidas, e eu fui convidado por esse cidadão, Doutor Fidelcino Vianna Filho, candidato ou pré-candidato a deputado estadual. Eu fui convidado por ele. Quando lá cheguei, ela estava, e eu dancei com ela durante muito tempo, no decorrer de uma hora, mais ou menos. O pai dela chegou e tomou ela das minhas mãos, e eu fiquei com a cara grande, envergonhado, e o Doutor Fidelcino falou: “Não leva a mal, não, que ele é assim mesmo, ele é um pai muito ciumento, e você ainda é desconhecido na terra.” Resultado é que vieram outras moças para dançar comigo, moças das famílias mais importantes de Joaíma. No dia seguinte, eu recebi uma carta dela, de Bebé, pedindo desculpas pelo que aconteceu e que o culpado foi ela mesma, que saiu sem falar com o pai e que, se ele me ofendeu, que eu desculpasse, ela dava a mão à palmatória. Quando eu recebi a carta dela, por sinal consta no meu livro, eu fui dar atenção pessoal. Quando eu descia a praça, alguém que sabia da história, me chamou: “Você está indo aonde?” Falei: “Eu estou indo na casa de seu Belizário Alves.” “Ninguém quer ouvir o seu nome lá, rapaz.” Falei: “Pois eu vou lá.” Quando eu cheguei, ele me recebeu muito bem, eu toquei na porta, ele me recebeu muito bem e mandou que eu entrasse. Uma pessoa amiga, quando soube que eu ia para lá, ela me acompanhou, ela falou: “Você tem coragem demais, rapaz, esse homem é bravo, ele não quer nem ouvir o seu nome.” Eu falei: “Pois você quer ver minha disposição, me acompanha.” Ele foi comigo. Quando eu cheguei lá, que ele me recebeu, eu disse para ele: “Eu quero dar um recado ao senhor na presença da sua esposa e da sua filha.” Ele falou: “Perfeitamente, a minha esposa está enferma, você espera um pouco, eu vou avisá-la e logo eu volto para te pegar aqui.” Não demorou muito, ele saiu fora, me levou lá para a sala de jantar, como se chamava antigamente. Quando eu entrei, a mãe dela disse assim: “Tão jovem.” Eu ouvi, mas não falei nada, né? Aí veio: “Está faltando alguém aqui, Seu Belizário.” Ele falou: “Quem é?” Falei: “Sua filha.” Aí ele foi lá, chamou por ela, ela veio. Ela vestiu uma roupa, duas peças soltas, uma saia azul e uma blusa grená. Ela veio, se sentou perto de mim. Aí, eu levantei e disse para ele: “Eu não vim aqui visitá-los, nem tampouco pedir favor. Eu vim pedir a mão da sua filha em casamento, se os senhores aceitarem bem, se não, eu prometo jamais passar pelo menos na rua. Agora, depende também da minha família, que tem por mim o mesmo ciúme que o senhor tem pela sua filha. Sou jovem realmente” – eu repeti as palavras da minha futura sogra – “Sou jovem realmente, mas já estou aqui decidido a enfrentar a minha vida.” E ela veio, levantou da cama, veio e me abraçou, e disse: “Já lhe considero como meu genro, como meu filho, por você ser um filho obediente, né?” Aí, eu fiquei noivo, isso foi em janeiro. Telegrafei para meu pai, naquela época nós não tínhamos telégrafo, o telegrama tinha que ser tachado em Jequitinhonha. Havia um correio de nome Pedro, ele tinha um apelido de Pedro Coió (risos). Eu dei a ele o telegrama, ele passou para lá. Trinta dias depois, eu recebi o telegrama do meu pai. “Aceitamos casamento para a sua felicidade.” Isso foi em janeiro. Quando foi no dia 14 de abril de 1944, eu levei Bebé aos pés de Deus, e contraímos o nosso casamento, que tem 65 anos.
P1 – Voltando só um pouquinho no tempo. Lá, em Vitória da Conquista, eu queria que você contasse um pouquinho se você tem irmãos, como foi a sua infância?
R – A minha infância foi muito agradável, meu pai nunca foi homem rico, mas nunca foi pobre. Nasceu de uma família que possuía muita terra, muito gado. Eu insistia com o meu pai para estudar, ele dizia: “Não, eu preciso de você na fazenda, você vai trabalhar. Esses doutorzinhos que vêm para aqui estão em busca de moças ricas (risos). Então, eu quero você na fazenda, tirando leite, fazendo requeijão, engordando porco, fazendo farinha.” E tudo isso eu fiz. A minha infância foi muito gostosa, muito bonita. Meus pais eram muito aconchegantes, apesar de primários, mas tinham pelos filhos verdadeira paixão. Nós somos quatro, vivemos até hoje. Tem uma irmã mais nova, está em Vitória da Conquista, e eu estou indo lá qualquer hora dessa fazer uma visita, porque eu soube que ela está muito doente. Eu estou esperando meu filho, que trabalha em Felisburgo, é médico, é diretor do hospital de lá. Prometeu receber o filho, que vem de uma excursão estudantil feita em Belo Horizonte para o sul do país, e, quando ele voltar de lá, nós vamos a Vitória da Conquista, onde já tem mais de 12 anos que eu não vou. E tem uma irmã também, que é irmã de caridade, viveu no Rio de Janeiro 22 anos e hoje ela vive em Ilhéus. Eu estou indo lá no futuro muito próximo, se Deus quiser. Agora dou oportunidade a vocês de fazer qualquer pergunta, porque eu fui de uma vez, assim, avancei o sinal demais, né? (risos)
P1 – E com o que o senhor brincava lá em Vitória da Conquista?
R – Naquela época, não tinham os brinquedos que eu dei para os meus filhos. Montava num cavalo de pau (risos), ia para o mato caçar vaca. A vaca era o osso da própria vaca, a gente fazia os currais no quintal, um quintal muito grande, e saía. Quando saíamos para o mato em busca dessas vacas de osso, a gente levava, cada um de nós, parentes, primos, amiguinhos. Pegava coisa em nossa casa, farinha, feijão, arroz, carne, toucinho, e levava a uma velhinha que morava em um lugar que chamava Bateias, hoje faz parte da cidade, porque Conquista cresceu muito, e nessa época era reduto. Então, a gente levava a farinha dela, e ela nos acolhia, nos dava feijão, dava ovos cozidos, porque ela não tinha _____, só depois que a gente levava. Hoje, a gente, os meus filhos não chegaram a conhecer essas brincadeiras. Tinha um carro de caixão também, era aquele caixão, vinham as latas de querosene, a gente levava para os carpinteiros, e faziam aqueles brinquedos, quatro rodas e tinham uma tábua, puxavam lá para frente, e a gente formava. Ia lá para a Serra do Piripiri, nós saíamos da cidade, hoje é tudo cidade. Ia levar carta para meu pai chamando vaqueiro para fazer serviço com ele. Aquele que empurrava o carro, me levando até lá, quando voltava de lá, vinha na garupa comigo, na... Dá outro nome, né? Dava o nome de ponga. “Você ponga aí.” Ele pongava, e a gente vinha. Então, a gente viajava mais de 4 quilômetros em cima de um carrinho de caixão. De vez em quando, surgia um menino, perna quebrada, inclusive um primo meu quebrou a perna e levou vários pontos pelos médicos da cidade de Vitória da Conquista, mas, mesmo assim, eu tenho saudade da minha infância. Que havia mais amor, mais respeito, a família era mais respeitada. Hoje, eu vejo meninas aqui de 12 anos exibindo estados de gravidez bem alterados, outras amamentando crianças na calçada. Eu fico pesaroso, quando reclamo, diz: “Não, isso é natural.” A tal de civilização está acabando com tudo isso. Isso eu estou fazendo constar no meu segundo livro.
P1 – E o senhor estudou lá em Vitória da Conquista?
R – Vitória da Conquista, eu fiz o curso primário até o quinto ano. Que, naquela época, para entrar no ginásio, tinha que fazer admissão, para ser admitido no ginásio. Esperava que meu pai... Quando foi aberto o primeiro ginásio de Conquista, pelo padre Paulo Soares Palmeira, ele foi com o meu professor Mario dos Santos, padre em casa do meu pai, para ver se devolvia aquele pensamento dele, modificava o pensamento dele, deixava eu estudar. Meu pai repetiu: “Não, eu quero ele na fazenda.” Então, eu fui para a fazenda e, durante o tempo que eu fiquei lá, mesmo depois que tirei o curso de laticínios, era cuidando de animais na fazenda, do gado, dos animais equinos, cavalares, muares etc. Fazendo farinha, fazendo cerca, puxando _______ de boi. Até quando eu vim embora para Joaíma, com 19 anos.
P2 – O senhor aprendeu, então, tudo com a prática?
R – Tenho tudo... Que sei fazer até hoje. E fui um bom administrador, porque aprendi com o meu pai. Aqui, eu comprei a fábrica de manteiga, eu vim com a carta de recomendação de um parente meu, ele vinha aqui de seis em seis meses, comprava dez, 12 mil vacas. E, quando eu concluí o meu curso, ele foi me visitar e perguntou se eu tinha coragem, se eu concluir o meu curso, se eu tinha coragem de enfrentar viver em uma vila no nordeste do Estado de Minas Gerais, no Vale do Jequitinhonha. Eu olhei para meu pai e disse: “Só depende de meu pai, de meus pais deixarem.” Aí, meu pai falou: “Te dou pleno apoio.” E aí eu vim até Pedra Azul, naquela época Fortaleza. Eu vim em cima de um caminhão carregando saco de farinha de mandioca para vender em Fortaleza. Lá, eu peguei o Fordeco 29, que estava consertando, reparando numa oficina, e, enquanto ele consertava, eu fiquei no Hotel Primavera, era o melhor hotel de Pedra Azul. Infelicidade, eu soube que este hotel está fechado, mas faz parte da minha história. E, quando saímos de Pedra Azul no Fordeco, distante de Pedra Azul uns 2 quilômetros, ele parou e perguntou, pediu minha identidade, meu nome, porque eu era muito jovem. Ele estava me conduzindo assim. De quem eu era filho, de onde eu nasci. Aí, eu contei: “Meu nome é Pedro Lemos, Pedro da Silva Lemos, nasci na cidade de Vitória da Conquista, meu pai chama-se Nicanor da Silva Lemos, fazendeiro, comerciante de gado bovino, concluí um curso de laticínios, estou indo tentar a minha vida na vila de Joaíma, estou sendo recomendado por Sérgio Moreira, você conhece?” Falou: “Conheço, é um dos homens mais ricos da cidade e de um coração magnânimo.” Aí, eu cheguei aqui, cheguei aqui no dia 27 de julho de 1942. Era vila, uma luz cintilante, as moças fazendo _________ aí na praça, e, muito curiosos, quando eu cheguei, todo mundo foi me conhecer (risos). Resultado é que eu estou aqui até hoje. Casei, tenho, tivemos nove filhos, um faleceu com sete meses, de nome Frederico, e eu tinha paixão por esse nome. Quando veio o segundo filho, aliás, depois dele, do primeiro, veio esse e eu dei o nome de Frederico Franklin. Temos a honra de tê-lo como nosso vice-prefeito, e, durante... Foi escolhido aqui, a princípio, eu fui chamado pelos tios da minha esposa, que era um chefe político da cidade. Isso já foi mais tarde, Joaíma já tinha emancipado. Fui convidado para deixar o meu partido político para ingressar no partido deles, para eu ser o candidato, eu não aceitei, falei: “Não vejo motivo para deixar meus companheiros e sou contra ditadura.” Eu sempre fui contra o governo de Getúlio Vargas, ainda criança eu era contra. E vivo aqui, fui vice-prefeito, fui juiz de paz durante 28 anos, e, hoje, na idade em que eu estou, eu já estou passando para os meus filhos. Estão ajudando, todos os meus filhos lecionaram para os seus conterrâneos, e eu me sinto muito feliz por ter cooperado para a educação de Joaíma. Tenho bons amigos. Após o meu livro, teve alguém que não ficou muito alegre comigo, até me trata com um certo desprezo, mas eu estou mais feliz do que eles imaginam, porque é certo que a carapuça assentou na cabeça de alguém. E, se acharem que eu cometi alguma injustiça, me leva para a justiça, que eu tenho prova de tudo o que eu escrevi, e eu assinei meu livro, eu assumi a responsabilidade por ele. Minha intenção não foi, em absoluto, ofender ninguém, foi contar a história, exclusivamente a história da cidade, que eu adotei como minha e a terra dos meus filhos. Hoje, minha terra também.
P1 – Conta um pouquinho para a gente sobre o seu livro.
R – O meu livro nasceu depois que eu... Você quer me fazer um favor? Aí debaixo tem um livro preto, a capa preta. Esse livro é a revista histórica da minha cidade de origem, minha irmã mandou para mim, e, quando eu vi a minha família dentro desse livro, dessa história, eu fiquei com pena de meus filhos de não terem história para contar. Então, resolvi escrever a história da cidade que um dia eu adotei como minha. E fui feliz e lancei o meu livro, sem propaganda, sem comentários. Eu já vendi mais de 600 livros e tenho recebido telefonemas, inclusive de senador da República pela Bahia, me dando os parabéns, que gostou muito do meu livro. Tenho filhos na América, uma filha, aliás, uma netinha, uma neta e mais um neto foram depois. Tenho um neto casado, mora em um Munique, Leonardo. Esse é meu dodói, como os outros também. Você pode fazer mais perguntas.
P2 – Quando que foi que o senhor ouviu pela primeira vez a palavra Joaíma? Conta para a gente essa história?
R – Como é?
P2 – Quando foi que o senhor ouviu pela primeira vez a palavra Joaíma?
R – Joaíma eu ouvi na minha cidade. Eu tinha um parente fazendeiro, por sinal muito abastado, de nome Joaquim Gusmão Sales. Todo ano, ele vinha aqui no nordeste do Estado de Minas e armava a barraca dele aqui, porque o gado daqui sempre foi melhor do que o rebanho de outros municípios vizinhos. Não sei por quê, o gado daqui pesava muito mais, como não havia balança, ele já sabia que, comprando na (terna?), na balança, ele ganharia pelo menos uma arroba, duas. E ele, durante muitos anos comprando gado em Joaíma, ele fez um laço de amizade muito grande com os fazendeiros. E, quando ele me fez aquela pergunta, se eu tinha coragem de enfrentar a vila de Joaíma, eu me senti tão empolgado e fui de cara. Aceito e vou enfrentar. Então, cheguei aqui há 65 anos passados e estou até hoje.
P1 – E, quando o senhor chegou, trabalhou em quê aqui?
R – Eu fiquei esperando chover, porque a fábrica de manteiga estava instalada e desativada, porque o proprietário capitalista não tinha tanto interesse de ver a fábrica funcionando. Ele queria ajudar um amigo dele, um libanês que veio morar aqui. Então, ele instalou a fábrica e entregou pra o libanês. Esse libanês chamava Fulano de tal (Mavromat Cury?), era o nome dele. Ele morreu repentinamente, novo ainda, e a fábrica ficou fechada. O parente do meu pai, sabendo disso, perguntou ao proprietário se a fábrica continuaria ou se ele ia vender. Ele falou: “Não, eu não fecho a fábrica. Você vai arranjar um candidato para mim.” Esse candidato fui eu, o indicado por ele. Deu-me uma carta de recomendação, que, apesar de muito jovem, qualquer negócio que eu fizesse aqui em Joaíma, ele era responsável por todos os meus atos. Agora, quero contar uma particularidade pra vocês. Quando eu servi o tiro de guerra em 1941, eu fui o melhor atirador do grupo de 200 e poucos atiradores. Eu punha uma bala onde eu queria, apesar de na casa do meu pai não ter transação com arma, essas coisas. E, quando eu tirei o, para receber minha carteira, a última prova que eu fiz, eu coloquei cinco balas reunidas e tirei o primeiro lugar do grupo. Agora, quando eu vim para Joaíma, às vezes era convidado, por determinados amigos que eu fiz aqui, para a gente ir, naquele tempo chamava de cabaré, hoje dá o nome de boate, né? (risos) Eu não ia, porque meu pai disse pra mim: “Quando você for convidado para qualquer evento, você põe o seu pensamento em nossa casa. Se a coisa for boa, você vai, e, se for ruim, eu sei que você lembra que eu não gosto disso e desiste.” Então, os convites que eu recebia eu não atendia, quase todos. Um dia, eu fui convidado para fazer uns tiros ao alvo, eu falei: “Diabo! Me chama para beber, eu não vou, me chama para dançar, eu não vou, me chama para ir no cabaré, eu não vou (risos).” Aí, eu topei. Falei: “Vou! Vamos atirar onde?” “No fundo do hotel.” Quando eu cheguei lá, falei para ele: “Nós vamos atirar em quê?” A pessoa que me convidou disse: “Nós vamos atirar nesse caco de telha.” Pegou um caco de telha e me mostrou. Falei: “Não, eu não atiro nisso, não. Eu não tenho armas, porque no meu Estado é proibido usar armas.” Falou: “Não, aqui tem onde você escolher.” Eu fui lá e escolhi um Smith & Wesson 38, e fomos lá para o fundo do quintal e peguei quatro garrafas, coloquei deitadas e falei: “É para botar uma bala na boca e arrancar o fundo sem ferir a boca da garrafa.” Todos me olharam, assim, com espanto. Eu ajoelhei e fiz os tiros mais bonitos que eu podia fazer em toda a minha vida. Correu um boato no dia seguinte, que eu era filho de papai rico, lá da Bahia, e que estava aqui afugentado, de um processo que eu deixei lá. Eu fiquei muito chateado com aquilo, tive até vontade de ir embora, mas, se nem a carta que eu trouxe eu havia entregue para o endereçado. Felizmente, graças a Deus, o prefeito da minha cidade chegou aqui depois de uns 20, 30 dias e recebeu visitantes de toda classe, principalmente os maiorais foram oferecer gado para ele. Quando ele me viu, ele levantou e abriu os braços. Todo mundo sentiu que eu não era o que eles estavam pensando. E perguntou: “Você, aqui?” Eu falei: “Estou aqui.” Ele disse: “Depois nós vamos conversar. Você vai almoçar comigo.” Quando eu entrei para banhar, alguém perguntou: “O senhor conhece esse menino?” “Conheço, é gente muito boa, de família importante da minha cidade, gente amiga.” Aí, contou para ele: “Ele fez uns tiros de revólver aqui, que deixou a cidade toda encabulada.” Aí, ele falou: “Tem razão, porque ele foi o melhor atirador do tiro de guerra. Eu sou o presidente, sou prefeito, eu sou presidente do tiro de guerra da minha cidade, e ele foi considerado o melhor atirador, mas é flor de cheirar e guardar.” Fiquei muito feliz com isso.
P2 – Como que era Joaíma, quando o senhor chegou?
R – Descalçada, desprovida de tudo. Não tínhamos telégrafo, não tínhamos correio, não tínhamos hospital. A cidade toda descalçada. A água era conduzida em barris, conhece o barril? No lombo do jumento, quem tinha. Quem não tinha carregava lata d’água na cabeça. Até encher as caixas. Estrada ruim, como são até hoje. Eu quero até, antes que eu me esqueça, porque na minha idade a gente pensa uma coisa e às vezes deixa fugir, eu gostaria que Joaíma, o Vale do Jequitinhonha, tirasse bom proveito desse encontro, dessa consagração, porque é em grupo que a gente adquire força, porque o que nós pedimos há 60 anos passados, se tivesse de pedir agora, pediria a mesma coisa: estradas. Então, chamam isso aqui “vale da miséria”, mas nunca foi “vale da miséria”. Vale de tudo, de amor, de respeito, de atenção, de tudo, enfim, para o melhor. Agora, o que acontece é o seguinte. Eu sou muito franco, nós temos um governo atual jovem, ele não conhece o Vale do Jequitinhonha. Esse é um sonho em ser presidente da República. Eu não sei se eu vou poder votar daqui mais três ou quatro anos, que, pela idade que eu tenho, eu não sei se vou alcançar, mas se chegar lá não voto nele por causa disso. Se ele não conhece bem o seu Estado, como é que ele vai administrar o nosso país? Votei em Lula, não por ser petista, mas pelo desrespeito com que estava vivendo o nosso país. Pegando tudo que era nosso e privatizando por preço irrisório. Eu tenho a maior paixão de ver a Vale do Rio Doce na mão de estranho, trazendo gente lá de fora para ocupar o espaço que nós brasileiros podíamos ou podemos fazer, né? Então, vocês me desculpem se eu fui grosseiro, mas é o meu sentimento, e quando eu sinto eu gosto de desabafar.
P1 – Seu Pedro, eu queria que o senhor contasse um pouco para a gente o que o senhor acha sobre o Vale do Jequitinhonha? O senhor sabe também um pouco da diferença das regiões de alto, médio e baixo?
R – O alto Jequitinhonha eu conheço muito pouco, mas, pela cultura, representa muito para nós aqui do médio. Vale, Diamantina, que nos deu um presidente, apesar de eu nunca ter votado em Juscelino, mas sempre tive muita simpatia por ele. E fez uma administração linda. Foi quando eu perdi um complexo de ser brasileiro, quando ele abriu as fábricas automobilísticas, tratores. Abriu rodagem de Belém do Pará ou lá, como é que dá o nome? É a de Norte a Sul, a estrada Belém-Brasília e, assim, sucessivamente, ele deu uma sacudidela no país, que hoje eu me sinto orgulhoso em ser brasileiro. Agora, o médio Jequitinhonha, que eu conheci bem, era muito rico, muito gado, muita lavoura, muita esperança, gente com vontade de fazer alguma coisa, mas não encontrou apoio do governo. Os deputados só vinham aqui em época de eleição. Os dois últimos deputados nos quais eu votei têm nos dado coisas, que outro recebeu votos durante 12 anos e não deixou a marca dele aqui. Não quero citar nome para não ofender, mas a vontade que eu tenho é de citar. Em respeito a vocês, eu não vou citar o nome de ninguém. Conheço lá o Vale do Jequitinhonha, daqui para o Salto da Divisa, onde confronta com a Bahia, um trecho de estrada que liga Almenara a Porto Seguro. O governo da Bahia trouxe o asfalto do sul até o povo de Salto da Divisa, e o governo de Minas ficou só em promessa, de vez em quando reunia, vinha aqui, fazia festa, comia churrasco, tomava uísque. Mas a estrada asfaltada nós não temos. As pontes daqui de Joaíma eram de madeira, então, determinada época política, um candidato a prefeito chamava “pinguela da morte”. Eu tenho guardado os retratos das pontes de antigamente. Hoje, nós temos asfalto, nós temos as pontes de cimento armado, dado por Nilton Cardoso, que alguém não gosta, mas foi quem reparou, foi quem corrigiu tudo aqui para nós, nos deu estrada asfaltada, nos deu as pontes – senão, nós estaríamos aqui ilhados, sem poder sair daqui para lugar nenhum –, nos deu mais de 50 casas populares com banheiros com madeiras de lei, nos deu um centro esportivo, nos deu um campo de futebol, nos deu uma rodoviária, nos deu muito mais. Na hora, a gente até esquece, mas foi o melhor governo, e vai ficar na história da nossa cidade, porque eu tenho gravado em minha cabeça o nome de Nilton Cardoso.
P1 – E culturalmente?
R – Tem melhorado muito. Depois que a Unimontes entrou aqui, a gente conversa hoje com uma garota de 14, 15 anos, felizmente, graças a Deus, todas elas têm o ginásio, outras já têm o curso médio, e a maioria está querendo prosseguir. No dia em que a mentalidade desse povo juntar, unir, o progresso vai chegar, porque sabe escolher os candidatos para governar o nosso país. Porque vêm aqui dando dentadura, é oferecendo sapato velho, roupa velha, um pratinho de comida. Isso não resolve. O PT nasceu dentro da minha casa. Meu espírito democrático. Quando meu filho estudava, os meus filhos estudavam, dois deles foram estudar lá em Fortaleza. O primeiro saiu para fazer o curso de Medicina e Fred concluiu o curso médio, foi fazer o vestibular, também lá, para ficar com o irmão. E eles voltaram de lá, um é médico e o outro fez Ciências Contábeis e Administração Pública. Então, eu vejo Joaíma hoje muito diferente da Joaíma que eu conheci quando cheguei. Indivíduo não sabia escrever o nome, ele batia o dedão. Hoje, eu fico feliz por ver uma criança de cinco, seis, oito anos vir vindo na minha casa me pedir para contar a história de Joaíma. O prefeito me adquiriu 50 livros em minha mão, atendendo o meu pedido. Isso era coisa para ele ter feito, é meu amigo, que eu gosto muito dele, confio muito nele. Espero que vá fazer uma das administrações mais bonitas do Vale do Jequitinhonha. Ele não tem papo, ele faz as coisas tipo do mineiro mesmo, em silêncio, mas resolve. Então, essa festa, essa vinda de vocês aqui no Vale vai ser um sustentáculo para nós e uma provocação para esses governos. Vê a arte, as mulheres lavando roupa e cantando, esfregando, como é que lava roupa. O vaqueiro sendo homenageado, como foi outro dia aqui em Joaíma, em praça pública. Foi meu vaqueiro, trabalhou comigo 20 anos. Tá no meu livro. Quando ele foi pedir o emprego em minha casa, ele disse: “Eu fiquei sabendo que um vaqueiro não fica com o senhor mais nem seis meses.” Eu falei: “Tem sido assim, e, se o senhor for igual a eles, não fica mais nem seis semanas. Agora, se for o homem que eu estou esperando, quem sabe o senhor vai jogar terra no meu rosto, aí eu jogar no rosto do senhor?” Ele trabalhou 20 anos comigo, é meu amigo, meu filho, devo a ele uma distinção como melhor vaqueiro da região. Eu fiquei muito feliz no dia, foi no dia em que a minha esposa adoeceu, e ela não pôde acompanhar a inauguração da Secretaria de Educação.
P1 – E a questão do ensino aqui, falando da Secretaria de Educação. Você acha que ele melhorou bastante agora?
R – Como?
P1 – Tem novas escolas?
R – Temos, nós temos o ginásio. Antigamente, tinham escolas reunidas, é o primeiro, segundo, terceiro, quarto ano, todos daquele mesmo reduto ali embaixo. Hoje, nós temos colégios especializados. Tem curso de Comércio, tem curso superior de História e outras coisas mais. Eu vejo a menina hoje com 14, 15 anos, curso médio realizado, e já dando segundo passo para botar um anelzinho no dedo e ter um diploma de curso superior. Então, isso que é riqueza. Eu nunca fui encabulado com fazenda, porque minha família toda foi fazendeira, considerados os maiores latifundiários da minha cidade, a família Lemos. Mas eu acho que o que cresceu mais fui eu, que dei a cada filho um diploma e dei exemplo para muitos. Reuniu muito gado, reuniu muita terra, mas não deu a um filho um anel de doutor. Então, eu me sinto orgulhoso.
P2 – Eu queria que contasse, quando o senhor chegou e agora, qual a diferença entre as festas populares? Tinha muita festa antes? Tem mais agora? Como que é?
R – A festa de antigamente era festa entre famílias. Não havia clube naquela época. Então, um cidadão assumia o compromisso de comemorar o Natal, ele preparava a festinha, a gente ia encontrar lá na escola reunida. Tinha uma orquestra muito boa, constituída por filhos de Joaíma, inclusive dois deles fizeram curso, foram prestar o serviço militar no Rio de Janeiro. E havia uma orquestra muito comentada, muito bonita, muito boa. Severino Araújo, Tabajara de Severino Araújo. Dois deles fizeram o concurso, passaram e ingressaram, ficaram lá no Rio de Janeiro tocando nessa orquestra do Severino Araújo. Então, eu continuo dizendo, a cultura representa muito mais do que o dinheiro. O dinheiro é um meio, e a cultura você avança.
P1 – E o senhor foi no Festivale?
R – Não fui, dado o estado de saúde da minha esposa. Eu, sair daqui para a festa e deixá-la sobre uma cama? Eu deixei de prestar meu apoio cívico, mas estou guardando isso dentro do meu coração. A satisfação que eu tenho é de ver meus filhos tomando parte. Robertinho é meu filho, Fred é meu filho, Eliana é minha filha, Regina é minha filha. Todo mundo está dando um pouquinho para aqueles que vêm de fora.
P1 – E conta para a gente uma história que o senhor costuma contar para as crianças aqui, que sempre vêm. Uma história aqui da região.
R – História, eu vou contar uma história para vocês. Em 1950, nós recebemos a visita de um Deputado Federal, o Doutor Afonso Arino de Melo Franco, genro do Presidente da República Rodrigues Alves. É uma coisa até muito triste, muito desagradável, mas é a verdade. Uma das histórias que eu sei contar. Então, o delegado de polícia da época negou que a gente fizesse um comício em praça pública e que eu levasse ao conhecimento do deputado. Falei: “Nós estamos aí com dois deputados, um deputado Estadual e um deputado federal, Fidelcino Vianna Filho, deputado estadual, casado com uma filha da terra, e Doutor Afonso Arino de Melo Franco e sua esposa, Dona Ana.” Aí, disse: “Pois o senhor avisa, você avisa para eles que eu não quero que realize essa festa aqui hoje, esse comício.” Eu até fico acanhado de dizer, meu pai mandou dois homens para aqui, da fazenda para aqui, para ficar comigo, porque alguém contou para meu pai que minha vida estava correndo risco. Quando eu ia num comício, eu deixava uma carta com a minha mulher. Se eu morrer ali, atirado por alguém, você entrega essa carta para meu pai, porque tem resposta (risos). É um caso até meio chato, meio triste contar isso para vocês, mas estou contando, depois vou contar um mais suave, viu? Pois bem, terminou eu levando isso ao conhecimento do Deputado Federal, Doutor Afonso Arino de Melo Franco, e a esposa dele veio na hora também. Falou: “Pois meu esposo vai falar em praça pública ainda que ele seja esbagaçado como fora Tiradentes, mas a juventude joaimense vai ouvir o meu esposo.” Eu bati palma para ela e contei com o apoio de outros amigos e já estava, também, com dois homens na minha casa. Eu levei, trouxe eles atrás de mim para me acompanhar, porque a gente ia reunir aqui no sindicato. Fizemos o comício. O prefeito da cidade, o primeiro prefeito da cidade, Francisco Costa, chamou o delegado e contou: “Você está fazendo um papel muito feio, a passagem desse homem por Joaíma é um marco de civilização, nós devemos bater palma para ele, e repara a senhora dele, filha de um ex-Presidente da República, Rodrigues Alves. Vai para casa e deixa os jovens ouvirem a palavra do deputado.” Mas o deputado, a mulher falou na cara do deputado: “Eu quero vê-lo esbagaçado em praça pública, mas ele vai falar para a juventude.” A noite era para a gente fazer uma... Era, não. Fizemos a reunião em casa do Senhor Miguel Grapiuna. Miguel Grapiuna era um fazendeiro de Jequitinhonha, veio para aqui “gente”, trabalhou durante muitos anos como canoeiro. E, à noite, eles desligaram a luz, pertencia à prefeitura, e nós botamos 18 veículos com os faróis acesos na frente da casa do homem para fazer o corneio, para fazer o encontro com o deputado e a esposa dele. Mas fizemos. Então, nós atravessamos. Agora, teve uma festa muito bonita em 45, quando Benedito Valadares veio fazer uma visita ao norte, nordeste do Estado de Minas Gerais, e Joaíma, como sempre, apresentou um desfile de vaqueiros encourados e apresentou 300 e tantos vaqueiros. E Benedito bebendo uísque, ouvindo discursos. Ele chorou. Um dos vaqueiros de Joaíma, representando uma criança, levou um laço e entregou para ele: “Aqui é o vaqueiro do norte de Minas, que entrega para o vaqueiro do Triângulo Mineiro.” Ele agradeceu chorando, disse que lembrou da infância dele, quando cavalgava pelos campos de propriedade da família. São festas que deixam a gente com saudade até hoje, e outras que a gente guarda para contar, mas com alegria também, porque já passamos daquela fase. Ou por aquela fase. Já está vivendo a fase completamente diferente. Infelizmente, em Joaíma, ainda se trata o eleitor como animal. Quem votou no 31 tem aquela marca, é o 31, eles não têm direito a nada. Quem votou no 45, 31 para não gostar dele também, que ele é contra. Isso precisa acabar. Voto é ideal. Você pensa de um modo, eu penso do outro. É como entrar num campo de futebol, você torce para o Corinthians, esse torce para o São Paulo, divide na hora de separar a torcida, mas depois do jogo a gente encontra cá fora, toma uma cerveja junto, faz uma brincadeira, não é assim? Então, isso precisa acabar. E vai acabar justamente com a cultura.
P1 – O senhor começou a se envolver mais com política quando?
R – Logo que eu cheguei, porque eu já trouxe comigo aquele espírito de independência. Eu nunca gostei de ditadura. Quando o meu filho estudava em Fortaleza, ele veio para aqui e disse para mim: “Pai, nós vamos fundar o PT.” Ele viu tanta miséria lá no Norte e Nordeste do país, apesar de ter nascido em uma casa, modéstia à parte, independente de tudo, graças a Deus. Ele sentiu o que ele viu lá. E fundou o PT, posso dizer, no fundo da casa. Ele e um primo, meu sobrinho Donizete, desbravador, tanto quanto aqueles que entraram na floresta para fazer Joaíma. Um trabalhador ganhava 14 reais por mês. E o Donizete, então, depois que fundou o PT, levantou uma bandeira aqui, uniu com os trabalhadores, com o povo mais pobre e gritou por um salário melhor. De vez em quando, chegava aqui um delegado com o nome de Donizete na carteirinha, já para perseguir Donizete. Ele deve ter recebido uns 20 e tantos processos, mas não respondeu por nenhum, porque não tinha provas, não tinha. Era denúncia vazia. Se achasse bonito o candidato do partido de situação, não batiam palma, não. Se falasse que era feio, eram dois, três processos. Meu filho tem 40 e poucos anos, está com a cabeça tão alta quanto a minha, levado por isso, mas eu bato palma para ele, porque a gente tem que lutar, tem que dar a vida àqueles que vivem oprimidos. Então, daí que eu gosto de Juscelino, porque Juscelino tinha um espírito democrático. Quando ele foi caçado, ele recebeu, dirigiu uma carta para Tancredo Neves – taí, que eu vou lançar no segundo livro –, ele agradecendo a Tancredo Neves por ter ido ao campo de pouso, quando ele saiu daqui para a França, como figura não grata aos políticos daquela época. Agora, não votei em Juscelino, se perguntar, por quê? Eu digo, porque na época nós tínhamos opções, nós tínhamos outras figuras também. Eu era Lacerdista doente. Porque Lacerda era um homem de muita coragem (risos). Gostava também do Tenório Cavalcante da Baixada Fluminense, porque era um alagoano também, de muita coragem. Agora, nós tínhamos homens aqui em Minas, como Pedro Aleixo, Milton Campos, Oscar Dias Correia e tantos outros. Se eu for enumerar, eu vou passar o resto do dia aqui, sabe?
P2 – O senhor escreveu o livro contando essa história, sua e da política, mas também muita história de Joaíma. Conta um pouco para a gente a história de Joaíma. Quando começa? O que o senhor conhece da região?
R – Quando eu cheguei, em 42, a riqueza daqui era bovina. Os compradores vinham de fora, da Bahia, de Montes Claros. Eu consto o nome de todos eles no meu livro. Eles compravam aqui na região de Joaíma 50 mil bois, todo ano, boi para inverno. Comprava o boi de 2 anos, conduzia para lá. O boi é conduzido por terra, nós tínhamos aqui os condutores, os comerciantes, inclusive o Coronel Moreira, que tem a praça ali com o nome dele, foi um também, desbravador. Ele comandava esse grupo, Lídio, o Coronel Lídio Araújo, Guita, Gustavo Guita, e inúmeros que iam levar o boi daqui para Montes Claros, para Curvelo, e outros iam levar para Feira de Santana na Bahia. Era uma viagem de muito sacrifício, e na época não tinha banco, o dinheiro vinha nas malas. Eu digo isso, porque o meu pai também fez a mesma coisa. Ele pegava uma boiada que ele comprava, ia vender em feira, 30 dias na estrada conduzindo boi. Recebia o dinheiro, botava na mala. A mala, à noite, transformava numa cama.
R – Chegava gado da Bahia em Conquista, ia pagar o gado que ele comprou com prazo de... Naquela época, comprava o boi até com quatro meses, seis meses. E o animal equino se comprava aqui, com prazo de casamento. “O dia em que você casa, você me paga.” (risos) Se o indivíduo não casava, não pagaria nunca. Então, o comércio, muito intenso. A lavoura não foi tão grande, os fazendeiros mais preocupados com a lavoura, plantavam para consumo da fazenda. O transporte era muito difícil, era através do caminhão, demorava daqui para Montes Claros, eram 15 dias, era um sacrifício. Às vezes, você tinha, fazia um trato de uma viagem ou de comprar um gado daqui a 20, 30, 50 quilômetros. Você podia marcar o dia de chegar, mas nunca marcava a hora de chegar, porque a estrada, às vezes, com chuva, interrompia tudo. Outra hora, o fogo queimava os mata-burros, às vezes, até o sujeito. Um pau caía, e alguém aproveitava para fazer daquele pau uma trincheira para matar alguém, e chegou a matar gente por engano. Eu estou contando também no meu livro (risos).
P2 – Pode contar mais, está ótimo.
R – Hein?
P2 – Pode contar mais história. A gente quer entender também por que o senhor foi vivendo essa sua Joaíma, que foi crescendo, e era fazendeiro? O senhor era...
R – Essa que quis a emancipação de Joaíma?
P2 – Não, na época em que o senhor foi... Crescendo em Joaíma, com 20 anos para cá, a cidade foi crescendo, e o senhor trabalhou com gado também?
R – Ah, sim, eu trabalhei nove anos com a fábrica de manteiga, eu sofri demais. Muito jovem, inexperiente. E a indústria, seja ela qual for, requer muito dinheiro. Nós não tínhamos banco, não tínhamos estrada, e eu enfrentei. Então, quando eu comprei a fábrica, quando eu saí de Conquista, minha mãe me deu um envelope fechado, na hora que eu me despedi dela, ela falou: “Quando você resolver ficar ou voltar de lá para cá, você abre esse envelope.” Quando eu cheguei, que comprei a fábrica, eu fiquei mais de 1 ano para comprar a fábrica, até que um médico da minha cidade me viu e conheceu pelos traços. Falou: “Eu te conheci em Conquista, de quem você é filho?” Eu contei de quem eu era filho. Aí, ele disse: “Eu sou casado com a conterrânea sua, eu sou o médico que trabalha aqui em Rio do Prado. O que que você faz aqui?” Aí, eu fui e contei: “Eu trouxe uma carta de recomendação, para um coronel daqui, não estou tendo facilidade de falar com ele, porque os puxa-sacos não deixam.” Aí, o companheiro dele era chefe político também, lá em Rio do Prado, facilitou minha vinda, que ele morava aqui nessa casa, o meu recomendado, o apoiador, né? O Sérgio Moreira morava nessa casa, foi ele quem construiu. Então, quando alguém me viu, eu não sei se eu devo contar para vocês, que um dia chegou um tenente da polícia em Joaíma. Houve um crime, mandou chamar umas pessoas para assinar a rogo e eu fui intimado. Aí, eu falei: “Fala com ele que eu não vou não, a rogo é favor, se faz quando quer.” O meu sogro estava com ele lá na delegacia. Quando contou, que o Tenente Ivo falou: “Pois é, ele vem de qualquer maneira.” Eu tinha comigo mais uns quatro companheiros, eu falei com eles: “vocês saem, porque eu não vou, não.” A avó do meu amigo Márcio Canguçu, se é que eu posso chamá-lo de amigo, saiu fora e disse: “Oh, meu filho, vai, faz de conta que eu sou sua mãe.” Falei: “Se minha mãe estivesse aqui, Dona Alice, ela não deixaria eu ir de jeito nenhum. E eu não vou, não.” Joguei as correspondências que eu tinha retirado do correio, e ele veio com a polícia, e aí nós tivemos uma luta, e eu fui superior a todos eles. Eu lutava bem a capoeira, lutava boxe, eu frequentei a academia de boxe e capoeira. Porque o baiano que não sabe lutar a capoeira, ele não é baiano (risos). O meu sogro falou com o tenente: “Cidade de gente muito atrasada.” Ele falou: “Mas ele vem de qualquer maneira.” Quem mandava na cidade eram os tios da minha esposa, era o chefe político. Aí, um deles veio, e esfregando uma mão na outra: “Uai, meu filho, depois nós damos um jeito, eu lhe tiro.” Falei: “Não, senhor, homem depois de “desfeitiado” não tem quem tira essa desfeita dele, não. Eu não vou, não. Quem é esse moleque para me prender?” E, aí, veio um coronel de avião, veio para aqui e mandou me pedir para vir ao hotel encontrar com ele. Contei a história para a ele, o tenente ouviu. Aí, ele falou: “O senhor procedeu mal, a rogo é favor, se faz quando quer, e o senhor não tinha autoridade para mandar prender o rapaz.” Levantou, me abraçou e disse: “Agora, você pede desculpas a ele.” Tenente chamava Tenente Aderbal, e o coronel chamava Altino Machado. Eu conto a história, conto os fatos e mostro as fotos (risos). Então, dessa data para cá, eu entrei na política, foi fundada a UDN, era UDN e PSD. O meu sogro era pessedista doente. A família da minha esposa toda era de chefe político daqui, era tudo. Aqui, eles mandavam e desmandavam, como até hoje, têm muita força política, mas eu nunca gostei disso, eu gosto da liberdade. Você tem liberdade, meus filhos têm liberdade, foi daí que a gente fundou, meu filho fundou o PT, e eu bati palma para ele. Isso aí.
P2 – O senhor contou, assim de passagem, que tinha um apelido, Pedro Coió, é isso?
R – Não, era o correio, que conduzia as correspondências daqui para Jequitinhonha, era o correio, chamava-se Pedro, ele tinha o apelido de Pedro Coió. Quando o telegrama do meu pai chegou aqui, ele trouxe. Quando eu tomei conhecimento, a minha esposa já sabia, minha noiva já sabia, porque ele contou. Falou: “Ah, os pais do seu noivo aceitaram o casamento (risos).” Então, a gente está lembrando disso.
P1 – E como começou essa vontade de escrever?
R – Nasceu disso aí. Quando eu vi o meu nome, o nome da minha família na história de Vitória da Conquista, eu achei que devia lançar um livro também, contando a história dos meus filhos. Então, eu dediquei isso à minha esposa, consta no livro, aos meus filhos.
P1 – O senhor já escreveu outras coisas também, poesias, contos?
R – Não, eu gosto muito da poesia, mas não tenho dom nenhuma pela poesia. Gosto muito de Castro Alves. Tenho livros dele. Agora, gosto muito de Jorge Amado e outros. Só não tenho a cultura, infelizmente, eu não tenho a cultura que eles têm. Agora, o meu propósito não era de mostrar conhecimentos culturais, era de contar histórias sem mentira, falar a verdade nua e crua. Tanto assim que eu assinei, eu sou o responsável por tudo que eu escrevi, mas tenho provas. Eu não tive a intenção de ofender ninguém, em absoluto.
P2 – E o segundo livro é sobre o quê?
R – É, eu estou contando, deixa eu pegar um pouquinho dele aqui. Posso levantar?
P2 – Tirar o microfone. Não, pode, só tirar o microfone. Aí, põe de novo.
P1 – Seu Pedro, queria que o senhor falasse para a gente, qual a importância, que o senhor vê de Joaíma para o Vale do Jequitinhonha?
R – A influência de Joaíma, eu acho, não é superior a nenhuma das cidades vizinhas, mesmo porque Joaíma nasceu de Jequitinhonha. Jequitinhonha nasceu de Araçuaí. Almenara nasceu de Jequitinhonha, Salto da Divisa nasceu de Almenara. Então, o entrelaçamento é muito forte. Joaíma teve o privilégio de contar com determinados criadores de renome, como era o Coronel Lídio Araújo, é o pai de Eduardo, aquele cantor, ele nasceu aqui. Aqui tem esse centro cultural, que recebeu o nome dele. Foi um dos homens que conseguia trazer muita coisa para Joaíma, apesar de ele não ser político. Ele tinha um espírito muito elevado, ele queria tudo melhor. Também nós tínhamos aqui perto um Epaminondas Melo, da Cunha Melo. Eu estou até procurando algo mais em torno do nome dele, para fazer constar no meu livro. Doutor Santos Guimarães, a família Martins, que é a família do Doutor Santos, uma das famílias mais ricas do Vale do Jequitinhonha. Mas a pobreza participou muito desse povo. Foi criada uma casa, que aproveitou muito a capacidade, jovens, crianças, que viviam pelas ruas. Almenara também nós temos... Então, eu não vejo Joaíma superior a nenhuma dessas cidades. A influência que tem é só de amizade, e acho que devia haver união dos três vales: Vale do Jequitinhonha, Vale do Mucuri e Vale do Rio Doce. Formar uma corrente em torno dos três vales, porque eu conheci Uberlândia, conhecida mais por Uberabinha. Uberaba era cidade dos graúdos ricos, sociedade muito fechada. Uberlândia, eu tive o prazer e a honra de ter como amigo o Virgílio Galassi, que foi prefeito por quatro vezes lá em Uberaba, em Uberlândia. E um dia eu perguntei: “O que você fez para que Uberlândia tivesse um crescimento tão forte, tão grande, e hoje é a terceira cidade do Estado de Minas Gerais?” Então, ele disse: “A política faz muito e atrapalha muito, quando há compreensão, você vai do lado de lá, que foi contra você, escolhe os melhores e pede união.” Vamos trabalhar em benefício da nossa cidade? Vamos. Então, acabou aquela fantasia, meu inimigo político, não. Político é um ideal de qualquer cidadão, qualquer cidadã, mas desde que pense no melhor para a sua cidade deve ser aplaudido, né? Eu faço votos e peço a Deus para que haja mais compreensão em Joaíma, acabar com essa intriga, com essa “bobajada”. Porque, se o fulano ganhou, não, a cidade é nossa, vamos aproveitar a capacidade administrativa de cada um deles. Aquele que demonstrar melhores conhecimentos, vamos seguir a orientação dele e ajudá-lo, não é verdade?
P1 – E o Vale do Jequitinhonha é, no Brasil, que que o senhor acha? Qual o papel do Vale do Jequitinhonha? O que ele representa?
R – O Vale do Jequitinhonha podia representar muito mais se tivesse contado com o apoio governamental há mais tempo, porque a riqueza daqui está por vir. Mesmo assim, o Vale, para mim, ainda é o Vale do futuro. No dia em que o indivíduo adquirir mais conhecimentos, cultural, mental, espiritual, podemos levantar, porque daqui têm saído pessoas que não serviram para ser nem aguadeiros, hoje são industriais lá fora. Então, ele levou daqui o quê? A inteligência. E nós temos. Não sei se vocês viram a demonstração de uma criança cantando Joaíma. Eu arrepio, porque eu tenho muito amor por Joaíma. A terra dos meus filhos. Eu gostaria de ver Joaíma junta, unida. E, como Joaíma, as demais cidades unidas uma com a outra, exigindo o melhor, porque eles só vêm aqui comer festa. Varre a rua, prepara a festa, churrasco, bebida, eles saem daqui dizendo: “Ah, o povo de lá é muito rico, não nos faltou nada.” Mas eles deixaram de fazer muita coisa por Joaíma, né? Ou pelo Vale do Jequitinhonha. Então, eu referi Nilton Cardoso, sem favor, sem favor, o que ele deu para Joaíma nenhum outro governo nos deu. Se diz que ele roubou, os outros também roubaram, mas ele roubou e fez, se é que ele roubou, que eu não sei. Agora, eu tenho muita consideração por ele por causa disso, porque nós hoje estamos ligados ao asfalto, estamos ligados à civilização. O meio de transporte para nós, hoje, já não é tão difícil. Agora, o que que falta? É mais cabeça, é mais entendimento, é mais capital. O Lula, quando saiu candidato, pré-candidato à presidência da República, ele passou por Montes Claros, veio até Joaíma. O almoço de Lula, quem fez foi minha esposa, a pedido de Virgílio Guimarães, porque tiveram medo de botar qualquer coisa na comida dele em um restaurante qualquer, aqui em Joaíma. Então, o almoço foi minha esposa. Fez com imenso prazer, e, quando a marmita chegou lá no lugar onde eles estavam reunidos, Patrus Ananias e outros, e outros amigos da gente, Nilmário, pelo cheiro da comida eles queriam participar da comida, do prato de Lula. Lula, foi a única cidade em que o prefeito não foi visitá-lo, porque disse que o PT era gentinha. Isso eu falo com vergonha, sabe? Mas eu dou prova disso, Lula quando ganhou a eleição, uma ponte que ele prometeu, a Itinga, foi construída. E ele tem feito muito mais do que todos eles juntos. Porque tirar um operário, chegar à presidência da República, esse indivíduo tem valor, gente. Passou fome, veio de uma cidade pobre, pegou a família dele toda, levou para São Paulo. Na maior cidade da América do Sul, esse cidadão aparecer da maneira que ele apareceu, chegar à presidência da República. A administração dele está servindo de amostra para muitos outros países. Então, eu não tenho arrependimento pelo que eu, pelo o que nós fizemos por Lula, e por meu filho ter acompanhado. Agora, eles foram grosseiros também com a gente. Eu tenho um sobrinho que levou, foi processado mais de 25 ou 30 vezes, aqui no fórum de Jequitinhonha, Donizete. Eu comecei a dizer para vocês, a princípio, mas eu converso demais e vou misturando uma coisa com a outra. Donizete lutou pelos salários. Hoje, todo mundo ganha, tem o salário, tem o 13º salário, isso graças a Donizete. Nós tivemos uma eleição ganha aqui dentro do Município e perdemos dentro do fórum de Jequitinhonha. O juiz roubou, abriu as urnas à meia-noite com o delegado, o prefeito, o candidato a prefeito e mais uma pessoa. Nós ficamos sabendo de tudo isso, e eu fui muito bobo, muito inocente, porque no dia em que eu saí daqui com minha filha Eliana, para assistir a contagem dos votos das urnas de Joaíma, veio uma funcionária, a mandado do juiz de direito da comarca, dizer para mim que as urnas de Joaíma seriam abertas no dia seguinte, às 12, a partir das 12 horas. Ele não me conhecia, porque mandar aquele recado para mim? E eu fui tão bobo, o homem que não pensa em roubar, pensa que não existe ladrão nem perto dele. E, aí, o que aconteceu? Eles abriram as urnas dentro do banheiro, tiraram os votos que o meu sobrinho recebeu. E o juiz recomendou aos mesários, para os papéis que eles levavam para boca da urna, depois fechar, autógrafo, é (autol?) que chama, né? Aquele negócio? Quando ele abriu as urnas para tirar os votos, ele botou as mesmas assinaturas, os mesmos cuidados que os mesários tiveram de lacrar as urnas, ele colocou, e nós ficamos sabendo disso. Eu fui intimado pelo delegado para ir em Jequitinhonha, eu não fui, não, porque os que foram primeiro o juiz teve receio de ser divulgado isso, e a gente ganhava na justiça. Mandou que eles voltassem, e, depois, o delegado, ele até foi assassinado há pouco tempo aqui em Betim, com 14 tiros e cinco apunhaladas. Foi o maior bandido que passou pelo Vale do Jequitinhonha. Então, nós choramos até hoje, por clemência, que o povo mineiro se une em torno de Minas, principalmente o Vale do Jequitinhonha. Vale do Mucuri, que é a mesma coisa. Vale do Rio Doce, gente honesta, tão boa. Que eu vim a passeio e estou aqui até hoje. E não pretendo sair daqui mais, não, porque nessa idade que eu estou... Quem comer os ossos, quem comer a carne dá os ossos, né? Então, eu tenho que dar a minha alma para aqui. Eu quero aproveitar o ensejo, agradecer a equipe que vocês representam, e que seja muito bem tratado pelo Vale e que, se tem alguma impressão ruim do Vale, faça desaparecer aqui, porque o Vale é tudo para nós. E vocês vão contribuir para que Joaíma, Jequitinhonha, Rio do Prado, Felisburgo, Rubi, Almenara cresçam, e que tragam capital para aqui. Não deixar que o povo da região perca a esperança de ver um Vale melhor, né? Se eu estou esquecendo de alguma coisa, eu gostaria que vocês fizessem mais perguntas (risos). Ou eu estou sendo chato (risos).
R – Considerado, eu nunca fui, abracei e beijei. Você tem razão, né?
P2 – Então, Pedro, a gente está atravessando o Vale com esse projeto, escrevendo histórias como a do senhor, registrando memórias das pessoas. Eu queria saber o que o senhor acha desse projeto? Qual a importância? Qual a sua opinião sobre esse projeto?
R – Qual é o projeto?
P1 – Este que a gente está fazendo de pegar entrevistas como a sua.
R – Oh, estou achando ótimo. Eu estou envaidecido, pode crer. Uma das visitas mais importantes que eu recebi em minha casa foi vocês. Eu não estou sendo tapeado como os políticos vêm, me tapeiam. Lula ganhou a política, e nós não recebemos um apreço sequer dele. Meu filho, meu sobrinho foram processados, injustamente, perdemos uma eleição ganha pelo povo. Então, isso é que me traz desgosto, já chegar no fim de minha vida e descobrir que na política existe tudo isso. Então, vocês, com toda firmeza, com todo o amor que eu tenho, com o caráter que eu possuo desde criança. Vocês vieram em minha casa trazer alegria e que continue assim. Vocês estão dando apoio ao povo do Vale em benefício do próprio país. Eu lamento profundamente a minha esposa não estar aqui comigo, vocês sabem por quê, mas eu estou com o coração partido, porque ela sempre foi alegre, sorridente, extrovertida. Conhece o Brasil de norte a sul. O sul ela conhece, conhece a Argentina, conhece o Uruguai, conhece o Paraguai. Os Estados Unidos ela já foi três vezes, sozinha as duas vezes, a última ela foi só, na idade em que ela estava. Eu sou muito agradecido a Deus e sou muito feliz pela família que eu tenho. Agradeço a vocês com muita estima, com muito carinho, e que Deus os leve e dê a outra oportunidade a outras cidades para passar, experimentar o que eu estou experimentando aqui, agora. Aquilo que eu tinha vontade de falar e nunca fui ouvido. Eu tenho certeza que vocês não vão cortar o que eu falei aqui. Tenha coragem, porque quem vai pagar por isso sou eu, sabe? (risos)
P1 – Ah, a gente queria agradecer.
R – Não tem que agradecer nada.
P1 – É que a gente está muito feliz de estar aqui também, no Vale do Jequitinhonha.
R – Muito obrigado.
P2 – Obrigado o senhor.
R – Muito obrigado por tudo e por todas... A minha filha está chegando ali agora, Regi.Recolher